EVARIST​O MENDES

SUMÁRIO: Numa SQ ou SA, ainda que se admita a chamada obrigação de quinhoar nas perdas [art. 20b) do CSC] como fundamento da redução do capital social (capital nominal ou estatutário) e da correspondente redução ou extinção de participações sociais, atendendo a este último efeito, a operação não pode realizar-se numa pura base contabilística, mormente quando se efective sem ou com limitação do direito de subscrição preferencial das novas quotas ou acções. O princípio geral a atender é aquele que se encontra aflorado o art. 198.3 do CIRE; ou seja, via de regra, após a operação, um sócio não deve ficar com menos do que obteria numa hipotética liquidação da sociedade, tendo em conta as modalidades possíveis desta e a respectiva viabilidade prática no caso concreto.

PALAVRAS-CHAVES: capital social – redução do capital – perdas sociais – operação de acordeão (coup d’accordéon) – redução e extinção de participações sociais – valor da sociedade – valor das participações sociais

ABSTRACT: An operation concerning the simultaneous reduction and increase of a company's share capital, normally designed to offset losses (accordion operation), insofar as it involves the extinction of shares can’t be based on mere book values.

KEY-WORDS: share capital – reduction of share capital - accordion operation – fair value of shares

Evaristo Mendes

Docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa)

Operação unitária de redução e aumento do capital afetado por perdas (Operação de harmónio ou acordeão)

PARECER (ano: 1999)

Índice

Nota introdutória – p. 2

1. Factos – p. 6

2 . A operação de acordeão – p. 7

A) Em geral. Redução do capital a zero – p. 7

B) Redução substancial do capital por perdas, abaixo do mínimo legal, mas não a zero. O caso concreto – p. 20

3. Princípio da não privação da participação social sem compensação de valor equivalente. O valor real da sociedade como valor geral de referência desse equivalente – p. 27

4. Valor real e valor contabilístico da sociedade – p. 30

4.1 O Valor contabilístico (VC) – p. 33

4.2 O Valor real – p. 34

5. Atribuição de equivalente. As condicionantes do princípio da intangibilidade do capital social – p. 36

6. A operação de redução-aumento. Conclusão – p. 36

PRINCIPAIS CONCLUSÕES – p. 38

Nota introdutória

A SA X, com um capital social (nominal ou estatutário) de cerca de 14 milhões de euros, na moeda actual, apresentava no final de 1998 um capital próprio pouco superior a 1,3 milhões. A sociedade acumulara prejuízos na primeira metade dos anos 90 do séx. XX de mais de 25 milhões de euros, pelo que fora então submetida a uma operação de acordeão. Apesar de continuar fortemente endividada, tendo que suportar por isso encargos financeiros muito elevados, e de apresentar um rácio de autonomia financeira muito reduzido, iniciou então um novo ciclo de recuperação, voltando aos resultados positivos na segunda metade dessa década. Mas também teve perdas vultosas, em especial no ano de 1997, pelo que se justificava uma nova operação de saneamento financeiro.

A sociedade explorava uma empresa industrial essencialmente voltada para os mercados externos, nos quais detinha grande implantação, rondando o volume de vendas anual os 35 milhões de euros. As rubricas relativas aos resultados operacionais e ao «cash flow» constantes das demonstrações financeiras de 1998 e, sobretudo, do plano elaborado pela administração para o quinquénio de 1999-2003 mostravam um bom desempenho, atual e previsional, do negócio; apenas a situação financeira se apresentava desequilibrada, como consequência dos maus resultados do passado.

A sociedade possuía um sócio maioritário alemão, alguns outros accionistas pertencentes ao sector financeiro e um grupo minoritário detentor de uma participação global de perto de 15% do capital (representando um investimento histórico de cerca de 2 milhões de euros). Foi convocada uma reunião da assembleia geral para deliberar sobre uma proposta da administração no sentido: de uma redução do capital para 500 euros, mediante a extinção proporcional das participações sociais de todos os accionistas, destinando-se a operação à cobertura de perdas da sociedade; da limitação ou supressão parcial do direito de preferência dos actuais accionistas relativamente ao próximo aumento por entradas em dinheiro; de um aumento do capital de 500 para 10 milhões de euros, por novas entradas em dinheiro ou em espécie, a subscrever por actuais accionistas e entidades convidadas, emitindo-se as novas acções ao par ou com ágio. Aparentemente, o aumento dar-se-ia em parte mediante conversão de créditos de alguns accionistas em capital e, na outra parte, em dinheiro, com subscrição reservada a terceiros. Vindo a proposta a ser aprovada, o aludido grupo minoritário ficaria com pouco mais de uma dúzia de acções (com o valor nominal de 5 euros cada), num total de 2 milhões.

Com vista a uma possível negociação, foi-nos solicitado parecer sobre se a operação assim concebida seria juridicamente admissível. O caso acabaria por se resolver através de acordo, tendo os minoritários recebido uma compensação substancial pelas respectivas participações.

Correspondendo a solicitações várias, divulga-se, em seguida, a parte substancial do texto do parecer, tal como foi apresentado. De facto, quanto ao fundo, ele mantém actualidade, embora importe ter presente, sobretudo, por um lado, que o regime dos artigos 95 e 96 do CSC sofreu nova redacção com o DL 8/2007 (passando a operação de acordeão a estar prevista no primeiro); por outro lado, que o CREFal foi substituído pelo CIRE, salientando-se neste o art. 198, onde, designadamente, se permite a adopção no plano de insolvência: (i) de um aumento do capital da sociedade insolvente com supressão do direito de preferência, legal e estatutário [nº 2b)], desde que esse capital tenha sido previamente reduzido a zero ou, não sendo esse o caso, desde que daí não resulte uma desvalorização das participações que os sócios conservem (nº 4); (ii) de uma «redução do capital social para cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou outro montante inferior ao mínimo estabelecido na lei para o respectivo tipo de sociedade, desde que, neste caso, a redução seja acompanhada de aumento do capital para montante igual ou superior àquele mínimo» [nº 2a)] e desde que, no caso da redução a zero, seja «de presumir que, em liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios» (nº 3). Assinala-se também que a 2ª Directiva referida no texto foi entretanto substituída pela Directiva 2012/30/UE.

…….

(omissis)

Em última análise, o problema de fundo que importa primeiramente analisar é o seguinte: segundo a lei, pode uma sociedade, unilateralmente, reduzir ou extinguir a participação social de um sócio ou praticar actos tendentes ou que tenham como efeito esse resultado? Em caso afirmativo, dentro de que pressupostos ou sob que condições? Nomeadamente, pode fazê-lo pela via da operação vulgarmente conhecida por «operação de acordeão», consistente na redução-aumento do capital social?

A coordenada geral que se extrai do ordenamento jurídico é esta: a participação accionária tem a garantia constitucional da propriedade privada (art. 62 da CRP), designadamente face a actos de exercício da autoridade ou poder corporativos da sociedade, ou seja, actos em que esta aparece na sua veste de entidade dotada de poder privado, numa situação semelhante àquela que se verifica nas relações entre os privados e o Estado (ou a as autoridades públicas em geral). Transposta, ainda que com as devidas adaptações - valendo ao menos como directriz, designadamente interpretativa -, para as relações sociedade-sócio e abstraindo do problema dos estatutos, que no presente caso não se põe, ela significa que as limitações não consentidas pelo titular carecem de fundamento legal e justificação material na base de uma adequada ponderação de interesses [i] : ficam sujeitas, nomeadamente, aos princípios da necessidade e escolha do meio ou medida menos gravosa, da adequação, da proporcionalidade (art. 18.2 da CRP; cfr. também o art. 266, embora respeitante à AP) e da justa indemnização (art. 62.2 da CRP). A tais exigências materiais pode, ainda, acrescer a de salvaguarda do conteúdo essencial da garantia (cfr. o art. 18.3) e de fundamentação bastante (cfr. o art. 268.3 da CRP, embora relativo à AP). Por fim, importa, ainda, salientar que a defesa do direito implica uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20.1 da CRP; cfr. o art. 268.4), aliás estreitamente ligada a esta fundamentação.

No caso das acções, que são primacialmente valores mobiliários, pode afirmar-se que tal garantia - se bem que, por norma, extensiva à participação em si mesma, «em espécie», na sociedade (em especial quando está em causa uma participação estratégica ou «empresarial» e, sobretudo, o controlo da mesma sociedade) - se centra no valor de investimento que as mesmas representam. É, nesse sentido, sobretudo uma garantia de valor: de conservação do valor e de contrapartida compensatória ou «justa indemnização» face a actos da corporação legalmente permitidos susceptíveis de envolver, de algum modo, a «disposição» ou afectação dos valores mobiliários em apreço. [ii]

Em consonância com esta directriz da Lei fundamental, extrai-se do direito societário, o qual de resto deve ser interpretado em conformidade com a mesma [iii] , que a extinção ou redução da participação do sócio legalmente admitida deve - além de observar o princípio da igualdade de tratamento (incluindo a igualdade de oportunidades, designadamente de investimento na própria sociedade) [iv] - ser acompanhada da atribuição de contrapartida, em dinheiro ou em espécie, de valor pelo menos equivalente àquele que o sócio receberia no caso de se proceder à liquidação da sociedade (art. 1021 do CC) [v] . Sendo a sociedade titular de uma empresa ou negócio, considerando também o respectivo valor de trespasse.

Decorre daqui que a operação de que tais redução ou extinção resultam, além de necessária para a prossecução de outros interesses legalmente relevantes e justamente proporcionada, deve ser conformada de tal forma que a participação mantenha no mínimo sensivelmente tal valor ou, se for o caso, seja substituída por outra de valor equivalente, ou seja atribuída ao titular afectado uma compensação pecuniária desse montante. Ou seja, esse é o valor de referência mínimo garantido pelo direito societário, em geral, pelo menos a título supletivo, em conformidade com a mencionada directriz constitucional. De resto, aplicam-se, naturalmente, os princípios gerais de que as atribuições os deslocamentos patrimoniais - directos ou indirectos - entre sujeitos de direito devem ter causa apropriada e do não enriquecimento à custa alheia.

Antes de proceder à especificação destas coordenadas gerais e à sua aplicação ao caso concreto, importa, contudo, realçar, ainda, mais alguns dados de facto. É o que se vai fazer de seguida.

I

1. Os factos

(…)

Resulta daqui, em síntese, que nos encontramos perante uma empresa com uma importante implantação no mercado ( com um importante valor de posição de mercado), uma valiosa estrutura patrimonial-produtiva e, correspondentemente, um volume de negócios de valor considerável e uma interessante capacidade reditícia, actual e, sobretudo, previsional (incluindo já nos respectivos factores, positivos e negativos, o valor do investimento necessário para a assegurar, investimento a realizar quer na estrutura produtiva, quer na política comercial ou de mercado); uma empresa considerada, por isso, pelos próprios responsáveis como um bom «negócio». A situação financeira, traduzida pelos referidos indicadores e reflectida num valor do actual capital próprio (ou situação líquida) muito abaixo da cifra do capital social, essa mostra-se, no entanto, desequilibrada e fortemente condicionadora; ainda que, a respeito desta, se salientem as favoráveis perspectivas criadas sobretudo com a descida das taxas de juros.

Noutros termos, trata-se de uma sociedade titular de uma empresa com um potencial valor de trespasse elevado e que é vista, por isso, como um bom negócio (valia económica, dada pela capacidade reditícia actual e prospectiva do negócio ou empresa) desde que seja superada a situação de «estrangulamento» financeiro, herdada do passado.

II

2. A operação de acordeão [vi] . A) Em geral. Redução do capital a zero

A cifra do capital social é uma cifra estatutária pertencente à estrutura formal obrigatória ou constitutiva das sociedades anónimas destinada a funcionar essencialmente como elemento de referência e de definição de certo regime do património social. Não pode ser fixada, nem originária nem supervenientemente, num montante inferior ao mínimo legalmente estabelecido (cfr. os arts. 201 e 276.3 do CSC). Deixando, porém, tal cifra de ter cobertura patrimonial por perdas verificadas no âmbito da actividade social (em sentido lato) - isto é, ficando o «capital próprio» ou situação líquida da sociedade (activo menos passivo contabilísticos) com um valor inferior à mesma, em virtude de prejuízos ocorridos -, a própria lei prevê uma forma de reajustamento consistente numa operação complexa dita de «redução-aumento» do capital, conhecida por operação de acordeão (art. 96 do CSC).

A operação, à primeira vista, parece significar apenas isso: um reajustamento superveniente da estrutura formal da sociedade à respectiva situação patrimonial tal como se encontra definida contabilisticamente, ou seja, de acordo com um sistema convencional e normalizado de informação com carácter acentuadamente prudencial e garantístico dessa mesma situação patrimonial. Daí que, diferentemente do que acontece noutros casos de redução do capital, «desvinculadora» do património existente em benefício dos sócios, a lei se contente com um procedimento simplificado de redução (cfr. os arts. 95 e 96 do CSC).

Todavia, tal como é comummente entendida, a operação tem, para além desse efeito de reajustamento nominal, um efeito material sobre as participações sociais existentes: no caso de perda total do capital, elas serão também «reduzidas a zero» e, portanto, extintas. Este último efeito não está expressamente contemplado pelo legislador [vii] . É certo, porém, que o sentido e justificação da operação tem, justamente a ver com ele, isto é, com a «situação subjectiva» (Raúl VENTURA) interno-societária.

Ora, sendo assim, comparando sobretudo a operação com os outros casos de redução do capital e de reorganização societária (fusão, cisão, transformação, mas também aumento do capital), verifica-se na regulamentação legal específica do instituto uma «lacuna» quanto a esse seu lado ou dimensão material. Lacuna essa que deve ser integrada tendo em conta nomeadamente: por um lado, o interesse e significado económico da operação no quadro das medidas de saneamento financeiro das sociedades afectadas por perdas - no caso, conseguido mediante o aumento do capital por novas entradas, que se pretende promover reduzindo as participações existentes à sua dimensão «real»; por outro lado, a garantia constitucional e societária geral de conservação, pelo menos, do valor das participações - que passa por considerar como valor de referência do respectivo «reajustamento» não o valor contabilístico das mesmas (por definição, zero), reconhecidamente tido como simples valor convencional com o significado de informação mínima, mas o valor «real». Só assim a operação terá verdadeiramente o sentido de um reajustamento nominal ou formal da cifra do capital (ao respectivo valor patrimonial de referência, que é um valor contabilístico, o da situação líquida) e, em certo sentido, também das participações (reajustamento ao seu valor patrimonial de referência legal, que é o «valor real»).

Contesta-se, pois, o corrente entendimento sobre-simplificado ou simplista da operação e, em especial, que o valor contabilístico seja o relevante para avaliar o seu impacto nas participações. Pelo contrário, estas deverão ser redefinidadas ou reajustadas – eventualmente extintas se for o caso -, no âmbito da operação, tendo como valor de referência, na falta de regra especial , aquele que o legislador considera em geral relevante para o efeito, isto é, o valor real da sociedade (por norma, o seu valor de liquidação nas melhores condições, incluindo portanto o valor de trespasse da respectiva empresa). Com essa autonomização e enquadramento das duas questões – a relativa ao capital e a respeitante às participações - conseguem-se dois importantes resultados: eliminam-se as graves objecções materiais à operação que levam uma autorizada corrente de opinião a considerá-la inadmissível e, simultaneamente, os excessos da tese que afirma, sem mais, a sua validade (ou o faz com a simples salvaguarda do direito de subscrição preferencial do aumento do capital nela envolvido).

Importa desenvolver um pouco estas considerações.

Na realidade, a cifra, estatutária, do capital nunca chega a ser reduzida no montante correspondente às perdas. Ela é simplesmente objecto de eventual [viii] alteração de modo que, após a reintegração patrimonial que se dá por novas entradas, fique com cobertura patrimonial.

A descrição ou construção corrente da operação, reflectida na lei, tem, de facto, um significado essencialmente interno e explicativo: num primeiro momento, meramente lógico, prefigura-se a redução da cifra no montante das perdas (ajustamento nominal do valor estatutário do capital, de modo a traduzir a situação patrimonial-contabilística da sociedade); logo seguida, porém, e condicionada pelo aumento (redefinição do valor da cifra, em função da reconstituição patrimonial operada através de novas entradas). O que se visa explicar é sobretudo uma modificação, implícita na operação, das participações sociais. Quer dizer, o interesse prático de tal construção tem a ver sobretudo com esta pretendida afectação jurídica das participações, como passo para «viabilizar» um novo investimento da sociedade em «capital de risco» ou, em geral, a melhoria da sua situação patrimonial-financeira [ix] .

Assim, no caso das acções, a participação accionária global de cada accionista sofreria, em resultado do ajustamento nominal do capital ao valor contabilístico do património social, um correspondente ajustamento do respectivo valor nominal ao valor contabilístico. No caso de perda total do capital (isto é, deixando a cifra estatutária de ter correspondência patrimonial-contabilística, por o património líquido contabilístico ser zero ou, mesmo, negativo), o valor nominal das participações considerar-se-ia sem correspondência patrimonial-contabilística, sendo, por isso, tal como «idealmente» o capital social, reduzido a zero.

A lei não admite nas sociedades de capitais participações de valor nominal zero, nem sequer de valor nominal inferior a certo montante, sendo o mesmo definido com referência ao do capital social, em função da situação patrimonial (cfr. os arts. 197.1, 273, 219.3, 276.1/2 e 25 do CSC). Portanto, ou se admitia, aqui, o aparecimento de uma categoria especial de acções (ou quotas), do tipo das acções de fruição mas sem valor nominal, ou teria que aceitar-se como consequência «forçosa» da operação a extinção, sem mais, das participações existentes [x] . Ao aumento do capital, por sua vez, corresponderia a criação de novas participações, com o respectivo valor nominal definido em função da «nova» cifra.

A doutrina e a jurisprudência largamente dominantes aceitam que a redução do capital social a zero (como forma de o ajustar à situação «real») tem esta consequência da extinção pura e simples das participações. A partir daí, por razões de ordem lógica e tendo como pano de fundo o problema da tutela das minorias no que respeita à conservação das suas participações, surgiram duas correntes de opinião: a primeira negando a admissibilidade de tal redução a zero; a segunda, admitindo-a, com mais ou menos temperamentos, de modo a salvaguardar os interesses dos minoritários [xi] . Na doutrina portuguesa e no domínio do CSC, pronunciou-se contra essa admissibilidade o Prof. Raúl VENTURA [xii] .

As objecções de carácter lógico desaparecem, porém, se se conceber a operação em termos do que ela realmente é (cfr. «supra»: reconstituição patrimonial com reajustamento da cifra do capital e das participações, uma vez reconhecida e tendo na base a falta de cobertura ou correspondência patrimonial-contabilística da cifra anterior) ou como operação complexa mas unitária (ou ainda de sub-operações interdependentes), em que a redução do capital e a correspondente afectação jurídica das participações só podem juridicamente ocorrer com o aumento efectivo do património por novas entradas, operação essa aprovada pela colectividade dos sócios existentes na altura. Importa, pois, atentar apenas nos aspectos substanciais do problema que a mesma suscita.

Na corrente favorável à operação, salientam-se os seguintes condicionamentos, separados ou cumulativos: a) a situação patrimonial-contabilística que lhe serve de base deve espelhar a real situação do património social ou aproximar-se dela [xiii] ; b) os accionistas existentes têm o direito de subscrever preferencialmente o aumento do capital (logo, à atribuição das novas acções), sem que tal direito possa ser suprimido [xiv] ou sequer limitado [xv] ; c) não sendo esse direito exercido integralmente por todos, o valor de emissão das novas acções deve reflectir a situação patrimonial real da sociedade e não apenas a situação patrimonial-contabilística resultante da utilização dos critérios comummente aplicáveis ao balanço de exercício; d) a operação deve ser convenientemente fundamentada ou justificada a partir de um balanço auditado [xvi] .

O realce vai aqui para a salvaguarda do direito de subscrição preferencial, entendendo-se que este será meio suficiente de tutela do accionista na medida em que: sendo ele intocável ou mantendo-se intocado, o titular pode concorrer ao aumento ou realizar o seu valor; se o mesmo houver de ser parcialmente sacrificado, no caso de isso ser possível, terão que se verificar todos os pressupostos gerais da sua limitação, designadamente no que respeita à prevenção do risco de perda de valor monetário, mediante a exigência de prémio de emissão adequado.

Todo este entendimento do fenómeno em apreço assenta nas seguintes premissas e considerações: 1ª a operação de acordeão «total» envolve uma efectiva redução do capital a zero, por falta de correspondência patrimonial, resultante de perdas ou prejuízos havidos; 2ª essa falta de correspondência ou cobertura patrimonial significa que as «entradas» que estão na base das participações também se perderam, deixando estas igualmente de ter correspondência patrimonial e correndo os titulares o risco dessa perda [xvii] ; além disso, a redução do capital significa ficarem as participações sem o necessário valor nominal; daí a sua extinção, concomitante com o aumento de que depende [xviii] a redução [xix] ; 3ª é certo que tal operação é alternativa da dissolução da sociedade e, dado que o valor de liquidação desta não coincide com o respectivo valor contabilístico, se a opção fosse pela dissolução os accionistas ainda poderiam vir a receber uma quota de liquidação mais ou menos importante; quer isso dizer que, apesar da situação contabilística a zero ou, até, negativa, a sociedade e as correspondentes participações ainda podem conservar um valor considerável; 4ª isso não deve, porém, contrariamente a um sector de opinião, em nome da protecção ou não «expropriação» ilegítima dos accionistas, inviabilizar uma operação que pode fazer economicamente sentido e que assegura a continuação ou manutenção da sociedade, a qual corresponde verdadeiramente ao interesse comum a todos (interesse social), além de ser também de interesse geral [xx] ; pelo contrário, esta deve considerar-se prioritária, conciliando-se o interesse individual dos accionistas com esse interesse colectivo mediante o reconhecimento aos mesmos de um direito de concorrer ao aumento, assegurando-lhes por essa via, querendo, a continuidade da qualidade de sócios; o que não pode é excluir-se o direito; 5ª é verdade, ainda, que, se não exercerem nem alienarem tal direito, acabarão por perder o eventual valor que lhes caberia na liquidação da sociedade; sendo igualmente certo que a realização do valor do mesmo direito estará em geral comprometida por falta de mercado; neste caso, já estamos, todavia, na esfera de liberdade e de risco de quem investe em acções [xxi] ; 6ª por outro lado, no caso de o interesse social justificar a limitação do direito de preferência, o próprio direito subsistente e as acções resultantes do seu exercício poderão ser valorizados relativamente ao valor nominal destas mediante adequado prémio de emissão, traduzindo o valor que vem de trás; 7ª a operação assim concebida, salvo no que respeita à eventual limitação do direito de subscrição preferencial, pode mesmo considerar-se «auto-justificada», cabendo a sua aprovação no poder discricionário da maioria legalmente exigida para a alteração dos estatutos (ou outra mais exigente) [xxii] ; 8ª sendo a perda «real», até nem repugnaria aceitá-la sem o direito de preferência, que pode constituir um forte obstáculo à correspondente viabilização das empresas societárias «em dificuldades» [xxiii] .

Em contrapartida, os partidários da tese da inadmissibilidade da operação pretendem, em termos substanciais, garantir a «propriedade accionária» e, em especial, negar às maiorias de controlo um instrumento de se desembaraçar de sócios indesejáveis, na base de um valor meramente contabilístico, que não traduz o valor real da sociedade e das acções, reflectindo mesmo uma considerável margem de discricionariedade da maioria [xxiv] .

Num ponto a corrente que admite a operação tem razão: a situação patrimonial relevante para verificar se o capital se encontra ou não totalmente perdido - isto é, se a respectiva cifra estatutária se encontra desprovida de cobertura patrimonial, por prejuízos havidos – é a que é revelada pelo sistema de informação contabilístico, em especial por um balanço correctamente elaborado segundo os princípios que regem a feitura do balanço de exercício, porventura auditado ou certificado. É também verdade que um regime excessivamente proteccionista das minorias pode desincentivar o recurso a esta forma de «recuperação financeira» de sociedades comerciais economicamente viáveis ou rentáveis.

Contudo, por um lado, a operação de redução-aumento só será realmente do interesse comum dos accionistas (de todos eles: interesse social, na concepção dominante) se todos se mantiverem na sociedade sem perda substancial de valor das respectivas participações, o que o simples direito de subscrição preferencial do aumento, por si só, não assegura. Por outro lado, nem a garantia constitucional nem a própria garantia de valor das participações que decorre dos princípios gerais do direito societário tem como objecto o respectivo valor contabilístico, mas o valor real, apurado tomando como referência o valor de liquidação da sociedade nas melhores condições (incluindo, portanto, o valor de trespasse da sua empresa ou negócio) (cfr. «infra»). Acresce que a operação se configura como alternativa à dissolução e liquidação da sociedade (cfr. os arts. 35 e 544 do CSC e o art. 17 da 2ª Directiva em matéria societária, entretanto tornada aplicável a Portugal) e, pelo menos no domínio das hipóteses, à transformação numa SNC, na medida em que esta pode subsistir com meros sócios de indústria (sem capital social).

Ora se, no primeiro caso, o sócio poderia receber um valor mais ou menos considerável, correspondente à sua quota de liquidação, torna-se difícil justificar o sacrifício do mesmo através da operação acordeão, tanto mais que a lei e a prática conhecem formas de assegurar a perduração da empresa no âmbito da liquidação da sociedade (cfr. os arts. 152.2c) e d) e 148.1 do CSC) e, portanto, o problema reduz-se essencialmente a um confronto de interesses privados. A possibilidade, ainda que teórica, da transformação revela, por seu turno, que a redução do capital a zero não tem como consequência inevitável a extinção das participações.

Na verdade, esta extinção não tem que ser uma simples consequência inevitável da redução a zero do capital social. Com efeito, sendo este um valor convencional de referência, aferição e vinculação do património contabilístico (ele próprio também um património convencional criado com objectivos que nada têm a ver com o valor das participações sociais), compreende-se que, com base na perda do património, se «anule» tal valor, declarando-o igualmente perdido. Há aqui um mero ajustamento formal ou nominal, que, aliás, justifica o procedimento simplificado previsto na lei (cfr. os arts. 94-96 do CSC, em especial este último).

O mesmo não sucede, porém, com as participações: afirmar a sua extinção a partir do mesmo valor contabilístico do património social significa afectar ou atingir uma posição jurídica com um valor real porventura bastante superior, tomando por base um mero valor informativo a que a lei não reconhece em geral significado no contexto extintivo das participações sociais (cfr. «infra») e abandonando o campo do simples ajustamento de um dado nominal ou convencional de referência. Mais, ainda: pretendendo mediante um simples procedimento nominal obter resultados materiais não conformes com os referidos princípios gerais do ordenamento jurídico, «maxime» constitucional e societário.

De facto, a aplicação desses princípios significa que, enquanto o ajustamento da cifra do capital deverá tomar por base o valor contabilístico da sociedade, o das participações requer a consideração do respectivo valor real. A conciliação do interesse social tipicamente presente na operação com a garantia das participações (interesses individuais) há-de dar-se mediante adequada ponderação de interesses, a partir do potencial benefício comum resultante da operação e do referido valor de liquidação da sociedade. A materialidade da operação opõe-se, em especial, à sua consideração, sem mais, como auto-justificada, no que respeita à situação dos accionistas.

Tendo em conta o que acaba de expor-se, podemos tirar, para já, as seguintes conclusões :

1ª Sendo a situação patrimonial de uma sociedade anónima afectada por perdas, a respectiva colectividade social pode proceder ao reajustamento da respectiva cifra (estatutária) do capital social, assim como das participações; a operação é legalmente concebida como de simples reajustamento nominal da estrutura formal da sociedade – e das participações – à realidade substancial; é nesse pressuposto que se admite para o efeito um processo simplificado, sem consideração específica dos interesses dos credores sociais e das minorias (cfr., em todo o caso, o art. 95.4c) e d)).

2ª Se a situação patrimonial-contabilística, devidamente apurada segundo os critérios gerais de elaboração do balanço de exercício (mapa-síntese informativo e normalizado destinado ao público em geral), revelar uma perda total do capital social, isto é, uma total falta de correspondência ou cobertura patrimonial do respectivo valor estatutário, tal cifra deveria poder ser reduzida a zero; dadas, porém, as exigências legais do capital social mínimo, a concretização da medida em apreço só se apresenta viável (teoricamente) pela via da concomitante transformação da sociedade anónima em sociedade cujo tipo possa existir sem esse elemento formal do capital social (SNC; sendo o objecto social civil, poderia ainda admitir-se a transformação em sociedade civil, mas a lei não contempla esta possibilidade) (cfr. o art. 96.2 do CSC).

3ª Para evitar, porém, a dissolução da sociedade (imposta designadamente pela 2ª Directiva, art. 17, na falta de solução alternativa; cfr. também os arts. 35 e 544 do CSC), mantendo o tipo, e promover o seu saneamento financeiro com respeito por tais exigências de capital mínimo, a prática imaginou a chamada operação de acordeão, que o legislador nacional reconhece no art. 96.1 do CSC.

4ª Externamente, tal operação traduz-se num simples reforço do património social mediante novas entradas (reconstituição patrimonial), com reajustamento da cifra do capital de modo a esta ficar com correspondência patrimonial.

5ª Por trás desta aparente simplicidade, aceita-se, contudo, que tal reajustamento resulta ou se traduz numa redução-aumento da mesma cifra; esta construção, aparentemente inútil já que a sociedade fica com a situação patrimonial reintegrada e nessa medida (acima do mínimo legal) a cifra do capital é «disponível», visa, na realidade, esclarecer a situação relativa às participações sociais, antes e após a realização da operação.

6ª Assim, admite-se correntemente que a redução do capital contida na operação – tal como é construída e embora só possa produzir-se juridicamente com o simultâneo aumento do mesmo capital (exigência do princípio legal do capital social mínimo) – tem como efeito, e visa mesmo, uma correspondente redução das acções existentes, a qual desemboca na própria extinção pura e simples no caso da redução a zero.

7ª Todavia, esta construção apresenta vários vícios. (1) Em primeiro lugar, não pode deixar de causar perplexidade o facto de ser a simples alteração de um elemento da estrutura formal da sociedade – a cifra do capital social -, ainda que motivada e justificada pela situação patrimonial e possa «logicamente» ir até zero, a provocar o efeito da redução ou extinção das participações , que são posições jurídicas reais e não mero elemento formal da mesma sociedade; isso só se torna, na verdade, «compreensível» começando por considerar em especial que a redução do capital social a zero provoca também a redução a zero do valor nominal das acções e, em seguida, tirando daí como consequência a sua extinção por falta do necessário valor nominal (ou do respectivo mínimo legal, estabelecido com referência à cifra do capital social); no entanto, subsitiria ainda assim a situação «estranha» de a extinção das posições jurídicas decorrer da perda ... tão-só do respectivo valor nominal (elemento meramente formal e convencional das mesmas); aliás, fazendo o paralelo com a redução do capital social, o máximo que se conseguiria é que tal como não pode efectivar-se essa redução sem o aumento simultâneo (em função da reconstituição patrimonial operada), também as cifras nominais das participações não poderão reduzir-se sem o correspondente aumento. (2) Em segundo lugar, num plano mais substancial, a construção em apreço tem verdadeiramente implícita a ideia de que a mesma situação de perda patrimonial justifica duas medidas: a da «lógica» redução do capital social a zero (reajustamento nominal do capital, reajustamento da respectiva cifra ou valor à situação líquida da sociedade), partindo portanto o simultâneo aumento desse valor zero; e a da redução das acções também a zero, logo a sua extinção; agora encontramo-nos, porém, em face de um pressuposto não demonstrado e sem suficiente fundamento legal e racional – o de que a situação patrimonial-contabilística da sociedade (apurada de acordo com os critérios válidos para o balanço de exercício) pode servir de base não só à redução do capital (reajustamento nominal), mas também à produção (automática ou não) do efeito jurídico da extinção das participações (no todo ou em parte), por simples acto corporativo maioritário, ainda que tal extinção se concretize apenas com o aumento e a correspondente criação de novas acções; de facto, a pertinência de tal dado patrimonial de base, no que se refere à sorte ou reajustamento das participações, é em geral meramente afirmado, não demonstrado [xxv] ; e mostra-se sem base bastante porque a sua afirmação significaria, em última análise, confundir o valor contabilístico da sociedade e das acções com o seu valor real ou efectivo; com efeito, compreende-se que a cifra do capital social, mero valor nominal estatutário, se reajuste em função do valor convencional-informativo de balanço da sociedade; mas já não sofre dúvida que, apesar disso, mesmo sendo tal valor zero, esta sociedade e as respectivas acções ainda podem conservar um valor real mais ou menos considerável, o que significa que, para o efeito da redução/extinção destas participações, o valor contabilístico se mostra «intelectual ou racionalmente» inadequado. (3) Acresce que a operação de acordeão é em geral admitida como alternativa à dissolução da sociedade por perda do capital (séria ou total) e à transformação desta (no limite, numa sociedade cuja estrutura formal prescinda da cifra reguladora do capital social); ora, a transformação revela a inadequação da extinção das participações com base no valor contabilístico (no caso das acções, elas darão apenas lugar às participações póprias do tipo considerado); a dissolução, por seu turno, revela um possível valor que a concepção formal da redução-extinção-aumento fundada na situação patrimonial-contabilística esconde ou ignora: através dela, em especial os accionistas minoritários «alheios» à operação e que não fiquem com a empresa social ainda obterão o valor real mínimo das suas acções, o valor de liquidação, se este existir (nomeadamente, devido à existência de activos particularmente valorizados e/ou ao valor de trespasse da empresa). (4) Mas a lei confirma de forma mais directa o acerto do que acaba de expor-se; na verdade, o regime especial do instituto da redução por perdas, aceitando que as participações se extinguem contra a vontade dos minoritários, não contém, para esse caso, nenhuma regra especial de «indemnização» pelo valor perdido; isso é assim porque o legislador nem sequer prevê e regula especialmente essa extinção; aplicam-se, por isso, os princípios gerais, que consideram pertinente, em caso de perda forçada da participação, o respectivo valor real.

8ª Na operação de acordeão, devem, pois, separar-se os dois aspectos: o do reajustamento nominal da cifra do capital social à situação patrimonial-contabilística da sociedade; e o do reajustamento das participações existentes ao respectivo valor real, de modo que o aumento por novas entradas não se traduza numa transferência de valor [xxvi] para as que subsistirem, ficando desse modo, as mais das vezes, inviabilizado.

9ª Assim, na base do reajustamento das participações deverá estar o valor real da sociedade e não o seu valor contabilístico; esta é a regra fundamental que deve presidir à construção da operação e que não pode ser iludida ou afastada por meros expedientes formais, dificuldades técnico-construtivas ou simplesmente em nome de um suposto interesse na conservação da sociedade, concretizado mediante a promoção do seu saneamento financeiro, ainda que à custa da perda pelos minoritários que ficarem de fora do valor de investimento que nela possuiam; na verdade, quer face às directivas constitucionais, quer pelos princípios materiais gerais do direito societário, o valor das participações relevante em caso de extinção por acto da corporação (salvo acordo) afere-se em função do valor real da sociedade e a regra é a da justa contrapartida, indemnização ou compensação pela perda da participação, devida aos afectados por esta [xxvii] .

10ª O facto de se entender que o valor relevante para decidir acerca das participações é o valor real da sociedade (entendendo por tal no mínimo o seu valor de liquidação nas melhores condições) - e, nesse sentido, o valor real das mesmas - não significa a necessária desconsideração pelo interesse social da operação; e numa possível relação de «troca», em especial, deve ter-se em conta a provável valorização das acções que não ocorreria sem a reintegração patrimonial da sociedade (cfr. «infra».

11ª Embora importante e apesar de se apresentar como expediente técnico de funcionamento simples elegante, descendo do mero plano formal para o da justificação material da operação, em toda a sua dimensão, já não se afigura em geral suficiente para acautelar devidamente os interesses dos sócios minoritários, alheios a tal operação, o simples direito de subscrição preferencial do aumento do capital.

B) Redução substancial do capital por perdas, abaixo do mínimo legal, mas não a zero. O caso concreto

As considerações acabadas de fazer valem em geral também para a redução não total do capital integrada numa operação de acordeão, como acontece no caso «sub judice». Reafirma-se, em especial, que a [X] não poderá declarar ou considerar extintas, sem mais (isto é, sem contrapartida adequada), a quase totalidade das acções existentes tomando por base o simples valor contabilístico da sociedade.

Todavia, na hipótese de os accionistas manterem a titularidade de pelo menos uma acção apesar da redução – o que também se verifica no caso em apreço -, torna-se indiscutível a existência do respectivo direito legal de subscrição preferencial no aumento do capital (art. 458 do CSC) e assume especial relevância o problema do preço de emissão das acções correspondentes a este. Importa, pois, atentar brevemente nestes aspectos da questão.

O CSC – em conformidade com o disposto na 2ª Directiva (art. 29), tal como os demais ordenamentos jurídicos da UE - reconhece aos accionistas, relativamente aos aumentos de capital que venham a ter lugar na sua sociedade, um direito de subscriçãoproporcional, nas relações internas, e preferencial, face a terceiros, de tais aumentos e, por conseguinte, o direito à atribuição, nesssas condições, mediante novas entradas, das acções a emitir (art. 458). Tal direito cumpre, em geral, uma tríplice função: de conservação do poder de influência ou medida de participação na organização e funcionamento da sociedade, de prevenção do risco de diluição ou perda de valor das acções detidas e de reserva de oportunidades de novos investimentos em capital de risco na mesma sociedade [xxviii] . Nessa medida, apresenta-se como um direito fundamental de garantia das participações accionárias individuais ( em termos práticos, das minorias ) , entendidas num sentido dinâmico: não apenas garantia de posição existente, mas também prospectiva, de aproveitamento das potencialidades ou oportunidades de negócio-valorização que a sociedade encerra [xxix] .

Dado este seu capital significado na economia da instituição societária de carácter corporativo (dominada pelo princípio maioritário), três importantes corolários se retiram: 1º o direito só pode ser objecto de derrogação concreta (não estatutária ou geral, simplesmente para o futuro) e uma vez verificados determinados pressupostos particularmente exigentes (art. 460 do CSC, cfr. art. 29.4 da 2ª Directiva); tais exigências ainda se adensam se beneficiários de uma derrogação parcial forem alguns dos actuais accionistas, pela necessidade de justificar aí, em especial, uma quebra no princípio da igualdade de tratamento; 2º se sofrer uma tal derrogação concreta (limitação ou exclusão relativamente a certo aumento), a operação do aumento deve ser configurada de tal modo, que pelo menos seja conservado o valor das acções existentes; exigindo-se, portanto, dos subscritores do aumento o pagamento de prémio de emissão adequado e devidamente justificado [xxx] ; 3º embora o direito se circunscreva formalmente aos casos de aumento de capital por novas entradas em dinheiro, isso deve-se tão-só ao facto de ser na realidade incompatível (pelo menos sem um expediente de adaptação, cfr. a Lei brasileira das sociedades por acções de 1976, nº 6404, art. 172)) com a realização de novas entradas em espécie; daí que a opção por este tipo de entradas, em lugar das entradas em dinheiro (fornecendo meios para se obter resultado idêntico), tenha que ter justificação suficiente, excluindo-se a sua utilização como expediente de «fraude» ao direito; e, nesse caso, a operação ainda deve ser conformada de modo a não provocar a desvalorização injustificada das acções preexistentes [xxxi] . Estes princípios de direito societário concretizam, de resto, no que respeita à «propriedade accionária», a mencionada directriz constitucional relativa à propriedade em geral [xxxii] .

No caso da operação de acordeão, na medida em que envolve, além da redução, o aumento do capital, aplicam-se, naturalmente, estes princípios. Mas mais do que isso: implicando a operação também uma redução ou extinção das participações existentes, em si mesmas, aumentam os riscos de lesão em geral presentes num simples aumento e, portanto, na aplicação de tais princípios ainda deverá ser maior o rigor. Viu-se, mesmo, que, na concepção dominante que admite a redução total, o direito de subscrição se torna de tal modo essencial à manutenção da qualidade de sócio, que nem se aceita a sua exclusão nem tão pouco, nas posições mais exigentes, a simples limitação. Pode, inclusive, acrescentar-se que o próprio CREFal, na aprovação de um eventual aumento do capital das sociedades em crise objecto das providências de reestruturação financeira e da gestão controlada, manda respeitar o direito de preferência em apreço (arts. 88.2 e 100.1) [xxxiii] .

Importa sintetizar as referidas condicionantes legais da supressão ou limitação do direito individual de subscrição do aumento do capital – directa, no que se refere às entradas em dinheiro, e indirecta, no respeitante às entradas em espécie -, impostas pelo legislador em ordem a assegurar a material correcção da decisão da maioria. Em primeiro lugar, salientam-se determinados requisitos formais ou de procedimento [xxxiv] : 1º a medida requer uma deliberação da colectividade dos sócios (art. 460 do CSC); a deliberação deve ser tomada pela maioria exigida para o aumento do capital (art. 460.4 do CSC; cfr. os arts. 29.4 e 40 da Directiva; note-se, que, neste aspecto, a «Aktiengesetz» alemã é mais exigente, prescrevendo uma maioria de ¾: § 186 (3)), na assembleia que aprova o aumento, mas em separado dela (art. 460.4 do CSC); 2º a medida deve ser adequadamente justificada, mediante relatório escrito da administração (art. 460.5; cfr. art. 29.4 da Directiva, que, diferentemente do que poderia retirar-se da letra do CSC, exige sempre um relatório escrito justificativo da administração, e o § 186 da AktG); o relatório deve justificar nomeadamente o interesse social da medida e as condições de atribuição das novas acções (art. 460.5; cfr. «infra»); 3º a medida deve integrar e ser devidamente publicitada com a convocatória da assembleia e o respectivo relatório justificativo deve ser posto à disposição dos accionistas a partir da data da publicação (art. 377.8 do CSC; cfr. também o art. 58.1c)/4, o § 186 (4) da AktG e o art. 29.4 da Directiva); o mesmo se aplica aos demais termos da operação de aumento (ou redução-aumento) do capital (ib.).

Em segundo lugar, encontramos um conjunto de exigências ou requisitos materiais que, sendo de direito societário, traduzem, em última análise uma manifestação ou concretização da mencionada garantia constitucional da participação accionária [xxxv] . Na verdade, a medida tem que ter justificação real ou material adequada (art. 460.5), o que implica nomeadamente: 1º uma justificação positiva pelo interesse social (art. 460.2; tem que haver um interesse especial e concreto, comum a todos os accionistas, quer na opção pelo aumento por entradas em espécie (que envolve uma exclusão implícita do direito), quer na escolha do aumento mediante entradas em dinheiro com limitação do direito, quer naturalmente pela redução-aumento nesses termos; 2º a sua necessidade e aptidão para o fim tido em vista e declarado; tanto a concreta entrada em espécie excludente como a limitação/exclusão explícita devem possuir tais qualidades justificativas; o mesmo vale, evidentemente, para a redução-aumento; 3º um saldo positivo na adequada ponderação do interesse social (que requer ou justifica a concreta entrada em espécie ou a limitação do direito) com as desvantagens sofridas individualmente pelos accionistas afectados (princípio da proporcionalidade stricto sensu); 4º enfim, que a medida represente uma solução igualitária e justa do conflito envolvido, entre a maioria deliberante e a minoria afectada, com exclusão de um possível avantajamento de quem detém o poder ( razoabilidade da solução); em especial no caso de a afectação, directa ou implícita, do direito a favor dos sócios que fazem maioria, impõe-se o estrito respeito pelo princípio da igualdade de tratamento (cfr. «supra») e de não auto-favorecimento (cfr. o art. 58.1b)/3 do CSC, bem como a directriz do art. 64), em detrimento dos não participantes; em casos-limites pode, inclusive, chegar-se à exclusão do voto dos beneficiários (cfr. o art. 384.6d) do CSC).

A tais requisitos justificativos acresce, ainda, uma exigência imposta pela necessária garantia de conservação pelo menos do valor financeiro das participações existentes: o aumento com limitação ou exclusão do direito (directa ou por via da opção pelas entradas em espécie, quer na modalidade do simples aumento, quer na da redução-aumento) implica, se necessário para evitar a diluição ou perda de valor real das participações existentes não compensável mediante a atribuição de novas acções, a emissão destas com sobrepreço (ágio ou prémio de emissão; cfr. o art. 460.5 do CSC; cfr. também o art. 2441(6) do Ccit e, sobretudo, o art. 170 da cit. Lei brasileira e o § 255(2) da AktG, bem como o cit. art. 62 da CRP e «supra»). Tal como as anteriores, a satisfação desta exigência deve encontrar-se adequadamente justificada no relatório da administração (cit. art. 460.5).

O que acaba de expor-se confirma o bem fundado das considerações que tecemos a respeito dos termos em que a redução-aumento, no que respeita aos efeitos provocados pela redução nas participações existentes, se pode dar: em ordem a garantir que a operação, relativamente a tais participações, se traduza num simples reajustamento formal ou nominal - «rectius», que não seja utilizada para afectar desnecessária e substancialmente o valor de investimento em acções com que os minoritários ficarão na sociedade, designadamente através da utilização de um valor de base ou referência improcedente -, ela requer um procedimento e a observância de requisitos materiais análogos. O confronto com outras operações de «rearranjo», reorganização ou reordenamento societários, como a fusão, a cisão e a transformação, aponta também na mesma direcção (cfr. os arts. 97ss, 119ss e 130ss do CSC e «infra»).

Convém igualmente observar o seguinte. O legislador regula a operação de aumento do capital, em geral, nos arts. 87 a 93 do CSC. Só no regime especial dos tipos se ocupa de aspectos particulares que têm a ver nomeadamente com a protecção das minorias, como acontece com o direito de subscrição preferencial, nas sociedades dominadas pelo princípio maioritário mesmo em matérias fundamentais como a da conformação estatutária (para a sociedade anónima, cfr. arts. 458ss). A redução fica também sujeita a um regime geral (arts. 94 a 96), mas é praticamente desconsiderada na parte especial do Código. Nota-se também que, no aumento do capital por incorporação de reservas, o respectivo regime contempla expressamente os respectivos efeitos no que respeita às participações (art. 92). Já no que concerne à redução, designadamente por perdas, a preocupação praticamente exclusiva do legislador é com os credores sociais e com a salvaguarda da regra do capital mínimo.

Falta, pois, quanto a esta, uma efectiva e cabal regulamentação material ao nível da relação sociedade-sócios - naqueles casos em que a medida pode ser tomada por maioria , sem o concurso de uma minoria mais ou menos significativa - análoga à que foi estabelecida para o aumento do capital. Sem que possa, no entanto, dada a natureza e a magnitude dos efeitos, prescindir-se de tal regulamentação. Daí a afirmada existência de lacuna do regime legal, a integrar de acordo com os princípios gerais do direito societário e à luz da indicada directriz que se extrai da garantia constitucional da propriedade privada.

Em face do exposto, podemos então concluir que, considerando a operação complexa da redução-aumento da cifra do capital - motivada por perdas e envolvendo, a par de uma efectivareintegração patrimonial, a correspondenteredução/extinção e emissão de acções – nesta sua dupla dimensão, a mesma deve considerar-se sujeita às seguintes condicionantes de legitimidade, formais e materiais: 1º tal operação só pode concluir-se sem normal procedimento judicial de garantia desde que a redução seja tão-só nominal, isto é, se circunscreva ao capital efectivamente perdido (art. 95.3 do CSC); 2º essa perda apura-se tomando por base o sistema de informação contabilístico existente, mas a situação patrimonial-contabilística que a revela e serve de fundamento à operação (situação-fundamento) deve fornecer pelo menos as normais garantias de fiabilidade da informação legal obrigatória, incluindo a respectiva certificação, e deve ser apresentada de modo a permitir uma leitura comparável à de um normal balanço de exercício; só assim se pode saber, de facto, se a operação (designadamente sem o procedimento judicial garantístico exigido como regra) é legítima ou esconde uma qualquer maquinação dos promotores; 3º dados os efeitos que a operação tem sobre as participações sociais (redução/extinção), numa sociedade em que a mesma pode ser aprovada por maioria e salvo deliberação de aprovação unânime (ou consentida por todos), justifica-se a exigência de um relatório justificativo da administração especificamente relativo às condições em que as participações existentes são «afectadas» e em que se dará a emissão das novas (analogia com os casos substancialmente paralelos da limitação do direito de subscrição preferencial (art. 460.5), da derrogação do direito ao dividendo (arts. 66.2f), 217.1/294.1, cfr. 263), da fusão (arts. 97ss), etc., cujo regime revela princípios gerais, aliás conformes à indicada directriz constitucional de garantia da propriedade privada); 4º a regra, aqui, como em geral, deve ser a de que a participação individual, de cada um, pode, por acto da maioria, ser reduzida ao seu valor real (ajustamento nominal) ou, eventualmente extinta, mas neste com a atribuição de compensação, em dinheiro ou espécie, em princípio correspondente a esse valor [xxxvi] ; só no caso de o valor ser zero é que se mostra indiscutível a extinção pura e simples (cfr. os casos paralelos dos arts. 1021 do CC, 98e)/99.4, 235.2, etc., do CSC); 5º daí que seja necessário, para o efeito, apurar não apenas o valor contabilístico, mas também o valor real da sociedade; no mínimo, o valor de base ou referência aqui pertinente será o «valor patrimonial real» da sociedade ou, mais correctamente, o melhor valor de liquidação; 6º em princípio, no aumento envolvido na operação os accionistas têm o direito geral de subscrição preferencial; este só pode ser limitado ou suprimido nos termos apontados acima; salienta-se em particular que o aumento por entradas em espécie, uma vez que envolve uma correspondente exclusão desse direito, só pode ocorrer se houver especiais e suficientemente ponderosas razões a justificá-lo (normalmente, valor estratégico do bem ou direito que é dado como entrada, não obtenível de outra forma, tal como nas entradas em dinheiro se requer a relevância estratégica do novo sócio), as quais têm que constar do competente relatório da administração; por norma, as entradas consistentes na simples conversão de créditos pecuniários em capital (susceptíveis de serem satisfeitos mediante novas entradas em dinheiro) não justificam a limitação ou exclusão do direito em apreço; sendo os respectivos titulares sócios, pelo menos tratando-se de créditos sujeitos ao regime dos suprimentos (arts. 243ss do CSC), a justificação é ainda menor e pode suscitar-se, até, o problema do impedimento de voto dos contemplados, nos termos do art. 384.6d) do CSC; quanto ao ágio eventualmente devido, cfr. «supra».

Como facilmente se deduz dos termos da consulta e, em especial, da convocatória da assembleia geral, tais condicionantes ou exigências legais-garantísticas não foram, na generalidade, observadas, pelo que as deliberações que venham a ser tomadas são no mínimo anuláveis, nos termos do art. 58.1 a) e c)/4 do CSC.

3. Princípio da não privação da participação social sem compensação de valor equivalente. O valor real da sociedade como valor geral de referência desse equivalente

Admitiu-se anteriormente que, legalmente, a privação da participação resultante de acto da sociedade só pode dar-se, via de regra, mediante atribuição ao lesado de valor equivalente. E que o valor de referência legalmente relevante quando se trata de perda/extinção (em especial, involuntária) das participações sociais é o valor «real», quer em face do direito societário, quer também da mencionada directiz constitucional. E observou-se também que o valor mínimo é o valor de liquidação da sociedade nas melhores condições de mercado. Importa agora deixar uma breve nota sobre o assunto.

Começamos pelo princípio da não privação das acções, quotas, etc., por acto ou iniciativa da sociedade, sem recebimento de valor equivalente . A coordenada fundamental do ordenamento jurídico considerado no seu todo resulta do já referido art. 62 da CRP, o qual funciona pelo menos como directiz geral garantística e interpretativa do direito societário, quer no confronto das entidades públicas («maxime», tribunais), quer privadas (cfr. os arts. 17 e 18.1 da CRP) [xxxvii] . Tal directiz aparece concretizada no direito societário vigente em dois contextos distintos.

Em primeiro lugar, o princípio está consagrado a propósito de actos directa e imediatamente tendentes à extinção das participações ou à privação da respectiva titularidade. O paradigma é dado aqui pelos institutos da amortização forçada ou compulsiva de quotas e acções (que requer, aliás, em geral, permissão estatutária, cfr. arts. 232ss e 347 do CSC), da sua «expropriação» por razões de organização e relativas à instituição societária em geral (plurissocietária: art. 490.3 do CSC) e, de algum modo, também da exclusão de sócio, na medida em que a sociedade adquire um poder de dispor das participações (cfr., «maxime», os arts. 241s do CSC; cfr. também o art. 186, bem como, na lei civil, sobretudo os arts. 1003ss e 1021 do CC). A regra da compensação por equivalente monetário resulta, em especial, dos arts. 1021 do CC, 186.4/242.4/241.2-3, 235 e 490.2/4 do CSC (neste último caso, equivalente monetário em alternativa a equivalente noutros valores mobiliários). No art. 347, tal regra é meramente implícita, mas segura. Note-se, aliás, que a regra também funciona nos casos em que o sócio tem um direito de sair da sociedade (cfr. os arts. 1021 do CC, 105.2, 137.2, 240.4/6, 490.5s, 329.3c), etc., do CSC).

Em segundo lugar, o mesmo princípio encontra-se contido em institutos de reorganização societária que implicam legalmente um implícito poder de dispor das participações, ou uma afectação/extinção das mesmas como efeito autorizado da operação. O paradigma é aqui constituído pela fusão de sociedades (arts. 97ss do CSC). O equivalente a que se tem direito é aqui, pelo menos na quase totalidade, em espécie: consiste em participações na sociedade incorporante ou resultante da operação (art. 97.4/5 do CSC; cfr. 112b)). Que se trata da atribuição de equivalente, se houvesse dúvidas, elas seriam dissipadas pelo próprio art. 105.2 do CSC (aplicável nomeadamente no caso das fusões heterogéneas). O conceito aqui relevante é o da «adequada relação de troca»: isto é, o sócio que, em virtude da incorporação/extinção da sua sociedade, perde as participações que nela detinha fica, «em troca» (o que pressupõe equivalência), com participações na sociedade incorporante ou criada de novo (substituto equivalente). O próprio legislador institui um procedimento destinado a garantir essa adequação (cfr. arts. 98.1e), 99.4 e 103.2c) do CSC. Observe-se que, enquanto nos casos do primeiro tipo a sociedade suporta tipicamente uma «perda» patrimonial, aqui o legislador procurou garantir a neutralidade financeira da operação, designadamente não prevendo um direito geral de exoneração (ou a forma da compensação monetária), que de um ponto de vista jus-sistemático se justificaria.

O princípio do valor real da sociedade como valor geral de referência do equivalente compensatório das participações também resulta claramente, em conformidade com a referida directriz da Constituição, sobretudo da norma fundamental do ordenamento societário contida no art. 1021 do Código Civil, para o qual remete a generalidade dos demais preceitos acima indicados (105.2, 137.2, 235, etc., do CSC). Salienta-se de novo, apenas, que o valor mínimo aqui pertinente é o valor de liquidação nas melhores condições, incluindo portanto o valor de trespasse da empresa societária [xxxviii] .

4. Valor real e valor contabilístico da sociedade

Para se compreender o sentido e alcance do referido princípio do reajustamento das participações na base do respectivo valor real - procurando que, no caso da redução-aumento do capital social, o reajustamento seja essencialmente técnico e nominal -, e não a partir do valor contabilístico ou de balanço de exercício, importa confrontar os factores determinantes dos valores em apreço.

Antes, porém, cabe fazer algumas observações de carácter geral. De facto, para se compreender devidamente o fenómeno jurídico-societário, convém distinguir: um plano formal e um plano real ou material; a realidade substancial e a respectiva representação simplificada e normalizada em função do público em geral, nomeadamente credores e investidores, actuais e potenciais; o plano interno e o plano externo; o regime dessa realidade e os instrumentos técnicos através dos quais se concretiza; dentro da dimensão substancial do fenómeno em apreço, a dimensão económica, patrimonial, financeira e patrimonial-contabilística; dentro da representação formal-contabilística dessa realidade, vários tipos de balanços, consoante a finalidade respectiva (balanço de abertura, balanço de exercício, balanço de liquidação, balanços especiais de fusão, cisão, transformação, etc.). A par dessa distinção - absolutamente necessária para não confundir nomeadamente património em termos jurídicos com património contabilístico, capital próprio ou situação líquida, e com a cifra do capital social, nem identificar o valor real das participações com os respectivos valores contabilístico e nominal -, importa, aqui como em geral, afirmar o primado jurídico da substância, ou materialidade das situações, sobre a forma, meramente instrumental para a composição adequada dos interesses e categorias de interesses presentes no fenómeno em análise e para atingir níveis ajustados de ordenação, organização e funcionamento no plano material-institucional.

Aliás, para se perceber o alcance desta observação, basta atentar em que, para o enquadramento e tratamento do mesmo tipo de questões, requerendo soluções não muito divergentes ao nível dos vários ordenamentos jurídicos, se verifica uma considerável diversidade de técnicas e instrumentos técnicos. Assim, se, por ex., o regime do património social e a respectiva representação contabilística-padrão não variam muito com tais ordenamentos jurídicos, já a técnica de definição desse regime com recurso à cifra do capital social e a correspondente técnica do valor nominal das participações de capital se mostram contingentes, prescindindo alguns ordenamentos da respectiva utilização.

Ao domínio da forma pertencem, nomeadamente: a cifra do capital social e o valor nominal das participações. Trata-se de meros instrumentos técnicos de definição simplificada e parcial do regime do património social e das participações. A par deles, o direito societário ainda se serve de um sistema de registo e informação auxiliar da realidade patrimonial e transaccional regulada, contendo igualmente uma representação simplificada e parcial da mesma, designadamente no que se refere aos mapas-padrões legalmente exigidos («maxime», balanços de exercício): a contabilidade. Mais propriamente, o legislador societário espera que, a partir desse sistema de informação, sem mais ou com recurso a outros dados ou elementos, se possa dar da realidade representada uma imagem fidedigna e significativa; quer, nomeadamente, através de mapas elaborados, aprovados e publicitados simplesmente pelos órgãos sociais, quer de mapas certificados, quer de relatórios justificativos ou de avaliação periciais, consoante os casos e utilizando as regras da arte adaptadas aos variados fins visados.

Assim, por exemplo, para representar a realidade patrimonial-societária e o respectivo desempenho reditício em geral - com objectivos sobretudo de garantia da substância patrimonial e de informação padronizada ou normalizada, comparável, acerca da respectiva consistência (ou inconsistência) mínima, tendo como destinatários o público em geral, o próprio Estado credor de impostos, os analistas económicos e, sobretudo, os actuais e potenciais credores e investidores, em ordem à correcta formação das respectivas decisões transaccionais e de investimento/desinvestimento -, instituiram-se nomeadamente as duas demonstrações financeiras clássicas: o balanço de exercício e a conta de resultados. Trata-se de mapas-sínteses normalizados, permitindo uma visão selectiva e comparável da situação patrimonial e reditícia e a sua rápida apreensão pelo mercado (ainda que com o auxílio de especialistas). Dado o fim que visam, não representam nem se pretende que representem a verdadeira situação económico-patrimonial da sociedade em termos civis: exprimem uma mera selecção convencional de factores e valores mínimos ou prudenciais de consistência patrimonial e dos resultados [xxxix] .

Daí resulta, considerando especialmente o balanço, uma imagem da realidade patrimonial societária porventura fidedigna dentro dos parâmetros visados, mas, de facto, limitada ou «redutora» e essencialmente voltada para o passado: reflecte valores patrimoniais históricos dos vários factores de valor seleccionados (em regra, apenas elementos patrimoniais autónomos e com exclusão dos que reflectem ou traduzem valores de mercado, como as marcas e os sinais distintivos em geral, o valor de localização, etc.), convencional ou artificialmente ajustados ao longo dos exercícios sociais em função de um estimado período de vida útil - aliás fortemente condicionado por imperativos fiscais - e não traduz, em particular, pelo menos de forma substancial, a formação do valor do negócio ou empresa como valor de posição de mercado, elemento frequentemente nuclear das transacções que a têm como objecto ou como objecto de referência. Tal como lhe é alheia uma óptica prospectiva ou previsional.

Na verdade, se é notório o divórcio dessa representação contabilística do património relativamente à realidade patrimonial representada, maior é ainda a sua distância relativamente à dimensão e ao valor económico da empresa societária. Além de o balanço traduzir a soma dos valores dos elementos do «património» funcional que se conseguiu até ao momento da sua elaboração, enquanto o valor da empresa é dado essencialmente pela respectiva capacidade actual e sobretudo previsional de libertar meios líquidos, de gerar réditos ou fluxos de caixa com base na respectiva estrutura de suporte, no grau conseguido de implantação nos mercados e na evolução ou situação previsional destes, atente-se, por ex., no dado concreto que a seguir se apresenta.

Para o valor de balanço, o passivo operacional conta como desvalor e o activo circulante como valor positivo. Não é esse, porém, o exacto significado das coisas em termos económicos. Mais especificamente, as existências e os créditos de exploração indiciam que o negócio para ter e manter o nível de desempenho produtivo e reditício que apresenta requer, além do investimento na estrutura produtiva de suporte, uma imobilização de capitais em «stocks» e crédito concedido, uma afectação de capitais destinada a manter determinados níveis ou valores dos mesmos. Representam, nesse sentido, portanto, um «encargo». Em contrapartida, dentro de limites ajustados, o passivo de exploração é indicador de que a empresa beneficia de crédito gratuito e, nessa medida, a sua actividade é financiada pelos respectivos credores. O caso dos super e hipermercados, que compram a crédito e vendem a contado, é bem ilustrativo: os fornecedores-credores financiam em grande parte a sua actividade, permitindo-lhes gerar montantes elevados de capital «gratuitamente», susceptíveis de imediata ou contemporânea aplicação onerosa.

4.1 O Valor contabilístico (VC)

O que acaba de expor-se revela que o valor contabilístico da sociedade - expresso na situação líquida ou nível do capital próprio (activo-passivo), e correspondentemente o VC da participação de cada sócio - representa apenas uma pálida e esboçada ou esquelética imagem da respectiva situação patrimonial. Mais propriamente, reflecte normalmente uma situação passiva real ou, mesmo, «inflaccionada» por razões prudenciais e um activo reduzido essencialmente a valores capazes em si mesmos de constituir garantia para os credores, artificial ou convencionalmente desvalorizados, por razões prudenciais, fiscais e outras. É, noutra imagem, o mero pedestal da estátua, formado no passado e subsistente no presente. Falta-lhe a própria estátua e futuro. Falta-lhe vida, seiva e carne. É a imagem esboçada de um cadáver (SIMONETTO); «rectius», de algumas peças estruturais do mesmo. Não de um corpo pleno e com alma ou animado. Não de uma empresa ou todo funcionante, com valor de conjunto e prospectivo-reditício.

De facto, as rubricas susceptíveis de serem inscritas no activo contabilístico ou de balanço são limitadas; respeitam apenas a certos bens ou situações jurídicas atomisticamente consideradas. Falta sobretudo a dimensão de mercado e de conjunto da empresa. Traduzem os elementos não pessoais da estrutura produtiva de suporte e dos meios envolvidos no giro do negócio; certas aplicações dos recursos financeiros em elementos do negócio. Não o próprio negócio nem a totalidade das aplicações. Faltam, em geral, os elementos da empresa que traduzem o seu valor de implantação ou posição de mercado, os quais, no actual tráfico das empresas, são determinantes do tráfico jurídico-negocial e do preço (sinais distintivos, localização e demais colectores de clientela, reputação, «good will», etc). Por vezes, o contrato reduz-se, até, praticamente a isso.

Além de limitadas, tais rubricas reflectem meros valores históricos de aquisição dos bens, convencionalmente «desvalorizados» pelo jogo das amortizações e provisões. Não valores de mercado ou de realização. Trata-se de simples valores mínimos ou prudenciais, de garantia funcional e face aos credores. (Mas, em certos casos, também podem não corresponder a nada de actualmente concreto, como acontece com as despesas de constituição, I&D.)

O que acaba de dizer-se para o balanço vale em parte também para a conta de resultados, na qual se observa, em particular: a corrente compressão dos resultados por razões fiscais; a sobreavaliação dos custos e perdas e a subavaliação dos factores de ganho; a utilização de variáveis meramente convencionais e (fortemente) prudenciais que distanciam o resultado do valor dos fluxos de caixa reais, nomeadamente amortizações e provisões; além de aparecerem «misturadas» as dimensões económica, patrimonial e financeira e de os valores apurados serem simples valores históricos, susceptíveis de se reproduzir no futuro ou não.

4.2 O Valor real [xl]

O valor real da sociedade é o seu valor de mercado. Estando em causa uma «coisa produtiva», esse valor reside essencialmente na sua aptidão ou capacidade para gerar réditos ou fluxos líquidos de caixa, actualmente e, sobretudo, no futuro. Segundo os dados actuais da teoria ou ciência económica da empresa - aliás aceites, no essencial, nomeadamente, pelas principais organizações contabilísticas internacionais (nomeadamente a U.E.C.) e vertidos, em Portugal, no Manual do Revisor Oficial de Contas -, pode dizer-se que tal valor é constituído pelo valor económico da empresa ou negócio , correspondente ao valor actualizado (isto é, referido ao momento do cálculo, mediante taxa de actualização que há-de ter em conta o rendimento previsível de aplicações alternativas de risco praticamente nulo mais o risco do sector económico-empresarial considerado) dos fluxos de caixa ou meios líquidos futuros que a mesma é capaz de gerar ou que dela se conseguem libertar , deduzido dovalor de mercado do passivo ou dívida financeiros e adicionado do valor de mercado de eventuais bens não afectos à exploração ou actividade produtiva «stricto sensu».

No centro, está, portanto, o valor do negócio ou exploração económica, dado pelos respectivos resultados previsionais, mais propriamente o seu valor relativo, tendo em conta o valor que se obteria aplicando o respectivo capital em investimento alternativo. Tratando-se de um valor prospectivo ou previsional, nos cálculos que exigem maior rigor, é usual a consideração de duas ou mais grelhas de resultados reflectindo diferentes cenários possíveis de evolução da situação de partida, depois combinadas diversamente ou efectuando-se uma escolha (cfr., a propósito, os arts. 99.4, 120, 490.4 e 495d)-f)/496 do CSC).

De entre os factores determinantes desse valor dos resultados - correspondente ao saldo dos recebimentos e pagamentos - salientam-se o volume (ou valor) das vendas ou negócios, o investimento adicional na estrutura produtiva - incluindo em existências e crédito a clientes (ou fornecedores) - necessário para o conseguir, e demais custos pertinentes. Encontramo-nos, pois, perante uma lógica de cálculo que nada tem a ver com o valor de balanço e que se distancia de forma mais ou menos significativa daquele que se obteria através das regras aplicáveis à conta de resultados. Mas, mesmo que se queira aplicar estas regras, sempre se tratará de contas previsionais e não de resultados passados.

Aplicando as normas do CSC e do art. 1021 do CC, que fornecem o critério geral de cálculo do valor das participações sociais, tomando como valor de referência o valor da «sociedade», teremos, então, o seguinte: o activo da sociedade deve ser objecto de uma liquidação ideal de modo a obter o melhor resultado possível, isto é, de modo a realizar o seu valor económico; relativamente ao passivo financeiro, ou se calcula também o seu valor de mercado e se deduz o mesmo ao valor económico obtido, ou se lhe subtrai simplesmente. Na liquidação do activo, utilizando a diligência e a arte de um gestor criterioso e ordenado (cfr. art. 64 do CSC), havendo negócio ou empresa, procurar-se-á calcular o respectivo valor de mercado ou trespasse (ou transferência global unitária); os eventuais elementos patrimoniais não afectos à exploração serão estimados pelo seu valor de mercado actual (ou valor de venda); em casos especiais, poderá considerar-se a hipótese de, previamente ao trespasse, realizar o valor de certos bens da estrutura produtiva se substituíveis sem prejuízo para a mesma; o activo e o passivo de exploração considerar-se-á englobado na operação de trespasse, embora também se possa destacar o passivo em apreço e adicioná-lo ao financeiro. Uma vez calculado o valor de referência, isto é, o valor da «sociedade», dividir-se-á este aritmeticamente pelas participações.

5. Atribuição de equivalente. As condicionantes do princípio da intangibilidade do capital social

Ainda antes de voltarmos à redução-aumento do capital, importa esclarecer uma específica condicionante técnico-jurídica das operações financeiramente onerosas para a sociedade. A regra básica é a de que esta não podeaprovar nem executar a medida (amortização, aquisição, amortização, exoneração, etc.) se daí resultar uma situação líquida inferior à cifra do capital social (cfr., por ex., os arts. 236, 188, 240.5, 137.3/135.3 a) do CSC). A situação pode ter os tipos de consequências seguintes: ou o sócio que tem direito a sair da sociedade fica com um direito à sua liquidação judicial (cfr. o art. 240.5 do CSC), recebendo a respectiva quota de liquidação; ou o problema se resolve mediante redução da cifra do capital, segundo o procedimento normal, diminuindo o vínculo que através desta cifra se cria sobre o património social (cfr. por ex. os arts. 137.3 e 236.1 do CSC); ou a própria operação fica comprometida (reduzida ou impedida: cfr. os arts. 186.5, 236135.3 a)/137.3, 241.2, 242.3).

6. A operação de redução-aumento. Conclusão

Aplicando os princípios expostos à redução-aumento do capital motivada por perdas, com a consequente redução das participações até ao limite do respectivo valor real (o que no caso da participação accionária significará em regra a extinção da maior parte, da quase totalidade ou mesmo da totalidade das acções existentes) ou a sua extinção onerosa , isto é, com atribuição aos titulares de equivalente que represente justa compensação pela sua perda, calculado a partir do valor real da sociedade, surgem, ainda questões de ordem técnico-jurídica; em especial, este último problema da compatibilização da operação com o princípio da intangibilidade do capital social e o próprio sentido da operação, que se opõe de algum modo a uma afectação do património da sociedade em benefício dos titulares das acções perdidas (ainda com algum valor real). O seu tratamento já não cabe no âmbito da consulta. Salientam-se por isso apenas algumas notas.

A solução de reduzir as participações ao seu valor real, subsistindo a par das de nova emissão, apresenta-se problemática sobretudo em face da regra de que as acções devem ter certo valor nominal, correspondendo a soma de todos os valores nominais à cifra do capital social. A solução da extinção com contrapartida compensatória calculada em função do valor real da sociedade subsistente ao tempo da operação levanta menos dificuldades. Em tese geral, a compensação pode ser em dinheiro ou reservando para o efeito certo número das acções de nova emissão. Neste último caso, encontramos no essencial o paradigma da fusão. Optando-se pela contraprestação pecuniária, no fundo, o problema continua ser entre os accionistas «antigos» e os «novos», pelo que, a menos que se queira acrescentar à operação ainda uma segunda redução do capital (o que implica a observância do procedimento geral), sobre estes últimos há-de recair o encargo em apreço. Por conseguinte, ou ficam eles directamente devedores ou o aumento do capital deve ser feito com o pagamento do necessário prémio de emissão para a sociedade poder assumir e cumprir a obrigação.

A aplicação rígida das regras expostas pode levar à inviabilidade prática de certas operações, cujo atractivo reside justamente na possibilidade de um enriquecimento à custa alheia, mas dificultar do mesmo passo a concretização de operações saudáveis. Por isso, se defende, por um lado, que o valor de referência deve aqui ser o valor real da sociedade. Isso é aliás uma forma de assegurar ou reforçar a garantia de «justeza» ou correcção da operação aprovada por maioria, dissuadindo esta da sua utilização como técnica confiscatória ou de «squeeze out» puro e simples dos minoritários. Mas, por outro lado, defende-se também que, a partir desse valor da sociedade, ainda importa apurar o valor da justa compensação, através de adequada ponderação de interesses que tenha também em conta, ao lado dos interesses dos minoritários, o maior risco dos accionistas maioritários, em particular nas situações de crise, e, de algum modo, o interesse geral em favorecer o saneamento financeiro das sociedades que acumularam perdas (não inteiramente coincidente com o interesse de conservação da empresa).

PRINCIPAIS CONCLUSÕES

Passa-se agora a sintetizar o essencial da análise a que se procedeu, apresentando-o sob a forma das seguintes conclusões:

1. A redução do capital a zero por perdas, com «simultâneo» aumento pelo menos para o valor mínimo legal, tende, hoje em dia, a ser admitida, embora haja importantes vozes contra. A perda do capital tem que ser total. Raúl VENTURA conta-se entre os opositores, ainda que as razões que invoque sejam em boa parte de carácter formal. Segundo o entendimento dominante, a admissibilidade da operação depende de aos accionistas ser dada a oportunidade de participar no aumento do capital.

2. Tal redução, embora também se defenda a conversão das acções em acções de fruição ou equivalente, implica, segundo o entendimento geral, a extinção das acções existentes, com todos os direitos respectivos. É aqui, de resto, que reside a principal objecção dos adversários da medida em causa.

3. Como excepção à radicalidade dessa extinção, admite-se a subsistência, no quadro da operação, do direito de subscrição preferencial do aumento do capital, considerada necessária para a conservação da qualidade de sócio; o direito pode, porém, segundo certa jurisprudência (italiana), sofrer limitações desde que justificadas nos termos gerais e desde que não ponham em causa substancialmente a participação dos minoritários na sociedade. Tais limitações são excluídas designadamente pela lei espanhola.

4. No caso de o direito de subscrição ser limitado, se o puder ser, as novas acções terão que ser emitidas com sobrepreço ou prémio de emissão se isso for necessário para a não depreciação das acções «não participantes».

5. A redução por perdas, circunscrita à medida do capital efectivamente perdido, é considerada uma redução tão só nominal; daí que possa operar-se mediante processo simplificado, prescindindo-se da normal autorização judicial.

6. À redução do capital a zero é de algum modo equiparável a redução quase a zero de uma cifra bastante elevada, como acontece no caso presente. Eliminado fica, no entanto, formalmente, em casos de participação minoritária significativa como sucede na espécie «sub judice», o problema de saber se no aumento correspondente há ou não direito de subscrição preferencial: como a participação social aqui se mantém (ainda que reduzida quase a nada), esse direito é inquestionável.

7. A redução por perdas pressupõe, quer do ponto de vista da admissibilidade do processo simplificado de redução, quer do ponto de vista dos efeitos sobre as participações sociais, um apuramento contabilístico da situação patrimonial da sociedade merecedor de confiança; no caso presente, considerando o teor da convocatória, desse apuramento deveria resultar a perda quase total do capital social, isto é, que o mesmo tem cobertura patrimonial de apenas 100 contos (valor da situação líquida ou capital próprio).

8. Tal apuramento requer um balanço devidamente certificado que espelhe a situação patrimonial-contabilística actual da sociedade; mesmo entendendo que os critérios utilizáveis são os do balanço de exercício.

9. A operação requer, além disso, um relatório justificativo da administração e a devida informação dos accionistas acerca dos seus exactos termos.

10. Em face dos dados disponíveis relativos à situação contabilística da sociedade, o valor da redução a 100 contos não se encontra justificado (o valor da SL referido a 31.12.99 é de 274.000).

11. O regime legal da redução apresenta-se bastante lacunoso, em particular no que se refere às suas consequências relativas às participações sociais, já que predisposto para as sociedades em geral, incluindo aquelas em que a medida só pode ser aprovada por unanimidade, e orientado quase exclusivamente para a protecção dos credores e a «efectividade» do capital social.

12. Daí a necessidade da sua integração com os preceitos reguladores de operações de reorganização empresarial em que a tutela das minorias foi objecto de expressa consideração pelo legislador. No caso da redução-aumento, importa, ainda, ter em conta os preceitos relativos a este aumento, nomeadamente quanto ao direito de subscrição preferencial. Além disso, tendo a redução por perdas como efeito a extinção, total ou parcial, das participações, importa também ter em consideração a regra segundo a qual a perda desta só pode legalmente ocorrer mediante justa compensação, correspondente ao valor que o sócio receberia se a sociedade se liquidasse nas condições mais favoráveis do mercado (nomeadamente, operando o trespasse do pertinente negócio ou empresa).

13. Daqui resulta, em primeiro lugar, que o procedimento deve assegurar as necessárias garantias de protecção das minorias, mesmo as alheadas da sociedade, nomeadamente quanto à preservação do valor do seu investimento em acções. Justificam-se, portanto, as referidas exigências de um relatório justificativo e de balanço certificado. Mas mais do que isso: no mínimo, para o efeito específico da medida da extinção ou redução das participações, deve exigir-se um balanço «ad hoc» elaborado especificamente em ordem a reflectir os valores actuais das rubricas contabilísticas do património social, à semelhança do que sucede em casos análogos (fusão, etc.).

14. Esta garantia procedimental não se encontra observada. O valor dos 100 contos carece em absoluto de justificação. É, nesse sentido, meramente arbitrário.

15. De um ponto de vista não meramente processual mas material, segundo o critério que se extrai do ordenamento societário como um todo - cujos princípios não podem deixar de integrar o lacunoso regime legal específico da redução - e do regime geral da propriedade privada («maxime», art. 62 da CRP), a extinção ou redução das acções envolvida na operação de redução do capital deve, na falta de acordo ou efectiva participação proporcional de todos os accionistas na redução-aumento, ter por base o valor real da sociedade, o qual, numa sociedade titular de uma empresa, é dado essencialmente pelo valor económico ou de mercado dessa empresa deduzido do passivo financeiro (ou do valor de mercado deste).

16. O valor em causa é primacialmente um valor previsional ou prospectivo; não um simples valor histórico, como o que é dado, sem mais, pelas demonstrações financeiras clássicas.

17. No caso concreto, o negócio ou empresa parece ter um considerável valor de mercado (ou valor real), apenas havendo um «estrangulamento» financeiro. Como a contabilidade - em especial através dos mapas-sínteses do balanço de exercício e da conta de resultados - não reflecte em geral esse valor económico, e o mesmo acontece aqui, o natural é que o valor real da sociedade seja bastante superior ao valor contabilístico, mesmo calculado na base de valores actualizados das rubricas que o compõem.

18. Donde, a confirmação da necessidade de a sociedade justificar o montante da redução ou, pelo menos, os seus reflexos nas acções e de apurar este impacto nas participações com base num valor pertinente e não no simples valor contabilístico, sem mais.

19. Noutra ordem de ideias, há que apurar se a operação de redução-aumento do capital: é do interesse comum dos accionistas (isto é, se mostra conforme ao interesse social), não beneficiando apenas alguns; é necessária, nos termos planeados, para sanear financeiramente a sociedade por se mostrar inviável outra via menos gravosa para as posições accionárias dos minoritários; é portadora de benefícios que superam os prejuízos sofridos pelos minoritários; respeita o princípio da igualdade de tratamento dos accionistas. A sociedade não forneceu elementos de informação sobre o assunto.

20. Especificamente no que respeita à redução, à sociedade cabe justificar económica e patrimonialmente a medida (pelo menos face aos accionistas afectados) - fornecendo os necessários elementos dos quais decorra o seu carácter meramente nominal - e a sua necessidade para o aumento correspondente.

21. Quanto ao aumento, não se encontram justificadas nem a eliminação-redução do direito de subscrição preferencial face a terceiros, nem a quebra do princípio da igualdade de tratamento entre os accionistas, nem o preço de emissão das novas acções (sendo exigível, pelos elementos conhecidos, um sobrepreço cujo montante terá que se apurar e justificar).

22. A conversão de créditos em capital - «maxime» créditos-suprimentos - não justifica em geral a derrogação do direito de subscrição preferencial e na deliberação que a aprova mostra-se questionável o voto dos contemplados.

23. Observe-se, por fim, que a convocatória deve indicar especificadamente as medidas a tomar e colocar à disposição dos accionistas a necessária documentação, com antecedência. A falta é fundamento de invalidade das deliberações. No caso presente, não se mostra cumprida a exigência legal de fornecer, nem sequer fora do tempo, a informação mínima pertinente.

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[i] Cfr. também, em geral e com mais indicações, Marcus LUTTER, «Theorie der Mitgliedschaft», AcP 180 (1980), págs. (84) 123ss, e «infra».

[ii] Acerca da garantia constitucional da propriedade privada (abarcando os direitos patrimoniais privados em geral e, em especial, as participações sociais), além dos autores referidos «infra», cfr., por ex., Rui MEDEIROS, Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, Almedina, 1992, págs. 248ss. (com mais indicações)

[iii] Acerca do princípio da interpretação das normas infraconstitucionais conforme à Constituição, cfr., por ex., GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991, págs. 45s e 143 (princípio da interpretação mais favorável aos direitos fundamentais: em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que restrinja menos o direito fundamental em causa, amplie o seu âmbito, o satisfaça em maior grau).

[iv] Princípio consignado na Constituição (cfr. arts. 13 e 266.2) e hoje pacificamente aceite no direito societário, com especial ênfase, até por imposição Comunitária, nas sociedades anónimas. Cfr. P. SENDIN / E. MENDES / T. GARRETT, Código das Sociedades Comerciais, I, Univ. Católica Editora, 1998, «reportório», págs. 257 e 385. A respeito da redução do capital e suas implicações nas participações sociais, cfr. Raúl VENTURA, Alterações do Contrato de Sociedade, 2ª ed., Almedina, 1988, págs. 337s (princípio da redução proporcional, salvo diferente critério de participação nas perdas). Cfr. também, por ex., Paul DIDIER, Droit Commercial, 2, puf, 1997, págs. 435 e 438.

[v] Cfr., por ex., Barbara GRUNEWALD, Der Ausschluss aus Gesellschaft und Verein, Carl Heymanns Verlag, 1987, págs. 9s, 86ss, e «infra».

[vi] Na doutrina portuguesa, cfr., em geral, Raúl VENTURA, Alterações do Contrato de Sociedade (1988), cit., págs. 318, 361ss.

[vii] De facto, o legislador, no art. 96 do CSC, introduzido essencialmente numa perspectiva de adaptação do ordenamento nacional à 2ª Directiva CEE em matéria societária, parte simplesmente da ideia de que, perante uma situação de perdas, haverá interesse em proceder ao reajustamento das participações (conformando-as com a sua realidade patrimonial de referência, efectiva) e da cifra do capital (conformando-a também com a sua realidade patrimonial de referência, contabilística ); e esclarece que, apesar das regras relativas ao valor mínimo da cifra do capital, tal se poderá concretizar nos termos – e apenas nos termos - prescritos nesse artigo. Não cura, portanto, verdadeiramente, da questão de saber em que termos se fará o implícito ou pressuposto reajustamento das participações. Seria, aliás, bastante estranho que o valor relevante das participações fosse em geral o valor real das mesmas e que, aqui, de forma meramente implícita e sem mais, o legislador se desviasse dessa regra, preferindo o valor contabilístico. Uma interpretação do CSC conforme à garantia constitucional da propriedade privada aponta, aliás, no sentido propugnado. Na verdade, ainda que se entenda que, no caso, estamos perante uma mera «regulamentação» da matéria e não uma limitação em sentido próprio a essa propriedade, os princípios que traduzem tal garantia constitucional não podem deixar, ainda assim, de funcionar como directriz geral, vinculativa para o intérprete. No mínimo, se o legislador pretendesse considerar relevante neste contexto, excepcionalmente, o valor contabilístico das participações e não o valor real, deveria dizê-lo de forma clara e inequívoca; o que, manifestamente não acontece. De resto, ainda que o fizesse, isso não dispensaria o confronto da norma legal com as directrizes constitucionais.

[viii] De facto, embora o normal seja, porventura, a ocorrência de uma redução da cifra do capital social, isso não é forçoso: após a concretização da operação jurídica em causa, tal como se encontra definida no art. 96.1 do CSC, tal cifra pode continuar inalterada. Externamente, não haverá, nesse caso, modificação.

[ix] Cfr., por ex., Raúl VENTURA, Alterações do Contrato de Sociedade (1988), cit., págs. 368s.

[x] Como se observou, esta conclusão sofre de um vício: parte do pressuposto, indemonstrado e contrário quer à garantia constitucional da propriedade privada quer ao regime geral societário, de que a sorte das participaçãoes se define a partir do valor contabilístico da sociedade e, portanto, também do seu.

[xi] Para um panorama geral da doutrina e da jurisprudência, cfr., por ex.: F. DI SABATO, Mannuale delle Società, UTET, 1992, págs. 636ss, C. GANDINI, in Giur. Com., 15.5, págs. 749s, Paul DIDIER, Droit Commercial (1997), cit., págs. 434ss, Emilio BELTRAN, “En torno a los requisitos de la «Operación Acordeón»”, in RDM 1991 (nºs 199-200), págs. 75ss.

[xii] Ob. cit. , págs. 365ss (aderindo ao pensamento de Ascarelli). No mesmo sentido, com especial interesse, cfr., nomeadamente, E. SIMONETTO, «Azzeramento del capitale ed espulsione del socio. Anatomia di un delito», in Rivista delle Società, 1987, págs. 721ss. O autor demonstra sobretudo que o valor contabilístico não constitui base suficiente para fundamentar as consequências extintivas da redução a zero relativamente às participações sociais. Observa também Raúl VENTURA que a perda total do capital significa a existência de um património líquido negativo; tal não implica, porém, que o activo social tenha totalmente desaparecido e o remanescente mostra-se susceptível de interessar a certas pessoas, assim como haver motivos especiais para querer o domínio da sociedade; a operação pode, de facto, servir à maioria para afastar os minoritários ou implicar uma «transmissão da sociedade» ou do seu domínio para terceiros (pág. 368).

[xiii] Cfr., por ex., PORTALE, «I bilanci straordinari», in AAVV, Il bilancio d’esercicio. Problemi attuali, Milão, 1978, págs. (511) 563ss, 567ss.

[xiv] Corrente maioritária em Itália (praticamente incontestada dentro do sector de opinião favorável à admissibilidade da operação). Cfr. os AA cits.

[xv] Solução da actual lei espanhola (LSA, art. 169.1, 2º §). Cfr. Emilio BELTRAN, “En torno a los requisitos de la «Operación Acordeón»”, in RDM 1991, cit., págs. 80 e 84.

[xvi] Acerca desta exigência de balanço auditado, cfr. o art. 168 da LSA esp. e Emilio BELTRAN, “En torno a los requisitos de la «Operación Acordeón»”, in RDM 1991, cit., págs. 80, 82s; acerca da exigência de relatório informativo, cfr. pág. 86.

[xvii] Trata-se de um falso argumento: as entradas passaram a integrar o património social. A perda verifica-se relativamente a este. E o que está em causa é saber se, além de ser a relevante para redefinir o capital, a situação contabilística da sociedade afectada pelas perdas também deve considerar-se como base do reajustamento das participações.

[xviii] «Condicio iuris».

[xix] Consequência forçosa é, porém, apenas a modificação da condição das participações ou o seu reajustamento. O raciocínio presente no texto significa extrair um efeito material de simples dados ou premissas formais ou nominais.

[xx] Quanto ao interesse social da operação, no sentido de interesse comum a todos os accionistas existentes, é dificilmente concebível relativamente aos que não ficam na sociedade ou passam a deter uma participação de valor real substancialmente inferior ao existente, considerado sobretudo o valor da respectiva quota de liquidação, ainda que façam um investimento adicional... No que respeita ao interesse de conservação da empresa, ele pode ser salvaguardado não obstante a liquidação da sociedade (cfr. «infra», no texto), assumindo o interesse de conservar a mesma sociedade, em si (isto é, a forma jurídica existente), um carácter eminentemente privado, em regra dos sócios maioritários.

[xxi] O que está em causa é, no entanto, saber em que termos esse risco é encarado e regulado pelo ordenamento jurídico e, em especial, se deste não se extrai um princípio de garantia de valor das participações dos minoritários independente de novos investimentos: de facto, o direito de subscrição preferencial, em particular, de direito de salvaguarda e oportunidade, não deve transformar-se num «ónus».

[xxii] Esta afirmação não é, porém, evidente ou indiscutível e mostra-se, mesmo, contrária à ideia da garantia das participações, pelo menos em valor. Careceria, portanto, no mínimo, de fundamentação.

[xxiii] A análise da situação patrimonial real da sociedade pode levar à conclusão de que o valor das participações é efectivamente zero, sendo justificada a respectiva declaração de extinção, sem mais. O que não pode é prescindir-se dessa análise.

[xxiv] Cfr., nomeadamente, além dos autores citados na nota 15, T. ASCARELLI, «La riduzione del capitale a zero», in Riv. Soc ., 1959, (748) 751s, G. FERRI, «Società per azioni», Enc. Giur., XXIX, nº 6.4.5 (cfr. igualmente G. FERRI/ C. ANGELICI/ G. B. FERRI, Manuale di Diritto Commerciale, 9ª ed., UTET, 1993, págs, 452s.). Na verdade, em última análise, na tese contraposta, o grupo de controlo poderia «ajustar» a situação contabilística precisamente com o objectivo mais ou menos velado de conseguir pela via da redução do capital a eliminação dos minoritários. Daí a necessidade de garantir a seriedade da operação pelo menos salvaguardando, a favor destes, o valor das participações (cfr. «infra»).

[xxv] Ocorre aqui um paralelismo parcialmente falso com o aumento do capital por incorporação de reservas, que se diz ser a operação inversa da redução por perdas: neste, a situação líquida da sociedade revela um valor contabilístico das participações superior ao respectivo valor nominal (incremento patrimonial), justificando o reajustamento deste (aumento) ou o «desdobramento» das participações; no caso da redução por perdas, dar-se-ia o inverso, isto é, a redução-extinção das acções por falta de suporte ou correspondência patrimonial. De facto - seria este o argumento - as acções são, antes de mais, unidades de valor do património social, bens de 2º grau reflectindo nos patrimónios dos titulares o seu valor; ora, se este é zero ou, até, negativo, as acções também não valerão nada, justificando-se a sua extinção.

[xxvi] Teoricamente, isso também se conseguiria «forçando» os accionistas existentes a pagar uma espécie de «prémio» igualador.

[xxvii] Acerca do modo de conceber tecnicamente a operação em apreço, cfr. «infra».

[xxviii] Cfr., por todos, Pedro de ALBUQUERQUE, Direito de preferência dos sócios em aumentos de capital nas sociedades anónimas e por quotas, Almedina, 1993, págs. 26ss, 219ss.

[xxix] Substancialmente neste sentido, também Pedro de ALBUQUERQUE, Direito de preferência... (1993), cit., págs. 299ss (cfr. também 121ss). Cfr. ainda LUTTER, est. cit., ibidem. No sentido de que a limitação ou supressão do direito tem carácter excepcional, cfr. Raúl VENTURA, Alterações... (1988), cit., pág. 215.

[xxx] Cfr., nomeadamente, o art. 170 §1 da Lei brasileira das sociedades por acções de 1976 (o preço de emissão deve ser fixado tendo em vista a cotação, o valor do património líquido e as perspectivas de rentabilidade da companhia, sem diluição injustificada da participação dos anteriores accionistas, ainda que com direito de preferência para subscrevê-las), o § 255(2) da AktG alemã (a deliberação de aumento do capital pode também ser anulada com o fundamento de que o preço ou o valor mínimo da emissão fixado na deliberação é irrazoalvelmente baixo), o art. 158 da LSA espanhola (o valor nominal das novas acções acrescido se for o caso de prémio de emissão deve corresponder ao valor real que resulta do relatório dos auditores) e o art. 2441(6) do CCit (embora aqui se discuta se pertinente é o valor real ou o valor contabilístico da sociedade). Ver em especial: Mathias HABERSACK, Die Mitgliedschaft – subjektives und “sonstiges” Recht, Tübingen, 1996, págs. 258ss (em esp., 260, 263ss); Marcus LUTTER, Kölner Kommentar zum Aktiengesetz, 2ª ed., n.58, 90ss ao § 186; Karsten SCHMIDT, in Grosskommentar z. AktG, 4ª ed., 1996, «maxime» n. 12 ao § 255(2), págs. 261s (ponto de partida é o valor da empresa, incluindo reservas ocultas e o goodwill; em relação a este, para promover a colocação das acções e pelas vantagens trazidas pelo novo accionista (ou bem), é tolerável um abatimento razoável ), com mais indicações; L. GUATRI, La valutazione delle aziende, 5ª ed., Egea, 1994, págs. 393ss; e, em geral sobre as funções do prémio de emissão neste contexto, P DIDIER / M. MARTEAU-PETIT, «Prime d’émission», na Encycl. Dalloz, Sociétés, III, 1993, nºs 4ss. Na doutrina portuguesa, em face do CSC, Raúl VENTURA, ob. cit., págs. 108ss e 183 (com mais indicações), P. ALBUQUERQUE, ob. cit., «passim» (págs. 21s, 24s, 37ss, 90, 93, 211, 301, 375).

[xxxi] Cfr., nomeadamente, M. LUTTER, KK, cit., n. 58ss, 78ss, 91s e 96 ao § 186 AktG (com mais indicações).

[xxxii] Note-se que na Alemanha, onde a lei relativa às sociedades de responsabilidade limitada (GmbHG) não prevê o direito de subscrição preferencial em apreço, apesar disso, com base nos princípios gerais, se chega a resultados semelhantes aos que se extraem da AktG ou à própria afirmação do direito. Cfr., por ex., com mais indicações, ROTH / ALTMEPPEN, GmbHG, 3ª ed., München, 1997, n. 21ss ao § 55 (do princípio da igualdade de tratamento e da exigência de «Sachgerechtigkeit» decorre em particular que a admissibilidade de terciros ou a atribuição a alguns dos sócios de participação no aumento superior à que lhes caberia, com desvantagem para alguns, só excepcionalmente se justifica [quando motivos reais no interesse da sociedade falam a favor desse «favorecimento»]; em tal caso, para tutela do sócio antigo contra o risco de diluição/depreciação, pode ser de exigir a adição ao preço de subscrição de um ágio; os sócios assim «privilegiados» não têm na deliberação direito de voto; a violação destas coordenadas torna a deliberação anulável).

[xxxiii] Escrevem, a propósito, CARVALHO FERNANDES e J. LABAREDA: «a preocupação fundamental que sobressai das diversas alíneas do nº 2 [do art. 88] é a de as medidas serem tomadas pelos credores com salvaguarda do direito à manutenção da posição até então mantida pelos titulares do capital » ( Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado , 3ª ed., Quid juris,1999, anot. 5 ao art. 88, págs. 262s, realce meu).

[xxxiv] Cfr., nomeadamente, Marcus LUTTER, Kölner Kommentar zum Aktiengesetz, 2ª ed., nn. 51ss ao § 186, Raúl VENTURA, Alterações..., cit., págs. 315s, 222ss. Cfr. também o art. 158 da LSA espanhola de 1989.

[xxxv] Cfr., em geral, M. LUTTER, KK, cit., n. 58ss ao § 186; cfr. também o est. cit., ibidem, Raúl VENTURA, ob. cit., págs. 218ss, P. ALBUQUERQUE, ob. cit., págs. 299ss.

[xxxvi] Respeitados, naturalmente, os princípios imperativos do direito societário, designadamente o da intangibilidade do capital social. Note-se, aliás, que o potencial conflito aqui é verdadeiramente entre quem fica e quem sai e não entre a sociedade e os minoritários, pelo que deve ser resolvido entre eles. Cfr. «infra».

[xxxvii] Acerca do princípio de vinculação das entidades privadas pelas normas constitucionais e, em especial, pelas que consagram direitos fundamentais, cfr., por ex., GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Fundamentos da Constiuição, Coimbra Editora, 1991, págs. 45, 121 e 105, J. João ABRANTES, A vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais, AAFDL, 1990, «maxime», págs. 87ss (com mais indicações).

Sobre o âmbito objectivo da garantia constitucional da propriedade privada (englobando nomeadamente as participações sociais), cfr., por ex., A. SOUSA FRANCO / G. D’OLIVEIRA MARTINS, A Constituição Económica Portuguesa, Almedina, 1993, págs. 168ss, «maxime», 174 e 189s, e Rui MEDEIROS, Ensaio sobre a responsabilidade do Estado por actos legislativos , Almedina, 1992, págs. 248ss.

Quanto à garantia de valor em especial (ou direito à indemnização), cfr. Rui MEDEIROS, ibidem.

A respeito da interpretação da lei ordinária conforme à Constituição, cfr., por ex., GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, cit., págs. 45s e 143.

[xxxviii] Cfr., por todos, Barbara GRUNEWALD, ob. cit., ibidem.

[xxxix] Cfr., por ex., E. SIMONETTO, est. cit., e COPELAND / KOLLER / MURRIN, Valuation, Nova Iorque, 1994, págs. IXs, 71ss, 159ss, 390ss, L. GUATRI, cit., passim (por ex., lug cit.).

[xl] Cfr., por ex.: COPELAND/..., ob. cit., «maxime», págs. IXs, XIII, 72ss, 135ss, 390ss; Detlev PILTZ, Die Unternehmensbewertung in der Rechtsprechung, IDW, 1994, passim, «maxime» págs. 72ss (76s), 88s, 91sss, 131ss; Karl BORN, Unternehmensanalyse und Unternehmensbewertung, Schäffer Poeschl, 1995, passim; L. GUATRI, ob. cit., passim.