EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes

Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária e interesse em agir

Acórdão do TRL de 27.04.2017 [i]

I – Ao nível do Direito nacional constituído, as consequências mais visíveis da falta de interesse em agir situam-se no domínio das custas, sendo que o conceito em apreço não surge integrado, de forma verbalizada, entre os pressupostos processuais legalmente reconhecidos.
II – Porém, encontra-se no Direito constituído reconhecimento de relevo estritamente processual à falta de interesse em agir.

III – Face à inexistência da obrigação legal de instauração de acção arbitral sempre que é publicitado o pedido de Autorização de Introdução no Mercado para um medicamento genérico e porque a mera formulação de tal pedido não gera, por si só, qualquer violação ou ameaça de violação da patente relativa a composto farmacêutico utilizado na produção de medicamentos, não existe interesse em agir do titular dessa patente em acção em que peticione a abstenção de violação dos direitos emergentes da mesma e a interdição de alienação a terceiros das AIM, à míngua de outras circunstâncias que apontem para a verosimilhança da previsão da violação de um direito.
IV – A necessidade de protecção legal que subjaz ao interesse em agir não se pode confundir com o mero convencimento subjectivo da materialização dessa necessidade.
V – A falta de interesse em agir na situação descrita impõe a absolvição das Rés da instância, o que gera a responsabilização da Demandante pelo pagamento das custas do recurso e de todos os encargos pecuniários gerados pela acção arbitral [ii] .

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa:

(omissis)

Fundamentação de Direito


(1).-Tendo o Tribunal Arbitral entendido expressamente que não ficou provado nos autos a violação ou ameaça de violação de quaisquer direitos da Demandante, não podia ter deixado de julgar procedente a exceção da falta de interesse em agir ou, pelo menos, não podia ter deixado de absolver a Recorrente subordinada do pedido principal formulado pela Demandante não podendo também, consequentemente, ser condenada no pagamento de custos?


16.– O interesse em agir corresponde à tensão que existe entre o gesto e o seu destino, à pulsão instalada entre a necessidade e a sua satisfação ou, em síntese de radical histórico e etimológico, ao latino quod interest. Apodado, no domínio da doutrina incidente sobre o Direito adjectivo civil de «Interesse processual» (CALAMANDREI, Piero, La Relatività del Concetto di Azione, Rivista di Diritto Processuale Civile, Padova, 1939, Cedam, Volume XVI, Parte I, págs. 22 a 46, ANDRADE, Manuel de, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, pág. 79, VARELA, Antunes e OUTROS, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pág. 179 – definindo-o, estes, de forma feliz, como necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção – e FERREIRA PINTO, Fernando, Lições de Processo Civil, Porto, ELCLA Editora, 1992, pág. 61), «interesse em agir» (CARNELUTTI, Francesco, Saggio di una Teoria Integrale dell’Azione, Rivista di Diritto Processuale, Padova, 1946 Cedam, vol. I, págs. 5 a 18 – renunciando mesmo a considerar o interesse em agir como condição da acção –, LIEBMAN, Enrico Tullio, Corso di Diritto Processuale Civile, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1952 – considerando serem apenas a legitimidade e o interesse em agir as veras condições para o exercício da acção – DE CASTRO MENDES, João, Direito Processual Civil, Lisboa, AAFDL, 1980, vol. II, pág. 187, ANSELMO DE CASTRO, Artur, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, 1982, vol. II, pág. 251 e ATTARDI, Aldo, L’interesse ad agire, Padova, Cedam, 1955), ou «necessidade de protecção legal» (Rechtsschutzbedürfnis), cujo relevo foi defendido na doutrina alemã enquanto elemento pressuponente da intervenção do Tribunal ( wenn hingegen ein solches Rechtsschutzbedürfnis nicht vorliegt, darf das Gericht nicht in Anspruch genommen werden ), assente numa noção de interesse-adequação, de elemento de gestão processual orientado para economizar o tempo e a energia dos serviços de administração da Justiça (vd. SCHÖNKE, Adolf, Lehrbuch des Zivilprozessrechts, Karlsruhe: C.F. Müller 7.ª Edição, 1951, pág. 167).

17.– Ao nível do Direito nacional constituído, as consequências mais vísiveis da falta de interesse em agir situam-se ao nível das custas, sendo que o conceito em apreço não surge integrado, de forma verbalizada, entre os pressupostos processuais – cf. art.s 278.º, 535, n.º 2, al. c), e 610.º, n.ºs 2 e 3, todos do Código de Processo Civil. Porém, não se diga que as mesmas se circunscrevem a um mero nível «tributário», já que se encontra no n.º 2 do art. 557.º do mesmo encadeado normativo, mediante uma leitura a contrario sensu, um afloramento da concessão de relevo estritamente processual à falta de interesse em agir – se é possível pedir «a condenação em prestações futuras quando se pretenda obter o despejo de um prédio no momento em que findar o arrendamento e nos casos semelhantes em que a falta de título executivo na data do vencimento da prestação possa causar grave prejuízo ao credor», tem que se concluir que não é possível fazê-lo quando o risco de produção de grave prejuízo não se desenhe. Este afloramento do reconhecimento normativo do relevo do interesse em agir enquanto pressuposto não especificado tem claras consequências na análise doutrinal do sistema – vd. neste sentido, CASTRO MENDES, João,ibidem, pág. 191, ou ANTUNES VARELA, João de Matos, e OUTROS, ibidem, págs. 188 e 189 – levando estes autores a concluir que a sua falta conduz a consequência semelhante à da falta de outros pressupostos processuais cristalizados no Direito positivo, a saber, a absolvição da instância (ou, segundo FERREIRA PINTO, Fernando, ibidem, pág. 63, à absolvição do pedido).

18.– É decisiva, com vista à formulação de conclusão sobre a falta do aludido interesse e, a jusante, sobre as suas consequências, a análise do pedido e da causa de pedir (particularmente esta). Quanto àquele, temos que a Demandante visou obter a condenação das Rés « a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos genéricos que contenham como princípio ativo a Caspofungina, (…) enquanto o CCP 115 se encontrar em vigor» , a «não transmitir a terceiros as AIMs identificadas» na petição inicial «até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos» e «a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 5.000,00 (cinco mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida» . Estes elementos relativos ao pedido, particularmente a reiteração no uso da própria palavra «condenação» dizem-nos pouco quanto ao interesse em agir mas fornecem-nos um dado importante para a análise ulterior, id est, dados para a caracterização tipológica da acção. Impõe-se concluir, face a tais elementos e ao disposto na al. b) do n.º 3 do art. 10.º do Código de Processo Civil que a acção instaurada é de condenação, na dupla vertente de imposição de uma conduta omissiva e de um facto positivo traduzido num pagamento compulsório, em caso de incumprimento da injunção. Ora, aquele preceito exige que se actue, pedindo a condenação, «pressupondo ou prevendo a violação de um direito», o que nos conduz à necessidade de analisar a causa de pedir, ou seja, o facto jurídico genésico (conforme resulta do n.º 4 do art. 581.º do Código sempre sob referência).


19.– Extrai-se da petição inicial que a causa de pedir desenhada pela Autora é de natureza complexa integrando a titularidade de patente europeia sobre determinado fármaco, a extensão da tutela emergente desta através de Certificado Complementar de Protecção (CCP) e a formulação, pelas Demandadas, de pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM), nos termos descritos no primeiro articulado.


20.– Não se extrai da petição inicial inequívoca referência a concretas razões determinantes da existência de um receio justificativo do pedido de condenação. A este nível, mostra-se ajustada ao Direito constituído, particularmente à teleologia do referida alínea do art. 10.º, a referência lançada em FERREIRA PINTO, Fernando, ibidem, pág. 63, no sentido de que se deve «com boas razões», prever que venha a ocorrer a violação de um Direito. Ora, não se invocam quaisquer «boas razões» que permitam entrever um efectivo risco de violação de um direito. A menos que a mera apresentação de pedido de AIM represente um risco automático e invariável. Será que assim é?


21.– A este respeito, importa referir que, a ser assim, o legislador sempre deveria deixar indícios ou, melhor, referências expressas nesse sentido. Só assim seria possível realizar uma interpretação conforme à regra vertida no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil. Mais, sempre deveria assumir que o mero pedido de AIM sempre envolveria a necessidade de instauração de acção com vista à tutela dos direitos protegidos pela patente. Porém, não o fez. Neste âmbito, aliás, referiu-se, no acórdão impugnado, com grande acerto e felicidade que justifica transcrição, parecendo logo apontar na direcção técnica que se reputa de mais adequada, que: «Demonstrado nos parece estar que não é hoje juridicamente obrigatória a instauração da ação arbitral sempre que é publicitado o pedido de AIM para um medicamento genérico e que não se prova qualquer violação ou ameaça de violação da patente - o exercício de um direito não a pode constituir - há que ponderar sobre se apesar disso se admite a plausibilidade bastante para integrar, na situação, a verificação do interesse em agir».


22.– Porém, o Douto Acórdão Arbitral, em súbita inflexão, apelou a um interesse em agir subjectivo, bem distante das noções e finalidades da figura acima brevemente descrita, transformando a «necessidade de protecção legal» (Rechtsschutzbedürfnis) num mero convencimento dessa necessidade, o que sempre tornaria existente o interesse em agir (excepto em casos de flagrante má-fé), determinaria o desaparecimento prático da figura e frustração das suas finalidades e sempre geraria a necessidade de o julgador realizar uma complexa e eventualmente falível avaliação ou prognose de focagem subjectiva sobre a ciência, convencimento e vontade do Demandante. Na tese que parece subjazer ao acórdão impugnado, haverá interesse em agir sempre que o autor esteja convencido de que ele existe ou, ao menos, quando o desconhecimento do Direito ou a novidade da norma tornem compreensível a vontade de instauração da acção. Tal representaria, crê-se, a contemporização com uma avaliação assente na cedência à realidade e abstracção da técnica e finalidades do conceito que conteria, em si, verdadeiro fermento da implosão da figura. Tomemos, a título de elemento de teste da concepção vertida no acórdão, o exemplo dado pelo Prof. Castro Mendes, na obra indicada (pág. 192), com o seguinte teor: «Assim, suponhamos que A pede contra B a declaração da nulidade do contrato x, por simulação; e ganha, transitando em julgado a sentença. E suponhamos que, em seguida, pede contra o mesmo B a declaração de nulidade do mesmo contrato, por impossibilidade do objecto. A mudança de causa de pedir impede a dedução no segundo processo da excepção de caso julgado (cfr. art. 498º). No entanto, repugna-nos a solução segundo a qual seja possível pedir de novo a declaração de nulidade; vemos aqui um caso excepcional de falta de interesse em agir». Neste caso, à luz da tese sufragada no acórdão, não haveria falta de interesse em agir e condições de absolvição da instância (sendo esta a consequência recomendável por se tratar de elemento primariamente atinente à subsistência da própria demanda e só em segunda linha ao pedido) sempre que fosse possível compreender, face a recente regulação normativa, que o Demandante «tivesse interposto a ação (…) entendendo a nova lei como a impondo obrigatoriamente». E como se demonstraria este entendimento? Recomendar-se-ia, como parece ocorrer, uma avaliação objectiva da subjectividade?


23.– Regressando a um contexto estritamente legal, é manifesto ser adequada ao caso dos autos a invocação feita, pela Recorrente subordinada, do n.º 8 do art. 19.º do DL n.º 176/2006, de 30 de Agosto (regime jurídico dos medicamentos de uso humano). Segundo tal preceito, a «concessão de autorização prevista no artigo 14.º» (autorização de introdução no mercado) não é contrária «aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de proteção de medicamentos». Quer isto dizer que a concessão de tal autorização nunca seria suficiente para preencher, por si só, o conceito de risco referido na alínea do art. 10.º do Código de Processo Civil acima invocada. Aliás, conforme bem notado no acórdão posto em crise, «se é verdade que a DEMANDADA pediu as AIMS com mais de dois anos de antecedência sobre a caducidade da vigência dos direitos da DEMANDANTE, também é certo que nem sequer foram concedidas». Quer isto dizer que, no caso em apreço nos encontramos, até, num nível inferior e meramente vestibular ao que, por si só, seria insuficiente para inculcar noção da previsibilidade da violação de um direito.


24.– A situação constatada impõe a absolvição das Rés da instância o que gera a responsabilização da Demandante pelo pagamento das custas deste recurso e de todos os encargos pecuniários gerados pela acção arbitral – cf. n.º 1 do art. 527.º do Código de Processo Civil. É, pois, positiva a resposta à questão em apreço.

(omissis)


III.– DECISÃO:

32.– Pelo exposto, julgamos a apelação subordinada procedente, nos termos sobreditos e, em consequência, revogamos o Douto Acórdão Arbitral impugnado e absolvemos as Rés da instância. Mais declaramos prejudicada a avaliação da Apelação da Demandante, face à procedência do recurso subordinado.


33.– Custas do recurso subordinado pela aí Recorrida, a qual, na qualidade de Recorrente, suportará também as custas do recurso principal por si instaurado, sendo que, face ao ora decidido quanto às impugnações judiciais, a mesma suportará, também, todos os encargos pecuniários gerados pela activação e funcionamento do Tribunal Arbitral.

Lisboa, 27.04.2017

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator) - Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta) - António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)

Anotação

A situação sobre que versa o presente Acórdão corresponde ao figurino típico das ações propostas ao abrigo da Lei n.º 62/2011: em face a publicitação de pedidos de AIM para medicamentos genéricos, os titulares de direitos de propriedade industrial (conferidos por patentes e/ou CCP) propõem ações tendentes, no essencial, (i) a fazer reconhecer o seu direito e a obter uma condenação do requerente da AIM a respeitá-lo enquanto ele se mantiver em vigor, (ii) a proibir o requerente de transmitir a AIM até ao termo do exclusivo e (iii) a assegurar a eficácia prática da condenação através de uma sanção pecuniária compulsória.

Numa grande parte dos casos, as entidades demandadas invocam como meio de defesa, «inter alia», a falta de interesse em agir. Assim sucedeu também com uma demandada no caso em apreço.

Via de regra, os tribunais arbitrais têm admitido que - nas ações especiais intentadas ao abrigo do respetivo artigo 3.º, as quais não pressupõem qualquer infração ou ameaça iminente de infração dos direitos invocados - é a própria Lei 62/2011 que cria o interesse em agir. O que significa a não aplicação, neste contexto específico, das regras processuais gerais. Num primeiro momento, a verificação deste pressuposto era justificada, designadamente, com base num alegado efeito preclusivo do decurso do prazo previsto no nº 1 desse artigo, mas, num segundo momento, entendeu-se que ele também se verifica mesmo sem tal efeito.

Que saibamos, este entendimento não terá sido contrariado pelo TRL em acórdãos anteriores. O Aresto parcialmente transcrito adota outra orientação, pelo que merece ser realçado.

Já nos pronunciámos repetidamente sobre a Lei em questão. Limitamo-nos, por isso, a reproduzir em seguida algumas passagens da Sentença arbitral de 11.02.2014, com interesse para o caso.

Sentença arbitral de 11.02.2014 [iii]

(...)

III

Fundamentação de Direito

(...)

§ 4º

Sentido geral da Lei nº 62/2011

(p. 40-59)

A Lei nº 62/2011 [IV] tem como objetivos últimos: (i) tornar os medicamentos acessíveis aos consumidores, assegurando o direito à saúde nesta vertente; (ii) diminuir a despesa pública com medicamentos (comparticipados). Mais diretamente, são, ainda, objetivos da Lei: (iii) criar condições para que os medicamentos genéricos possam estar disponíveis logo que cessem os necessários procedimentos administrativos e os direitos de propriedade industrial eventualmente vigentes, eliminando desse modo injustificadas barreiras à sua entrada no mercado; (iv) pôr fim ao existente contencioso de validade e eficácia das AIMs e outros atos administrativos relativos a medicamentos genéricos, existente nos tribunais administrativos; (v) melhorar a administração da justiça no setor em causa, através da criação de um sistema célere de resolução de litígios [v] . A ideia inspiradora fundamental do seu regime é, no entanto, a de que os medicamentos genéricos devem poder ser lançados no mercado no dia a seguir à expiração dos direitos industriais existentes [vi] .

Para atingir esses objetivos, salientam-se: (i) a instituição de um sistema de arbitragem obrigatória [«rectius», necessária], que inclui tanto as ações principais como os processos cautelares (art. 2.º); (ii) a criação de uma ação de «acertamento» e inibitória especial, destinada a correr em paralelo com o procedimento administrativo tendente à obtenção de uma AIM e configurada de modo a terminar num curto espaço de tempo (art. 3.º) [vii] ; (iii) a separação, no que toca à comercialização dos medicamentos genéricos, do plano regulatório (administrativo) e do plano da sua compatibilidade com eventuais direitos industriais (patentes e CCPs), declarando-se que a validade e eficácia dos atos administrativos pertinentes não é afetada por tais direitos e instituindo aquela ação arbitral especial para apreciação da conformidade ou não dessa comercialização - e portanto também da utilização da AIM - com os direitos invocados (arts. 23.º-A, nº 2, e 25.º, nº 2, e 179.º, nº 2, do EM e art. 2.º-A do DL 48/2010) [viii] ; (iv) a imposição de um preço máximo do medicamento genérico (não superior a 50% do medicamento de referência – art. 7.º [ix] ); (v) e as normas transitórias do artigo 9º.

A Lei dá como pressuposto o respeito pelos direitos industriais que estejam em vigor, até ao temo da sua vigência, dado que eles também constituem um meio de promover o direito à saúde através da criação de medicamentos inovadores. Todavia, em termos processuais, procura conciliar a tutela efetiva desses direitos com o assinalado objetivo da eliminação de barreiras à entrada dos medicamentos genéricos no mercado logo que cessem tais direitos, mormente através da aludida separação das vertentes administrativa e contenciosa, da arbitragem necessária e da ação inibitória especial regulada no artigo 3.º [x] .

Com interesse para o presente processo, as duas notas mais salientes da Lei são, justamente, a arbitragem necessária e esta ação especial. Com a arbitragem necessária, o legislador pretendeu atingir dois objetivos: (i) instituir um sistema de apreciação célere dos litígios em que estejam envolvidos medicamentos genéricos e os correspondentes medicamentos de referência, sistema esse no qual assume um particular relevo a tramitação rápida da ação prevista no artigo 3.º [xi] ; (ii) afastar dos tribunais do Estado o contencioso em apreço - mormente dos tribunais administrativos, mas também do TPI, que não foi apetrechado para se ocupar de tais litígios [xii] .

A ação especial prevista no artigo 3.º destina-se, antes de tudo, a apurar se existem direitos em vigor relativamente ao medicamento genérico para que é pedida uma AIM e a definir os seus limites, de modo a que tal medicamento possa ser lançado no mercado, sem entraves processuais, logo que termine o exclusivo conferido por tais direitos. Por isso, o único pressuposto que decorre da Lei é a publicitação pelo Infarmed do pedido de AIM. E impõe-se um prazo curto para a sua proposição (um mês, a contar desta publicitação). Quer dizer, embora se configure como uma ação de condenação, cumpre uma função primacial de «acertamento» dos direitos, de impedimento do prolongamento artificial do exclusivo por estes conferido e, menos explicitamente, de prevenção da sua violação. Envolve, por isso, um julgamento formal e objetivo da situação, independente de qualquer comportamento censurável do requerente/destinatário da AIM que lhe está na base [xiii] .

Em rigor, para atingir plenamente o objetivo pretendido da eliminação de entraves injustificados ao lançamento dos genéricos no mercado, a proposição da ação deveria ser obrigatória, no sentido de que, não sendo a mesma intentada (em devido tempo), os titulares dos direitos deixariam de os poder fazer valer (efeito preclusivo). Porém, a Lei não acolheu uma sugestão nesse sentido do Infarmed. Apesar de nem a exposição de motivos da Proposta nem os demais trabalhos preparatórios esclarecerem este ponto, a necessidade de conciliar tal objetivo com uma tutela efetiva dos direitos, imposta pela Diretiva 2004/48/CE (dita «Diretiva do enforcement») a CRP e o ADPIC/TRIPS, permite explicar o não acolhimento dessa sugestão do Regulador. Igual interpretação se colhe também no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 2/2012, embora de modo incidental.

Por conseguinte, a realização de tal objetivo fundamental da Lei depende, no essencial, de os titulares de direitos industriais (conferidos por patentes ou CCP), no contexto geral do diploma, terem ou não um efetivo interesse na proposição de tal ação. Aqui, jogam dois fatores decisivos: os termos em que a mesma seja admitida (com o correspondente grau de tutela conferido, uma vez que se esta for fraca o interesse será menor) e o modo como a arbitragem necessária se encontra configurada, o qual inviabiliza, em grande medida, uma atempada tutela preventiva dos direitos, máxime cautelar, nos termos do artigo 338.º-I do CPI [xiv] .

Mas há um aspeto adicional a realçar, que não resulta da Lei e dos respetivos trabalhos preparatórios. A ação especial do artigo 3.º também se mostra decisiva para prevenir a comparticipação do Estado em medicamentos contrafeitos, que, a acontecer, se traduziria numa comparticipação delituosa (e mesmo criminosa - cfr. o art. 321.º do CPI) e num estímulo à atividade ilícita. Os processos administrativos – relativos à AIM, ao PVP e à comparticipação – e o processo arbitral em apreço correm em paralelo, sem interferências recíprocas, mas é suposto que a ação arbitral defina os termos em que a utilização da AIM que lhe subjaz e a subsequente comparticipação do SNS são lícitas (ou ilícitas) em face dos direitos industriais invocados.

Em face do exposto, nos seus traços essenciais, o sistema instituído pela Lei 62/2011, com interesse para o presente processo, é o seguinte:

1) [a] Quando é requerida ao Infarmed uma AIM (ou o registo) para um medicamento genérico, esta entidade deve publicitar prontamente o pedido, com as indicações especificadas no artigo 15.º-A do EM: nome do requerente da AIM, data do pedido, substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento genérico e medicamento de referência [xv] .

2) Havendo patente ou CCP em vigor, o titular (e/ou licenciado), se quiser invocar e fazer valer o seu direito, perante o requerente/beneficiário [xvi] da futura AIM, dispõe de um mês para promover a constituição de um tribunal arbitral, no qual será proposta uma ação destinada a esse fim (arts. 2.º e 3.º, nº 1, da Lei 62/2011).

3) Correrão então em paralelo o procedimento administrativo e um processo arbitral especial tendente a apurar se o direito invocado existe e, sendo esse o caso, quais os seus limites de validade e eficácia. Dada a finalidade fundamental deste processo - consistente em permitir o pronto lançamento no mercado de medicamentos genéricos logo que terminem os direitos de exclusivo existentes -, mesmo que a ação não seja contestada, o tribunal terá sempre que, em face da prova produzida, proceder a esse apuramento.

4) Feita a prova do direito e uma vez definidos os seus limites de validade e eficácia, o tribunal condena o demandado na sua observância (cfr. o art. 3.º, nº 2, da Lei 62/2011). A uma conclusão positiva acerca do direito segue-se, portanto, uma condenação inibitória.

5) Especificamente, em conformidade com aquela finalidade, no processo definem-se, antes de mais, os termos em que a exploração comercial (ou industrial) do medicamento genérico para que se pede a AIM é compatível com o direito invocado e, portanto, lícita ou ilícita. E, de modo implícito, define-se também em que condições a utilização dessa AIM, como título sanitário habilitante de tal comercialização, será lícita ou ilícita [xvii] ; seja quem for o seu titular [xviii] .

6) Trata-se, porém, de uma natural ação de condenação, não se simples apreciação. Apurando-se um direito em vigor, dentro dos respetivos limites de validade e eficácia, o demandado - requerente da AIM e/ou seu beneficiário/destinatário (futuro titular) –, se tal for pedido, é condenado a não produzir nem introduzir no mercado o medicamento e, portanto, a não utilizar a AIM implicada nessa comercialização. Apenas o poderá fazer depois de haver cessado a vigência desse direito.

7) [b] Ainda em consonância com a mesma finalidade fundamental da Lei, o processo em causa tem como pressuposto único específico a publicitação de um pedido de AIM, sendo independente de qualquer situação de infração ou ameaça iminente de infração, no sentido que esta expressão comporta no CPI e na Diretiva do enforcement. Nesta medida, estamos, perante uma ação inibitória especial, de «acertamento» de direitos e, apurados estes, de condenação preventiva na sua observância. Como, via de regra, a existência de um risco sério e concreto de infração ocorre depois de obtida a AIM e, sobretudo, após terem sido aprovados o PVP e a comparticipação no medicamento [xix] , não no momento em que a AIM é requerida, essa especialidade da ação fica bem patente.

8) [c] Como se notou, para se atingir plenamente o objetivo da Lei em questão - consistente em desembaraçar a entrada no mercado de medicamentos genéricos de obstáculos processuais -, os titulares dos direitos deveriam ser obrigados a propor a ação em apreço, no referido prazo de um mês (art. 3º, nº 1), sob pena de, não agindo desse modo, ficarem impedidos de os fazer valer em caso de futura infração ( efeito preclusivo). Esta interpretação – na medida em que faria depender a tutela efetiva de direitos fundamentais do prévio recurso a uma tal ação preventiva especial - é, porém, insustentável, quer em face da CRP, quer perante a Diretiva do enforcement e o próprio ADPIC/TRIPS [xx] .

9) Por conseguinte, quer haja quer não haja a proposição da ação inibitória de índole preventiva prevista no artigo 3.º da Lei, no caso de vir a ocorrer uma infração, os titulares dos direitos poderão fazê-los valer, nos termos gerais, com duas especialidades: 1ª) o artigo 2.º da Lei veda-lhes o acesso aos tribunais do Estado, mesmo no que respeita às providências cautelares (arbitragem necessária ); 2ª) se tiver havido a proposição de tal ação inibitória especial, aplica-se também o que tiver sido determinado pelo tribunal.

10) [d] Observa-se, no entanto, que, embora esta ação seja facultativa, a arbitragem necessária, tal modo se encontra configurada, acaba por, em certa medida, forçar os titulares dos direitos a lançar mão dela quando a duração destes vá para além da previsível conclusão do procedimento de concessão da AIM requerida.

11) Na verdade, vindo a ocorrer uma infração ou uma ameaça iminente de infração, os titulares dos direitos poderão recorrer aos meios processuais gerais concebidos para a defesa dos direitos industriais (DPI), propondo as competentes ações – máxime, ações inibitórias e de cessação da infração – e instaurando os correspondentes processos cautelares. Porém, terão que o fazer junto de um tribunal arbitral (art. 2.º da Lei) que pode demorar meses a constituir. O que, na prática, inviabiliza, em boa medida, esta tutela preventiva dos direitos [xxi] .

12) [e] Daí a redobrada importância da ação preventiva especial em apreço: na medida em que o regime instituído prejudica a tutela preventiva geral do CPI - originando uma falha no sistema geral de efetiva e atempada proteção dos DPI em jogo (proteção essa imposta pela CRP, a Diretiva e o ADPI/TRIPS) – é, antes de mais, através dela que semelhante falha poderá ser minorada, procurando-se, tanto quanto possível, uma solução ainda dentro desse regime da Lei.

13) Esta circunstância mostra-se decisiva para a definição do seu âmbito e conteúdo. Na verdade, como a CRP, a Diretiva e o ADPIC/TRIPS impõem uma tutela efetiva – incluindo uma tutela cautelar - dos direitos em causa, através dessa ação deve poder obter-se uma proteção preventiva dos direitos tanto quanto possível equiparável àquela que se obteria através dos meios cautelares/preventivos previstos no CPI, perante um tribunal imediatamente disponível para esse efeito.

14) Significa isto que, vindo a ser decretada, a aludida condenação inibitória preventiva terá que possuir uma eficácia prática análoga à que teria uma condenação num processo cautelar ao abrigo do artigo 338.º-I do CPI. Ou seja, como se prevê no nº 4 deste preceito legal, o tribunal deve poder, ainda, «oficiosamente ou a pedido do requerente», decretar a «sanção pecuniária compulsória» (SPC) que se mostre adequada, «com vista a assegurar a execução» da inibição.

15) Com efeito, estando em causa uma condenação em prestação de facto negativo, infungível, não é possível a execução específica. Por isso a lei criou um sucedâneo destinado a suprir a falta desta – um mecanismo de pressão, compulsório, consistente em colocar sobre a cabeça do devedor uma espada de Dâmocles: ele pode cumprir ou não a decisão condenatória, mas, se optar por não cumprir, fica sujeito a uma sanção pecuniária, essa sim suscetível de ser executada (art. 829.º-A do CC e nº 4 dos arts. 338.º-I e N do CPI). No caso dos DPI, esse mecanismo considera-se tão importante e «natural», que o tribunal pode decretá-lo mesmo sem ele lhe haver sido requerido.

16) Este dado já deveria ser suficiente para admitir, em ações como a presente, uma condenação inibitória com SPC [xxii] . Mas, além dele, depõe decisivamente nesse sentido a aludida circunstância de a ação cumprir em grande medida a função de prevenção que - não fora a arbitragem necessária, tal como está concebida - caberia aos procedimentos cautelares do artigo 338.º-I do CPI. E, sem SPC, não há prevenção com eficácia equiparável [xxiii] .

17) Na mesma linha, depõe, ainda, a circunstância de a ação especial em análise estar legalmente concebida para cumprir a importante função de libertar os medicamentos genéricos de entraves processuais, permitindo a sua comercialização logo que terminem os direitos conferidos por patente e/ou CCP. De facto, não sendo a mesma obrigatória, os titulares dos direitos só serão levados a lançar mão dela se ela lhes proporcionar uma tutela que valha a pena. Ou seja, se a condenação inibitória, de índole preventiva, tiver associados mecanismos que assegurem a sua eficácia prática, como é o caso da SPC.

18) Em suma, uma condenação inibitória com SPC é a solução mais conforme ao objetivo fundamental da Lei. Embora a ação em apreço não tenha sido concebida pelo legislador - a título principal e de forma explícita - para proteger os direitos nela invocados, mas para dar corpo a certa política de medicamentos (genéricos) [xxiv] , com esta configuração ela de algum modo compensa a assinalada falha do sistema quanto à tutela preventiva e pronta desses direitos e torna-se interessante para os titulares dos direitos, atingindo o objetivo principal que a justifica.

19) Como se observou, os procedimentos administrativos de concessão de AIMs, de fixação do PVP e de aprovação da comparticipação financeira pública no preço dos medicamentos genéricos – assim como os respetivos atos administrativos – consideram-se independentes dos DPI, ou seja: (i) os titulares destes não têm o direito de intervir em tais procedimentos; (ii) as entidades competentes não podem apreciar, elas próprias, se existem DPI em vigor e se a comercialização do medicamento genérico para que se pede a AIM, a aprovação do PVP ou a aprovação da comparticipação é ou não compatível com eles; (iii) a validade e a eficácia de tais atos administrativos não é afetada pela eventual existência de DPI. E as autoridades administrativas também não podem suspender a eficácia de tais atos até à extinção dos direitos. Nem sequer lhes compete apreciar se a utilização da AIM requerida, vindo esta a ser concedida, será compatível ou não com eles.

20) Porém, este é apenas um dos aspetos do sistema instituído, uma vez que tais direitos não podem ser ignorados. De facto, a eventual existência e os limites dos mesmos – bem como a compatibilidade com eles da exploração comercial ou industrial do medicamento genérico para que se requer a AIM, da correspondente utilização habilitante da AIM pelo respetivo titular e da efetiva comparticipação financeira pelo SNS - são matéria tratada em separado, junto dos tribunais [ princípio da separação do plano jurídico-administrativo e do plano jurídico-privado ] [xxv] . Verificando-se a proposição de uma ação arbitral nos termos do artigo 3º da Lei, esta corre em paralelo com os procedimentos administrativos, definindo com força vinculativa - também perante as autoridades administrativas envolvidas nas aprovações necessárias do medicamento - em que termos a comercialização deste, a correspondente utilização da AIM concedida para o mesmo e a comparticipação subsequentemente autorizada são compatíveis com os direitos invocados e, portanto, lícitas ou ilícitas. Isso resulta, em geral, da circunstância de essas autoridades estarem diretamente vinculadas por direitos fundamentais de caráter absoluto e natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, como os presentes (arts. 17.º/18.º, nº 1, da CRP) [xxvi] , e de terem que respeitar as decisões dos tribunais (art. 205.º, nº 2, da CRP), e decorre, em especial, do sistema de notificação e publicidade das decisões organizado pela Lei, que tem implícita essa eficácia vinculativa.

21) Quer dizer, a Lei separa os dois planos assinalados, mas eles inserem-se num todo no qual têm que se articular. Tal como não podem os tribunais arbitrais pôr em causa a validade e eficácia dos atos administrativos das autoridades reguladoras, em face do regime regulatório aplicável, também a partir do momento em que é por eles proferida certa decisão acerca dos direitos invocados, esta tem que ser respeitada, inclusive por essas autoridades.

A solução legal não é perfeita. Longe disso. De facto, compreende-se a preocupação do legislador em criar condições para os medicamentos genéricos poderem ser lançados no mercado logo que terminem as patentes e os CCP, terminando do mesmo passo com o então existente e maciço contencioso administrativo. À primeira vista, a ação especial analisada, combinada, pelo menos transitoriamente, com a arbitragem necessária, seria um mecanismo adequado para atingir esse objetivo; e, podendo os titulares dos DPI lançar mão dela, o legislador entendeu ter conciliado adequadamente a necessária defesa de tais direitos (e do direito à saúde enquanto dependente da inovação) com os direitos dos consumidores e o direito à saúde na vertente da promoção do acesso a medicamentos a preços acessíveis e com a necessidade de reduzir a despesa pública. Todavia, numa análise mais aprofundada, observa-se o seguinte.

Primeiro : para poder cumprir cabalmente tal objetivo fundamental, a ação deveria ser obrigatória, mas a isso significaria uma restrição excessiva dos DPI em jogo, pelo que esse caráter obrigatório é de rejeitar. Além disso, significaria a substituição de um contencioso de massa administrativo por um contencioso arbitral da mesma índole.

Segundo : o regime instituído leva, ainda assim, os titulares dos DPI a optar, em geral, pela ação em causa, por um lado, por recearem uma possível interpretação da Lei no sentido dessa obrigatoriedade, por outro lado porque a arbitragem necessária, tal como está concebida, inviabiliza em grande medida, ou pelo menos torna problemática, uma reação pronta - e portanto atempada - a eventuais infrações ou ameaças iminentes de infração. Daí a sistemática configuração das ações propostas ao abrigo do artigo 3.º da Lei como ações destinadas a prevenir situações de infração – através de pedidos de condenação inibitória (condenação principal) e em SPC (condenação acessória) no caso de inobservância da condenação principal.

A primeira motivação pode eliminar-se através da fixação de jurisprudência no sentido de que a arbitragem é necessária mas não obrigatória, merecendo aqui salientar-se a aludida posição do Tribunal Constitucional, no sentido da não obrigatoriedade, embora tomada a título incidental. Porém, cabe realçar que, se o regime for melhorado de modo a tornar o recurso à ação em apreço puramente facultativo, a realização do referido objetivo fundamental da Lei fica em grande medida dependente de os titulares dos DPI acharem a ação especial do artigo 3.º interessante ou não (dependendo isso naturalmente do âmbito e grau de eficácia que se lhe reconheça).

A segunda motivação - que tem na base a indicada falha de tutela preventiva em caso de infração, atual ou iminente, por falta de tribunal arbitral constituído - apenas pode ser mitigada. Concretamente, os contornos da questão são os que passam a referir-se.

A falha em análise coloca um problema de conformidade da Lei com a CRP, a Diretiva e o ADPIC/TRIPS. Tal problema acha-se substancialmente minorado pela existência da ação preventiva em apreço, na medida em que, havendo fundamento para isso, o titular do direito nela invocado consiga obter uma condenação inibitória verdadeiramente eficaz, suscetível de prevenir, na generalidade dos casos, a sua violação. Para isso - como a tutela preventiva por excelência dos DPI, a tutela cautelar do artigo 338.º-I do CPI, o revela - torna-se imprescindível associar-lhe uma SPC. De facto, sem esta, ela é uma aguilhada sem ferrão.

Ainda assim, mesmo havendo a possibilidade de obter uma condenação inibitória de índole preventiva com uma acessória SPC, o problema não fica completamente resolvido. Em ordem a essa plena resolução, poderá adicionalmente admitir-se uma competência do TPI para, em caso de infração ou ameaça iminente de infração, na falta de tribunal arbitral constituído, decretar, a título provisório, outras possíveis medidas cautelares. Vendo as coisas mais genericamente, cabe perguntar: se o titular de um DPI optar por não propor a ação preventiva em apreço, isso tem um efeito preclusivo, no sentido de que, em caso de eventual infração ou ameaça iminente de infração, fica na contingência de não obter tutela preventiva atempada (por não haver tribunal arbitral constituído e não «merecer», nesse caso, o recurso excecional ao TPI)?

Como se viu em geral, também aqui a melhor interpretação da Lei, no quadro global do ordenamento jurídico, em que pontuam os aludidos normativos de grau hierárquico superior (CRP, Diretiva e ADPIC/TRIPS), vai no sentido de negar tal efeito preclusivo. Mas - dado que a via do TPI, sendo contrária ao regime da Lei (que institui um sistema arbitragem necessária e acertamento de direitos com vista a desembaraçar os medicamentos genéricos de entraves processuais injustificados, máxime de índole cautelar), apenas pode admitir-se com caráter excecional, como ultima ratio - encontramos aqui mais uma razão para tornar atrativo o recurso à ação preventiva do artigo 3.º, dotando a condenação inibitória dos meios coercitivos indispensáveis para assegurar o seu respeito e a correspondente tutela efetiva dos direitos, ou seja, admitindo como acessória da mesma uma SPC adequada, em termos análogos aos que se preveem no artigo 338.º-I do CPI para os procedimentos cautelares.

Numa palavra: (i) em virtude da imposição da arbitragem como via única de resolução dos litígios, nos termos do artigo 2.º, a Lei apresenta uma falha na tutela preventiva dos direitos industriais em apreço; (ii) essa falha carece de ser eliminada ou pelo menos minorada; (iii) isso consegue-se, na generalidade dos casos, através da ação preventiva do artigo 3.º, desde que a condenação inibitória nela abrangida tenha associada uma SPC adequada, suficientemente dissuasora do seu não acatamento; (iv) vindo a ocorrer uma infração ou ameaça iminente de infração, com ou sem a anterior instauração dessa ação, pode igualmente admitir-se, na falta de tribunal arbitral constituído, uma competência cautelar do TPI; mas esta, porque contrária ao sistema da Lei, apenas é de admitir a título excecional, como solução de último recurso; (v) devendo assim privilegiar-se a ação em apreço como via de solução, o que implica fazer dela um instrumento de tutela preventiva eficaz; (vi) como isso só sucede através da associação à condenação inibitória que venha a ser proferida de uma adequada SPC, esta encontra justificação na própria Lei.

Terceiro : a ação especial em causa tem associado um importante problema de custas, do qual o legislador não curou, mas que precisa de uma solução adequada sob pena de os objetivos da Lei serem comprometidos logo à cabeça – desincentivando os pedidos de AIM antes de os DPI terminarem…. De facto, havendo direitos em vigor e sendo os títulos válidos, em princípio quem os invoca estará em condições de obter ganho de causa. O que, aplicando as regras gerais, fará o requerente/beneficiário da AIM suportar as custas do processo. Só não será assim se este não contestar e não tiver dado causa à ação.

Todavia, mesmo na falta de contestação, baseando-se as ações em apreço no pedido de AIM, pode dizer-se que o respetivo requerente/beneficiário não lhe dá causa? Ou pode afirmar-se isso pelo menos quando tenha apresentado o pedido com antecedência razoável, considerando o termo previsto do exclusivo ? E se os titulares dos DPI são induzidos a ou «forçados» a lançar mão da ação em apreço, ação essa destinada a realizar o objetivo fundamental de desembaraçar os medicamentos genéricos de constrangimentos processuais, faz sentido suportarem, nesse caso, integralmente as custas?

Mesmo tendo a ação sido contestada e havendo quem invoca dos DPI obtido ganho de causa, justifica-se o pagamento das custas apenas pelo requerente/beneficiário da AIM? Forçando este a não contestar a não ser quando estiver razoavelmente seguro da procedência dos seus argumentos?

Em suma, tendo em conta as características do mercado dos medicamentos – um mercado regulado, comparticipado, de grande consumo, em cujas decisões de compra intervêm pessoas que não são os consumidores e com uma procura bastante rígida -, a apresentação de um pedido de AIM para um genérico, na vigência de patente ou CCP, acarreta, antes de mais, para o titular deste custos de vigilância. Mas, com o sistema instituído – ação preventiva especial do artigo 3.º da Lei nº 62/2011, no quadro de uma arbitragem necessária com as características apontadas, mormente no que toca à tutela cautelar dos direitos -, há adicionais custos de litigância quanto aos termos em que a AIM requerida poderá ser licitamente usada, em face desses direitos: quer para os titulares destes, quer para as empresas de genéricos. Para estas, na prática, tais custos acrescem ao custo da própria AIM, podendo ser razoáveis ou irrazoáveis e, no limite, sobretudo para as PMEs, dissuasores da apresentação de pedidos de AIM antes de os direitos expirarem, o que se mostra contrário ao sentido fundamental da Lei.

Fazendo um balanço dos aspetos positivos e negativos da Lei, teremos o quadro seguinte. Efeitos positivos: (i) a arbitragem necessária permite a resolução célere, qualificada e descentralizada dos litígios, sem custos para o Estado; (ii) a ação especial e preventiva do artigo 3.º permite uma clarificação antecipada da situação desencadeada pelo requerimento da AIM, em face dos eventuais direitos existentes, promovendo a realização do objetivo da certeza jurídica, a correspondente libertação de constrangimentos artificiais à entrada dos medicamentos genéricos no mercado; e evita, ainda, que o Estado comparticipe em medicamentos contrafeitos; (iii) na medida em que tal ação seja eficaz, jurídica e praticamente, serve como mecanismo de tutela efetiva dos direitos e previne comportamentos concorrenciais oportunistas de empresas que lançam no mercado os seus produtos antes de terminar o exclusivo para ganhar vantagem competitiva. Efeitos negativos: (i) tal como se encontra concebida, a arbitragem necessária prejudica a defesa preventiva geral dos direitos, sobretudo a cautelar, aspeto apenas parcialmente compensado com a criação da ação especial do artigo 3.º; desse modo, por força de princípios superiores, não se evita o complementar recurso ao TPI, embora apenas para conseguir uma tutela provisória, até haver tribunal arbitral que se ocupe do assunto, e como solução excecional, de último recurso, onde não alcance a solução especificamente criada pela Lei, através daquele artigo 3.º; (ii) para atingir os objetivos assinalados da política de medicamentos genéricos, é essencial a ação especial regulada no artigo 3.º, mas a esta é conatural um contencioso de massa, com os custos associados; (iii) para os interessados, a arbitragem é uma forma de administração da justiça que poderá revelar-se dispendiosa (embora tenha a vantagem de poupar recursos ao Estado).

Tudo somado, a grande vantagem é a da clareza e da segurança jurídicas que com a ação do artigo 3.º se obtêm. Esta interessa, em primeiro lugar, às empresas de genéricos, que passam a saber exatamente quando e em que termos poderão usar a AIM requerida sem ofensa dos eventuais direitos existentes, lançando os seus medicamentos no mercado logo que termine o exclusivo. Interessa ao Estado, que desse modo promove a saúde pública e a defesa dos consumidores de medicamentos, evita comparticipar em medicamentos contrafeitos (e evita do mesmo passo um estímulo à contrafação) e obtém uma melhor ordenação da concorrência. Interessa, ainda, aos titulares dos direitos, na medida em que a ação em apreço lhes confira uma tutela realmente eficaz, em termos jurídicos e práticos, tendo em conta sobretudo o enfraquecimento dessa tutela que a solução arbitral comporta, mormente a nível preventivo/cautelar.

O grande problema são os custos associados, mormente de litigância. No fundo, a um contencioso de massa, sobretudo junto dos tribunais administrativos, sucedeu um contencioso talvez com menor expressão mas igualmente maciço. A repartição dos custos da arbitragem mostra-se especialmente sensível. Um requerente de AIM que o faça dentro de um prazo razoável para obter as necessárias autorizações antes de terminar o exclusivo existente e não conteste uma ação contra ele proposta nos termos do artigo 3.º, mesmo obtendo o proponente pleno ganho de causa, não deve ser condenado nas custas (a não ser, porventura, numa medida relativamente modesta).

(...)

§ 7º

Fundamento legal e jurídico-material da ação (primeiro pedido/1ª parte)

(p. 63-68)

A Lei nº 62/2011 - que tem por objeto a criação de «um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos» (art. 1º) - dispõe, com caráter geral, no artigo 2º (sob a epígrafe «arbitragem necessária»):

«Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial (...) relacionados com medicamentos de referência (...) e medicamentos genéricos (...) [conferidos por patentes e/ou CCPs] ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada».

No artigo 3º (com a epígrafe «instauração do processo»), acrescenta-se:

« 1 — No prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006 (...), o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada».

A título transitório, designadamente para pedidos de AIMs pendentes à data da entrada em vigor da Lei, como os do presente processo, aplica-se regime idêntico a este (art. 9º, nºs 2 e 3).

Naquele artigo 15.º-A (com a epígrafe «publicitação do requerimento» e introduzido pela mesma Lei), estabelece-se:

«1 — O INFARMED, I. P., publicita, na sua página eletrónica, todos os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, independentemente do procedimento a que os mesmos obedeçam.

2 — A publicitação prevista no número anterior deve ter lugar no prazo de cinco dias após o decurso do prazo previsto no n.º 1 do artigo 16.º e conter os seguintes elementos: a) Nome do requerente da autorização de introdução no mercado; b) Data do pedido; c) Substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; d) Medicamento de referência.»

Decorre daqui, por um lado, que tem legitimidade ativa para a ação prevista no artigo 3.º «o interessado que pretenda invocar» um seu «direito de propriedade industrial» conferido por patente e/ou CCP, desde que o direito respeite a medicamentos de referência e esteja em causa a compatibilidade com ele da comercialização de medicamentos genéricos. Por outro lado - no pressuposto de que o titular do direito tem, ou pode ter, um natural interesse em invocá-lo e fazê-lo valer contra quem venha a estar autorizado a comercializar tais medicamentos genéricos -, permite-se-lhe especialmente, em face da publicitação pelo Infarmed da existência de pelo menos um pedido de AIM (ou registo) para os mesmos, a proposição de tal ação, com esse propósito, dispondo do prazo de um mês para o fazer.

A Lei não especifica contra quem pode ser proposta a ação. Mas deduz-se da mesma que será contra o requerente da AIM na natural qualidade de futuro titular e utilizador da mesma, ou seja, no natural pressuposto de que esse requerente pede a AIM para si próprio, para ficar habilitado a comercializar o respetivo medicamento genérico. Na realidade, é esse o sistema do Estatuto do Medicamento (aprovado por aquele decreto-lei), que não prevê uma dissociação entre requerente e destinatário ou beneficiário de AIMs.

Ocorrendo, porém, esta dissociação – como sucedeu no caso «sub judice» -, surge o problema de saber que implicações tem isso no regime instituído pela Lei nº 62/2011. Concretamente, quem deve o Infarmed publicitar, nos termos do mencionado artigo 15.º-A? E contra quem pode ser instaurado o processo nos termos dos artigos 3.º, nº 1, e 9.º, nº 3, desta Lei? Contra o requerente da AIM? Contra os destinatários da mesma? Contra todos?

Numa leitura literal e conjugada das disposições legais referidas, em especial dos arts. 2.º e 3.º daquela Lei e do art. 15.º-A do EM que ela introduziu, o Infarmed publicita o nome do requerente da AIM e, em correspondência com isso, a ação pode, pelo menos em princípio, ser proposta contra ele. Contudo, mostrando-se diferentes o destinatário ou destinatários da AIM [xxvii] e sendo o pedido desta que justifica a ação na medida em que ela irá habilitar o titular à prática de atos potencialmente lesivos do direito invocado , o seu espírito impõe que tais destinatários sejam também mencionados na publicação do Infarmed e que a ação possa, nos termos do art. 3.º, nº 1, da Lei nº 62/2011 e do correspondente art. 9.º, nº 3, ser proposta contra eles [xxviii] .

Na verdade, quanto ao primeiro aspeto, o sentido substancial do artigo 15.º-A do EM é o de fazer publicitar os elementos essenciais do pedido de AIM. Ora, sendo distintos o requerente e os destinatários da mesma (beneficiários do pedido), estes são, sem dúvida, um desses elementos - inclusive, um elemento mais importante que a pessoa do requerente.

Quanto ao segundo aspeto, realça-se que aquilo que justifica o processo previsto no artigo 3.º da Lei nº 62/2011 é, não simplesmente o pedido de uma AIM, mas o pedido da AIM porque e na medida em que ela irá habilitar o seu titular (em princípio, o requerente, mas, em face da aludida prática do Infarmed, não necessariamente) a comercializar um medicamento genérico suscetível de, tal como o respetivo medicamento de referência, cair no âmbito de proteção do direito que se invoca e quer fazer valer. O que, sendo diferentes o requerente e os destinatários/beneficiários, coloca estes em primeiro plano.É primacialmente contra eles que, em tese geral, a ação se justifica.

Significa isso que, no caso «sub judice», havendo o Infarmed admitido pedidos de AIM para pessoa diferente do seu autor, deveria, na publicação pertinente, ter indicado, além da requerente R... GmbH, as destinatárias/beneficiárias do pedido, futuras titulares das AIMs requeridas, ou seja as Demandadas T... Lda e R... Lda. E, se o houvesse feito, a ação poderia ter sido instaurada contra estas.

Verificando-se, de facto, tal discrepância, mas não sendo a mesma objeto de publicidade legal, como sucedeu no caso em análise, é de «presumir» que o requerente da AIM será o seu futuro titular e utilizador, o que lhe confere natural legitimidade passiva. Todavia, vindo a discrepância, entretanto, a ser conhecida, existe também um evidente interesse em demandar o destinatário/beneficiário, visto que só uma ação contra ele - afirmando e fazendo valer o direito privativo perante quem estará habilitado pelas autoridades sanitárias a lançar no mercado um medicamento genérico compreendido no respetivo exclusivo - assegurará o interesse prático do titular desse direito, que a Lei nº 62/2011 visa tutelar, num quadro de compromisso entre ele e a disponibilidade atempada de medicamentos genéricos.

Foi o que as Demandantes fizeram, em 7.11.2012, depois de terem obtido do Infarmed – não a publicitação deste dado ou nova publicitação dos pedidos de AIM com ele -, mas a prática de um ato, para o efeito, equivalente: a emissão da mencionada certidão de 8.10.2012 [xxix] . E fizeram-no antes de esgotado o prazo de um mês previsto no artigo 3.º, nº 1, tomando como referência, no lugar da publicitação aí prevista, esta confirmação oficial do dado nela em falta, o que torna irrelevante a questão de saber se elas estavam ou não vinculadas por tal prazo [xxx] .

*

A ação encontra o seu fundamento jurídico-material nos mencionados direitos das Demandantes, nos pedidos de AIM e na Lei nº 62/2011, enquadrando-se, como se disse, no respetivo artigo 3.º (cfr. o art. 9.º, nºs 2 e 3). Trata-se de uma ação de «acertamento» de direitos e, existindo estes, de condenação na sua observância - mais concretamente, de uma ação inibitória especial, de índole preventiva, independente de qualquer situação de infração, atual ou iminente dos direitos, destinada a correr em paralelo com o procedimento tendente à obtenção das AIMs, com o objetivo fundamental de permitir que os medicamentos genéricos possam, sem entraves jurídico-processuais, ser lançados no mercado logo que termine o exclusivo existente (cfr. «supra», § 4º). Pressupõe um pedido de AIM e é requisito de procedência da mesma a existência dos direitos invocados (nos termos em que o foram).

Quer esse pressuposto quer este requisito se verificam, no que toca à primeira parte do primeiro pedido formulado pelas Demandantes, que, recorda-se tem o seguinte teor: «devem as Demandadas ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer medicamentos genéricos contendo Olmesartan Medoxomilo + Hidroclorotiazida, objeto das AIMs identificadas nos artigos 70.º e 72.º» da Petição inicial, «enquanto a EP 503785 e respetivo CCP 155 se encontrar em vigor, ou seja, até 22 de fevereiro de 2017», rectius, até 21 de fevereiro de 2017, como veio a ser requerido posteriormente.

Como se salientou, a ação em causa foi criada não para assegurar uma tutela reforçada dos direitos de patente e conferidos por CCP, mas para funcionar como uma peça essencial da política do medicamento. Interessa aos objetivos desta política que os interessados recorram a ela, não obstante os custos incorridos. E, não sendo a sua proposição obrigatória para os titulares desses direitos, dada a imposição da arbitragem e o modo como esta está configurada – com a assinalada falha, mormente cautelar -, eles são em grande medida forçados a lançar mão dela se os quiserem acautelar eficazmente.

Por conseguinte, a proposição da presente ação inibitória serve os objetivos da Lei nº 62/2011 e, em certo sentido, surge para as Demandantes como uma via inevitável de acautelamento dos seus direitos. O pressuposto específico do artigo 3.º, nº 1, desta Lei, apesar das especificidades do caso, encontra-se verificado. E os direitos invocados pelas das Demandantes acham-se provados. Tem, assim, pleno cabimento a requerida condenação das Demandadas a não explorarem industrial ou comercialmente os medicamentos genéricos para que foram pedidas as AIMs (cfr. o art. 3.º, nº 2, da Lei e o art. 101.º, nº 1, do CPI), até 21.02.2017, ou seja, como se especifica na primeira parte do primeiro pedido e no artigo 101.º, nº 2, do CPI, a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização neste território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer medicamentos genéricos contendo Olmesartan Medoxomilo + Hidroclorotiazida, objeto das AIMs.

§ 8º

Interesse em agir

(p. 68-70)

Dada a conclusão anterior – no sentido de que a proposição da ação tem uma base legal específica e de que, inclusive, o respetivo pedido principal tem fundamento jurídico-material – o pressuposto processual geral do interesse em agir, enquanto exigência processual geral destinada a proteger quem é acionado e a promover a eficiência da administração da justiça, só tem cabimento enquanto requisito negativo. Ou seja, o que há que apurar é se, apesar dessa base legal específica e desse fundamento, a presente ação era necessária ou não, ou se representa, nas circunstâncias do caso, um exercício abusivo do direito de ação.

Ora, não há elementos no processo suscetíveis de levar a tal conclusão. Em primeiro lugar, as Demandadas não assumiram nenhum compromisso jurídico equiparável, em termos práticos, à pretendida condenação inibitória por um tribunal. Salientando-se, inclusive, pelo que se dirá adiante («infra», § 9º), que apenas um reconhecimento claro dos direitos das Demandantes e um correspondente compromisso firme de não fabricar, importar, comercializar, etc., os medicamentos genéricos em causa, assistido de uma adequada cláusula penal [xxxi] e com força executiva, poderia pôr em causa a necessidade da ação. Em segundo lugar, na falta de outros elementos, a antecedência com que as AIMs foram requeridas – mais de 5 anos e meio antes de expirar o CCP – não só afasta qualquer abuso do direito de ação, como constitui, até, uma justificação adicional para o seu exercício. De facto, em matéria de medicamentos, esse é um dos mais importantes elementos conhecidos para aferir se há ou não um risco sério e palpável de violação dos direitos em questão.

Considera-se assim verificado este pressuposto processual. Para quem tenha dele uma conceção mais alargada, a sua verificação resultará também do que se expôs no ponto anterior, tendo em conta o sentido geral da Lei nº 62/2011 e a concreta finalidade da ação em apreço.

*

O regime instituído suscita reservas de constitucionalidade e problemas de conformidade à Diretiva do enforcement e ao ADPIC/TRIPS. Mas elas têm a ver – não propriamente com a ação especial de acertamento e inibitória prevista no artigo 3.º da Lei, tal como se caracterizou, e com as objeções formuladas pelas Demandadas – mas com os termos em que a arbitragem necessária se encontra consagrada, mormente por implicar uma importante falha na tutela preventiva e pronta dos direitos, só parcialmente colmatada por essa ação [xxxii] .

(omissis)



[i] Fonte: www.dgsi.pt. Relator: Carlos Marinho. Proc. nº 1757-16.2YRLSB-6. Converteu-se o texto para o acordo ortográfico, apesar das reservas que suscita.

[ii] Sumário elaborado pelo relator. Acrescentou-se a numeração romana.

[iii] A Sentença, de que não houve recurso, foi proferida por um tribunal arbitral composto por Manuel Oehen Mendes, Paula Costa e Silva e Evaristo Mendes (presidente do tribunal e relator da Sentença), encontrando-se publicada no BPI de 2014/05/07.

[iv] A Lei tem na sua base a Proposta de Lei nº 13/XII (PL 43/2011, 2011.09.01), DAR, II série A, nº 24/XII/1, de 7.09.2011. O respetivo texto e a pertinente exposição de motivos podem conferir-se em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=36428 . Salvo se outra coisa resultar do contexto, a simples alusão à Lei, no texto «infra» deve entender-se como relativa a esta Lei nº 62/2011.

[v] Cfr. a exposição de motivos da Proposta de Lei referida na nota anterior, bem como a apresentação da mesma pelo Ministro da saúde, DAR I Série N.º 20/XII/1, de 17.09.2011, págs. 7-9. O texto desta apresentação pode encontrar-se em http://debates.parlamento.pt/ . Cfr., igual- mente, o Parecer do Infarmed relativo a tal Proposta (máxime, p. 2, 11 e 12), entregue, tal como outros referidos adiante, na AR.

[vi] Cfr. a citada apresentação da Proposta de Lei pelo Ministro da Saúde, bem como o Parecer do Infarmed.

[vii] Idealmente, deveria estar concluída até à concessão da AIM que está na sua base. Cfr., em especial, o Parecer do Infarmed sobre a Proposta de Lei (p. 13s). Este Instituto salienta também que os processos administrativos e a arbitragem correm em paralelo (cfr. p. 12).

[viii] Realça também este aspeto, nomeadamente, o Infarmed, no seu Parecer. Cfr., igualmente, os §§ 8 e 9 da Exposição de motivos (em confronto com os §§ 2 e 3/1ª parte).

[ix] Cfr. também o § 13 da Exposição de motivos.

[x] Cfr. o mencionado texto de apresentação da Proposta de lei pelo Ministro da Saúde.

[xi] Idealmente, como se observou (cfr., em especial, o Parecer do Infarmed), esta deveria concluir-se até à concessão da AIM e, tanto quanto possível, evitar futuras ações de infração e respetivas providências cautelares, consideradas em grande medida responsáveis pelos bloqueios, entraves e retardamentos no lançamento dos genéricos existentes ao tempo em que foi desencadeado o processo legislativo em apreço.

[xii] A este propósito, cabe lembrar, por um lado, que a Lei não acolheu a sugestão de consagrar a arbitragem necessária como solução meramente transitória, até estar instalado o TPI, feita durante a discussão da Proposta; o que motivou a abstenção do PS na votação final. Por outro lado, que Portugal assinou, o Acordo relativo ao futuro Tribunal Unificado de Patentes (TUP), destinado a resolver «litígios relacionados com as patentes europeias e com as patentes europeias com efeito unitário», que, vindo a concretizar-se, resolverá substancialmente o problema em apreço. O Acordo foi assinado em 19.02.2013, mas as negociações já existiam quando a Lei 62/2011 foi elaborada, embora falte nos trabalhos preparatórios desta qualquer referência ao assunto.

[xiii] Assinala-se, ainda, que a ação em apreço, embora conclua tecnicamente com uma sentença condenatória, havendo fundamento para isso, ela tem duas consequências gerais benéficas para a política e as empresas de medicamentos genéricos. Por um lado, define os exatos termos do direito invocado (incluindo a apreciação da duração e requisitos de validade ou eficácia do CCP, se for o caso), colocando tais empresas ao abrigo de eventuais processos cautelares destinados a prolongar, de facto, o exclusivo. Por outro lado, quando a AIM seja concedida com uma antecedência superior a 3 anos, relativamente ao termo do exclusivo, torna-se claro (apesar do teor literal restritivo do art. 77º, nº 3, do EM) que, com a sentença, a caducidade da mesma por falta de utilização prolongada não opera. Acerca da aplicação do artigo 77º, nº 3, do EM ( sunset clause) pelo Infarmed, cfr. a respetiva «Norma orientadora relativa à aplicação da Sunset Clause a medicamentos autorizados em Portugal, aprovada pela Deliberação nº 088/CD/2009, de 22.07.2009, disponível em http://www.infarmed.pt.

[xiv] De facto, na falta de tribunal arbitral constituído, uma tal tutela, pronta e eficaz, fica, na prática, inviabilizada. Chama a atenção para este ponto, mormente pelos problemas que coloca, quer em face da CRP, quer da Diretiva do enforcement, a Associação Portuguesa de Arbitragem, no seu Parecer sobre a Proposta de Lei (cfr. «infra»). Acerca do tema, salientando as insuficiências do texto da Lei, cfr. o Despacho Saneador, título I, págs. 5ss. O problema é também conhecido no âmbito da arbitragem voluntária. Com vista à sua substancial resolução, cfr. o artigo 5º do Regulamento de Arbitragem do CAC (CACCIP) de 2.12.2013 e o respetivo Regulamento específico.

É certo - no que toca à tutela cautelar (não já à tutela preventiva em geral) - que o problema é suscetível de ter uma solução exterior à Lei, «de recurso»: reconhecendo ao TPI competência para uma tutela cautelar provisória, semelhante à que se se encontra agora prevista neste Regulamento. Todavia, por um lado, isso vai contra o sistema legalmente instituído (da arbitragem necessária, compreendendo os procedimentos cautelares, e da existência de uma ação especial de acertamento de direitos com vista a desembaraçar os medicamentos genéricos de entraves processuais, máxime de índole cautelar), pelo que a solução apenas pode admitir-se a título excecional, como ultima ratio, na medida do necessário para assegurar a conformidade da Lei aos aludidos diplomas normativos de nível hierárquico superior. Por outro lado, estando em causa a criação de uma exceção ao regime legal, embora em nome de valores e princípios superiores, e não tendo o TPI sido apetrechado para lhe fazer face, a solução apresenta naturais dificuldades de aplicação. Quer dizer, a tutela geral em apreço não se enquadra no sistema da Lei e esta via exógena apresenta um carácter limitado e problemático. Donde, também, a primordial importância de conceber a ação preventiva especial do artigo 3º de modo a conseguir-se, para a generalidade das situações, uma tutela equivalente, tornando residual a intervenção do TPI. Note-se que no recente Acórdão de 12.12.2013 (Teresa Pais), proc. 240/13.2YHLSB.L1-8, o TRL considerou conforme à CRP e ao direito internacional o sistema da arbitragem necessária, tal como decorre literalmente dos artigos 2º e 3º da Lei, sem quaisquer ressalvas ou limitações, pelo que concordou com a decisão recorrida, tomada pelo TPI, de absolver da instância a ré, numa ação de infração nele intentada, por preterição do tribunal arbitral necessário.

[xv] Cfr. também o § 6 da Exposição de motivos.

[xvi] A Lei parte da situação típica, em que o requerente da AIM é também o seu destinatário. O caso «sub judice» ilustra, porém, que isso pode não suceder, havendo então uma lacuna que carece de ser colmatada. Tratou-se do assunto no Despacho Saneador, págs. 5 a 12.

[xvii] Como se observou, a Lei separa o problema da validade e eficácia da AIM, a apreciar em face do Direito regulatório aplicável (problema jurídico-administrativo), distinguindo-o portanto deste problema da licitude da sua utilização, a aferir tendo em conta os direitos industriais invocados (problema jurídico-privado).

[xviii] A favor desta conclusão depõem, ainda, em especial, a existente conexão da ação com o respetivo pedido e a publicidade a que está sujeita a sentença (cfr. os arts. 3º, nº 1, e 9º, nºs 2 e 3 da Lei).

[xix] Em França, no ano de 2007, chegou a ser apresentado no Senado um projeto de lei, em que se previa: «En matière de médicament, sera considérée au sens de la loi comme une atteinte imminente, toute demande de prix d'une spécialité générique déposée auprès du Comité économique des produits de santé avant que le brevet protégeant le médicament de référence n'ait expiré». Na exposição de motivos, salienta-se: «Si toute demande de prix déposée auprès du CEPS ne démontre pas l'intention du fabricant de génériques de commercialiser son produit avant l'expiration du brevet du princeps, lorsque une telle demande est déposée bien avant que le brevet protégeant le médicament d'origine n'ait expiré, la contrefaçon de ce dernier est par nature imminente»; «Il conviendrait donc de doter le juge des référés de nouveaux moyens qui lui permettraient de prendre en temps utile, et surtout avant toute commercialisation, les mesures adéquates afin d'éviter des violations des droits de propriété intellectuelle». O texto integral pode consultar-se no endereço http://www.senat.fr/amendements/2007-2008/9/jeu_classe.htm .

[xx] Cfr., designadamente, os arts. 20º (direito à tutela jurisdicional efectiva, mormente dos direitos fundamentais, mas não restrita aos mesmos), 42º, nº 2 (direito à patente), e 62º (direito de propriedade) da CRP, o articulado da Diretiva e a respectiva exposição de motivos (todo o diploma está concebido para haver uma tutela efectiva e minimamente uniforme dos direitos industriais na UE, mas vejam-se, em especial, os arts. 9º e 11º), bem como os arts. 41ss do ADPIC/TRIPS (cfr. em particular, os arts. 41º, nºs 1 e 2, 42º, 44º, nº 1, e 50º). Salienta-se que os direitos industriais, como os que se analisam, são, reconhecidamente, (pelo menos) direitos de «propriedade», no sentido do artigo 62º da CRP, e, como tais, direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias, a que se aplica, por força do artigo 17º, designadamente, o artigo 18º. Cfr., por exemplo: Rui Medeiros, in J. Miranda/R. Medeiros, CPA I, Coimbra Editora 2010, págs. 1246s (anotação VII ao art. 62º); Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada I, Coimbra Editora 2007, pág. 800 (anotação II ao art. 62º), bem como pág. 622 (anotação IV ao art. 42º); Vieira de Andrade, «A proteção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização da comercialização de medicamentos», RLJ 138 (2008), nº 3953, págs. 70ss (em especial, p. 71-73 e 94).

[xxi] É certo que, no que toca à tutela cautelar (não à tutela preventiva em geral), a conformidade da Lei aos aludidos diplomas normativos de nível hierárquico superior também pode obter-se através do reconhecimento de competência, para o efeito, ao TPI. Mas, tratando-se de uma solução abertamente contrária ao regime da arbitragem necessária, que inclusive alude expressamente às providências cautelares, ela deve considerar-se excecional e portanto intervir apenas em casos residuais. Ou seja, como se observou em nota anterior, quando se verifique uma infração e não haja tribunal arbitral constituído, em nome de superiores princípios e diretrizes, de direito constitucional, comunitário e internacional, o sistema da Lei poderá sofrer um entorse, admitindo-se uma competência do TPI para decretar, provisoriamente, providências cautelares; mas, tratando-se de uma exceção ao regime instituído, a solução só se mostra admissível, na medida do necessário para satisfazer esses princípios, onde falhe a tutela preventiva que se obtém dentro do sistema da Lei («cfr. «supra», nota 76, e «infra», no texto).

[xxii] Relembra-se, em geral, o que consta do nº 5 do preâmbulo do DL 262/83, que introduziu no CC o artigo 829º-A: «a sanção pecuniária visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis». Recorda-se, ainda, o que escreve Calvão da Silva, em Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, aqui citado na 4ª edição, Coimbra (Almedina) 2002, com a Adenda «Aplicabilidade da Sanção Pecuniária Compulsória em Processo Executivo», págs. 513ss, em que transcreve o Acórdão do STJ de 9.04.2001, favorável a esta aplicabilidade, manifestando a sua concordância com a doutrina nele perfilhada (p. 520ss). Em breve síntese, «a sanção pecuniária compulsória é a ameaça de uma sanção pecuniária, ordenada pelo juiz para a hipótese de o devedor não obedecer à condenação principal, visando o cumprimento das obrigações e a eficácia da decisão do tribunal; consiste, em suma, numa condenação pecuniáriaacessória e condicional, distinta e independente da indemnização, a fim de forçar e incitar o obrigado a realizar a prestação devida mediante a ameaça de consequências mais gravosas para os seus interesses do que aquelas que resultam do adimplemento» (p. 536); «analisa-se numamedida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que persegue» (p. 535). Está em causa um «mecanismo coercitivo (…) que propulsiona o respeito devido às injunções judiciais e a efectivação do cumprimento das obrigações», donde o produto reverter para o Estado e o credor (p. 509). Pertence à galeria dos meios de assegurar a realização do cumprimento e a efectivação do correspondente direito, enquanto «princípio primário, lógico e natural» (cfr. por ex., p. 509 e 511, 534, nota 30), potenciando uma melhor e mais célere administração da Justiça, em conformidade com o pensamento de Ihering, segundo o qual «O direito existe para se realizar. A realização é a vida e a verdade do direito» (p. 512). Na verdade, trata-se de uma técnica coercitiva (não executiva) (cfr., por ex., p. 534ss), de um «meio de pressão expedito e simples, capaz de realizar o optimum de tutela dos direitos e interesses legítimos» (p. 510), promovendo o efectivo cumprimento das obrigações de prestação de facto infungível, cuja realização, por definição, não se consegue através da execução in natura e sub-rogatória (p. 533s), colmatando uma lacuna do direito adjectivo, a sua «incapacidade para servir até ao fim a lei substantiva» (que reconhece ao credor o direito ao cumprimento) (p. 534). Mas mais do que isso: ao dispensar o processo executivo, pode, inclusive, mais latamente, «dar eficácia a um grande número de decisões do tribunal e contribuir para uma melhor e mais rápida administração da Justiça» (p. 510). Com efeito, «para quê obrigar o titular do direito a lançar mão do processo executivo (…), se a sanção pecuniária compulsória tem a virtualidade de lhe proporcionar satisfação integral, induzindo ao cumprimento o obrigado, num prazo rápido, com economia de meios e sem incomodidade?» (p. 510s). A própria evolução histórica demonstra que a técnica da execução in natura, sub-rogatória, quando é viável, «veio suprir, no possível, a ineficácia dos meios de coerção, completando-os e não substituindo-os», tendo a SPC (técnica coercitiva) uma «lógica anterioridade» ou prioridade em relação a ela (p. 511). Realça-se o seu caráter patrimonial, segundo o modelo das astreintes, havendo sido rejeitados pelo legislador português modelos de atuação sobre a pessoa do devedor, segundo a tradição germânica e anglo-saxónica (cfr., por ex., p. 511s, 535s).

[xxiii] Numa outra ordem de ideias, já de defendeu também o seguinte: decretar que, no caso de o devedor vir a ter certo comportamento, fica o mesmo sujeito a uma sanção, definindo os termos da mesma, é ainda declarar o Direito. O que está coberto pela arbitragem necessária estabelecida no artigo 2º da Lei – ou seja, é matéria da competência do tribunal arbitral. Não do tribunal (estadual) da execução. Cfr. a Sentença arbitral de 4.02.2013, BPI de 2013/03/04, págs. 6ss (pág. 38 da sentença).

[xxiv] Na verdade, a tónica da Proposta convertida em Lei e da respectiva Exposição de motivos é a da promoção da comercialização dos medicamentos genéricos tão pronta quanto possível, logo que expirem os DPI. O respeito destes é mais pressuposto que afirmado, embora ele surja designadamente salientado no Parecer do Infarmed e na apresentação do Ministro da Saúde, que também alude, em especial, à instituição de um regime que concilie a proteção dos direitos com esse objetivo de política do medicamento.

[xxv] Cfr. a Exposição de motivos, §§ 8 e 9 (em confronto com os §§ 2 e 3/1ª parte), bem com os arts. 23º-A, nº 2, 25º, nº 2, e 179º, nº 2, do EM e o art. 2º-A do DL 48-A/2010. Na verdade, apesar da tónica salientada na nota anterior, diretamente expressa no regime do artigo 3º, através da ação neste prevista o tribunal arbitral vai definir em que termos a comercialização do medicamento para que é requerida a AIM é compatível ou incompatível com os direitos invocados e, correspondentemente, em que condições a AIM requerida pode ser licitamente utilizada, por quem quer que seja, e a comparticipação pública é lícita.

[xxvi] Sobre a inclusão dos direitos conferidos por patente ou CCP no grupo dos direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantias, cfr. «supra», nota 82.

[xxvii] O que se mostra compreensível em casos como o presente, em que uma entidade de certo Grupo faz múltiplos pedidos, para diferentes entidades do mesmo Grupo ou com ele relacionadas, em distintos países, no âmbito de procedimento descentralizado.

[xxviii] Não interessa discutir nesta sede se a tal resultado se chega por interpretação extensiva dos textos legais ou através do preenchimento de uma lacuna criada pela indicada prática do Infarmed. Doravante, aludiremos, simplesmente, à existência e integração de uma lacuna, mas sem tomar posição sobre o assunto.

[xxix] Cfr. o que se expôs no Despacho Saneador, págs. 5ss, e, complementarmente, págs. 10 a 12.

[xxx] Cfr. o Despacho Saneador, págs. 9ss.

[xxxi] Sobre este tipo de cláusulas, cfr., por exemplo, o Acórdão do STJ de 27.09.2011 (Nuno Cameira), RLJ 141 (2012), págs. 177ss, e a anotação concordante de A. Pinto Monteiro, ibidem, págs. 188ss, em especial, 190ss. Este autor salienta que estamos perante uma modalidade de cláusulas penais com uma função coercitiva ou compulsória, dissuasora do incumprimento, assim se reforçando «o princípio da força vinculativa do contrato», «os meios de tutela privada em ordem a assegurar o cumprimento da obrigação e o prioritário interesse do credor»; constituem um plus, relativamente à eventual indemnização, destinando-se a compelir o devedor a cumprir (este fica com a certeza, logo à partida, de ter que pagar certo montante no caso de não efetuar o cumprimento) (p. 191s). Inserem-se na «linha de preocupações de que igualmente comunga a pena estritamente compulsória: compelir o devedor, reforçar o cumprimento», embora a SPC tenha, ainda, a função de fazer respeitar as decisões dos tribunais (p. 195s e nota 25).

[xxxii] É certo que durante os trabalhos preparatórios da Lei se discutiu, ainda, mormente em face da CRP, se a arbitragem necessária deveria ter caráter meramente provisório. Este aspeto do problema não se encontra, no entanto, em discussão e poderá até ficar substancialmente minorado com a previsível instituição do TUP.