EVARIST​O MENDES

EVARISTO MENDES

A validade e eficácia das cláusulas estatutárias restritivas da livre transmissibilidade das ações no direito português (com apêndice de direito comparado)

O presente texto corresponde ao relatório de mestrado em ciências jurídico-comerciais (parte escolar), apresentado em 20.10.1986, na disciplina de Direito Comercial, ministrada pelo Prof. Doutor Fernando Pessoa Jorge, na então Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, da qual entretanto se destacaram a Faculdade de Direito e a FCEE/ Católica Lisbon School of Business & Economics . Procedeu-se a uma pequena reformatação e revisão formal e introduziram-se notas de atualização pontuais, embora se tenha mantido o modo simplificado de citação inicialmente adotado. Apesar de elaborado quando ainda vigorava na matéria o Código Comercial (arts. 104ss), que não se ocupava do tema versado, tem já em consideração, embora com compreensíveis limitações, o articulado do Código das Sociedades Comerciais, diploma publicado no dia 2 de setembro de 1986 [i] .

O estudo compreendia três capítulos: um primeiro relativo à validade das cláusulas restritivas da transmissibilidade das ações; um segundo respeitante à sua eficácia no direito português; e um terceiro de direito comparado, envolvendo os ordenamentos jurídicos alemão, francês, espanhol, suíço e, sobretudo, italiano - o qual, porém, dado o seu caráter inacabado, foi apresentado como uma espécie de apêndice. A versão que se divulga abarca esses dois primeiros capítulos e a parte do apêndice relativa ao direito italiano.

Retomámos a análise do tema na dissertação de mestrado [ii] . Pouco depois, foi publicado um importante artigo de Mª João Tomé, «Algumas notas sobre as restrições contratuais à livre transmissão de ações», na revista Direito e Justiça, IV (1989-90), p. 211-236, e V (1991), p. 199-218. Seguiu-se uma dissertação de doutoramento, de Alexandre Soveral Martins, intitulada Cláusulas do contrato de sociedade que limitam a transmissibilidade das ações (Almedina 2006). Realçam-se, ainda, deste último autor, o comentário aos artigos 328 e 329 do CSC, in CSC em Comentário (coord. de Coutinho de Abreu), vol. V, Coimbra (Almedina) 2012, p. 518-555, bem como as correspondentes anotações de Paulo Câmara, em CSC Anotado (coord. de A. Menezes Cordeiro), 2ª ed., Coimbra (Almedina) 2011, p. 901-907, e, no que respeita à cláusula de preferência, o artigo de A. Teixeira Garcia, «A cláusula de preferência quanto à transmissão de ações: algumas notas», in AAVV, Nos 20 anos do CSC, Homenagem aos Profs. Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier , Coimbra Editora 2007, vol. II, p. 378-407.

No plano do direito comparado, realçam-se duas importantes reformas, a do Código das Obrigações suíço (1991), que regula a matéria nos artigos 685a a 685g, e do Codice civile italiano (2003), no qual se introduziu um novo artigo 2355bis, assim como a publicação da Ley de Sociedades de Capital espanhola (2010), que se ocupa do assunto nos artigos 123 a 125. Entre as monografias de referência, salientam-se as seguintes: Hanspeter Kläy, Die Vinkulierung. Theorie und Praxis im neuen Aktienrecht, Basel/… (Helbing & Lichtenthan) 1997; Daniele Santosuosso, Il principio di libera trasferibilità delle azioni (…), Milano (Giuffrè) 1993, Lorenzo Stanghelini, I limiti statutari ala circollazione delle azioni, Milano (Giuffrè) 1997, e, a respeito das cláusulas de preferência, Vincenzo Meli, La clausola di prelazione negli statuti delle società per azioni , Napoli (E.S.It.) 1991.

Assinala-se, por fim, a publicação da Lei das Sociedades Profissionais (Lei nº 53/2015), que inclui um regime de transmissibilidade das participações sociais de sócios profissionais, incluindo as ações, no caso de a opção ser pela sociedade anónima ou SCA profissionais (arts. 29 a 33).

Lisboa, abril de 2018

EM

NOTA INTRODUTÓRIA

O plano inicial deste trabalho era substancialmente mais amplo. Sob epígrafe “Restrições à livre transmissibilidade das ações”, nele estava compreendido o estudo, não só das restrições legais e estatutárias, como também dos sindicatos de bloqueio. Para o relatório ter, porém, essencialmente, o caráter de um artigo de revista e não ser excessivamente genérico, decidi confinar o seu tema aos limites do título atual, fazendo uso da autorização que nos foi dada pelo Senhor Professor de tratarmos no relatório apenas um ponto da exposição. Assim, comecei por eliminar a matéria relativa às restrições legais, que, pelo seu caráter essencialmente descritivo, me pareceu de menor dignidade científica. Eliminei também a matéria relativa aos sindicatos de bloqueio porque a bibliografia que consegui reunir era relativamente escassa e, sobretudo, tratava o assunto de forma um tanto superficial. Fiquei, assim, com o tema das cláusulas estatutárias, sobre o qual consegui reunir um lote bibliográfico razoável. E, como o regime societário do Código Comercial – vigente até 1.11.1986 - não previu este tipo de cláusulas, orientei o meu estudo essencialmente no sentido de um tratamento, tanto quanto possível exaustivo, da questão da sua admissibilidade e limites de validade [iii] .

A publicação do Código das Sociedades Comerciais (CSC, Código das Sociedades), ocorrida em 2 de setembro último, veio fazer perder grande parte do interesse ao estudo até então realizado. Optei, por isso, por abordar essencialmente um tema sobre o qual o Código apenas pontualmente toma posição: o da eficácia das referidas cláusulas. E o desenvolvimento deste levou-me, afinal, a uma maior compressão do capítulo sobre a validade, reduzindo-o a uma breve análise do assunto com referência ao novo Código (ainda que a compressão tenha comprometido um pouco a clareza do discurso), e a autonomizar o tratamento da questão da eficácia no direito português, que pensava, inicialmente, integrar um estudo de direito comparado. Este estudo ficou incompleto e, por isso, o incluo num terceiro capítulo que considero uma espécie de apêndice, onde estão desenvolvidas muitas das soluções propostas para o direito português. Creio que este terceiro capítulo é do maior interesse já que tratei de cada um dos direitos estrangeiros (alemão, francês, espanhol, suíço e italiano) como se de um direito nacional se tratasse e, no caso do direito italiano, fiz mesmo aquilo que até hoje ainda não fora feito, isto é, um tratamento sistemático e crítico de toda literatura disponível (e que é a parte mais substancial de toda a existente) [iv] . Considero mesmo ser esta a parte em que está contido o mais importante da minha reflexão.

Era minha intenção, ainda, refundir o trabalho, dando-lhe unidade e um tratamento mais sistemático, o que não me permitiu o tempo.

Lisboa, 20 de outubro de 1986

Evaristo Mendes

CAPÍTULO 1

A validade das cláusulas estatutárias restritivas da livre transmissibilidade

das ações e tipos de cláusulas admitidas

Sumário:

1. Introdução. - O significado das cláusulas estatutárias restritivas

2. Tipos mais importantes de cláusulas restritivas

3. A função das cláusulas restritivas. Interesses que a vinculação persegue. 3.1 O interesse diretamente tutelado é o interesse social. 3.2 Concretização desse interesse

4. Natureza das cláusulas restritivas. Regras de interpretação. 4.1 Consequências da natureza excecional das restrições ao nível da interpretação. 4.2 O legislador só admite restrições ao exercício da liberdade de dispor e as restrições devem respeitar o conteúdo essencial dessa liberdade. 4.3 Fundamento do caráter excecional das restrições. A natureza transmissível da ação. O duplo significado da sua transmissibilidade: transmitir significa realizar o valor patrimonial da ação e libertar o investimento que ela representa (com possível desvinculação do titular). 4.4 Súmula conclusiva

1. Introdução – O significado das cláusulas estatutárias restritivas

As cláusulas estatutárias restritivas da livre transmissibilidade das ações são disposições estatutárias que sujeitam a participação acionária, ou ação, a uma lei de circulação restritiva. Elas não afetam, pelo menos diretamente, a negociabilidade das ações, mas a sua transmissibilidade [v] . Não se destinam, portanto, a modificar a natureza e a lei de circulação das ações enquanto títulos de crédito [vi] [e, mais latamente, enquanto valores mobiliários], mas a sua lei de circulação enquanto “participações sociais” de uma sociedade por ações (“rectius, unidades de participação social). É por isso que estamos perante uma questão de direito societário e não perante uma questão relativa à teoria geral dos títulos de crédito. Isto não significa, porém, que a teoria dos títulos seja estranha ao tema de que aqui se trata. Ela aparece, com efeito, nestes termos: é uma ação dotada estatutariamente de uma lei de circulação restrita compatível com a natureza e a lei de circulação dos títulos de crédito? Como se verá, é doutrina largamente dominante a de que a lei de circulação das ações vinculadas é compatível com a natureza das ações nominativas e incompatível com a dos títulos ao portador - o que torna possível afirmar a validade e eficácia das cláusulas restritivas relativas às ações mesmo destinando-se estas, legalmente, a serem representadas por títulos.

No texto utilizar-se-á, por comodidade de expressão, o sintagma ação vinculada como sinónimo de ação com transmissibilidade restrita, qualquer que seja a cláusula restritiva dessa transmissibilidade. É de notar, no entanto, que ele se aplica mais propriamente às cláusulas de agrément. Como também se verá (infra, 4.3), há mesmo uma certa impropriedade na própria expressão “restrições à transmissibilidade das ações”, que, todavia, continuarei a usar como, aliás, faz a lei.

2. Os tipos mais importantes de cláusulas restritivas [vii]

As cláusulas restritivas podem reconduzir-se a dois tipos principais - as cláusulas de agrément (ou beneplácito) e as cláusulas de preferência.

As primeiras podem ser cláusulas de agrément propriamente ditas, ou cláusulas de consentimento, e cláusulas de agrément impróprias. Pondo de parte variantes que não interessa aqui considerar, as cláusulas de consentimento são aquelas que atribuem a um órgão social o poder de não reconhecer como acionista um qualquer transmissário das ações ou um transmissário que não tenha determinados requisitos, bem como de não reconhecer eficácia social a certa transmissão quando dela resulte uma situação indesejável - como seja a aquisição por parte do transmissário de uma posição de controlo ou de uma posição que rompa o equilíbrio existente na sociedade entre os vários sócios. Assim formuladas, elas atribuem ao órgão competente um direito de veto, discricionário ou limitado, a exercer, normalmente, dentro de um determinado prazo a contar da notificação à sociedade da transmissão ou do projeto de transmissão. Estão previstas, em termos restritivos, nos artigos 328.2a) e 329 do Código das Sociedades. As cláusulas de agrément impróprias (que de agrément só têm o nome) são aquelas que subordinam, objetivamente, a transmissão das ações com eficácia face à sociedade à existência de determinados requisitos, objetivos ou subjetivos. Encontram-se previstas no artigo 328.2c), que dispõe expressamente deverem tais requisitos estar de acordo com o interesse social (acerca das anteriores, cfr. também o art. 329.2).

As cláusulas de preferência podem também subdividir-se em cláusulas de preferência verdadeiras e próprias, e cláusulas chamadas de “preempção”, ou cláusulas de preferência impróprias. As primeiras atribuem à sociedade ou aos demais sócios um direito de preferência na alienação, a título oneroso (e a título singular), das ações. As segundas atribuem-lhes um direito de aquisição preferente das ações por preço determinado, ou determinável, de acordo com critério estipulado nos estatutos, no caso de transmissão singular das ações, a título oneroso ou gratuito. Aquelas estão, inequivocamente, previstas no artigo 328.2b), embora com a ressalva de que não se prevê poder a sociedade ser titular do direito de preferência e que pode haver transmissões onerosas incompatíveis com o exercício da preferência. Quanto às cláusulas de preempção, é, pelo menos, discutível a sua admissibilidade no atual direito (cf. o cap. 2, § 3, 2.5 e 2.6).

É, no entanto, de salientar que o interesse que as cláusulas restritivas visam acautelar pode ser também prosseguido, em grande medida, por uma outra cláusula – a cláusula amortização de ações, prevista no artigo 347 -, embora esta seja mais gravosa para a sociedade [viii] .

3. Função das cláusulas restritivas. Interesses a que a vinculação visa dar realização

3.1 As cláusulas restritivas devem, como qualquer cláusula contratual, corresponder a um interesse digno de proteção legal [ix] - e é entendimento geral o de que esse interesse tem que ser um interesse da sociedade e não um interesse particular dos sócios ou de terceiros [x] . Quanto a este ponto, a lei expressamente refere na alínea c) do artigo 328.2 que o interesse prosseguido pela cláusula de agrément imprópria deve ser o interesse social. No que respeita à cláusula de consentimento, a mesma ideia está implícita na alínea a), ao permitir subordinar a transmissão ao consentimento da sociedade, e é confirmada pelo artigo 329.2 (“interesse relevante para a sociedade”).

No que se refere às cláusulas de preferência, é largamente contestada a sua natureza estatutária por se entender que a atribuição de um direito de preferência aos sócios significa a proteção de um interesse individual dos titulares desse direito [xi] . É, no entanto, significativo que o legislador português tenha permitido atribuir no pacto social um direito de preferência apenas à generalidade dos sócios (art. 328.2b)) e tenha previsto a possibilidade de extinção desse direito por deliberação maioritária (art. 328.3) [xii] . Estes dados, aliados ao facto de ser universalmente reconhecido que a razão de ser das cláusulas restritivas em geral está na proteção do interesse social, levam a pensar que as cláusulas de preferência são cláusulas de tutela do interesse geral ou comum dos sócios, ainda que o meio para atingir esse fim seja a atribuição a todo e cada um deles de um direito de preferência. É certo que o artigo 328.2 fala em “contrato de sociedade” e não em estatutos e teria, na verdade, sido mais claro se o legislador português tivesse utilizado a palavra estatutos, dado que estes são (antes de tudo) a lei orgânica da sociedade [xiii] . A opção terminológica do legislador não deixa, no entanto, neste caso, de se justificar. Ela significa que esta questão não é uma pura questão de autonomia estatutária (cf. o art. 328.3, não permitindo a introdução de cláusulas por maioria). Creio, assim, que a redação do artigo 328.2 não constitui objeção à tese de que o legislador português se enquadra na linha geral do pensamento que considera as cláusulas restritivas como verdadeiras cláusulas estatutárias, isto é, como disposições de organização societária (cf. infra, caps. 2 e 3; e os arts. 4.º e 9.º da Lei das sociedades anónimas de 1867).

3.2 De um modo geral, pode dizer-se que as cláusulas visam garantir a continuidade ou estabilidade da empresa societária e o seu funcionamento eficiente, que dependem, em maior ou menor medida, da homogeneidade do elemento pessoal que constitui a sua base coletiva e da estabilidade do poder de controlo [xiv] . Mais concretamente, as cláusulas podem, por um lado, tutelar o interesse social face a possíveis influências ou interferências indesejáveis vindas do exterior, e por outro, tutelar esse interesse no âmbito estritamente interno, garantindo um determinado equilíbrio de forças ou a estabilidade do poder corporativo.

No primeiro caso, as cláusulas funcionam essencialmente como arma de defesa da sociedade, como um limite à entrada de “estranhos”. Alguns dos objetivos que elas prosseguem prestam-se a discussão, como o de assegurar a integridade e homogeneidade do substrato pessoal da sociedade nas sociedades familiares e similares, já que o legislador define todo o regime deste tipo de sociedade a pensar numa sociedade de base capitalística, fornecendo, como alternativa, a sociedade por quotas. Outros, porém, são perfeitamente legítimos e justificados, como o de defender a posição competitiva, a independência e até a permanência da sociedade no mercado (de concorrência), face a possíveis assaltos ou atos de desorganização por parte de empresas concorrentes.

No segundo caso, as cláusulas são disposições de organização interna. Está em causa a tutela da estabilidade e do funcionamento eficiente, sem roturas, da sociedade. A prossecução deste objetivo envolve um risco, particularmente evidente no caso da cláusula de consentimento: o de esta ser usada pelo grupo acionista controlador em benefício próprio, perpetuando a sua posição, e deixando o princípio da livre disponibilidade das ações de funcionar como mecanismo autorregulador de interesses, isto é, essencialmente, como instrumento de pressão e, portanto, de tutela das minorias (cf. infra, 4.3). Há, no entanto, quem defenda que a estabilidade do poder no seio da sociedade é um valor fundamental a proteger [xv] e que a atribuição ao órgão social competente do poder de controlar as «cessões» que possam traduzir-se numa mudança de controlo da sociedade pode corresponder a um interesse digno de tutela da cláusula de consentimento numa sociedade de estrutura capitalística como é a sociedade anónima [xvi] .

4. Caráter excecional das restrições face ao princípio da (livre) transmissibilidade das ações. O alcance do artigo 328.2 deve, em princípio, confinar-se aos seus próprios termos e as cláusulas restritivas são de interpretação estrita

O atual Código das sociedades (que entrará em vigor em breve) reconhece, implicitamente, não só que a transmissibilidade das ações corresponde a um princípio organizativo fundamental da sociedade anónima - e, portanto, de ordem pública societária - (art. 328.1), mas também que a faculdade de dispor das ações tem um conteúdo mínimo intangível (arts. 328.1 e 329.3).

Com efeito, o artigo 328.1, que parece ter tido como modelo inspirador o § 68 da lei alemã das sociedades por ações de 1965 [xvii] , não admite - ao contrário do que acontece nas sociedades por quotas (artigo 229.1) - a exclusão da transmissibilidade das ações. Este princípio é (quase) universalmente reconhecido [xviii] . A ação é, por natureza, transmissível.

Poderia, porém, pensar-se que os interessados teriam a liberdade, fazendo uso da sua autonomia privada, de estabelecer, estatutariamente, quaisquer limites à livre transmissibilidade das ações compatíveis com a natureza destas [xix] . Não foi essa a via escolhida pelo legislador. Este não se limita a reconhecer a existência de um princípio supletivo de livre transmissibilidade (artigo 328.1). Configura as restrições a esse princípio como uma espécie de “concessão” sua: só aquelas que a lei permite e nos limites em que o faz são válidas (artigos 328.1 e 2 e 329.3).

Não vigora aqui um princípio de compatibilidade – que é a regra no direito privado patrimonial -, mas, em certa medida, um princípio de conformidade. A regra não é a de que tudo aquilo que não é proibido é permitido, mas a de que só é permitido o que a lei autoriza [xx] .

Poderá estranhar-se que assim seja, uma vez que está em causa, não apenas ( e não tanto) a autonomia negocial das partes no contrato de sociedade, mas a sua própria liberdade económica, constitucionalmente garantida (art. 61 CRP), no seu conteúdo positivo essencial – o direito de empresa. O que está em questão é, na verdade, essencialmente, a liberdade de organização da empresa societária, preferindo, por isso, alguns autores falar em autonomia estatutária ou autonomia corporativa em vez de autonomia contratual ou negocial [xxi] . O nível hierárquico da liberdade de empresa não significa, porém, que esta tenha um conteúdo ilimitado, admitindo a própria Constituição, expressamente, limites legais a essa liberdade (art. 61.1).

Ora, é um princípio geralmente aceite o do numerus clausus dos tipos sociais [xxii] . O legislador coloca à disposição dos interessados determinados instrumentos para o exercício da sua atividade económica que eles não podem modificar na sua estrutura essencial, definida essencialmente pela função sócio-económica típica que a cada um cabe desempenhar. No caso da sociedade anónima, pertence a essa estrutura essencial a transmissibilidade das ações, ela é, como se verá, um elemento caracterizador do tipo. Transmissibilidade significa, da perspetiva do titular das ações, essencialmente, liberdade de transmitir (cf. o artigo 329.3), ainda que o exercício dessa liberdade possa ser restringido na medida em que não atinja o próprio conteúdo essencial da liberdade, e desde que tal restrição corresponda a um interesse digno de proteção legal.

A norma do artigo 328.1 visa, precisamente, garantir a efetividade da transmissibilidade das ações (ou seja, a não “adulteração” do tipo social em causa) e assegurar o respeito pelo conteúdo essencial da liberdade que lhe corresponde (cf. o artigo 329.3). Em questão está um elemento fundamental do tipo “sociedade anónima” com base no qual o legislador definiu, em grande medida, o seu regime jurídico e que, portanto, é essencial para o equilíbrio deste. Se faltasse um seu pressuposto essencial, como o presente, pôr-se-ia em causa o próprio regime jurídico estabelecido, com as ponderações realizadas pelo legislador, o que requereria uma correspondente “adaptação” do mesmo [xxiii] . Ora, é em geral reconhecido que este regime – com a transmissibilidade das ações nele acolhida - tem, fundamentalmente, um caráter imperativo (ou inderrogável): a sociedade anónima é um tipo social “rígido”, diferentemente do que se passa com a sociedade por quotas, que é posta à disposição dos interessados como alternativa àquela [xxiv] .

4.1 Daqui decorre que só as restrições expressamente previstas no artigo 328.2 são permitidas e que esta disposição, dado o seu caráter excecional e limitativo de um princípio essencial da sociedade anónima e da liberdade individual do titular das ações, deve, em princípio, ser objeto de interpretação estrita. E também as próprias cláusulas estatutárias restritivas devem, tendo em conta a sua natureza estatutária e excecional, ser objeto do mesmo tipo de interpretação [xxv] .

4.2 Daqui deriva também que o legislador apenas admite cláusulas restritivas do exercício da liberdade de dispor das ações, mas não da própria liberdade em si, no seu conteúdo essencial. Isto é claro no que se refere à cláusula de consentimento (328.2a)), dado o regime a que está submetida pelo artigo 329.3, mas é-o igualmente, no caso a cláusula de preferência, pela própria natureza desta (328.2b)). É menos evidente, no entanto, no caso da cláusula de agrément imprópria (artigo 328.2c)) e no das preferências impróprias, se estas forem de admitir.

No meu entender, a norma do artigo 328.2c) deve interpretar-se de acordo com o espírito de todo o sistema em que se integra, isto é: tendo em conta que, relativamente às cláusulas de longe mais importantes na prática (as das alíneas a) e b), a primeira das quais, aliás, é a única expressamente reconhecida, por exemplo, no direito francês e a única admitida no direito alemão, que parece ter sido, como se disse, a principal fonte inspiradora do artigo 328.1), o legislador só permitiu uma restrição ao exercício da faculdade de dispor; e que ela constitui uma limitação excecional de um princípio estrutural da sociedade anónima e da liberdade individual de dispor dos titulares das ações, sendo esta liberdade um substituto do direito de exoneração reconhecido nos demais tipos sociais (embora a SQ requeira uma análise à parte) e que pode ver-se como a versão adaptada, no direito societário, do, geralmente reconhecido, direito de denúncia unilateral de uma relação contratual duradoura.

Assim, esta cláusula não pode servir para introduzir uma restrição à liberdade de dispor que seja manifestamente desproporcionada relativamente àquela que pode resultar das demais cláusulas, o que quer dizer, uma restrição de tal forma limitadora da transmissibilidade da ação, que ponha em causa a própria função sócio-económica da sociedade anónima (a sua causa) e o conteúdo essencial, intangível, da liberdade individual de dispor de acionista, isto é, do direito de libertar o seu investimento, pondo-o a coberto do risco de uma gestão que ele tipicamente não controla (com o eventual ulterior efeito de desvinculação da relação societária) [xxvi] . Penso, portanto, que os requisitos a que se refere a alínea c) devem, não apenas estar de acordo com o interesse social (e com um interesse social relevante), mas devem ainda respeitar o conteúdo essencial da transmissibilidade das ações, decorrente da função sócio-económica da sociedade anónima e da correspondente liberdade individual dos acionistas. Considero, por exemplo, problemática, se não mesmo em princípio inadmissível, uma cláusula que, sem mais, faça depender a possibilidade de transmitir as ações da presença, no potencial transmissário, de requisitos como o de pertencer a certa família ou a um grupo restrito de pessoas, incluindo os acionistas, nas sociedades com limitado número de membros [xxvii] .

Se as partes no contrato de sociedade entenderem que tal é essencial para darem o seu acordo à constituição da sociedade, devem optar, ou por constituir uma sociedade por quotas (deslocando-se a questão para outra sede), ou pela cláusula de consentimento, que pode explicitamente atribuir ao órgão social competente o poder de recusar como transmissário um indivíduo que não tenha aquelas ou outras qualidades – mas com o ónus/dever de, em caso de recusa, “libertar” o titular das ações (artigo 329.3) [xxviii] .

A história das cláusulas restritivas em três países onde elas têm grande relevância sócio-económica e são objeto de considerável tratamento científico e jurisprudencial – a Suíça, a França e a Itália – revela que a evolução do pensamento tem sido no sentido de dar à liberdade do acionista de dispor das suas ações um conteúdo efetivo e razoável. No primeiro, limitando ao mínimo, compatível com o interesse prosseguido pelas cláusulas, a sua eficácia nos casos mais importantes de ações representadas por títulos de crédito [xxix] . No segundo, estabelecendo um condicionalismo cada vez mais apertado à validade das cláusulas restritivas que culminou no atual regime da lei das sociedades de 1966 (arts. 274ss) [xxx] . No terceiro, pelas duas vias simultaneamente, isto é, estabelecendo condições à validade das cláusulas [xxxi] e reduzindo ao mínimo a sua eficácia [xxxii] . E, comparativamente, tendo em conta a eficácia destas cláusulas em Portugal (cf. o capítulo 2), mesmo interpretando o artigo 328 nos termos em que acabo de o fazer, o direito português apresenta-se mais favorável a elas do que o direito francês ou o italiano, que são fruto de uma evolução jurisprudencial que tem como ponto de partida leis mais liberais do que a atual lei portuguesa.

4.3 Resta, para terminar, desenvolver um pouco o ponto que está no centro de toda esta questão: o da natureza transmissível das ações e do significado da transmissibilidade [xxxiii] .

a) A natureza transmissível da ação decorre, em primeiro lugar, do tipo social “sociedade anónima”, mais propriamente, da sua função sócio-económica típica, traduzida num princípio universalmente caracterizador deste tipo de sociedade – o princípio da divisão do capital em ações (art. 271). Este princípio significa [xxxiv] essencialmente a divisão do capital em frações a que correspondem unidades elementares de participação iguais e autónomas (não dependentes do sujeito seu titular) – chamadas ações – destinadas a ser representadas por títulos circulantes, para que possam cumprir a sua função de instrumento de captação de capitais em massa (função sócio-económica da sociedade anónima [xxxv] ), servindo de moeda de troca, de contrapartida por uma unidade elementar de entrada de capital [xxxvi] . Todas as características da ação – igualdade de valor, autonomia, e consequente aptidão para serem tituladas – se destinam a torná-la um valor de mercado e revelam, assim, a sua natureza transmissível, mais, a sua destinação à circulação. É esta natureza que a caracteriza como instrumento de captação de capitais em massa e, portanto, como o principal elemento caracterizador da sociedade anónima. É ela que lhe dá a sua vis atractiva, o seu magnetismo comercial, a torna um chamariz do investimento, porque o investidor que aplica o seu capital em ações investe, assim, em algo que tem um valor atual, facilmente realizável. E é essa a sua razão de ser. Uma sociedade “por ações” em que as ações” não tenham uma natureza normalmente transmissível não é uma sociedade por ações. A sua estrutura terá sido subvertida, passando para o primeiro plano a pessoa dos sócios e, por consequência, passando a ter materialmente o seu capital dividido, não em ações (e de forma abstrata), mas em função dessa pessoa dos sócios, isto é, em “quotas” aritmeticamente fracionadas. Muito embora, formalmente, o capital se apresente dividido em ações, esta divisão não cumpre qualquer função que a justifique e, portanto, a sociedade em causa não pode considerar-se como uma sociedade por ações, como exige o legislador no caso da sociedade anónima (art. 271). As partes contratantes estão, porém, vinculadas pelo tipo social escolhido, com a consequência da subordinação, que pode ir até à invalidade parcial, das disposições estatutárias (portanto, também daquelas que introduzem restrições à livre transmissibilidade das ações) que contrariem a natureza e o regime imperativo do tipo social em causa.

Atentemos melhor. A sociedade anónima, como tipo de organização da empresa societária alternativo dos outros tipos de sociedade e, sobretudo, da sociedade por quotas, só se compreende pela sua especial estrutura, dada sobretudo pela especificidade do meio por que realiza a sua função típica – a ação. Em que consiste essa estrutura? O que significa o princípio da divisão do capital social em ações como princípio organizador da sociedade anónima? A ideia básica é esta: a ação não é a posição de um sócio na sociedade anónima. É um “bem” a se, uma entidade objetiva e autónoma, criada pelo direito societário para permitir a fácil e pronta mobilização do valor de investimento que representa, cuja titularidade é dada originariamente a quem entrou com uma determinada fração de capital. A qualidade de sócio deriva da qualidade de acionista.

Neste sentido, pode afirmar-se que a posição do sócio é, no tipo social em apreço, derivada, está em função da titularidade de um número maior ou menor de ações; define-se, alarga-se, reduz-se, ou extingue-se em função da titularidade das ações. Ela não é, ao contrário do que acontece nos restantes tipos sociais [xxxvii] , objeto de negócios, não é transmissível nem deixa de o ser. Entre o contrato de sociedade e ela interpõe-se a ação [xxxviii] , esta sim a verdadeira entidade originária na órbita da qual a posição do sócio gira (quase como satélite sem princípio energético próprio) e da qual tira a sua própria existência e conteúdo.

Diferentemente do que acontece com a posição do sócio, a ação é caracterizada pela sua transmissibilidade, como se viu; é um bem que só tem como razão de ser o servir para mobilizar o investimento que, de outra forma, estaria ligado à pessoa do sócio. Quando se diz que, na sociedade anónima, predomina o intuitus pecuniae, isso significa que a ação é o princípio organizador e originário e fundamental, como resulta do artigo 271, e que a posição do sócio, a relação contratual societária, o elemento pessoal, lhe está subordinado. É isto que fundamentalmente caracteriza a sociedade anónima e, portanto, o contrato social não pode organizar de tal modo o seu elemento pessoal que o coloque em primeiro plano e a ação em segundo. Isto significaria, como se observou, que a sociedade não seria realmente uma sociedade por ações.

As cláusulas restritivas são disposições de organização desse elemento pessoal, regulam as posições dos sócios, o movimento destas, que, de livre, passa a ser controlado. Contêm, portanto, normas de organização do elemento subordinado, derivado, da sociedade anónima. Visam atenuar ou controlar os efeitos do princípio superior ou original – a ação, como entidade a se, de índole patrimonial, despersonalizada e transmissível. Representam uma conciliação da dimensão social ou corporativa da sociedade, envolvendo exigências funcionais e objetivos de preservação da sua autonomia face à envolvente de mercado, com o princípio da divisão do capital em ações e a correspondente transmissibilidade destas, a que é inerente a modificação da titularidade das posições de sócio [xxxix] .

b) Vistas as coisas por um outro prisma, a sociedade anónima representa também a solução da antinomia existente entre a necessidade de garantir a estabilidade da estrutura organizativa e financeira da sociedade e a impossibilidade – quer do ponto de vista da função da sociedade, quer do ponto de vista da liberdade individual de dispor do seu património – de manter o acionista prisonier de son titre, isto é, prisioneiro de um investimento que, pela natureza da sociedade, deve ser móvel e que ele tipicamente não controla. Em termos breves, a (livre) transmissibilidade da participação social com efeitos face à sociedade é a contrapartida da inexistência de um direito de exoneração dos sócios. Transmitir as ações é (quase) a única forma de “exoneração” na sociedade anónima.

Esta ideia está, aliás, presente desde os primórdios deste tipo societário, se bem que o princípio da fixidez do capital só mais tarde se tenha imposto como elemento caracterizador deste tipo social [xl] . Assim, na Companhia Holandesa das Índias Orientais, segundo o octrooi originário (de 1602), os diretores deveriam, todos os dez anos, efetuar um encerramento geral das contas, podendo os participantes, no fim do décimo ano, retirar-se e levantar o seu capital (art. 9). Mas, logo em 1611, os Estados Gerais suspenderam este direito, a pedido dos administradores, com o duplo argumento do interesse da companhia e da possibilidade que tinham os acionistas de vender as suas ações [xli] . A evolução posterior confirmaria o princípio que, ainda de forma incipiente, subjaz a esta atitude dos Estados Gerais, o da fixidez ou estabilidade do capital. E a sua associação com o direito de dispor da ação é também confirmada pelo artigo 1 da Companhia Francesa das Índias Orientais, que designadamente dispunha: “ Sans qu’aucun intéressé se puisse retirer sinon en vendant son action , soit à quelque autre intéressé, ou autre personne qui y gardera toujours la même part, en sorte que le fonds ne soit point diminué” [xlii] .

A este propósito, será interessante recordar, em breve traços, o pensamento de um historiador das sociedades comerciais, Lévy-Bruhl. Segundo ele, no século XVIII, quanto ao regime de transmissibilidade das partes sociais, verificaram-se três situações. Havia sociedades em que a divisão do capital em soldos correspondia a um mero fracionamento aritmético destinado a facilitar cálculos de repartição de ganhos e perdas – sem implicar para o acionista um poder de alienação. Seriam claramente sociedades de pessoas e não verdadeiras sociedades por ações. Havia sociedades em que o capital estava dividido em soldos ouações que podiam ser vendidas mas apenas a pessoas “agréés” pelos demais associados. Tratar-se-ia ainda de sociedades de pessoas, não de verdadeiras sociedades de capitais (ou por ações). Havia finalmente, as verdadeiras sociedades de capitais, caracterizadas pela transmissibilidade das ações, entre vivos e por morte, em que o acionista tinha o direito de alienação, embora a sociedade se pudesse reservar um direito de preempção /preferência (ou retrait) [xliii] . Estas eram as verdadeiras sociedades por ações.

A evolução do direito francês dos séculos XIX e XX confirma esta perspetiva. Na verdade, o Code de commerce, ao proclamar o princípio da divisão do capital social em ações e ao regular, de seguida, os modos de transmissão destas, reconhecia implicitamente o princípio da (livre) transmissibilidade das ações [xliv] , que a jurisprudência do Conselho de Estado na primeira metade do século XIX consolidaria [xlv] . No terceiro quartel deste século, deu-se o grande movimento liberalizador da sociedade anónima que encontrou um fundamental suporte jurídico na ideia da autonomia contratual, e levou a uma mais acentuada “contratualização” da sociedade anónima, contratualização essa que havia sido formalmente operada pelo Code de commerce. É a época da lei de 24.7.1867 sobre as sociedades por ações. Esta lei submeteu este tipo de sociedades, agora com constituição liberalizada, a um formalismo especial e é neste contexto que à jurisprudência francesa aparece a questão das cláusulas restritivas da transmissibilidade das ações.

Tanto a Cassation como os tribunais de comércio sempre afirmaram que a transmissibilidade das ações era um princípio de ordem pública. Mas, enquanto a jurisprudência consular pendia para a afirmação da própria livre transmissibilidade como princípio imperativo, com base na ideia da “propriedade” da ação, a Cassation afirmou a legitimidade das cláusulas restritivas. É, no entanto, de salientar que a questão que se lhe pôs e que ela teve que resolver não era, pelo menos em primeira linha, a de um conflito entre a liberdade individual e o interesse social prosseguido pelas cláusulas restritivas. A questão consistia essencialmente em saber se a constituição de uma sociedade por ações (essencialmente, na época, sociedades em comandita por ações) com cláusulas restritivas deveria ou não estar sujeita à regulamentação mais rigorosa da lei de 1867, isto é, se tais cláusulas eram de molde a fazê-la perder aquele caráter de sociedade por ações, deixando de estar sujeita a essa lei.

A doutrina do primeiro quartel deste século [XX] enquadra-se, em grande parte, nesta linha de pensamento [xlvi] . Mas já a jurisprudência e a doutrina do terceiro quartel colocam a questão como ela se nos põe hoje, isto é, como um conflito entre o direito individual de dispor das ações e o interesse social prosseguido pelas cláusulas; e a tese que vingou foi aquela já muitos anos antes enunciada por Houpin e Bosvieux: só o exercício do direito pode ser afetado [xlvii] .

Curiosamente, que eu saiba, o pensamento francês não pôs em evidência o direito do sócio de dispor das ações como uma contrapartida da fixidez ou estabilidade do capital. E como uma forma de o sócio se “exonerar” [xlviii] . A primeira base legal para as restrições foi mesmo retirada da própria lei de 1857, que as previa para as cooperativas por ações, tendo passado despercebida a importância que representa o facto de estas serem sociedades de capital variável, distinguindo-se portanto das sociedades anónimas comuns. O mérito de desenvolver esta perspetiva do direito de transmitir as ações como contrapeso da fixidez ou estabilidade do capital social e como forma de o sócio se “exonerar” cabe fundamentalmente à doutrina germânica ou de matriz germânica [xlix] .

c) Finalmente, importa destacar o papel da livre transmissibilidade das ações na autocomposição de interesses no seio da sociedade anónima [l] , e o abuso que tem sido feito das cláusulas restritivas, sobretudo da cláusula de consentimento, pelo grupo controlador da sociedade, e que esteve, em grande parte, na origem da reação da jurisprudência francesa e italiana que culminou com a redução daquela cláusula a uma mera cláusula limitadora do exercício do direito de transmitir as ações e não do próprio direito em si [li] . É de salientar, sobretudo, que o princípio da livre transmissibilidade das ações pode representar um importante papel na proteção das minorias e que há mesmo quem considere as limitações à transmissibilidade como a causa principal da situação precária do acionista minoritário [lii] .

4.4 Em suma, a validade das cláusulas restritivas da livre transmissibilidade das ações é condicionada por duas ordens de fatores, que lhe definem os limites. A ideia fundamental é de que apenas se admitem restrições que respeitem a natureza capitalista da sociedade e o papel fundamental das ações, enquanto «bens» transmissíveis, na estrutura jurídica do tipo social em apreço. Por um lado, elas não podem atingir a transmissibilidade em si, mas apenas limitar o modo de exercício do poder de dispor do acionista: para evitar a consumação de uma dada transmissão, a sociedade ou os outros acionistas têm de lhe proporcionar uma alternativa de saída/desinvestimento. Por outro lado, esta alternativa não deve pôr em causa a estabilidade do capital (princípio da neutralidade financeira). É o que se retira dos artigos 328.2b) e 329.3c)), devendo o art. 328.2c) ler-se a esta luz; embora quanto ao segundo aspeto, o da estabilidade do capital (para além da sua fixidez estatutária), possa discutir-se se os estatutos poderão ou não modificar o regime legal instituído e em que medida [liii] . Complementarmente, na ausência de um direito de exoneração geral e da circunscrição de tal direito a casos muito reduzidos, a transmissibilidade desempenha uma função essencial na tutela do acionista, da sua liberdade de sair da sociedade e de desinvestimento, e nela assenta também o funcionamento equilibrado da sociedade, a nível interno, funcionando como mecanismo regulador do poder das maiorias.

a) A primeira ordem de fatores relevantes para o problema da validade das restrições tem a ver com as relações entre o elemento patrimonial e o elemento pessoal numa sociedade anónima; e, mais especificamente, com o papel que as ações e a respetiva transmissibilidade assumem neste tipo social, quer considerando o acionista como investidor, quer atendendo ao desejável equilíbrio entre acionistas minoritários e grupo de controlo. Na verdade, o tipo social “sociedade anónima” pressupõe, pela sua função sócio-económica típica de sociedade de capitais, uma sociedade destinada a captar e acumular capital e estruturada em torno do mesmo, e que a ação, enquanto instrumento de realização dessa função, tenha o efetivo significado de entidade apta a circular e mesmo destinada a essa circulação. A ação, com a sua natureza transmissível e o seu regime próprio de circulação, é o princípio organizativo superior da sociedade anónima, que lhe confere o seu caráter de sociedade de capitais (cf. o art. 271). Ela é a forma de organização do elemento patrimonial, o elemento dominante neste tipo social. Já as cláusulas restritivas são disposições de organização do elemento pessoal, elemento secundário ou subordinado àquele, ainda que, naturalmente importante.

Vistas as coisas sob um outro ângulo, a especificidade da sociedade anónima, relativamente à sociedade por quotas, está em que, nesta última, as partes contratantes podem regular as relações entre o elemento patrimonial e o elemento pessoal, enquanto que, naquela, o elemento pessoal é imperativamente subordinado ao patrimonial. É este o significado substancial do princípio da divisão do capital em ações. A ação é uma criação meramente jurídica que só cumpre uma função útil enquanto entidade destinada a circular, mobilizadora do investimento em ações. Daqui decorre que, ao nível dos princípios, e partindo do pressuposto (que aqui não posso discutir) de que a escolha do tipo social é vinculativa para as partes, no sentido de ficarem amarradas à escolha declarada [liv] , a opção por uma sociedade anónima como forma de organização da empresa coletiva significa ter que respeitar a sua função sócio-económica típica, da qual decorre uma subordinação do elemento pessoal ao patrimonial e, mais especificamente, que as cláusulas restritivas prosseguem um interesse subordinado relativamente àqueles interesses que dependem da transmissibilidade das ações. Por isso, me parece que, tendo as partes de respeitar o tipo, apenas podem regulamentar o exercício do direito de transmitir e não criar, de direito ou de facto, uma situação de intransmissibilidade ou uma situação em que a transmissibilidade seja de tal modo ténue, que a sociedade em causa deixe de cumprir a função que lhe cabe legalmente.

Mas nem só no plano dos princípios a escolha do tipo é determinante do âmbito de validade circunscrito das cláusulas restritivas. O legislador, ao conferir ao princípio da divisão do capital em ações, isto é, da sua divisão em entidades eminentemente transmissíveis, o caráter de princípio caracterizador do tipo, partiu, naturalmente, desse dado para definir o regime jurídico da sociedade anónima. O equilíbrio deste depende, portanto, decisivamente de as ações serem efetivamente transmissíveis. Com efeito, a transmissibilidade representa a contrapartida da fixidez e estabilidade do capital social, que acarreta a irrevogabilidade das entradas e a irrelevância, do ponto de vista dessa estabilidade, das modificações do elemento pessoal da sociedade. E, nessa medida, ela surge como a via normal e mesmo o meio (quase único) de saída voluntária do sócio e de liquidação do seu investimento - cumpre uma função “exoneratória” e de desinvestimento. Ora, é sabido que o direito de saída ou “exoneração” é um instrumento fundamental de pressão das minorias, um fator de equilíbrio e autocomposição de interesses contrapostos [lv] no seio da sociedade. Como, na sociedade anónima, esse direito de saída significa direito e possibilidade real de alienar (vender) as ações, é através da transmissibilidade efetiva destas que um relativo equilíbrio de interesses é garantido (tendo, sobretudo, em conta que a minoria é dona de um investimento gerido por um grupo controlador que até pode ser-lhe hostil).

b) A segunda ordem de fatores vem nesta linha. Sendo o direito de vender as ações o modo normal (e quase único) de o sócio desinvestir e sair da sociedade, a (livre) transmissibilidade das ações representa um compromisso entre o já referido princípio da estabilidade do capital e a liberdade individual de dispor de um bem do seu património cujo verdadeiro valor está na sua natureza de bem de troca. E não se trata apenas da liberdade de dispor do que é seu, mas, sobretudo, de defender aquilo que é seu, subtraindo-o à gestão de pessoas em que, porventura, não se confia e ao risco próprio da atividade empresarial. Por isso, uma cláusula restritiva que tenha como efeito, na prática, tornar o investimento dos acionistas “cativo”, limitando de forma não razoável o direito e a possibilidade de levantarem o seu investimento, deve ser considerada nula. E, se esta liberdade poderia comportar, em princípio, restrições temporárias que praticamente a anulassem, a típica maior precariedade do acionista minoritário (em confronto com os demais sócios) e a natureza transmissível da ação como princípio de organização superior afastam essa possibilidade, pelo menos se ela for sem limites [lvi] .

c) A história das cláusulas restritivas é essencialmente a história da cláusula de consentimento; e já se viu que, nos dois países latinos em que foi objeto de uma secular elaboração jurisprudencial e doutrinal, ela foi reduzida a uma cláusula meramente restritiva do exercício do direito de dispor das ações. O legislador português acolheu a lição da história, declarando as restrições como excecionais e regulamentando a referida cláusula no artigo 329, para garantir a transmissibilidade efetiva das ações. Na sua configuração legal, trata-se de uma restrição à entrada de membros na sociedade (ou ao reforço da posição de sócio do adquirente) e não à saída/desinvestimento do titular das ações, a quem, em caso de recusa do adquirente da sua escolha, deve ser proporcionada uma alternativa financeiramente equivalente.

Seria, portanto, uma violação do espírito da lei interpretar isolada e liberalmente a alínea c) do artigo 328.2. A sua interpretação deve ter em conta que as restrições correspondem a um princípio organizador subordinado e têm caráter excecional, face ao princípio da livre transmissibilidade das ações e à correspondente liberdade individual do acionista de transmitir as ações enquanto componente da liberdade de “gerir” o seu investimento. Uma circunscrição demasiado apertada do universo de potenciais adquirentes das ações (com eficácia face à sociedade) é incompatível com aquele espírito do sistema, a menos que tenha associado um qualquer mecanismo “exoneratório” ou de desinvestimento, como acontece com as demais restrições.


CAPÍTULO 2

A eficácia das cláusulas estatutárias restritivas no direito português

Sumário:

§ 1Eficácia erga omnes das cláusulas restritivas

1. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da cessão de quotas

2. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da transmissão de ações no direito anterior ao código das sociedades

3. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da transmissão de ações no código das sociedades

4. A questão do fundamento da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas. 4.1 Na doutrina portuguesa (conclusões). 4.2 Em geral. 4.3 Confronto com o direito comum da cessão de direitos e o regime dos títulos de crédito. 4.4 Análise do argumento que faz decorrer este tipo de eficácia, diretamente ou por analogia, do regime de cessão da posição contratual. 4.5 Eficácia real das cláusulas de preferência. 4.6 Conclusão

§ 2 Conteúdo e âmbito de eficácia das restrições (e o seu modo de operar)

1. As cláusulas restritivas afetam o regime de circulação da participação acionária e a sua eficácia é compatível com a natureza e o regime de circulação das ações nominativas. 1.1 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas no Código Comercial de 1833. 1.2 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas na lei das sociedades anónimas de 1867. 1.3 Natureza e circulação das ações nominativas no Código Comercial de 1888. 1.4 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas no Código das Sociedades e no DL 408/82

2. Conteúdo ou significado da eficácia das cláusulas restritivas. Alcance e modo de operar. Condição jurídica da transmissão que não as respeite. 2.1 No direito comparado. 2.2 No direito anterior e nas sociedades por quotas. 2.3 No projeto Vaz Serra. Razões da mera ineficácia relativa da transmissão de ações vinculadas com inobservância do processo estatutário restritivo. 2.4 No Código das Sociedades. 2.5 A eficácia das cláusulas de preferência. O problema da chamada cláusula de preempção

3. Âmbito de aplicação, ou âmbito (objetivo) de eficácia das cláusulas restritivas. 3.1Cláusulas restritivas e transmissão “forçada”. 3.2 Cláusulas restritivas e transmissão mortis causa. 3.3 Cláusulas restritivas e constituição de penhor e de usufruto

§ 3 - Condições especiais de eficácia das cláusulas restritivas

1. Cláusulas restritivas e ações ao portador

2. Cláusulas restritivas e a sua eficácia no âmbito das transações das ações na bolsa

3. Cláusulas restritivas e títulos de crédito (nominativos). Notícia das restrições no título

§ 1 – Eficácia erga omnes das cláusulas restritivas

1. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da cessão de quotas [lvii] .

1.1 Na vigência da Lei das sociedades por quotas (Lei de 11.4.1901), Cunha Gonçalves [lviii] , escrevendo a propósito de empenhabilidade (e penhorabilidade) de quotas vinculadas, parece defender que a vinculação tem uma eficácia meramente relativa. Segundo ele, tratar-se-ia de uma incapacidade contratual de alienar do titular da quota, que só existiria nas relações entre ele e a sociedade (a qual, no seu exclusivo interesse, impusera o seu placet à cessão).

Este autor configura, na verdade, as cláusulas estatuárias de inalienabilidade (e, parece, também as que restringem a alienabilidade de quotas) como contendo modificações contratuais à natureza jurídica dos bens e, portanto, ineficazes face a terceiros ( res inter alios acta), já que a alteração dessa natureza não está compreendida nos limites da autonomia privada. A violação das cláusulas originaria, assim, mera responsabilidade do infrator para com a sociedade, sendo a alienação desrespeitadora válida e eficaz.

1.2 A posição de Cunha Gonçalves foi criticada pela Revista dos Tribunais [lix] , que se expressa nos seguintes termos: “a) As restrições à livre cessão de quotas são autorizadas pelo art. 6.º, § 3.º, da Lei de 11 de abril de 1901; e as cláusulas limitativas dessa cessão, desde que, pelapublicação do registo comercial, sejam conhecidas, produzem efeitos para com terceiros; b) Não se trata de incapacidade contratual do dono da quota, que afete apenas determinada pessoa, mas de inalienabilidade relativa da própria quota, que existe, não apenas para com a sociedade, mas erga omnes, quando feito o registo;…”.

Também Domingos Pinto Coelho, com respeito à cláusula de consentimento, se manifestou neste sentido, afirmando que a cláusula, aliás expressamente permitida por lei, integra a escritura de constituição da sociedade e esta produz “efeitos para com terceiros depois de registada [lx] . E defendeu igualmente a eficácia erga omnes das cláusulas restritivas, mais propriamente a sua oponibilidade, não apenas ao cedente mas também ao cessionário, Raul Ventura [lxi] .

Na verdade, depois de referir a opinião de Messineo, segundo o qual uma cláusula de consentimento não seria eficaz face ao adquirente (de ações), afirma Raul Ventura: 1) o legislador português – ao dizer que a “escritura social pode fazer depender a cessão do consentimento da sociedade ou de outros requisitos” – considerou esta como um ato unitário, isto é, permite à sociedade condicionar oato (p. 60); 2) a cessão de quotas é uma cessão de contrato, pelo que a regra é a de que é necessário o consentimento do “cedido” – e a dispensa desse consentimento por lei especial (art. 6.º LSQ) não muda a natureza desse consentimento quando excecionalmente exigido: “ como nas cessões de contratos, o consentimento neste caso influencia o ato e não apenas a posição de cedente“ (p. 60s); 3) não há, enfim, nenhum obstáculo técnico à oponibilidade da cláusula ao cessionário e, sendo o fim da cláusula evitar mudanças subjetivas da sociedade, não há razão para ficar a meio caminho (p. 62).

No que se refere especificamente à eficácia real da cláusula de preferência (traduzida na atribuição ao titular do direito de preferência do direito de fazer sua a quota, alienada com violação deste), o autor retira-a do artigo 421 C.C., considerando as quotas móveis sujeitas a registo (p. 72; cf. infra, § 2).

2. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da transmissão de ações no direito anterior ao Código das Sociedades

2.1 Vasco Xavier, referindo-se a estas cláusulas em geral (nas quais compreende, tanto as cláusulas de consentimento, como as cláusulas de agrément impróprias e, ainda, as de preferência verdadeiras e próprias e as de preempção), escreve que, “nas hipóteses em que são válidas, têm eficácia mesmo em relação a terceiros, sem que colha a objeção de que se trata de um vínculo real não legalmente previsto, pois se está perante uma característica da própria ação, tal como é definida nos estatutos” [lxii] .

2.2 No que se refere, especificamente, à possível eficácia real das cláusulas de preferência, entende Brito Correia que a admissibilidade deste tipo de eficácia depende da questão de saber se as ações (nominativas) são ou não, para os efeitos do artigo 421 C.C., “móveis sujeitos a registo”, já que elas estão, pelo DL 408/82, de 29 de setembro, sujeitas a registo (arts. 1, 7s, 12, 17. 2, 18,…) [lxiii] . O autor considera que este registo não é público e, portanto, não satisfaz as exigências de tutela de terceiros de boa-fé implícitas no artigo 421 C.C. Na verdade, nem a sociedade (no caso das ações sujeitas a registo), nem o Banco de Portugal (que organiza um registo central das ações em regime de depósito) são obrigados a dar-lhes informações sobre os ónus (…) incidentes sobre as ações. Por isso, inclina-se (embora com dúvidas) para a atribuição à cláusula de eficácia meramente obrigacional, cuja violação geraria obrigação de indemnizar para o transmitente.

2.3 Um importante apoio legal para a tese da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas, ainda antes do Código das sociedades, parece-me fornecê-lo o DL 8/74, de 14 de janeiro, artigos 37.1 d) e, sobretudo, 39.4h). Na verdade, aí se estabelece como condição de admissibilidade das ações à cotação na bolsa que os estatutos “não contenham cláusulas impeditivas da normal transação das ações“ e impõe-se à sociedade emitente que, uma vez admitidas as ações à cotação, ponha à disposição do público um prospeto contendo o “Regime de transmissão dos títulos e quaisquer restrições à sua livre negociabilidade”.

Admitindo que estas disposições se referem, inter alia, às cláusulas estatutárias restritivas a que me venho a referir (o que parece resultar sobretudo do primeiro daqueles artigos), elas pressupõem, por um lado, a sua validade, e, por outro, a sua eficácia erga omnes (pelo menos, a sua oponibilidade ao adquirente), uma vez que, se a sua eficácia fosse limitada à relação entre a sociedade e o sócio-alienante, elas seriam indiferentes do ponto de vista do mercado da bolsa – não se pondo, portanto, a questão da admissibilidade ou não à cotação de ações vinculadas nem se justificando a publicidade a que se refere o último artigo referido.

3. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da transmissão de ações no Código das Sociedades

3.1 O princípio da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas foi considerado por Vaz Serra como reconhecido universalmente, sendo a opinião contrária de Messineo uma opinião isolada do ponto de vista comparatístico [lxiv] . E está, na verdade, pressuposto no pensamento daquele autor quando refere que o fim das cláusulas é o de “obstar a que a sociedade venha a ter sócios que não lhe convenham, o que pode ser mesmo uma necessidade” [lxv] , e, sobretudo, quando aborda a questão dos efeitos da inobservância de tais cláusulas (defendendo a ineficácia da transmissão “irregular” face à sociedade [lxvi] ) e a questão de saber se a sua transcrição nos títulos é ou não de exigir, o que considera conveniente para tutela dos adquirentes [lxvii] . Confirmaria ainda esta ideia, se necessário fosse, o facto de que, relativamente à questão do âmbito (objetivo) de eficácia das cláusulas, o autor é de opinião que as transmissões legais estejam abrangidas [lxviii] .

A ideia da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas pode, assim, considerar-se como princípio informador do projeto Vaz Serra [lxix] relativo às ações (arts. 33ss).

3.2 a) Não parece haver dúvidas de que o articulado do Código das Sociedades relativo à matéria que nos ocupa tomou por base o do projeto Vaz Serra (informado, como se viu, pela ideia da eficácia erga omnes) – reproduzindo o artigo 328, em grande parte, o artigo 33 deste projeto. É certo que o artigo 35 do projeto – dispondo sobre os efeitos da transmissão não consentida de ações vinculadas – não tem correspondência (expressa) no Código, mas o artigo 328 contém um elemento decisivo, oriundo desse projeto, para afirmar a eficácia erga omnes das cláusulas. Com efeito, o n.º 4 deste artigo (reproduzindo, com alteração de redação não significativa, o art. 33 n.º 6 do projeto) afirma que as cláusulas “devem ser transcritas nos títulos das ações, sob pena de serem inoponíveis a adquirentes de boa-fé”, donde resulta que elas são oponíveis a adquirentes de boa-fé se transcritas no título e também, implicitamente, que são oponíveis a adquirentes de má-fé, constem ou não do título, e a adquirentes de boa ou má fé de ações não tituladas – uma vez que, como se verá ( infra, § 3º), este preceito deve ser interpretado no sentido da imposição de uma condição suplementar (especial) de eficácia das cláusulas apenas relativa à ações tituladas.

b) Mas outro argumento a favor desta tese se extrai da letra da lei. Segundo este mesmo artigo 328, o contrato de sociedade pode limitar a transmissibilidade das ações (n.º 1) – isto é, a sua qualidade de bens em princípio livremente transmissíveis –, subordinando a sua “transmissão” à verificação de determinado condicionalismo (n.º 2, als. a) e c)) ou instituindo um direito de preferência a favor dos demais acionistas (nº 2, al b)). O texto sugere, portanto, que as cláusulas afetam a eficácia do ato (ou facto) translativo e não são dirigidas apenas ao alienante (cf. supra, 1.3). Melhor dito: as cláusulas afetam uma qualidade natural das próprias ações, a sua livre transmissibilidade, e, como consequência, a eficácia das suas transmissões (cf. o art. 299.2.b)). O contrato de sociedade, ao criar as ações, por conter em si as cláusulas, cria-as com uma lei de circulação limitada, que constitui uma sua característica intrínseca. Quando as ações são objeto de transmissão, são-no enquanto objeto só eficazmente transmissível em determinadas condições [lxx] . As cláusulas são, portanto, relativas às condições objetivas em que as ações são transmissíveis (com eficácia face à sociedade), incidem sobre o objeto da transmissão (cf. supra, 2.1). Se, como referi no capítulo 1, se aceitar a perspetiva de que as cláusulas só indiretamente afetam a transmissibilidade da ação em si, isto é, só a afetam enquanto organizam o elemento pessoal da sociedade, pode porventura questionar-se a inteira pertinência deste discurso. É, porém, aquele que é universalmente usado e não creio ser oportuno aqui revê-lo dada a natureza deste trabalho [lxxi] .

Uma vez dada a necessária publicidade legal a essa característica modificada das ações enquanto objeto de possíveis (e prováveis) transações e vicissitudes subjetivas, à sua lei estatutária - e portanto «genética» - de circulação restrita, ela pode ser oposta, pelo beneficiário da cláusula da qual ela decorre, erga omnes – dentro, naturalmente, do âmbito (objetivo) de eficácia dessa cláusula (cf. infra § 2 e supra 1.2).

c) Também o fim das cláusulas e o interesse social tutelado pelo artigo 328 (está em causa regular a composição pessoal da sociedade anónima de modo a garantir o seu funcionamento eficiente, a conservação da sua independência, identidade, etc.) confirma esta interpretação (cf.supra, 3.1 e 1.3; e o cap.1). Na verdade, sem tal eficácia erga omnes das restrições, capaz de atingir (pelo menos) a eficácia dos factos translativos em relação à sociedade, tal fim não é atingido e tal interesse não é satisfatoriamente protegido.

d) A lição do direito comparado vai no mesmo sentido (vid. cap. 3), bem como o DL 8/74, como se referiu acima (2.3).

e) Em suma, pode dizer-se que, tanto da letra do artigo 328, como do seu espírito, tal como resulta do contexto histórico e da própria ratio deste preceito, se extrai a conclusão de que as restrições estatutárias à livre transmissibilidade das ações têm eficácia erga omnes. Num duplo sentido: aplicam-se, enquanto integrantes dos estatutos, a quem seja ou venha a tornar-se sócio; e são invocáveis, ainda, perante potenciais adquirentes não sócios das ações, definindo, em parte, os termos em que a qualidade de membro da sociedade (ou pelo menos a legitimação o exercício dos direitos sociais) se adquire.

Esta ideia é universalmente aceite, no plano do direito comparado [lxxii] , e também já fora defendida pela nossa doutrina, tanto para as sociedades por quotas, como para as sociedades anónimas anteriormente ao Código das Sociedades (cf. supra 1 e 2). A única opinião discordante, de Cunha Gonçalves, não tem, na verdade, em devida conta a diferença que existe entre um mero facto restritivo da circulação de bens, instituindo uma vinculação pessoal, exterior ao bem, e um ato criador de bens com circulação limitada. O primeiro impõe a um (ou mais) sujeito(s) uma restrição pessoal ao uso da sua faculdade de disposição de um bem que é por natureza (livremente) transmissível. O segundo configura o bem a que ele próprio dá origem como sendo um bem por natureza não livremente transmissível; isto é, neste caso, “restringir” significa dotar o objeto da restrição de uma natureza não livremente transmissível (cf. supra, 1.2 e 2.1) [lxxiii] .

Retoma-se a seguir este tópico, centrando a análise no fundamento da eficácia erga omnes das restrições. A questão da eficácia real da cláusula de preferência será tratada à parte (4.5, e § 2, 2).

4. A questão do fundamento da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas

4.1 Da análise da literatura jurídica portuguesa, extraem-se os seguintes argumentos a favor deste tipo de eficácia:

1.º Trata-se de cláusulas previstas por lei (e pode acrescentar-se que a previsão legal seria desnecessária se as cláusulas tivessem eficácia meramente obrigacional) e publicadas no registo comercial (supra, 1.2); 2.º Trata-se de cláusulas da escritura de constituição de sociedade, que produzem efeitos face a terceiros com o registo (supra, 1.2); 3.º O fim das cláusulas (previstas por lei) é sobretudo evitar (ou controlar) mudanças subjetivas da sociedade – que só é atingido tendo elas este tipo de eficácia (supra, 1.3; cf. 3.1); 4.º Trata-se de uma definição estatutária de uma característica das ações (supra, 2.1), não se um simples vínculo exterior às mesmas; 5.º (Pelo menos no caso da quotas) trata-se de uma cessão de posição contratual – que a lei submeteu a um regime especial supletivo, mas podendo os interessados repor contratualmente (no caso da cláusula de consentimento) o regime comum da cessão do contrato (cf. supra, 1.3); 6.º No caso da cláusula de preferência, o direito comum (artigo 421 C.C.) admite a eficácia real do direito de preferência convencional relativo a bens móveis sujeitos a registo (supra, 1.3 e 2.2) [lxxiv] .

4.2 No direito comparado, a questão do fundamento da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas tem tido, tal como acontece na literatura jurídica portuguesa, respostas da mais variada ordem [lxxv] , havendo, no entanto, uma espécie de denominador comum afirmado, embora laconicamente, por um importante setor da doutrina: as cláusulas beneficiam da eficácia erga omnes geralmente reconhecida aos estatutos legalmente publicados [lxxvi] .

Desenvolvendo esta ideia, creio poder afirmar que, para que uma restrição seja eficaz erga omnes, é necessária a verificação dos seguintes pressupostos: 1.º Que conste dos estatutos, isto é, da própria lei orgânica da sociedade – e não de um mero pacto exterior ao ato constitutivo da sociedade; 2.º Que tenha verdadeiramente natureza estatutária – isto é, que a sua inclusão nos estatutos não seja um mero expediente formal para pretender fazê-la beneficiar do efeito positivo da publicidade legal destes; 3.º Que tenha sido legalmente publicada como parte integrante dos estatutos [lxxvii] .

a) A restrição deve, em primeiro lugar, constar formalmente dos estatutos da sociedade, isto é, de uma cláusula destes. Os estatutos são a lei orgânica da sociedade, a sua lei fundamental (ou constituição privada), e parte integrante do seu ato constitutivo; são o conteúdo normativo deste. A ação (como bem ou como direito) é uma criação do direito societário (mais propriamente, do direito das sociedades por ações) e uma ação, em concreto, é uma criação do ato constitutivo de uma sociedade. A lei dota a ação de uma configuração típica, que se traduz, nomeadamente, no seu caráter de entidade transmissível. Esta transmissibilidade é uma qualidade essencial da ação (artigo 328.1, 1ª. parte). Mas a livre transmissibilidade é tão só uma sua qualidade natural, o que significa que a configuração das ações de uma sociedade como “bens” livremente transmissíveis ou como bens de circulação restrita é uma questão compreendida, na medida em que a lei o “concede”, no âmbito da autonomia privada – isto é, o ato constitutivo da sociedade, mais propriamente os estatutos, podem dotar as ações de uma lei de circulação restrita (artigo 328.1, 2.ª parte). As ações que foram criadas no uso desta autonomia são dotadas de uma qualidade que as distingue das ações tal como a lei as configura: são ações vinculadas ou de transmissibilidade restrita, isto é, a sua transmissão é, pelo menos e em princípio, inoponível à sociedade se não for respeitado o processo estatutário restritivo, ou seja, a sua própria lei de circulação. Com isto, o ato constitutivo da sociedade (integrado pelos estatutos) deixou de ser um mero ato que dá origem a um bem legalmente configurado e passou a ser ele próprio (em certa medida) um ato configurador, definindo a natureza da ação no que se refere à questão da transmissibilidade.

É este caráter configurador das ações que o ato constitutivo e os estatutos que o integram legalmente têm que essencialmente os distingue de um mero pacto restritivo externo – e justifica a sua eficácia face a terceiros, em confronto com a eficácia (pelo menos em princípio) meramente obrigacional deste último. Com efeito, como se disse acima (3.2e)), o primeiro define a própria natureza da ação e é natural que terceiros que venham a participar no seu tráfico jurídico se tenham que conformar com essa natureza. O segundo, pelo contrário, tem que respeitar a natureza da ação (definida pelo seu ato criador), não a pode modificar – tendo, por isso, um âmbito de eficácia meramente subjetivo e relativo: apenas obriga uma ou todas as partes contratantes a observarem determinado processo restritivo. Dada este diferente natureza, o primeiro é objeto de publicidade legal, enquanto o segundo o não é.

b) Mas não basta que a restrição decorra do ato juridicamente competente para definir o regime de ações, isto é, dos estatutos. É ainda necessário que, em concreto, a cláusula restritiva conste materialmente dos estatutos, seja uma verdadeira cláusula estatutária, e não uma cláusula de caráter meramente contratual inserida nos estatutos, porque uma cláusula deste tipo não pode beneficiar da eficácia e publicidade legal daqueles e, portanto, não é oponível a terceiros pelo simples facto da sua publicação. O princípio é este: uma cláusula restritiva é uma cláusula estatutária se e enquanto for uma cláusula de organização da sociedade. Se o legislador reconheceu expressamente a validade das cláusulas estatutárias restritivas é porque reconheceu que a circulação das ações, envolvendo terceiros, não é uma questão indiferente para a sociedade, mas uma questão diretamente ligada à sua organização enquanto associação de pessoas. E, se é omisso acerca da questão da sua eficácia, é porque partiu do pressuposto de que elas teriam a mesma eficácia que outras cláusulas estatutárias organizativo-funcionais (reguladoras de assuntos não meramente internos). Este ponto é decisivo para se determinar em que se traduz a eficácia erga omnes das cláusulas (cf. infra, § 2).

c) Mas não basta. Os estatutos, para serem oponíveis erga omnes, têm que estar legalmente publicitados. O ato constitutivo da sociedade contendo a cláusula restritiva deve estar inscrito no registo comercial. Uma vez efetuado este, ninguém pode, em princípio, invocar o desconhecimento da cláusula e, portanto, a lei de circulação das ações, ou seja, a lei segundo a qual estas circulam com eficácia face à sociedade [lxxviii] .

4.3 Pode, ainda, acrescentar-se que, no que se refere ao adquirente das ações, a tese da oponibilidade a este das cláusulas estatutárias restritivas está de acordo com os princípios gerais. Com efeito, o artigo 577.2 do C.C. (aplicável à cessão de direitos em geral por força do artigo 588 e, portanto, também à do direito de participação em que, segundo certas construções, a ação ou o direito sobre ela se consubstanciam) reconhece a eficácia de um pacto restritivo da cessão de um direito face ao cessionário se este tinha dele conhecimento ao tempo da cessão. E, pelo efeito positivo da publicidade legal dos estatutos, o conhecimento destes pelo adquirente das ações presume-se juris et de jure [lxxix] .

A solução também não muda se colocada a questão no domínio dos títulos de crédito. Na verdade, os títulos acionários são títulos de crédito causais, contendo per relationem todo o conteúdo do ato constitutivo a elas relativo. E o direito só se adquire com eficácia face ao “devedor cartular” se e enquanto forem respeitadas as condições definidas pelo título (cf. infra, § 3) [lxxx] .

4.4 Quanto ao argumento – utilizado para a cessão de quotas e para a cláusula de consentimento apenas – de que a eficácia erga omnes assentaria numa reposição do regime comum da cessão da posição contratual ou, mais em geral, resultaria do facto de a «cessão» de uma ação ser uma cessão do contrato, tem o mesmo, quando aplicado às ações, muitas fraquezas, embora possua autorizados defensores na doutrina estrangeira [lxxxi] . Com efeito, ele só valeria diretamente para a cláusula de consentimento, embora pudesse ser adaptado ao caso da cláusula de agrément imprópria. Como fundamentador da eficácia das cláusulas de preferência já não me parece utilizável.

Mas é um argumento não convincente. Na verdade, mesmo sem ir ao fundo da questão, cabe notar que aquela reposição, como demonstrou De Ferra [lxxxii] , não existe: a sociedade não dá o seu consentimento à saída do transmitente, mas à entrada do transmissário, como decorre do fim e do interesse protegido pelas cláusulas e, mais especificamente, do facto de que a transmissibilidade tem, nas sociedades de capitais, uma função especial: a de tornar possível a saída do sócio, que constitui um seu direito intangível (cf. supra, cap.1). Aliás, se fosse verdadeira tal reposição, a consequência da falta do consentimento do cedido não seria a mera inoponibilidade da «cessão» a este [lxxxiii] , inoponibilidade que é defendida, em geral, pelos autores que usam o argumento criticado (cf. infra, § 2).

Acresce uma outra objeção, decorrente da própria natureza das ações em confronto com as partes sociais e as quotas e, em geral, da configuração do fenómeno societário que ocorre numa sociedade anónima em confronto com o que se passa noutras sociedades. Na verdade, no âmbito da sociedade anónima a posição contratual dos sócios é uma posição derivada da titularidade das ações e estas são vistas pela lei com entidades objetivas e não como posições contratuais. Na sociedade anónima, o tráfico que existe é o destas entidades e não o das próprias posições contratuais dos sócios que se formam, modificam e extinguem em função do tráfico das ações [lxxxiv] .

4.5 Quanto ao argumento utilizado pela nossa doutrina para defender a eficácia real das cláusulas de preferência, e que dificilmente seria utilizável em matéria de ações, também me merece um breve reparo. Em primeiro lugar, em meu entender, apesar do que se prevên a respeito das quotas (art. 229.5), as cláusulas de preferência devem ter, pelo menos, uma eficácia jurídico-societária idêntica à das demais cláusulas restritivas (cf. infra, § 2), salvo porventura em relação às transmissões executivas, tanto mais que o legislador as prevê expressamente, juntamente com as demais.

Em segundo lugar, a sua eficácia real não me parece que deva depender de se poderem considerar as ações como bens móveis sujeitos a registo. A lei (artigo 421 C.C.) considera que, no caso dos móveis sujeitos a registo, o pacto de preferência é suscetível de ter eficácia real porque o direito de preferência convencional pode, neste caso, beneficiar da publicidade registal. E esta natureza do direito de preferência existe apesar de este resultar de um pacto regulador da circulação de um bem já existente que não está sujeito por natureza a um a lei de circulação restrita, isto é, apesar de ser um ato esporádico na vida do bem. De todo o modo, esta ideia é certa: o direito tem eficácia real porque a correspondente condição jurídica do bem resulta de um registo público. Mas, se isto é assim no caso de uma condição jurídica meramente ocasional de um bem, resultante de um pacto que, por ser meramente exterior, deixa intocada a sua natureza, porque não há de ter o mesmo efeito o próprio ato configurador da natureza das ações, que beneficia do mesmo efeito positivo da publicidade legal? E, na verdade, em Itália, onde os pactos de preferência têm natureza meramente obrigacional, a jurisprudência considera que a cláusula estatutária de preferência cria um verdadeiro direito com eficácia real, no que é seguida por alguma doutrina [lxxxv] .

4.6 Em conclusão: o fundamento da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas decorre (1º) da finalidade típica e (2º) da natureza estatutária destas, do facto de serem disposições definidoras da natureza da ação (como é juridicamente permitido e previsto) – e não pactos que intervêm externamente para regular a sua circulação mas não competentes para definir a sua natureza, sendo, portanto, pactos que limitam a faculdade de disposição dos sujeitos mas não atingem a natureza do objeto -, e (3º) do facto de os estatutos beneficiarem do efeito positivo da publicidade legal.

O que é oponível a terceiros é uma característica própria da ação (decorrente do seu “ato criador”) que se vai traduzir numa insuficiência de um ato (ou facto) translativo dessa ação para operar uma transmissão com eficácia face à sociedade.

§ 2 – Conteúdo e âmbito de eficácia das cláusulas restritivas e seu modo de operar

1. As cláusulas restritivas são legalmente incompatíveis com as ações ao portador, isto é (pelo menos), só são eficazes não tendo havido emissão de títulos ou quando estes forem nominativos (cf. arts. 299.2 b) e 328.2) [lxxxvi] . Importa aqui analisar o porquê desta compatibilidade das ações nominativas com uma lei de circulação restrita da participação acionária, deixando para um ulterior momento a análise das razões que estão na base da exclusão das ações ao portador (infra, § 3).

1.1 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas no Código Comercial de 1833 . a) Este Código – depois de, no artigo 544, estabelecer o princípio da divisão do fundo da companhia em ações e de prever que a ação revestisse a forma de título ao portador (operando-se a sua “cessão” por simples tradição do título) – dispunha no artigo 545: “sendo a propriedade da ação restrita a indivíduo, elaserá inscrita num livro da companhia; e a transferência, que tiver lugar, será lançada no mesmo livro, e assinada pelo cedente…; pena de ficar sem efeito a cessão”.

Este artigo realça na ação nominativa o seu caráter de ação pessoal, no sentido de não anónima, como a caracterizou Mossa [lxxxvii] , por um lado, e de ação registada, por outro [lxxxviii] – operando-se a sua transmissão com efeitos face à sociedade por um termo lavrado nos registos da sociedade e assinado pelo transmitente [lxxxix] . Esse termo significa a mudança de titularidade da ação, isto é, a eliminação do nome do anterior titular e a inscrição de novo, e é o modo legalmente reconhecido de operar a transmissão de ações nominativas com eficácia face à sociedade – o que confere a esta o “controlo” da circulação deste tipo de ações com eficácia plena e dá sentido ao seu caráter pessoal (ou nominativo).

Significativo é também o facto de a transmissão com eficácia face à sociedade ser apenas aquela que é realizada nos livros desta por termo assinado pelo transmitente, não se concebendo, portanto, uma “cessão” fora do livro da sociedade oponível a esta pelo cessionário, no sentido de este poder exigir a sua inscrição em substituição do cedente. Este facto levou Cunha Gonçalves a afirmar que, sem esse termo assinado pelo cedente, a “cessão” seria inválida e de nenhum efeito mesmo entre partes [xc] . É, porém, de crer que a “cessão” não feita na forma exigida pelo Código Comercial em apreço tivesse (pelo menos) eficácia obrigacional, segundo o direito comum, podendo, portanto, o cessionário obrigar o cedente a efetuar uma cessão segundo a lei comercial [xci] .

b) Como pode ver-se, no caso das ações nominativas, a lei é totalmente omissa sobre a existência de títulos (individuais), e pode mesmo dizer-se que estes, a existirem, nunca poderiam ter mais que uma função probatória ou certificadora da inscrição de alguém como acionista [xcii] , dado o modo legalmente previsto da sua transmissão. Seria, portanto, errado identificar a ação com tal “título”, mesmo dando a esta identificação o significado de que este título (nominativo) é a forma da ação nominativa, tal como o título ao portador o é para as ações ao portador. Na verdade, a ação ao portador (título ao portador) “contrapõe-se” à ação registada em nome de uma pessoa determinada (não titulada).

Na prática, porém, o título” adquiriu um papel de relevo, vindo a ser identificado com a própria ação, como de algum modo o revela o trecho que a seguir se transcreve da obra de Sampaio Pimentel. Este autor – depois de definir as ações nominativas como aquelas que “não só declaram o nome das pessoas a favor de quem são passadas mas ficam estas inscritasnos livros da companhia, e nos mesmos se inscrevem todas as que depois as houverem por transmissão, herança, contrato ou disposição de última vontade” – escreve: “(em confronto com as ações ao portador, que se transmitem pela “simples cessão, como o artigo 73 dispõe para todos os títulos ao portador”) a transmissão das ações nominativas regista-se ou averba-se no livro da inscrição dos acionistas, assinada a cedência pelo cedente…; elança nelas a declaração de transmissão, ou o – pertence em favor do cessionário, quem estiver autorizado pela companhia para esse fim, como prova de ser legalmente feita a cessão do título. Em falta destas solenidades fica sem efeito a cessão, diz o artigo p. fin., o que todavia deve entender-se… no sentido de não valer o título como ação da companhia…” (p. 238). Também o relatório do Governo [xciii] relativo à Lei das Sociedades Anónimas de 1867 (22 de junho) contém esta identificação da ação nominativa com o título: “o nosso C. Com. estatue que as ações podem ser exaradas em forma de títulos nominativos ou ao portador… [xciv] (p. 194).

É de notar, no entanto, que a forma legal de transmissão do título com eficácia face à sociedade consistia no termo de “cessão” acima referido, tendo o pertence no título um simples valor de prova de que fora feita essa transmissão, isto é, de que a pessoa indicada no título como beneficiário do pertence estava inscrita como sócia.

1.2 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas na Lei das sociedades anónimas de 1867 . O artigo 9.º desta lei dispunha: “A propriedade das ações nominativas transmite-se por todos os modos de cessão admitidos em direito, com sujeição às cláusulas especiais, que os interessados estipularem nos estatutos”. E o artigo 11.º dizia o seguinte: “Na sede da sociedade emitente haverá um registo especial de todos os acionistas, contendo: 1.º Os nomes dos primeiros subscritores…; 2.º As transferências ou transmissões de ações…”.

Segundo Cunha Gonçalves, o artigo 9.º desta lei deixou em vigor o artigo 545 do C. Com. de 1833 [xcv] . Sendo assim, as ações seriam transmitidas, entre as partes, por todos os modos de cessão admitidos em direito (abrangendo com este termo “cessão” todos os factos translativos de direitos [xcvi] ) e seriam transmitidas com eficácia face à sociedade lavrando no registo desta o competente termo de transmissão. O contrato social (ou estatutos [xcvii] ) podia, porém, “estabelecer e regular as condições necessárias para que a transmissão se verifi[casse] e se [pudesse] demonstrar” [xcviii] , como dizia o artigo 9.º. Cumpridas todas as condições legais e estatutárias, a direção da sociedade seria obrigada a lavrar aquele termo de registo, isto é, a averbar a transmissão. O averbamento era um ato devido por estar em causa o direito do acionista de dispor livremente do que é seu [xcix] . Observa Tavares de Medeiros: “se a administração não pode obstar à negociação do título, como não pode obstar à sucessão testamentária ou legítima, não pode também negar o averbamento” (p. 99). E também a autonomia estatutária para regular as condições da transmissão com eficácia face à sociedade era limitada. Como notou o mesmo autor, a cláusula proibitiva da alienação seria inadmissível, porque “ofensiva do direito de livre disposição da propriedade” [c] .

Não é inteiramente claro se naquelas condições especiais de transmissão se abrangiam, não só as condições de forma, mas também condições materiais, isto é, se as cláusulas restritivas da transmissibilidade das ações se incluíam na previsão do legislador. O relatório do governo é omisso sobre este ponto e não parece absolutamente seguro que Tavares de Medeiros, ao referir que a cláusula proibitiva da alienação seria ofensiva do direito de livre negociação, se tenha querido referir apenas às cláusulas de inalienabilidade absoluta. Seja como for, é pelo menos plausível uma interpretação da lei nesse sentido [ci] .

Outro ponto que suscita dúvidas é o relativo à natureza jurídica e ao modo de transmissão do título. Segundo Tavares de Medeiros, a sua “transferência opera[va]-se por meio de um endosso que se apresenta[va] à direção para esta fazer averbar a ação em favor do novo possuidor, lançando uma nota no respetivo registo” (p. 98). Este endosso tanto pode ser, no entanto, um ato de execução do negócio translativo como valer como declaração negocial do cedente; e a apresentação do título “endossado” parece ser um pressuposto do averbamento, pela sociedade, da transmissão. Mas se se exige, além da apresentação do título “endossado” pelo acionista, a declaração deste no registo da sociedade, que é o modo de transmitir a ação com eficácia face a esta, é porque o portador “endossado” do título não tem direito, face à sociedade, a que esta o inscreva como sócio. A sociedade só perante o cedente está obrigada a colaborar na transmissão, por virtude do direito que este tem de negociar as ações [cii] .

Admitindo que os estatutos podiam incluir cláusulas restritivas da livre transmissibilidade das ações, pelo menos nas transmissões entre vivos, a sua eficácia estaria sempre assegurada, mesmo entendendo que elas afetavam apenas o poder de disposição do alienante, não se pondo a questão da sua oponibilidade ao adquirente, portador do título. Com efeito, a transmissão inter partes não era oponível à sociedade. O modo de transmissão que era eficaz em relação a esta era aquele em que ela intervinha, cooperando com o alienante. Tudo se passava, portanto, nas relações entre este e a sociedade: o alienante podia exigir dela que cooperasse no exercício do seu direito de dispor das ações, mas com respeito pelos estatutos, que tanto vinculavam a sociedade como o vinculavam a ele enquanto acionista (membro daquela) [ciii] .

No que se refere à sucessão por morte, a oponibilidade das cláusulas ao sucessor foi defendida com o argumento de que este é um “ayant cause” do de cujus [civ] . Assim, aquele era o transmissário das ações, mas, face à sociedade, devia, na qualidade de “representante” do de cujus efetuar a transmissão “comercial” a seu favor, sendo-lhe, nessa altura, oponíveis as cláusulas estatutárias restritivas. O mesmo argumento poderia ser usado no caso de os credores pessoais do acionista pretenderem realizar o valor das ações. Estes seriam seus “ayant cause”, só podendo exigir da sociedade aquilo que o acionista também podia.

Finalmente, é de realçar que a inscrição como sócio de um adquirente das ações é um ato de administração e, por isso, um ato devido, uma vez observado o processo translativo estatutário. Ele deixa de ser um ato devido quando falta algum pressuposto, formal ou material, do exercício do direito de dispor das ações por parte do alienante. As cláusulas restritivas teriam, assim, como efeito introduzir, nesse processo, um pressuposto material do averbamento das transmissões de direito comum.

Em conclusão, no direito imediatamente anterior ao Código Comercial de 1888, a transmissão das ações operava-se inter partes nos termos gerais de direito. Esta transmissão abrangia o título, no qual, uma vez que se tratava de título nominativo, era lavrado um pertence a favor do transmissário. Do ponto de vista jurídico-societário, porém, a transmissão (com efeitos face à sociedade) operava-se segundo um modo translativo especial: lavrando no registo da sociedade um termo de transmissão assinado pelo transmitente.

O acionista tinha, em princípio, o direito de exigir da sociedade que esta colaborasse na realização da transmissão que poderíamos chamar de transmissão de direito societário (contrapondo-se à transmissão de direito comum). Admitidas, porém, restrições estatutárias à livre transmissibilidade das ações, aquele direito ficava condicionado por estas.

Nas transmissões entre vivos, a eficácia das cláusulas, mesmo que limitada às relações entre a sociedade e o acionista-alienante, ficava sem mais garantida, não se pondo a questão da sua eficácia face a terceiros.

Nas transmissões por morte, a transmissão de direito comum é um efeito de morte. Mas, para se tornar numa transmissão jurídico-societária, tinha aquele que representava o de cujus de requerer à sociedade o averbamento, só o podendo fazer, no entanto, nas condições em que este o poderia ter feito.

Também os credores pessoais só poderiam fazer penhorar a ação vinculada e fazê-la vender nos termos do direito comum. A transmissão jurídico-societária, que se operaria por declaração do funcionário do tribunal em “representação” do credor (“representante” do acionista) no registo da sociedade, era regida pelo direito societário e, portanto, a sociedade podia recusar-se a efetuá-la se não cumprisse as condições estatutárias.

1.3 Natureza e circulação das ações nominativas no Código Comercial de 1888. Neste Código, as ações nominativas são ações (ou unidades elementares de participação social) registadas, em nome de um titular determinado, no livro de registo detido para o efeito pela sociedade (cf. o artigo 168, 1.º e 3.º, e § 1.º) – e suscetíveis de serem representadas por títulos emitidos em nome de quem está inscrito como seu titular. Além de registadas, são ações pessoais [cv] , isto é, são criadas, registadas e tituladas em nome de uma pessoa determinada e a sua circulação dá-se também entre pessoas determinadas; não é uma circulação anónima, como a das ações representadas por títulos ao portador.

A representação primária deste tipo de ações é constituída pelo próprio registo. A inscrição de uma pessoa como titular da ação é o seu verdadeiro título de “propriedade” (cf. o § único do art. 168) [cvi] . A sua transmissão com eficácia jurídico-societária e erga omnes dá-se pela substituição do transmitente pelo adquirente no registo (§1.º do artigo 168). A ação registada em nome de uma pessoa é, no entanto, suscetível de ser também, por sua vez, representada por um título pessoal, emitido em nome da pessoa inscrita no registo. A emissão de títulos é um direito do acionista [cvii] . Estes títulos são considerados pela nossa doutrina como títulos de crédito nominativos [cviii] e, quando esta fala em ação título, é a estes títulos que se refere e não à ação simplesmente registada, sendo até frequente a identificação da ação nominativa com o próprio título [cix] . A verdadeira natureza e função destes títulos só se compreende, porém, tendo em conta que eles são títulos representativos de ações registadas e que o centro do sistema gizado pelo regime societário é constituído pelo registo [cx] . Na verdade, este não é – ao contrário do que aparece defendido noutras ordens jurídicas [cxi] – um mero instrumento ad legitimationem do adquirente do título, mas um instrumento de negociação ou transmissão comercial da ação (transmissão com eficácia face à sociedade e a terceiros; cf. o artigo 168, § 1.º [cxii] ).

a) O artigo 483 dispõe que “A transmissão dos títulos… não endossáveis… nem ao portador (se fará) nos termos prescritos no Código Civil para a cessão de créditos” . A nossa doutrina tem entendido que esta norma não se aplica à transmissão dos títulos representativos das ações nominativas (nem, em geral, à transmissão de títulos de crédito nominativos), devendo interpretar-se no sentido de que os títulos cuja lei de circulação não determina, remetendo para as regras da cessão, não são verdadeiros títulos de crédito ou títulos negociáveis, mas títulos impróprios. Na verdade, os títulos negociáveis circulam segundo a lei de circulação própria dos títulos de crédito e não segundo o direito comum da cessão de créditos. A lei de circulação dos títulos nominativos deveria antes extrair-se do artigo 168, § 1.º do C. Com., generalizando a norma nele contida [cxiii] . Teríamos, assim, que o modo de transmissão dos títulos ao portador é constituído pela tradição do título; o dos títulos à ordem, pela entrega do título endossado; e o dos títulos nominativos pela entrega do título “endossado” mais a inscrição no livro do emitente [cxiv] .

b) A discussão desta questão não cabe nos limites deste trabalho e a sua utilidade prática talvez não seja muito grande. Julgo, no entanto, que, pelo menos no que se refere aos títulos representativos de ações nominativas, não há nenhum obstáculo à aplicação da norma referida do artigo 483, sendo perfeitamente conciliável com o disposto no § 1.º do artigo 168. Para isso, é necessário distinguir dois momentos na transmissão do título. O primeiro consiste na transmissão deste inter partes e para efeito de legitimar o seu adquirente a requerer à sociedade a sua inscrição como sócio em lugar do transmitente [cxv] . O segundo consiste na execução desse pedido pela sociedade, isto é, na transcrição da transmissão do título no registo. A lei de circulação do título que faz com que à sua transmissão se aplique (eventualmente) o regime dos títulos de crédito é constituída pelos dois momentos, como, aliás, a nossa doutrina reconhece [cxvi] .

A questão da aplicação ou não do artigo 483 é outra. Consiste em saber se, à simples transmissão do título inter partes e legitimadora do adquirente perante a sociedade para o efeito da sua inscrição como sócio também se aplicam as regras dos títulos de crédito ou se se aplicam as regras gerais da cessão de direitos. E do artigo 483 resulta que, se a sociedade não configurou o título (representativo das ações nominativas) como um título à ordem, isto é, transmissível por endosso para efeitos de legitimação do adquirente que pretende ser inscrito como sócio em lugar do transmitente, a essa transmissão aplicam-se as regras da cessão. Temos, assim, que a transmissão das ações nominativas e do título respetivo se opera, inter partes , solo consensu [cxvii] , por qualquer ato translativo de direitos, podendo essa transmissão estar documentada no título – como normalmente acontece – ou constar de qualquer outro documento [cxviii] . O transmissário está legitimado perante a sociedade a requerer a sua inscrição como sócio quando for portador do título contendo pertence a seu favor, assinado pelo transmitente – inscrito como sócio –, ou, salvo cláusula estatutária em contrário, quando for portador do título e de documento de transmissão [cxix] . E a cessão é eficaz face à sociedade quando lhe for notificada para a inscrição do adquirente como sócio ou for por esta aceite (artigo 583 C.C.; cf. o artigo 789 do C. C. de 1867 [cxx] ). É, no entanto, necessária uma notificação em devida forma, isto é, acompanhada de prova de que o adquirente está legitimado para requerer a sua inscrição como sócio. A apresentação deste munido dessa prova perante a sociedade equivale, naturalmente, à notificação.

Em suma, a transmissão do título dá-se entre as partes nos termos gerais de direito e, uma vez regularmente efetuada e devidamente notificada à sociedade, torna-se tambémeficaz face a esta para efeitos da sua anotação ou averbamento no livro das ações. E, como o sócio transmitente tem em regra o direito de dispor das suas ações com eficácia face à sociedade, uma vez observada a sua lei de circulação, esta deve proceder a esse averbamento, substituindo, no registo, o transmitente pelo transmissário [cxxi] .

c) Uma vez notificada a sociedade de uma transmissão da ação nominativa, segundo as regras gerais, a sua eficácia ainda não é plena ou absoluta; a notificação nos termos expostos importa apenas, para a sociedade, a obrigação de proceder ao seu averbamento. Com efeito, e como resulta do facto de a ação nominativa ser uma ação registada, aquilo a que poderíamos chamar a transmissão comercial ou negociação da ação só se dá com o averbamento da transmissão de direito comum no livro das ações, isto é, com a anulação da inscrição do transmitente e a realização de uma nova inscrição, do transmissário. E só esta transmissão é eficaz face a terceiros e face à sociedade – para efeitos do reconhecimento do transmissário como sócio (artigo 168, § 1.º) – ficando, ainda, sujeita ao regime dos títulos de crédito.

d) Em conclusão, no meu entender, partindo do pressuposto doutrinal de que as ações nominativas são títulos de crédito nominativos, da conjugação dos artigos 483 – contendo a regra geral de que tais títulos se transmitem com eficácia face ao emitente por cessão a este notificada – e 168 § 1.º - dispondo que a transmissão com eficácia face à sociedade e a terceiros só se dá com o seu averbamento no livro de registo das ações – resulta que a transmissão das ações nominativas se opera, entre as partes e com eficácia face à sociedade para efeitos do seu averbamento, segundo o direito comum da cessão. E a sua eficácia face a terceiros e face à sociedade para efeitos do reconhecimento do transmissário como sócio resulta do averbamento no livro das ações. Até aqui, embora enquadrando diferentemente a questão, creio chegar, substancialmente, ao mesmo resultado da doutrina dominante.

e) Os resultados já poderão ser diferentes no que se refere à questão dos pressupostos (formais) de que depende o direito do adquirente à inscrição no livro das ações e à questão da natureza deste direito. Quanto à primeira questão, creio haver concordância num ponto: a apresentação do título pelo adquirente e uma transmissão documentada da ação são necessárias. Na verdade, o título é representativo de uma ação registada em nome de uma pessoa determinada, fazendo prova da situação registal. Se há uma transmissão que vem a ser registada em nome de outra pessoa, o título deverá refletir a nova situação registal, pelo que, das duas uma: ou isso já acontece ao tempo do registo – porque já contém lavrado o pertence assinado pelo anterior titular, ou terá a sociedade que lavrar ela própria esse pertence. Em qualquer dos casos, a apresentação do título à sociedade é necessária.

Mas, se à transmissão do título para efeitos de registo se aplicam as regras da cessão de créditos, a sociedade é obrigada a averbar a cessão desde que lhe seja apresentado o título e o documento da cessão [cxxii] . Não se aplicando as regras da cessão de direitos, parece que a alternativa será aplicar o regime dos títulos de crédito, considerando que o único modo de transmissão do título oponível à sociedade (para efeitos de registo) consistirá na entrega ao adquirente do título com o pertence a favor deste assinado pelo transmitente. A disposição da ação teria, assim, que decorrer do próprio título.

Quanto à segunda questão, aplicando-se as regras da cessão, o direito do adquirente a ser registado é um direito “derivado”, isto é, existe se e na medida em que o transmitente podia legal e estatutariamente dispor da ação na forma em que o fez. Neste caso, a eficácia das cláusulas restritivas não encontra nenhum obstáculo. A sociedade pode opor ao adquirente do título uma exceção nos termos gerais, tendo em conta o efeito positivo da publicidade do registo do ato constitutivo da sociedade (e dos estatutos).

Aplicando-se o regime dos títulos de crédito, o adquirente do título seria titular de um direito autónomo a ser inscrito. Mas também neste caso a eficácia das cláusulas não deve sofrer contestação. O título é o título causal, devendo o seu teor literal ser integrado per relationem com tudo aquilo que resulta da sua causa. Assim, a sociedade pode opor ao seu titular quaisquer exceções resultantes do negócio causal, porque elas consideram-se como fundadas no próprio título [cxxiii] .

f) De quanto fica dito extrai-se que a transmissão das ações nominativas, no Código Comercial, requeria, para ser eficaz face a terceiros e face à sociedade, no sentido de uma aquisição ou oponibilidade a esta (e por esta) da aquisição da qualidade de sócio, a cooperação da própria sociedade, inscrevendo o adquirente no registo de ações. Essa cooperação é, em princípio, um ato devido, dada a natureza legalmente transmissível da ação com eficácia face à sociedade. Mas, do mesmo modo que esse caráter devido resulta da natureza livremente transmissível da ação tal como é tipicamente configurada, também resulta da sua (eventual) natureza vinculada que a sua transmissão só é oponível à sociedade uma vez observado determinado condicionalismo restritivo e, portanto, ela não é obrigada a colaborar, podendo recusar a inscrição do transmissário como sócio.

As restrições são compatíveis com as ações nominativas porque se destinam a impedir a eficácia da transmissão das ações em relação à sociedade no sentido da transmissão de uma “entidade” que confere ao seu titular a qualidade de sócio. Caracterizando-se as ações nominativas essencialmente por serem ações registadas, a sua transmissão com eficácia plena apenas ocorre com a inscrição do adquirente no registo das ações em substituição do transmitente. Sendo essa inscrição um ato da sociedade, esta tem a possibilidade de controlo das transmissões, podendo impedir – recusando o registo ao adquirente das ações segundo o direito comum (ou o direito dos títulos de crédito) – a consumação de uma transmissão que seja em relação a ela plenamente eficaz (isto é, uma transmissão com alteração da qualidade de sócio e legitimadora) [cxxiv] .

1.4 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas no CSC e no DL408/82 . Como se disse no início deste ponto, o legislador apenas considerou as ações nominativas, não as ações ao portador, como compatíveis com uma lei de circulação restrita (arts. 299.2b) e 328.2). Por seu turno, o artigo 305.4h) dispõe que “do livro deregisto das ações constarão: As transmissões das ações nominativas, bem como as das ações ao portador, sujeitas ao regime de registo” [cxxv] .

E, quanto à transmissão das ações nominativas, dispõe o artigo 326.1 que estas se transmitem entre vivos “por declaração do transmitente escrita no título e pelo pertence lavrado no mesmo e averbamento no livro de ações da sociedade por esta efetuados”. As ações consideram-se transmitidas, segundo o n.º 5 do mesmo artigo, na data deste averbamento, salvo se tiver sido indevidamente retardado pela sociedade, caso em que se considerará a transmissão efetuada no 5.º da a seguir à apresentação do título à sociedade [cxxvi] .

a) Daqui resulta que a transmissão de ações com eficácia face à sociedade, para efeitos de registo ou averbamento, deve estar, no caso de transmissões entre vivos, documentada no título, sendo ineficaz face à sociedade qualquer outro modo de transmissão das ações. O averbamento é, em princípio, um ato devido.

Para além da declaração do transmitente, é ainda lavrado no título, pela sociedade que procede ao averbamento daquela, um pertence a favor do adquirente, o que parece só ter sentido se for acompanhado do averbamento, passando a “certificar” a inscrição do seu beneficiário como sócio no registo [cxxvii] .

De resto, não é claro o significado deste pertence e o do averbamento. Em princípio, a simples transmissão do título afigura-se ineficaz face à sociedade – no sentido de que o transmissário não pode opor a esta a condição de sócio correspondente às ações adquiridas sem estar munido de título do qual conste que ele lhe pertence e sem estar inscrito como sócio no registo. Mas qual o sentido do artigo 326.5? Pode haver uma transmissão eficaz sem o averbamento? Ou esta disposição pressupõe que o averbamento se deu, embora com atraso? Por outro lado, a transmissão do título ainda não registada é eficaz erga omnes, sendo o pertence e o averbamento apenas condições de legitimação?

b) A situação ainda se torna mais confusa, porque este regime do CSC tem que ser conjugado com outras disposições do mesmo e, sobretudo, com legislação extravagante. Na verdade, importa ter presente que as ações nominativas são ações sujeitas ao regime de registo ou depósito regulado nos artigos 330ss do Código e no DL 408/82, de 29 de setembro (artigo 5.º do DL 262/86, de 2 de setembro, e artigo 331.1 Código das Sociedades), sendo o regime o de registo se o titular das ações requerer que lhe sejam entregues títulos individuais (artigo 5.2 do DL 408/82) [cxxviii] . (Este facto coloca, aliás, outra questão: as ações vinculadas têm que ser ações nominativas sujeitas ao regime de registo ou podem também estar sujeitos ao regime de depósito (que é, aliás, o regime regra, cf. o artigo 5.º.1, do DL 408/82)? Cf. infra).

Segundo o artigo 4.º.1 do DL 408/82, a titularidade, os direitos, ónus, etc., sobre ações sujeitas ao regime de registo ou depósito só produzem efeitos se as ações estiverem registadas ou depositadas, isto é, a titularidade das ações prova-se pelo registo ou depósito: é considerado titular quem o é efetivamente e esteja registado como tal ou tenha as ações depositadas em seu nome. E o n.º 3 acrescenta que os efeitos das transmissões ou da constituição de direitos se produzirão a partir da data da transmissão ou constituição dos direitos, mas só tendo sido efetuado o registo ou depósito é que os efeitos se produzem, ou seja, a inscrição ou depósito a favor do transmissário é condição de eficácia da transmissão. Esta inscrição (no caso das ações registadas) consiste no averbamento a que se refere o artigo 326.1 (artigo 336.2).

Considerando por agora apenas as ações nominativas sujeitas a registo, e conjugando as disposições do Código das Sociedades (artigos 326 e 336) com o artigo 4.º do DL 408/82, conclui-se que, embora as formalidades a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 326 possam ser consideradas como formalidades ad legimationem do adquirente das ações, a transmissão só tem eficácia face a terceiros e (parece) mesmo entre as partes se for efetuado o seu averbamento (ou “registo”).

c) Resulta daqui que a cooperação da sociedade é necessária para que a transmissão, operada na forma estipulada no Código das Sociedades e no DL 408/82, produza efeitos – sendo absolutamente ineficaz sem o averbamento (registo) do transmissário [cxxix] .

d) E podem as ações vinculadas estar sujeitas ao regime de depósito? O artigo 336.1 Código das Sociedades estatui que o disposto quanto ao registo e depósito de ações não dispensa as formalidades de transmissão previstas no artigo 326.1. Resulta, porém, do artigo 5.º do DL 408/82 que o titular de ações em depósito não é portador do título a que se refere o artigo 326.1, transmitindo-se estas por transferência da instituição depositária ordenada pelo titular (artigo 27 do DL 408/82).

No caso das ações registadas, como resulta dos artigos 330.1 e 336.2, o registo é efetuado no livro de registo das ações, sendo único [cxxx] , embora o processo translativo seja regulado simultaneamente pelo Código das Sociedades (artigo 326) e pelo DL 408/82 (artigos 22ss, cf. o artigo 7 e, ainda, o artigo 334 do Código das Sociedades). Tratando-se, porém, de ações depositadas, devem as transmissões destas ser também averbadas no livro de registo das ações para serem eficazes face à sociedade? A letra do artigo 305.4h) e o artigo 336.1 parecem sugeri-lo. Neste caso, a sociedade terá um “controlo” sobre as transmissões (no sentido acima referido). Se, porém, a resposta à questão for a inversa, ela não interfere no processo translativo das ações, podendo o depositário adquirente opor-lhe a sua titularidade das ações e, portanto, a sua condição de sócio.

e) Em conclusão, pode dizer-se que a transmissão das ações nominativas registadas não produz efeitos sem a cooperação da sociedade e sem essa cooperação é mesmo absolutamente ineficaz.

Tratando-se de ações nominativas depositadas, se se considerar que o depósito vem apenas acrescer à natureza da ação nominativa considerada como uma ação registada no sentido acima visto, a cooperação da sociedade é ainda necessária para que a aquisição da qualidade de sócio (ou o reforço da posição que já se tem) lhe seja oponível. Sem ela, a transmissão é relativamente ineficaz. Caso se deva considerar que o depósito substitui o tradicional registo das ações nominativas (o que não me parece dever ser a solução), a sociedade deixará de ter um controlo sobre as transmissões das ações com eficácia em relação a si e surgirá a questão de saber se as ações nominativas sujeitas ao regime de depósito podem ser ações vinculadas, uma vez que se aceite a explicação geralmente dada pela doutrina para o facto de os legisladores só preverem a possibilidade de restringir a circulação das ações nominativas, isto é, que estas, diferentemente do que sucede com as ações ao portador, pela sua lei de circulação, permitem um controlo pela sociedade da eficácia em relação a si dessa circulação.

2. Alcance e modo de operar das cláusulas restritivas. Condição jurídica da transmissão que não as respeite

Uma vez esclarecido que as cláusulas restritivas são conciliáveis com a lei de circulação das ações nominativas, dado que esta envolve uma intervenção mais ou menos importante da sociedade, importa ver como operam elas em concreto; em que medida afetam a transmissão.

2.1 O Código das Sociedades é omisso sobre este ponto. No direito anterior, também não havia qualquer disposição sobre a matéria, uma vez que toda a problemática das cláusulas era ignorada pelo legislador.

No direito comparado [cxxxi] , as soluções variam. Assim, no direito alemão (onde apenas é admitida a cláusula de consentimento – § 68 AktG), a transmissão de ação vinculada sem o consentimento da sociedade é, segundo o entendimento dominante, embora não incontestado, absolutamente ineficaz. No direito suíço, havendo emissão de títulos, a transmissão destes é eficaz, mas inoponível à sociedade para efeitos da inscrição dos adquirentes como sócios e do seu reconhecimento pelo menos como titulares dos direitos administrativos [cxxxii] . No direito italiano, segundo a jurisprudência e a doutrina dominantes, a transmissão é inoponível à sociedade, que pode recusar o registo do adquirente como sócio e, portanto, negar-lhe a legitimação para o exercício dos direitos sociais. Em qualquer destes direitos, o registo das ações é um mero instrumento de legitimação para o exercício dos direitos sociais.

No direito francês, o registo é condição de eficácia das transmissões face a terceiros e face à sociedade, pelo que, embora podendo ser a transmissão válida e eficaz entre as partes, poderá não ser registada pela sociedade e, portanto, ser ineficaz face a terceiros e face a esta. No direito espanhol, a resposta a esta questão depende da natureza do registo, isto é, da questão de saber se é um mero instrumento legitimador ou se tem o significado que lhe é atribuído no direito francês. No primeiro caso, as cláusulas afetarão a aquisição da legitimação pelo adquirente das ações. No segundo caso, afetarão também a eficácia face a terceiros.

2.2 No nosso direito anterior, em face do C. Com., que, como se referiu, não se ocupou especificamente do assunto, a solução parece que deveria ser a da inoponibilidade da transmissão à sociedade, podendo esta recusar o seu averbamento e, consequentemente, a sua eficácia face a terceiros e face a ela própria quanto à aquisição da qualidade de sócio (ou reforço da posição atual) e, portanto, também quanto à legitimação para o exercício dos direitos sociais. No que se refere às sociedades por quotas, defendeu Raúl Ventura a solução da (mera) inoponibilidade da cessão à sociedade quando o processo estatutário restritivo não tivesse sido observado [cxxxiii] e esta doutrina ficou consagrada no atual Código das Sociedades (artigo 228.2).

2.3 Também se orientava neste sentido da ineficácia relativa da transmissão de ações com violação do processo estatutário restritivo o projeto Vaz Serra relativo às ações (artigo 35.1 [cxxxiv] ).

As razões desta solução da simples ineficácia relativa são de variada ordem. Umas prendem-se com a própria razão de ser das cláusulas, com o interesse protegido por estas – e, ainda, com o fundamento da sua eficácia erga omnes. Com efeito, por um lado, elas contêm normas de organização da sociedade e é enquanto disposições desta natureza que elas são eficazes face a terceiros. Por outro lado, o interesse protegido pelas mesmas (essencialmente, evitar uma livre alteração da composição pessoal da sociedade, no que se refere a quem entra para ela) não requereria mais que a mera ineficácia da transmissão em relação à sociedade no que respeita à aquisição da qualidade de sócio (ou ao reforço da posição de sócio do adquirente), sendo a transmissão das ações em si, abstraindo desse aspeto, para ela res inter alios ata. Trata-se, na verdade, de normas de direito societário, não de direito comum.

No direito suíço, pesou sobretudo a ideia de que a livre circulação dos títulos de crédito é imposta pela natureza destes. No direito alemão, pelo contrário, vingou a tese da ineficácia absoluta da transmissão por se considerar que a realização do fim das cláusulas pode ficar comprometida com a solução da ineficácia relativa, além de esta trazer consequências a nível societário consideradas “insustentáveis”.

É, no entanto, de ver que a inoponibilidade da transmissão à sociedade tem como consequência direta a transformação do ato de averbamento de ato devido em ato não devido, podendo, portanto, a sociedade, legitimamente, recusar-se a efetuá-lo. Daqui resulta que a ineficácia só será meramente relativa à sociedade se o registo for um simples instrumento ad legitimationem e/ou de aquisição da qualidade de sócio enquanto algo separável da titularidade das ações. Com efeito, se o registo for também condição de eficácia da transmissão (e da titularidade das ações) face a terceiros, a inoponibilidade da transmissão à sociedade vem a traduzir-se na sua mera eficácia inter partes (se tal corresponder à vontade destas). Esta é a situação que se verifica no direito francês e era também, segundo penso, a que se verificava no nosso anterior direito, em face do C. Com. (cf. supra, 2.2).

2.4 O Código das Sociedades é omisso sobre esta questão, como já se disse. Não creio, porém, que os argumentos histórico (a disposição do projeto Vaz Serra não passou para o Código) e sistemático (o legislador quando quis atribuir à cláusula a produção de uma simples ineficácia relativa da transmissão disse-o expressamente, como acontece nas sociedades por quotas) tenham neste caso grande valor em favor da ineficácia absoluta da transmissão. Trata-se, com efeito, de argumentos meramente formais, e o segundo pode mesmo ser utilizado para defender a solução contrária, isto é, a da mera inoponibilidade da transmissão “irregular” de ações vinculadas por analogia com o disposto para as sociedades por quotas. Maior peso têm, com efeito, as razões referidas na alínea anterior em favor da mera inoponibilidade à sociedade da transmissão («rectius», mera ineficácia em relação a ela).

Creio, na verdade, que uma transmissão de ações vinculadas que viole o condicionalismo estatutário restritivo é inoponível à sociedade, não sendo esta obrigada a averbá-la no livro de ações. As cláusulas estatutárias (como disposições contendo normas de organização societária) só são eficazes, salvo disposição legal em contrário, enquanto regularem as relações jurídicas em que a sociedade seja parte e na medida em que o interesse desta (que as cláusulas visam proteger) seja afetado. Caso contrário, elas teriam um âmbito de eficácia excessivo relativamente ao fim que as justifica, e não corresponderiam, com esse âmbito, a um interesse digno de tutela.

Essa inoponibilidade tem como consequência que a sociedade não é obrigada a averbar a transmissão acordada entre as partes. E daqui resulta que o alcance da ineficácia da transmissão se mede pelo significado que tem esse averbamento.

Atendendo apenas aos artigos 305 e 326.1 do Código e levando em conta quer o artigo 483 C. Com. quer as novas regras da cessão de créditos e direitos em geral (não absolutos) (arts. 577 ss C.C.), esse significado tanto pode ser o da mera legitimação para o exercício dos direitos sociais, como o de um requisito de aquisição da qualidade de sócio inerente às ações transmitidas [cxxxv] . O que seria compatível com a ineficácia de uma transmissão não registada apenas face à sociedade.

Porém, já se viu que, em face do DL 408/82 e dos artigos 330 ss do Código (cf., em especial, os arts. 331, 336 e 339), tratando-se de ações nominativas registadas, a falta de averbamento tem como consequência a ineficácia absoluta da transmissão. Apenas tratando-se de ações nominativas depositadas a situação poderá ser diferente, se se entender que a falta de averbamento (se é que este é exigido) acarreta, como parece, a mera ineficácia da transmissão face à sociedade, não podendo o transmissário, apesar de estar em condições de provar a sua titularidade segundo o disposto no DL 408/82 (artigo 4.1 e 3), exercer os seus direitos sociais [cxxxvi] ou fazer-se reconhecer como sócio.

2.5 A cláusula de preferência merece uma referência especial. A primeira ideia a reter é esta: no meu entender, a transmissão de uma ação com uma lei de circulação limitada não é oponível à sociedade, para efeitos do seu averbamento (e da inscrição do pertence no título), se o processo estatutário restritivo não tiver sido observado; isto quer se trate de uma cláusula agrément imprópria (art. 328.2 c)), de uma cláusula de consentimento (art. 328.2a)), de uma cláusula de preferência (art. 328.2b)) ou de uma cláusula de preempção (preferência imprópria), se se entender que esta cabe na alínea b) do artigo 328.2. Trata-se da eficácia jurídico-societária das cláusulas, se assim me posso exprimir, contrapondo-a a uma eventual eficácia de direito comum (obrigacional ou real). Este tipo de eficácia estatutária ou jurídico-societária tem-no, portanto, a própria cláusula de preferência, mesmo no silêncio do contrato social [cxxxvii] .

Questão mais delicada é a de saber se, independentemente dessa eficácia jurídico-societária, a cláusula tem ou não eficácia real, no sentido de atribuir aos titulares do direito de preferência (acionistas) um direito de fazer suas as ações transmitidas “irregularmente”. No direito comparado, este tipo de eficácia tem poucos defensores. Defendem-na Angeloni, Galgano e Ferri [cxxxviii] . E parece ser esta também a posição da jurisprudência italiana [cxxxix] . Entre nós, pronunciou-se em sentido negativo Brito Correia [cxl] e, relativamente às quotas, defendeu a solução afirmativa Raúl Ventura [cxli] , mas esta solução assenta em dois pressupostos, um dos quais não se verifica no caso das ações. São eles o de que as quotas são móveis sujeitos a registo (o que não acontece com as ações, como observa Brito Correia) e o de que registo do pacto social inclui, por definição, o registo do direito de preferência. Raúl Ventura acrescenta um terceiro requisito: o de que a eficácia real tenha sido expressamente convencionada, como dispõe o artigo 421 C.C.

Quanto a este último requisito, uma vez admitido que a cláusula de preferência com eficácia real corresponde tipicamente a um interesse da sociedade digno de proteção legal e tendo em consideração que ela tem uma natureza diferente da de um mero pacto de preferência (cf. supra), não me parece que ele seja de exigir.

No que toca ao requisito da natureza do objeto sobre que recai o direito de preferência, também não me parece que ele funcione como um pressuposto necessário da eficácia real da cláusula de preferência, porque, apesar de as ações não serem móveis sujeitos a registo, quando existe uma cláusula estatutária de preferência, ficam por natureza oneradas com um direito de preferência ao qual é dada uma publicidade equiparável àquela que justificou a atribuição ao pacto de preferência de direito comum de eficácia real (cf. supra, § 1). Na verdade, a questão só é análoga à que se pôs ao legislador civil, ao definir o regime do pacto de preferência, quando se tratar de um pacto de preferência extraestatutário. No caso das cláusulas estatutárias, o que importa é saber se a lei de circulação das ações por elas definida é ou não oponível erga omnes; e, tratando-se de cláusula de preferência, há que perguntar se uma preferência com eficácia real a favor dos acionistas é o meio idóneo para prosseguir o fim da restrição, se a respetiva cláusula assim configurada contém essencialmente uma norma de organização societária, ou se, pelo contrário, é um meio excessivo e/ou inadequado em relação ao fim.

Mas, no caso do Código das Sociedades, o legislador resolveu diretamente o problema, ao prever de forma expressa que os estatutos (ou o contrato social de que estes fazem parte integrante [cxlii] ) podem estabelecer um direito de preferência a favor dos acionistas restantes (art. 328.2b)). Na verdade, por um lado, se se tratasse de uma mera preferência obrigacional, nem esta disposição nem o analisado artigo 328.4 teriam sentido útil, face ao regime comum do pacto de preferência. Por outro lado, a acima referida eficácia jurídico-societária da cláusula não vale para as transmissões forçadas, como pode retirar-se, por identidade de razão, do artigo 328.5. Resta, portanto, a sua eficácia real, que é, aliás, a única compatível com este artigo 328.5, uma vez que o pacto de preferência meramente obrigacional vincularia apenas o titular das ações, sendo ineficaz no caso de venda forçada (cf. também o artigo 313.1b) e, a respeito das quotas, o art. 239.5).

Em conclusão : o direito de preferência estatutário tem, sem necessidade de mais requisitos, eficácia real, quer porque, embora implicitamente, a própria lei o considera dotado de semelhante eficácia [cxliii] , sendo desse modo que ele cumpre a função de controlo que tipicamente o justifica, quer porque se trata de uma oneração inerente à própria natureza da ação tal como ela resulta dos estatutos publicados [cxliv] .

2.6 Uma última questão se levanta, ainda, relacionada com a cláusula de preferência. Deverá compreender-se na alínea b) do artigo 328.2 a chamada cláusula de preempção ou cláusula de preferência imprópria?

Já se disse no número anterior que a doutrina não reconhece, em geral, eficácia real às cláusulas de preferência, no sentido da atribuição aos titulares do direito de fazerem suas as ações transmitidas com violação das mesmas. Pois bem, os poucos autores favoráveis a essa eficácia real só se referem à cláusula de preferência propriamente dita [cxlv] . E pode, na verdade, considerar-se injustificado o exercício de um direito de “preempção” ou de “resgate” das ações por preço (possivelmente) inferior ao acordado entre as partes do contrato translativo oneroso, ou no caso de alienação a título gratuito (pelo menos se o valor a pagar for inferior ao real) [cxlvi] .

Pode, é certo, contra-argumentar-se que a intenção do legislador português parece ter sido no sentido de abranger na alínea b) do n.º 2 do artigo 328 a cláusula de preferência imprópria. Com efeito, esta disposição reproduz, ipsis verbis, o artigo 33.2b) do projeto Vaz Serra [cxlvii] . E este autor, pelas fontes em que se inspira, parece admitir tanto a cláusula de preferência propriamente dita, como a cláusula de preferência imprópria ou de preempção [cxlviii] .

E também Raul Ventura entende poder haver uma cláusula de preferência imprópria com eficácia real, e ser possível até a sua aplicação às transmissões gratuitas, considerando que tal é possível igualmente no pacto de preferência de direito comum [cxlix] , o que pode significar refletir o artigo 328.2 b) uma adesão sua, enquanto autor do Anteprojeto de Código das Sociedades, ao pensamento de Vaz Serra (cf. o artigo 316.2b), do projeto governamental deste Código de 1983).

Estes argumentos favoráveis à eficácia real das preferências impróprias têm, no entanto, um valor relativo. Não me parece, antes de mais, que se possa retirar grande argumento da letra da lei, que fala em alienação, já que se mostra plausível a utilização do termo para referir as transmissões sujeitas a uma preferência propriamente dita, sem intenção de ir além disso [cl] .

Em segundo lugar, não me parece que se justifique a atribuição de um direito de preferência com o preço pré-fixado e aplicando-se, ainda, às alienações a título gratuito -, tanto mais que, do ponto de vista do interesse da sociedade, um resultado equivalente pode porventura conseguir-se com uma cláusula de consentimento (cfr. os arts. 328.2 a) e 329); e se tal for inviável o mesmo deve valer no presente contexto (cfr. infra). Podendo acrescentar-se que não se afigura poder o pacto de preferência previsto no Código Civil abranger as próprias transmissões gratuitas ou a possibilidade, em geral, de atribuir um direito de preferência cujo exercício não respeite as condições acordadas entre o alienante e o adquirente.

Em terceiro lugar, a admitir-se a tese contrária, deveria aplicar-se, creio, por analogia, o artigo 329.3c). Mas esta disposição, lida literalmente, na sua primeira parte, pode servir também como argumento a favor da tese de que só um direito de preferência propriamente dito está previsto no artigo 328.2b).

Em quarto lugar, o artigo 328.1 claramente revela que as limitações são excecionais [cli] , devendo as disposições legais que as preveem, em princípio, ser estritamente interpretadas, tal como sucede com as próprias cláusulas estatutárias [clii] . Como escreveu Vaz Serra, só quando haja ponderosas razões de interesse da sociedade se justifica uma limitação ao princípio da livre disposição das ações [cliii] . Ora, se a afirmação de um direito de preferência em sentido próprio – dando, não simplesmente à sociedade uma arma de defesa, mas aos titulares do direito de preferência uma arma de ataque – já parece um meio excessivo relativamente ao fim que o justifica (e, por isso, ele não é reconhecido pela quase totalidade da doutrina), muito mais injustificado é o chamado direito preempção ou preferência imprópria.

3. Âmbito de aplicação, ou âmbito (objetivo) de eficácia das cláusulas restritivas. – Eficácia das cláusulas e transmissões legais. Eficácia das cláusulas e constituição de penhor e de usufruto.

3.1 Cláusulas restritivas e transmissão forçada

É controversa, no direito comparado, a eficácia das cláusulas restritivas no âmbito do processo executivo ou de liquidação de patrimónios [cliv] . O código das Sociedades resolveu diretamente a questão, dispondo no nº 5 do artigo 328 que apenas a cláusula de preferência é eficaz. O Código difere, quanto a este ponto, do projeto Vaz Serra, que atribuía à sociedade, no artigo 33.7, a faculdade de apresentar um outro adquirente das ações, no prazo de 10 dias a contar da adjudicação, disposto a adquirir as ações pelo mesmo preço por que tivessem sido vendidas. A solução do Código vai, no entanto, na linha do artigo 826 do C. Pr. C., resultante de uma longa controvérsia relativa à penhorabilidade (e empenhabilidade) de quotas vinculadas [clv] – e, de certo modo, do artigo 42 §3.º da LSQ (atribuindo aos sócios um direito de preferência legal) [clvi] .

3.2 Cláusulas restritivas e transmissão mortis causa

É também largamente controversa, no direito comparado, a eficácia das cláusulas restritivas no âmbito da sucessão universal [clvii] . A redação do n.º 2 do artigo 328, sugere, pela utilização do termo “transmissão” nas alíneas a) e c) e “alienação” na alínea b), que, pelo menos, as duas primeiras alíneas se aplicam a todos os tipos de transmissões, com a ressalva do n.º 5, incluindo, portanto, as transmissões por morte. Do estudo de Vaz Serra sobre as ações resulta que, pelo menos, no que se refere à cláusula de consentimento, ela deveria aplicar-se às transmissões por morte [clviii] , e no n.º 2 do artigo 33 do seu projeto utiliza os termos “transferência” na alínea a), correspondente à alínea c) do Código das Sociedades, e “ser transmitidas” na alínea c), correspondente à alínea a) do Código, sendo a alínea b) idêntica no projeto e no Código. E também na epígrafe do artigo 33 e no n.º1 é usado o termo “ transmissibilidade” – a que correspondem no Código das Sociedades os termos “transmissão” e “transmissibilidade”. O elemento histórico vai, portanto, no sentido de uma confirmação do elemento literal da interpretação.

No mesmo sentido aponta o elemento sistemático. Com efeito, nos artigos 225ss (relativos às sociedades por quotas), o legislador utiliza o termo “transmissão” como termo geral, abrangendo todo o tipo de transmissões, incluindo as transmissões por morte, e o termo “cessão” para se referir às transmissões voluntárias entre vivos. Este último argumento é, porém, uma arma de dois gumes, já que, no caso das quotas, o legislador previu expressamente e regulamentou as transmissões por morte de quotas vinculadas (isto é, sujeitas às cláusulas de agrément, própria e impropriamente ditas).

No meu entender, em face destes elementos e dado que a razão de ser das cláusulas também se verifica nas transmissões por morte, deverá interpretar-se o artigo no sentido da eficácia das cláusulas de agrément no âmbito de todo o tipo de transmissões (com ressalva do n.º 5), mesmo aquelas que o são mortis causa e a título universal. Neste caso, deverá aplicar-se, por analogia, o disposto no artigo 329.3c) à cláusula de agrément imprópria (cf., a propósito, o art. 225.2). Repare-se, aliás, que o n.º 5 do artigo 328 só ressalva os casos de venda forçada em processo executivo e de liquidação de patrimónios e não os casos de transmissão ope legis, em geral.

3.3 Cláusulas restritivas e constituição de penhor e usufruto

Como resulta do artigo 1467 C.C., o usufrutuário é titular, não apenas de direitos patrimoniais, mas também de direitos administrativos. E a sua presença no seio da sociedade pode acarretar o mesmo tipo de problemas que a de um qualquer transmissário das ações. O mesmo se pode, aliás, passar se ao credor pignoratício também for dado pelo contrato de constituição de penhor, nomeadamente, o direito de voto (cf. o art. 23.4). E, destinando-se o objeto empenhado a ser vendido, no caso de o devedor não cumprir a obrigação garantida, o negócio de constituição de penhor representa para a sociedade sempre este perigo de uma alteração forçada do seu elemento pessoal. Por isso, a tendência é, no direito comparado, para admitir a aplicação das cláusulas de agrément à constituição destes direitos “reais” menores sobre as ações [clix] . A única questão que verdadeiramente se discute é a de saber se uma cláusula que não se refira expressamente à oneração de ações deve ou não ser interpretada no sentido de a abranger também – dependendo a resposta, quanto a ela, basicamente, da questão de saber se as limitações à livre transmissibilidade das ações têm ou não caráter excecional, devendo, portanto, as cláusulas ser ou não de interpretação estrita [clx] .

Quanto ao penhor, Vaz Serra só considerou a hipótese da venda forçada do objeto empenhado; pronunciando-se no sentido de que a sociedade não deveria que sofrer a presença de um indesejável como resultado da venda das ações vinculativas empenhadas [clxi] . É de notar, no entanto, que este autor defendeu a eficácia das cláusulas de agrément (embora com um sentido especial) no âmbito do processo executivo (cf. supra, 3.1), pelo que não seria necessário prever um regime especial para o caso do penhor. Sobre a questão da constituição de usufruto e de penhor, porém, o único elemento de referência do pensamento deste autor contém-no a artigo 33.2a), que passou para o Código de Sociedades como artigo 328.2c)), e do qual resulta que a cláusula de agrément imprópria se pode aplicar a este caso.

Assim, tendo em consideração a letra do artigo 328.2 e 5 e os seus antecedentes, teríamos como resultado que: apenas a cláusula de agrément imprópria pode ser invocada pela sociedade para não reconhecer alguém como usufrutuário e como credor pignoratício; no caso de venda executiva de ações empenhadas, apenas a cláusula de preferência é invocável. E, aceitando-se que as limitações são excecionais, deve, em princípio, presumir-se que apenas aquelas que o legislador previu, e no âmbito em que o fez, são admitidas. Acresce que, no caso da cláusula de consentimento, o mecanismo do artigo 329.3 não pode funcionar tratando-se da constituição de penhor ou usufruto; e, no caso da cláusula de preferência, ela não pode aplicar-se à constituição do penhor e também não faz muito sentido a sua aplicação à constituição de usufruto (se bem que seja possível conceber esta hipótese). Tudo se conjuga, portanto, no sentido de que o legislador quis aquele resultado. À sociedade restará, como cláusula suplementar de salvaguarda, a de amortização forçada de ações a que se refere o artigo 347.

Não me parece, no entanto, que esta questão se deva, sem mais, dar por encerrada, sendo possível contra-argumentar com boas razões e defender a tese de que a cláusula de consentimento se deva aplicar à constituição de penhor e de usufruto.

§ 3 Condições especiais de eficácia das cláusulas restritivas

1. Cláusulas restritivas e ações ao portador

1.1 O legislador português, como a (quase) totalidade das legislações estrangeiras contempladas [clxii] , apenas considerou as ações nominativas como compatíveis com uma lei de circulação restrita da participação acionária (arts. 299.2 b) e 328.2).

Sendo, portanto, estabelecidas restrições à livre circulação das ações e emitidas ações ao portador, é violada a regra da nominatividade obrigatória estabelecida no artigo 299.2b), sendo, aparentemente pelo menos, a emissão ilegal. E parece que a consequência deverá ser a responsabilidade dos administradores nos termos gerais (cf. os artigos 71ss). Mas deve a emissão ser anulada? E qual o valor da cláusula estatutária que, ao lado de uma cláusula de vinculação, preveja a possibilidade de emitir ações ao portador, com ou sem sujeição ao regime de depósito [clxiii] ? E, havendo emissão deste tipo de ações, são, quanto a elas, as restrições eficazes?

Sem prejuízo de uma reflexão mais aprofundada deste assunto – que não tive tempo de fazer -, parece-me que, pelo menos no caso de os próprios estatutos preverem a emissão de ações ao portador, deve dar-se prevalência à cláusula que contém tal previsão, sendo a cláusula restritiva ineficaz em relação a tais ações, se forem emitidas. Com efeito, é a cláusula restritiva que não corresponde à natureza típica da sociedade anónima, e o público tem o direito de confiar na lei de livre circulação das ações representadas por títulos ao portador, sem ter que consultar os estatutos. Note-se que as duas cláusulas são compatíveis, sendo a cláusula restritiva apenas ineficaz se e na medida em que for feito uso da outra; e a norma do artigo 299.2b) pode, sem esforço, interpretar-se deste modo: “As ações devem ser nominativas (sob pena de ineficácia da restrição): Quando, segundo o contrato de sociedade,… houver… restrição à sua transmissibilidade” [clxiv] .

1.2 A solução da ineficácia das restrições no caso de as ações serem representadas por títulos ao portador fora já defendida pela Procuradoria-Geral da República, cujo parecer n.º 53/51 é, ainda hoje, um dos melhores documentos sobre o assunto [clxv] .

2. Cláusulas restritivas e admissão à cotação na bolsa das ações

A questão que aqui surge pode, basicamente, desdobrar-se em duas: podem as ações vinculadas ser admitidas à cotação na bolsa? E são eficazes no âmbito das transações efetuadas na bolsa?

Trata-se de tema muito discutido, sobretudo de jure condendo [clxvi] , mas a generalidade dos direitos positivos dá uma resposta positiva às duas sub-questões referidas [clxvii] . O Código das Sociedades é omisso sobre este ponto (como, aliás, também acontece nos outros países). Do DL 8/74 resulta, no entanto, implicitamente, uma resposta afirmativa (artigo 37.1d) e 39.4 h)), pelo menos, em princípio. [clxviii]

3. Cláusulas restritivas e notícia da restrição nos títulos

É uma questão muito discutida a de saber se a menção das cláusulas restritvas nos títulos (tendo havido emissão destes) deve ou não considerar-se como uma condição da sua eficácia, pelo menos em relação a terceiros. Nos direitos positivos estrangeiros que admitem este tipo de cláusulas (que, tanto quanto sei, são todos exceto o japonês), apenas o norte-americano faz desta menção uma condição de eficácia das restrições [clxix] . De jure condendo, porém, é largamente reconhecida a conveniência desta solução, sobretudo tratando-se de títulos negociados na bolsa [clxx] – ultrapassando-se, assim, o argumento meramente formal de que, dada a sua natureza causal, o título deve ser integrado per relationem e, portanto, o princípio da literalidade dos títulos de crédito não requer tal menção. A questão não se põe, na verdade, apenas ao nível da compatibilidade formal da eficácia das cláusulas restritivas com a literalidade dos títulos de crédito. Ela é, antes, a de saber qual deve ser o conteúdo desse princípio no caso das ações. O facto de se admitir, logicamente, a literalidade per relationem dos títulos causais não significa, necessariamente, que este tipo de literalidade seja o que convém, em todos os casos, porque pode não corresponder a uma adequada composição dos interesses em jogo.

O Código das Sociedades acolheu, no artigo 328.4, a solução do projeto Vaz Serra (artigo 33.6 [clxxi] ), mas, ao dispor que as cláusulas só são oponíveis aos adquirentes de boa-fé dos títulos se estes contiverem a sua transcrição, vai ainda mais longe que aquele projeto, que apenas exigia a sua menção [clxxii] .

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Índice geral

NOTA INTRODUTÓRIA - p. 1

CAPÍTULO 1 - A validade das cláusulas estatutárias restritivas da livre transmissibilidade das ações e tipos de cláusulas admitidos -p. 2

1. Introdução. - O significado das cláusulas estatutárias restritivas - p. 2

2. Os tipos mais importantes de cláusulas restritivas - p. 3

3. A função das cláusulas restritivas. Interesses que a vinculação persegue - p. 4

3.1 O interesse diretamente tutelado é o interesse social

3.2 Concretização desse interesse

4. Natureza das cláusulas restritivas. Regras de interpretação - p. 7

4.1 Consequências da natureza excecional das restrições ao nível da interpretação

4.2 O legislador só admite restrições ao exercício da liberdade de dispor e que respeitem o conteúdo essencial dessa liberdade

4.3 O fundamento do caráter excecional das restrições. A natureza transmissível da ação. O duplo significado da sua transmissibilidade: transmitir significa realizar o valor patrimonial da ação e libertar o investimento que ela representa (com possível desvinculação do titular)

4.4 Conclusão - p. 17

CAPÍTULO 2 - A eficácia das cláusulas estatutárias restritivas no direito português - p. 20

§ 1Eficácia erga omnes das cláusulas restritivas - p. 21

1. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da cessão de quotas - p. 21

2. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da transmissão de ações no direito anterior ao código das sociedades - p. 23

3. A questão da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da transmissão de ações no código das sociedades - p. 24

4. A questão do fundamento da eficácia erga omnes das cláusulas restritivas - p. 27

4.1 Na doutrina portuguesa (conclusões)

4.2 Em geral

4.3 Confronto com o direito comum da cessão de direitos e o regime dos títulos de crédito 4.4 Análise do argumento que faz decorrer este tipo de eficácia, diretamente ou por analogia, do regime de cessão da posição contratual

4.5 Eficácia real das cláusulas de preferência

4.6 Conclusão - p. 31

§ 2 Conteúdo e âmbito de eficácia das restrições (e o seu modo de operar) - p. 31

1. As cláusulas restritivas afetam o regime de circulação da participação acionária e a sua eficácia é compatível com a natureza e o regime de circulação das ações nominativas - p. 31

1.1 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas no Código Comercial de 1833

1.2 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas na lei das sociedades anónimas de 1867

1.3 Natureza e circulação das ações nominativas no Código Comercial de 1888

1.4 A natureza e a lei de circulação das ações nominativas no código das sociedades e no DL 408/82

2. Conteúdo ou significado da eficácia das cláusulas restritivas. Alcance e modo de operar. Condição jurídica da transmissão que não as respeite - p. 42

2.1 No direito comparado

2.2 No direito anterior e nas sociedades por quotas

2.3 No Projeto Vaz Serra. Razões da mera ineficácia relativa da transmissão de ações vinculadas com inobservância do processo estatutário restritivo

2.4 No código das sociedades

2.5 A eficácia das cláusulas de preferência. O problema da chamada cláusula de preempção

3. Âmbito de aplicação, ou âmbito (objetivo) de eficácia das cláusulas restritivas - p. 49

3.1 Cláusulas restritivas e transmissão “forçada”

3.2 Cláusulas restritivas e transmissão “mortis causa”

3.3 Cláusulas restritivas e constituição de penhor e de usufruto

§ 3 Condições especiais de eficácia das cláusulas restritivas - p.52

1. Cláusulas restritivas e ações ao portador - p. 52

2. Cláusulas restritivas e a sua eficácia no âmbito das transações das ações na bolsa - p. 53

3. Cláusulas restritivas e títulos de crédito (nominativos). Notícia das restrições no título - p. 53

Bibliografia - p. 54


Índice temático abreviado

Cláusulas estatutárias restritivas

- Ações abrangidas (nominativas): p. 3, 30 ss, 52 s

- (e) Bolsa de valores: p. 23, 53

- (de) Consentimento (agrément): p. 3, 4, 6, 8, 9, 18, 21 s, 26, 29, 43, 50 e 51

- - Imprópria: p. 3 s, 19

- Eficácia: p. 10, 21 ss

- - Eficácia erga omnes: p. 21 ss, 46 s

- - - Fundamento: p. 21 s, 23 ss, 26 ss, 46 s

- - - Preferência: p. 22, 26, 29 s, 45 ss

- Interesses prosseguidos: p. 4 ss, 29

- Interpretação: p. 8, 49

- (e) Liberdade de dispor das ações (caráter excecional): p. 6 ss

- Modus operandi: p. 31, 33 ss, 39 s(s), 42, 43 ss

- Natureza: p. 4-6, 23 ss, 45 ss

- (e) Pessoa do sócio: p. 12, 17

- (de) Preferência: p. 4, 5, 8, 13, 22, 26, 29 s, 45 ss

- Tipos: p. 3 s, 45 s

- (e) Tipos sociais: p. 7 s, 11, 17

- (e) Títulos de crédito (inscrição): p. 2 s, 10, 24, 28 ss, 30 ss, 35 ss, 52, 53 s

- (e) Transmissibilidade das ações: p. 8, 10 ss, 15 ss, 24, 27, 33

- Transmissões abrangidas: p. 4, 23, 34 s, 48, 49 s

- Transmissão que não as respeite (condição jurídica): p. 43 ss

- Validade: p. 2 ss, 7, 9, 16 s, 18



[i] O texto é um trabalho académico (relatório relativo a uma das disciplinas da parte escolar do mestrado referido no texto), não escrito para ser publicado. Ainda assim, contém elementos úteis para possíveis leitores em geral e crê-se que poderá interessar aos estudiosos da matéria. Pôs-se em conformidade com o acordo ortográfico, apresar das reservas que este suscita.

[ii] A transmissibilidade das ações , Lisboa, UCP, 1989, Parte II, focando sobretudo o direito alemão. Mais uma vez, o projeto de fazer uma obra alargada de direito comparado revelou-se inviável, por razões de tempo e de espaço. Sucedeu, mesmo, que os ordenamentos mais importantes acerca do tema e por isso mais estudados – o suíço e o italiano – acabaram por ficar de fora. Daí a opção por incluir na presente versão/publicação o texto de 1986 respeitante ao direito italiano, que sofreu uma reforma menos profunda que o helvético.

[iii] Na Lei das sociedades anónimas de 1867, o artigo 9 permitia expressamente a sujeição da transmissão das ações nominativas a «cláusulas especiais». O CCom de 1888 não incluiu, no entanto, disposição semelhante. Salvo quando outra coisa resulte do contexto, as disposições legais desacompanhadas do diploma a que pertencem são do CSC.

[iv] No que respeita ao direito italiano, surgiram entretanto importantes monografias dedicadas ao tema. Cfr., «supra», no texto.

[v] Cf. Escarra/Rault, p. 272 s.

[vi] Sobre esta questão, cf. por exemplo, Broseta Pont, p. 22 ss.

[vii] Cf. Vasco Xavier, col. 70; Escarra, p. 13ss; Escarra/Rault, p. 300ss; Broseta Pont, p. 101 ss; De Ferra, p. 197 ss; Ascarelli 2, p. 363 s; Mosco, p. 1211 ss.

[viii] No mesmo sentido, vid., no direito alemão (acerca do qual importa ter presente o § 237.1 da AktG): Godin-Wilhelmi, n. 8 ao § 237; Würdinger, p. 198; Barz, n. 15 ao § 68, p. 522; Hefermehl/Bungeroth, p. 363; Bunte, p. 64.

[ix] Cf. Vaz Serra, 178 BMJ, p. 54; Mosco, p. 1215 ss (1218); Franceschelli, p. 436 s; Ferri1, p. 371.

[x] Vid. Vaz Serra, 178 BMJ, p. 54 (cf. p. 17 e 33); Messineo 1 e 3, respectiv., p. 30 ss, e p. 558, 572 s; Mosco, p. 1215 ss; Franceschelli, p. 436 s; Ascarelli2, p. 364 s. Mas cf. Angeloni, p. 6 s; Ferri1 e 3, p. 367 e p. 256 ss; e Visentini, p. 998, n. (56).

[xi] Sobre esta questão, vid. Broseta Pont, p. 105 s; De Ferra, p. 215 ss; Ascarelli2, p. 391 s. Cf. Angeloni, p. 7, Ferri1 e 3, p. 367 e p. 256 ss. Vid., ainda, no cap. 3, o direito italiano, § 2.

[xii] Vid. Ascarelli2, p. 392; De Ferra, p. 215 ss. Cf., também, Angeloni, nota da p. 7 (citando a Cassazione no sentido do texto, da qual discorda); e Ferri3, p. 256 ss (comentando a sent. Trib. Ap. Roma de 4.12.1979, no sentido do texto, da qual discorda).

[xiii] Cf. Broseta Pont, p. 84 (alusão incidental), e cap. 3, no direito espanhol, a nota (25). [Nota: o tratamento do direito espanhol foi omitido na presente versão/publicação.]

[xiv] Vid. Broseta Pont, p. 52 ss, 57; Escarra, p. 5 ss; Ascarelli2 , p. 360 ss; Messineo3, p. 572 ss; Fraissaingea, p. 26 s; Asquini, p. 85 s; Cottino2, p. 328 ss; Pedrol, p. 718s; Bardoul, p. 137 ss; e, ainda, Champaud, p. 51 ss.

[xv] Cf. Champaud, p. 51 ss.

[xvi] Cf. Mosco, p. 1215 ss.

[xvii] Cf. Vaz Serra, 178 BMJ, p. 51.

[xviii] Vid . Vasco Xavier, col. 69; Pinto Coelho, 88 RLJ, p. 309 (cf. p. 321, 341); Vaz Serra, 178 BMJ, p. 51 (nº 69); Fisher, p. 194; Würdinger, p. 50; Hefermehl/Bungeroth, p. 363; Schilling, p. 4; cf. Godin-Wilhelmi, p. 340; Barz, p. 514 s; Lutter, p. 531. Pedrol, p. 721; Broseta Pont, p. 18 ss. Para o direito italiano, cf. a nota 51 e o capítulo 3. Para o direito francês, cf. infra, as notas 47 e 56. O direito suíço admite as cláusulas de proibição da transmissibilidade das ações [CO, art. 627 (8) e 684 (1)]. Mas, para uma visão crítica deste direito, vid. Von Greyerz, p. 115 (cf. p. 16 s e 167). Alguma doutrina mais antiga também admitia a incredibilidade das ações se a sociedade fosse de duração limitada; cf. Alauzet, p. 617 ss (620).

Entretanto, o direito suíço sofreu uma remodelação importante, em 1991 (cf. «supra», no texto).

[xix] Para esta perspetiva, cf. Alauzet, p. 617 ss (620s); e, ainda, Asquini, p. 85 s (cf. p. 83, 92); e STJ 30 BMJ (1952), p. 340 ss (343). Cfr. também o artigo 9 da Lei das sociedades anónimas de 1867, transcrito adiante, no cap. 2 .

[xx] Cf. Vaz Serra, 178 BMJ, p. 51 s, 54 (“o princípio da livre negociabilidade das ações só dever ser limitado nos casos em que isso se justifique por ponderosas razões de interesse da sociedade”).

[xxi] Cf., por ex., Patry, II, p. 53.

[xxii] Cf., no cap. 3, direito italiano, a nota 36.

[xxiii] Cf. Von Steiger (W.), Handelsrecht, p. 241, 302 ss.

[xxiv] Sobre o caráter essencialmente imperativo do regime das S.A., cf. Vasco Xavier, Anulação de deliberação social e deliberações conexas, Coimbra 1976, p. 159 ss (164 ss). Sobre a natureza da S.A. e sobre a S.Q. como alternativa àquela, cf. José Tavares, p. 317 s, 321 s.

[xxv] Sobre a natureza e interpretação dos estatutos em geral, vid. Von Steiger (W), cit., p. 267 ss (273 ss); Von Greyerz, p. 100 ss (101 ss). Sobre a natureza das restrições e as consequências desta ao nível da interpretação da lei e dos estatutos, cf. Godin-Wilhelmi, n. 9 ao § 68 AktG, p. 340; Broseta Pont, p. 60; Messineo3 e 4, p. 536 e p. 151; Pic, p. 74.

[xxvi] Vid . Ascarelli2, p. 393.

[xxvii] As cláusulas que se traduzem numa intransmissibilidade prática das ações são declaradas nulas no anteprojeto de Lei das sociedades anónimas espanhol (art. 87); cf. Broseta Pont, p. 22 (15) e 60. Vid., também o artigo 53.3 do Projeto de sociedade anónima europeia e Perez Escolar, p. 122; e, ainda, Messineo4, p. 144s, Fraissaingea, p. 29s, bem como a doutrina francesa e italiana citadas nas notas 47 e 51. Sobre a questão do reconhecimento de um direito de exoneração em caso de impossibilidade prática de transmissão de quotas, cf. Schilling, n. 46 (e 48) ao § 34 LSRL (GmbHG) alemã, p. 504s. Sobre a conveniência de reconhecer ao próprio acionista um direito de exoneração, cf. Hirsh, p. 65 (68ss); mas vid, supra, o texto correspondente à nota 24 e infra, donde resulta que a transmissibilidade é que deve ser configurada de modo a desempenhar a função desse direito.

Note-se, ainda, que, nas próprias sociedades por quotas, o legislador procurou evitar problemas como o presente através de uma limitação especialmente drástica das cláusulas restritivas admitidas: cf. o art. 229.5.

[xxviii] Cfr. a nota anterior, in fine.

[xxix] Cf. o Capítulo 3, direito suíço, II. [Nota: não se incluiu o tratamento deste direito na presente versão.]

[xxx] Cf. infra, nota 47. [O regime passou, entretanto, para o Code de commerce (arts. L 228-23ss).]

[xxxi] Cf. infra, nota 51.

[xxxii] Cf. o capítulo 3, direito italiano, § 2.

[xxxiii] Para um maior desenvolvimento deste assunto, vid., no capítulo 3, o direito italiano (§ 1, 6.2). Em geral, sobre este ponto, vid. Ferri, p. 302ss; Lévy-Bruhl, p. 43, 48, 183, 214ss; Lehmann, p. 24 ss (p. 26, 43), 74, 78ss; Ferrara Jr., p. 322, 349 s, 380 ss; Anne Lefebvre Teillard, p. 165 ss (201ss); Ripert, p. 54s, 146s; José Tavares, p. 296 ss; Fraissaingea, p. 15 ss; Roblot, p. 283 ss; Broseta Pont, p. 18 ss; Von Greyerz, p. 7, 16s, 115ss; Gierke, p. 247 ss, 262 ss; Fisher, p. 193 ss, 17 ss, 62 s, 69 ss; Mossa1 e 2, p. 11 s, e p. 270 ss, 324 ss; Messineo1, 3 e 4, p. 25, 30 s, 37, p. 540 ss, p. 144 ss; Galgano, VII, p. 141 ss; Spano, p. 1049 s; Boistel, p. 127 ss (130); Whal, p. 159ss; Escarra/Rault, p. 3, 9ss (17ss), 272 ss (299ss); Hemard/T/Mabilat, p. 21 ss. cf., ainda, Barz, p. 514 ss; Godin-Wilhemi, p. 340 s; Hefermhl/Bungeroth, p. 362 s; Vaghts, p. 807 s; Eckardt, p. 3, 54 ss, 63 ss; Sebastião Gonçalves, p. 9, 61ss (61s, 68); e Tavares de Medeiros, p. 96.

[xxxiv] Sobre o significado deste princípio, vid. Pardessus (torna a parte social cedível, total ou parcialmente), p. 18s, 44, 79ss, 196, 319; Fraissaingea, p. 207 (cf. p. 277 e 17); Galgano, I, p. 48ss, VII, p. 11s, 131; Ferril, p. 333ss; Ferrara Jr., p. 321s; Frè, p. 3s; Mossa2, p. 272s; Spatazza 1, p. 138ss; Von Greyerz, p. 72; Kraft, n. 2 ao §1 AktG, p. 3, n.30ss ao §1, p. 9s; Eckardt, p. 63ss; Broseta Pont, p. 18s; Garrigues, I, p. 107.

[xxxv] Cf. Galgano, I, p. 48ss (49s); Boistel, p. 127, 130; Ripert, p. 50, 105ss. Mas cf. também Eckardt, p. 3s, e Von Greyerz, p. 17ss.

[xxxvi] Cf. Lehmann, p. 77s; Anne Lefebvre-Teillard, p. 165; Ripert, p. 144ss.

[xxxvii] Deixa-se de fora a SQ, que justifica tratamento à parte. De facto, em parte, esta está concebida à semelhança da SA (cfr. o art. 197.1), mas possui, na própria configuração legal, um acentuado cunho personalista (cfr. os arts. 219 e 228.2).

[xxxviii] É de notar que esta ideia não está em oposição com o disposto no artigo 274, que se limita a consagrar expressamente uma doutrina que hoje não sofre contestação séria: a de que o título da ação tem mera natureza declarativa.

[xxxix] No exemplar disponível, falta aqui uma página, cujo conteúdo foi impossível reconstituir.

[xl] Cf. Lehmann, p. 43ss; e Mignoli, p. 642, n. (31).

[xli] Cf. Mignoli, p. 641s.

[xlii] Cf. Anne Lefebvre-Teillard, p. 201s.

[xliii] Vid. p. 48s.

[xliv] Cf. Boistel, p. 127ss (128); Anne Lefebvre-Teillard, p. 201, 204.

[xlv] Cf. Anne Lefebvre-Teillard, p. 208ss (211s).

[xlvi] Vid . Escarra, p. 33ss; Lyon Caen/Renault, p. 414ss; Pic, II, p. 51ss, 73s; Thaller/Precerou, p. 197ss, 329ss, 405ss (406s, admitindo mesmo a incedibilidade; cf. também, Alauzet, p. 617ss (620)); Fraissaingea, p. 7ss, 25ss (p. 29s). Porém, a ideia do conflito entre o interesse social, por um lado, e a liberdade individual do sócio e a necessidade de tutelar este, por outro lado, já aparece em Pardessus, p. 334ss, bem como, mais tarde, em Boistel, p. 130, Houpin/Bosvieux, p. 362ss, 462ss, Lacour/Bouteron, p. 299ss (300), e, sobretudo, em Wahl, p. 159ss (não considera compatível com a natureza da ação a cláusula de agrément puro e simples). Cfr., a seguir, no texto.

[xlvii] Cf. p. 462ss (462). É de notar, todavia, que, ao concretizar esta ideia, os autores admitem a cláusula de consentimento quando aplicada a terceiros estranhos à sociedade, embora defendendo o controlo judicial do seu exercício. Por isso, por detrás das palavras, há mais que uma restrição ao exercício do direito.

Vid. Escarra/Rault, p. 3, 17ss (19), 299ss (dos trabalhos da doutrina e da jurisprudência resultou pouco a pouco a regra de que os estatutos não podem forçar o acionista a ficar prisioneiro do seu título – p. 18, 300); Ripert/Roblot2, p. 637s (cf. Ripert/Roblot1, p. 339, 501s, 536ss); Sent. do Trib. Ap. Paris de 24.11.1954, in Rec. Dalloz (1955), p. 236ss (com nota de Ripert; cf. também Cordonnier, p. 193ss), revogada pela Cass. 22.10.1956, in Rec. Dalloz (1957), p. 177s (com nota de Ripert); e, ainda, Sent. Trib. Ap. Rouen, de 18.11.1958,in Rec. Dalloz (com nota de Dalsace), p. 286ss; Houin 1, p. 615ss (criticando a Sent. Trib. Ap. Paris de 2.5.1966, contrária a Sent. do mesmo tribunal de 23.2.1962 – in Rec. Dalloz 1963, p. 570ss (com nota de Bigot) -, revogada por Cass. 22.10.1969 – in JCP (1970), 16197); Hamel/Lagarde, p. 236ss. Mas cf. Champaud, p. 51ss.

Sobre a lei de 1966 (arts.274ss), vid. Hamiaud, p. 259ss; Ripert/Roblot2, p. 638s; Houin2, p. 521ss; Roblot, p. 238ss; Hamel/Lagarde, p. 238ss; Hemard/T/Mabilat, p. 21ss (63ss); Guyénot, p. 591ss; e cf., ainda, Cass., sent. de 10.5.1976, in Rev. Soc. (1976), p. 332ss (com nota crítica de J.H.; cf. também Houin, in Rev. Trim. Dr. Com (1976), p. 533, e Rev. Trim. Dr. Com. (1979), p. 260; Cass. Sent. de 26.4.1984, in Rev. Soc. (1985), com nota de Mestre; Brouillard/Laroche, p. 234ss; Lecompte, p. 257ss; Roux, p. 52ss; Bardoul, p. 137ss.

[xlviii] Vid ., no entanto, Pardessus, p. 334ss; Fraissaingea, p. 25s. Cf. também o que se viu acerca da Companhia das Índias Orientais.

[xlix] Vid. Lehmann, p. 78 (e cf., também, Lehrbuch des Handelsrechts, I, p. 335, 340); Staub/Pinner, n. 3 ao § 222 (HGB), p. 189; Fisher, p. 27; Barz, n. 2 ao § 68 AktG, p. 514; Godin-Wilhelmi, n. 9 ao §68, p. 340; Hefermehl/Bungeroth, n. 67 ao § 68, p. 362s; Lutter, n. 23 ao §68, p. 531; Kraft, p. 9; Schilling, n. 3, p.4 (cf. n. 4 ao § 15, p. 5, n. 43, 46 e 48 ao § 34, p. 503ss). Cf., também, Uria, p. 470 (citando Garrigues); Von Steiger (F), p. 143; Von Greyerz, p. 7, 16s, 115; Bigiavi, nota (8), p. 6; e, ainda, A. Caeiro, p. 147ss.

[l] Cf. Messineo3, p. 569, e infra.

[li] Para o direito italiano atual, vid. Galgano, VII, p. 143s; Alagna, p. 110ss; Cass. sent. 15.5.1978, comentada por Colussi, p. 152ss (cf. também, crítico, Mosco, p. 1208ss (1231ss); Cass. sent. 25.10.1982, com nota in BBTC (1938), p. 264ss. Sobre o projeto de reforma De Gregorio (que abolia, em geral, a cláusula de consentimento), cf. Ferrara, p. 8 a 10; Greco, p. 262s; Cottino 2, p. 328ss.

Na doutrina anterior à sentença da Cassazione de 1978 (que declarou a nula cláusula de consentimento puro e simples), vid., dentro duma corrente mais favorável às cláusulas restritivas (em especial à cláusula de consentimento), Asquini, p. 77ss (82ss); Bigiavi, p. 8ss; Rodotà, p. 759ss. Numa linha de pensamento mais exigente quanto às suas condições de validade, vid. Messineo1 e 3, p. 21ss, p. 535ss; Franceschelli, p. 430ss; Spano, p. 1043ss; Ascarelli, p. 392ss (mas cf. Ascarelli1, p. 235ss, dentro do pressuposto, parece, de que o sócio está garantido pela duração limitada da sociedade e pelo direito de exoneração); Ferri1, p. 370s; tratava-se, sobretudo, de estabelecer condições que tornassem possível um controlo efetivo do uso da cláusula de consentimento e de negar validade à cláusula que atribui ao órgão encarregado de a aplicar um arbitrium merum na decisão de recusa do agrément. Revendo, de certo modo, estas duas posições contrapostas, cf. De Ferra, p. 228ss (235ss). Esta perspetiva mais exigente da doutrina, fazendo depender a validade da cláusula de condições que garantissem a possibilidade de controlo do seu exercício, não deixa de ter o seu mérito, mas, no fundo, não discute o nó da questão que não é o de prevenir o seu abuso, mas o de conciliar o interesse social com a liberdade individual de transmitir, ainda que aquele corresponda a um interesse sério e seja honestamente prosseguido. Foi esta visão aquela que Cassazione acolheu, seguindo o pensamento de Ferrara Jr., p. 381s.

[lii] Von Greyerz, p. 115 (cf. p. 16s); Cf. Ascarelli4, p. 31; Hirsh, p. 65, 68ss; Vaz Serra, p. 51; e, ainda, no contexto da SQ, Schilling, n. 48 ao §34 GmbHG, p. 505 (o direito de exoneração – que na SA é “substituído” pelo direito de ceder – como “Notbremse” da minoria). Sobre os prós e os contras das cláusulas, em síntese, vid. Greco, p. 262s.

[liii] Quando o CSC foi feito, a aquisição de ações próprias era uma operação financeiramente neutra para a sociedade, no sentido de que não afetava a sua situação líquida, uma vez que as ações eram inscritas pelo valor de aquisição no ativo do balanço. Apenas se exigia a criação de uma reserva de neutralização desse valor [art. 324.1b)], dada a fraca consistência patrimonial de tal ativo. Não obstante isso, nem se prevê qualquer direito de preferência da sociedade, no artigo 328.2b), nem a aquisição por ela de ações próprias, no artigo 329.3c). E no artigo 347 apenas se regula a amortização compulsiva de ações, que aqui não está em jogo. Considerando-se, atualmente (a partir do POC de 1989), a aquisição de ações próprias uma operação sobre o capital próprio, a «omissão» da lei ainda parece fazer mais sentido, o que deporia a favor de uma recusa de soluções mais abrangentes como as previstas para as sociedades por quotas (cfr., designadamente, o art. 231.1/2). Todavia, pode questionar-se se uma tal limitação da autonomia estatutária se justifica. Sobre o assunto, cfr., por ex., A. Soveral Martins, anotação 9 ao artigo 329, in CSC em Comentário (coord. de Coutinho de Abreu) V (2012), p. 572 e nota 44, interpretando, neste aspeto, liberalmente o art. 329.3c): a sociedade pode adquirir, mesmo não estando obrigada a fazê-lo; e pode o pacto social impor-lhe tal obrigação de aquisição.

[liv] A alternativa seria considerar em certos casos que as partes teriam qualificado erradamente a sociedade como sociedade anónima, devendo esta, verdadeiramente, ser antes considerada como uma sociedade por quotas; o que não se afigura aceitável.

[lv] Cf. Hirsh, p. 65 (68ss), e supra, nota 52.

[lvi] Cf. Mestre, nota à sentença da Cassationde 26.4.1984, in Rev. Soc. (1985), p. 411ss (414s).

[lvii] A questão põe-se em termos substancialmente idênticos, no que se refere às cláusulas restritivas da transmissibilidade das ações no Código das sociedades; por isso se refere aqui a literatura portuguesa relativa à cessão de quotas vinculadas. É de salientar, no entanto, que a diferente natureza jurídica das ações e das quotas pode determinar soluções diferentes, nomeadamente no que se refere à eficácia real das cláusulas de preferência, como se verá.

[lviii] Cf. Cunha Gonçalves2, p. 641s.

[lix] Cf. 65 RT (1947), p. 341.

[lx] Cf. 54 GRL (1940), p. 20.

[lxi] Cf. p. 59ss. Nas páginas 59ss, o autor refere-se especificamente à cláusula de consentimento, mas o texto vale, mutatis mutandis, para as restantes cláusulas restritivas (cf., nomeadamente, p. 90).

[lxii] Cf. col. 69s.

[lxiii] Cf. p. 207s.

[lxiv] Cf. 177 BMJ, p. 75, n. (290). Cf., ainda, o cap. 3, direito italiano, § 1.

[lxv] Cf. 178 BMJ, p. 17. Cf., também, p. 33 (interesse protegido).

[lxvi] Cf. 178 BMJ, p. 37ss (citando, aliás, doutrina favorável a esta eficácia face a terceiros, nomeadamente Frè). Cf., igualmente, o art. 35.1 do seu projeto e infra, § 2.

[lxvii] Cf. 178 BMJ, p. 42s (cf. também p. 25). Cf., ainda, infra, § 3.

[lxviii] Cf. 178 BMJ, p. 46ss.

[lxix] Constante do citado BMJ 178, p. 58ss.

[lxx] Cfr. o teor literal do artigo 299.2b) – que alude ao poder de dispor das ações e mais latamente à possibilidade jurídica de produção do efeito translativo («não puderem ser transmitidas») – e do artigo 328, que se refere às limitações à transmissibilidade das ações (nº 1), ou seja, a esta característica das mesmas, bem como à subordinação da transmissão ao consentimento da sociedade ou certos requisitos [nº 2a) e c)], isto é, condiciona a produção de tal efeito jurídico a um requisito extrínseco, exterior ao facto translativo, suscetível de se verificar ou não e de verificação anterior ou posterior a este, e, portanto, relativo à sua eficácia. Apenas as cláusulas de preferência suscitam dúvidas. Mas, para além do que se disse a respeito do artigo 328.4, note-se que as mesmas podem ser invocadas, inclusive, em processo executivo ou de liquidação de património do titular das ações (nº 5), à semelhança do que sucede com a correspondente preferência legal relativa às quotas (art. 239.5).

[lxxi] Note-se, no entanto, que tal ideia está em sintonia com o entendimento de que o objeto da afetação não é o poder de dispor em si, nem a validade da transmissão, nem tão-pouco a eficácia da mesma, sem mais, mas apenas a sua eficácia face à sociedade, cujo elemento pessoal é alterado. Este ponto é considerado adiante.

[lxxii] A opinião de Messineo é, na verdade, como bem observa Vaz Serra ( supra, nota 64), uma opinião sem seguidores. Cf. o capítulo 3.

[lxxiii] No cap. 3, vid., no direito espanhol, Pedroll [não incluído na presente versão/publicação], e no direito italiano, Ascarelli1, Frè, etc. (nota (4)); cf. infra, n.º 4.2.

[lxxiv] As ações, porém, não parecem de considerar móveis sujeitos a registo para os efeitos do artigo 421 C.C. (supra, 2.2). Sobre o argumento da posição contratual (que não parece inteiramente procedente, mormente no que toca às ações), veja-se também o que se diz adiante.

[lxxv] Vid., em geral, no direito italiano, por todos, Spatazza1, n.º 85, p. 353 (s) e doutrina e jurisprudência aí citadas. Esta matéria é largamente desenvolvida na parte do direito comparado dedicada a este direito no § 1. Cf. também, no direito espanhol, o ponto I [não incluído na presente versão/publicação].

[lxxvi] Vid., em geral, o § 1, dedicado ao direito italiano (...). Em especial, cf. Ferri1, p. 367; Mossa1, p. 20ss; Broseta Pont, p. 54ss (cf. também p.136s, 195ss).

[lxxvii] A restrição deve ainda pertencer às disposições estatutárias que não se limitam a regular um assunto interno da sociedade (de que são exemplo os poderes de administração da sociedade); mas, atendendo à sua finalidade típica, esta condição encontra-se verificada e não há norma legal impeditiva da sua eficácia externa (diferentemente do que acontece, designadamente, a respeito das limitações aos poderes de representação orgânica, que o CSC apenas reconhece como limitações ao exercício destes com eficácia interna).

[lxxviii] Quando estejam em causa ações valores mobiliários, apesar da natureza causal dos títulos e da correspondente literalidade limitada (per relationem), há que ter em conta, ainda, o art. 328.4.

[lxxix] Este ponto é por mim desenvolvido na apreciação crítica que faço à posição de Messineo: vid. O direito italiano, § 1, 6.2 (no cap. 3).

[lxxx] No direito positivo português, tem que se considerar, no entanto, o art. 328.4, que impõe, no caso, uma literalidade estrita, não meramente per relationem. [Note-se que o preceito vale, hoje em dia, também para as ações escriturais, introduzidas no ordenamento português em 1988.]

[lxxxi] Vid ., no direito italiano, o § 1 (Ascarelli, De Martini, etc.).

[lxxxii] Cf. p. 3ss, 202ss; para o direito italiano em geral, vid. cap. 3, § 1.

[lxxxiii] Vid. Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Coimbra 1970, p. 449ss (474ss; cf. p. 65).

[lxxxiv] Este ponto é por mim desenvolvido a propósito da apreciação da posição de Messineo: vid. o direito italiano, § 1, 6.2 . Cf. Também «supra», cap. 1, 4.3.

[lxxxv] Para a jurisprudência, vid. Cottino1, citando, sobretudo, Cass.10.10.1957; Spatazza1, p. 377s; Angeloni, p. 6s; e, para a mais recente, Galgano, VII, p. 147, n. (42). Na doutrina, vid. Galgano, VII, p. 147; Ferri1, p. 367; Angeloni, p. 3ss; (e, segundo parece, Mossa l, p. 24 e 26) e o direito italiano, § 2, 6 [como aqui se refere, a nova orientação da Cassação é, no entanto, diferente – cf. a nota 79].

[lxxxvi] O que se diz no texto vale, mutatis mutandis, para as ações escriturais, introduzidas no ordenamento jurídico português em 1988 e, portanto, após a elaboração do presente texto.

[lxxxvii] Cf. Mossa1, p. 22.

[lxxxviii] Esta natureza de ação registada corresponde à tradição francesa (cf. C.Com. fr., art. 36, e, no cap. 3, a parte relativa ao direito francês [não incluída na presente versão/publicação]) e inglesa (cf., no cap. 3, a parte relativa a este direito [não incluída na presente versão/publicação]). Cf., também, o C. Com. it., art. 169.

[lxxxix] Cf. Ferreira Borges, p. 8s.

[xc] Cf. Cunha Gonçalves1, III, p. 65.

[xci] Vid. Sampaio Pimentel, p. 238s. Note-se que, nesta altura, diferentemente do que sucedia em França, ainda não tinha sido afirmado no nosso direito o princípio da consensualidade, apenas introduzido com o CC de 1867. Mas também importa assinalar que as ações nominativas em causa não eram «coisas» móveis ou equiparáveis, pelo menos até à posterior representação por um título de crédito destinado a favorecer a sua circulação (representação essa que no direito francês nunca viria a ocorrer, embora as ações, enquanto ações registadas, fossem negociáveis). Cf. o texto a seguir.

[xcii] Cf., neste sentido, no cap. 3, os direitos francês e inglês [não incluídos na presente versão/publicação].

[xciii] Publicado no Diário de Lisboa de 19 de janeiro de 1867, p. 193ss.

[xciv] É certo que a tradição jurídica francesa chama à própria ação registada “título nominativo”, reconhecendo, no entanto, a impropriedade desta linguagem (cf., por todos, Brouillard /Laroche, p. 271 e, no cap.3, o direito francês, nota (2) e ss [não incluído na presente versão/publicação]). Não parece, no entanto, ser neste sentido que a expressão “título nominativo” é empregada pelo Governo.

[xcv] Cf. Cunha Gonçalves1, III, p. 65. Cf., ainda, Tavares de Medeiros, p. 99s (a lei é omissa).

[xcvi] Cf. supra, no texto, a definição de ação dada por Sampaio Pimentel, bem como Tavares de Medeiros, p. 95s. Acerca da cessão de créditos e direitos, cfr. os arts. 785 e 789 do C.C. de 1867 (cessão não dependente do consentimento do devedor e eficaz entre as partes por mero efeito do contrato).

[xcvii] Cf. o artigo 4.º: “Os estatutos… formam o contrato da sociedade”.

[xcviii] Cf. Tavares de Medeiros, p. 95s.

[xcix] Cf. Tavares de Medeiros, p. 98s.

[c] Cf. Tavares de Medeiros, p. 96.

[ci] Lendo hoje a lei, esta parece ser uma «não questão»; mas o que nela se lê hoje naturalmente não corresponde forçosamente ao seu sentido originário, tendo em conta o contexto liberal da época.

[cii] Justifica-se aqui uma nota: no atual artigo 102.º do CVM de 1999, encontramos um sistema bastante semelhante, apesar da qualificação das ações nominativas aí reguladas como ações tituladas.

[ciii] Cf., neste sentido, no cap.3, o direito francês [não incluído na presente versão/publicação].

[civ] Vid. Escarra, p. 53ss.

[cv] Cf. Mossa1, p. 22.

[cvi] Neste sentido, cf. a doutrina francesa citada no cap. 3 na parte relativa ao direito francês na nota (2). Esta doutrina é especialmente significativa, porque o nosso código teve como fonte inspiradora o Code de commerce e porque o regime de titularidade e “negociação” das ações nominativas coincide nas duas ordens jurídicas (cf. o art. 36 C.Com.fr., e os arts. 263 e 265 da Lei das sociedades comerciais francesa de 1966).

[cvii] Cf., no cap. 3 na literatura francesa, a nota (3); na literatura italiana, Brunetti, II, p. 75s; Mossa2, p. 277; na literatura espanhola, a nota (12). No direito português, este direito resulta da própria identificação que se faz entre a ação e o título; cf. o relatório do Governo citado na nota 93 e Tavares Medeiros, p. 71s. Como se tem repetido, nesta versão/publicação apenas o direito italiano é contemplado.

[cviii] Vid. Adriano Antero, II, p. 292s (e cf. I, p. 313); Mário de Figueiredo, p. 17ss; Guilherme Moreira, II, p. 213, 215 (cf., ainda, p. 220); Cunha Gonçalves1, I, p. 383 (e cf., ainda, p. 410), III, p. 60s; Paulo Cunha, p. 79s (mas os exemplos que dá revelam um conceito pouco rigoroso de título de crédito); Pinto Coelho, 88 RLJ, p. 161ss (nºs 1ss, nº. 5); Fernando Olavo, p. 46ss (56ss; e cf. p. 19); Vaz Serra, 176 BMJ, p. 34ss (36) e Vaz Serra 1, p. 40ss (p. 43s; cf. p. 11 (nota) e 34ss); Brito Correia, II, p. 172s. Vasco Xavier, p. 66 (s), afirma também ser este o entendimento da doutrina dominante.

[cix] Cfr. a antepenúltima nota.

[cx] Vid., no direito francês, o texto correspondente às notas (1)ss; cf. também o direito inglês, notas (1)ss [ordenamentos não incluídos nesta versão/publicação].

[cxi] Cf., no capítulo 3, os direitos suíço, alemão e italiano [só este último se contempla nesta versão/publicação].

[cxii] Cf., ainda, o artigo 789 do C.C. de 1867.

[cxiii] Cf. Guilherme Moreira, II, p. 214ss; Cunha Gonçalves1, I, p. 409s, III, p. 65s; Pinto Coelho, 88 RLJ, p. 177ss; Fernando Olavo, p. 56ss (57s); Vaz Serra, 175 BMJ, p. 38s; Adriano Antero, II, p. 293.

[cxiv] Vid. Mário de Figueiredo, p. 17ss (p. 19); cf. Fernando Olavo, p. 57s.

[cxv] Note-se que o sistema do C.Com. em análise é distinto do do C.Com. de 1833.

[cxvi] Vid., por exemplo, Pinto Coelho, 88 RLJ, p. 178.

[cxvii] Cf. Cunha Gonçalves1, III, p. 64; Vasco Xavier, col. 68; Brito Correia, II, p. 176; Vaz Serra,176 BMJ, p. 67ss (78s), 177 BMJ, p. 5ss (27s). Cf., no direito francês, a nota (11) [não incluído na presente versão].

[cxviii] Cf. Adriano Antero, I, p. 321; Cunha Gonçalves1, I, p. 410, III, p. 64.

[cxix] Cf. Cunha Gonçalves1, III, p. 64s (cf. também I, p. 409s). Preveem apenas a hipótese de uma transmissão documentada no título (pertence): Mário de Figueiredo, p. 17ss (cf. também p. 14s); Vaz Serra, 175 BMJ, p. 38s; Pinto Coelho, 89 RLJ, p. 290ss (291), seguido por Brito Correia, II, p. 176 (mas cf. p. 178). Cf., ainda, Fernando Olavo, p. 17ss (21s), 56ss.

[cxx] Vid . Cunha Gonçalves1, III, p. 66, considerando que o art. 483 estabelece a regra geral de transmissão dos títulos nominativos com eficácia face ao devedor, mas relativamente ao qual o artigo 168, §1º, constituiria uma exceção, substituindo à notificação o averbamento; cf. I, p. 409s. Também considera que a notificação não é necessária no caso das ações nominativas Adriano Antero, II, p. 293. Mas, no sentido do texto, vid. o art. 46 da LSA Espanhola de 1951.

[cxxi] Configuram expressamente o averbamento como um ato devido: Mário de Figueiredo, p. 19; Adriano Antero, I, p. 321; Cunha Gonçalves 1, III, p. 65s; Guilherme Moreira, II, p. 215. Tal resulta da conjugação dos artigos 483 e 168.3 C.Com., e dos artigos 1490ss C.Pr.C.

[cxxii] Creio que da emissão de títulos e da sua entrega aos acionistas deve resultar para a sociedade o direito de não reconhecer uma cessão não documentada. No fundo, pode ver-se aqui um afloramento do princípio da incorporação, compreendendo também o direito a requerer o registo.

[cxxiii] Sobre as características da ação como título de crédito, cf. Pinto Coelho, 88 RLJ, p. 177ss (179ss); Fernando Olavo, p. 25ss (47ss).

[cxxiv] Para uma explicação deste género, cf. também, no cap. 3, os direitos francês, espanhol e italiano [único contemplado nesta versão].

[cxxv] O artigo foi revogado pelo DL 486/99, que aprovou o CVM. Este passou a regular com caráter geral os valores mobiliários, incluindo as ações.

[cxxvi] O artigo foi revogado pelo DL 486/99, que aprovou o CVM. Este passou a regular com caráter geral a transmissão dos valores mobiliários titulados nominativos, incluindo as ações, no artigo 102.º.

[cxxvii] Como se observou, antes do CSC, o significado da figura doutrinal do pertence não era claro, parecendo, pelo menos nalguns autores, reconduzir-se a uma declaração do transmitente. Com o CVM, a figura desapareceu.

[cxxviii] Todo este regime foi revogado com a entrada em vigor do CVM.

[cxxix] Isto sem prejuízo do disposto nos artigos 1490ss do C.Pr.C.

[cxxx] Antes da entrada em vigor do Código das sociedades, considerava Brito Correia que eram registos distintos aquele a que se refere o DL 408/82 e o registo de direito societário das ações nominativas (cf. II, p. 185).

[cxxxi] Vid. o cap. 3. Como já se notou, na presente versão/publicação apenas o direito italiano é contemplado.

[cxxxii] Após a reforma de 1991, o panorama alterou-se (cf. «supra», no texto).

[cxxxiii] Cf. p. 57ss (58s). Ficava, no entanto, a questão de saber se o conservador do registo comercial deveria aceitar o averbamento de uma transmissão violadora do processo estatutário restritivo e, portanto, se a cessão teria ou não eficácia face a terceiros.

[cxxxiv] Cf. 178 BMJ, p. 35ss (37, 39ss).

[cxxxv] Em qualquer destas interpretações, a transmissão das ações dar-se-á com o cumprimento da primeira parte do artigo 326.1; sendo o averbamento e o pertence meras formalidades necessárias para ela adquirir plena eficácia face à sociedade. A redação do preceito compreende-se, porque se trata de um preceito societário, naturalmente regulador da transmissão das ações com eficácia face à sociedade. Não exclui a existência de transmissões sem esta eficácia.

[cxxxvi] Isto, partindo do pressuposto de que o registo das ações é, salvo disposição especial, mero instrumento legitimador. Como se observou, embora seja assim considerado no direito alemão, suíço e italiano, o direito francês e a nossa tradição jurídica vão noutro sentido.

[cxxxvii] Cf., neste sentido, Broseta Pont, p. 142ss (p. 140); De Ferra, p. 217, 221s (cf., ainda, o direito italiano, cap. 3). Escrevendo a respeito das cláusulas de preferência nas sociedades por quotas, cf. Raúl Ventura, p. 77s (referindo-se, porém, a um caso em que o próprio efeito da violação da cláusula de preferência é estipulado).

[cxxxviii] Vid ., no direito italiano, § 2, 6.1, as notas 80 e ss e o texto correspondente.

[cxxxix] Vid ., no direito italiano, o § 2, 6, notas 77 e ss.

[cxl] Cf. p. 207s.

[cxli] Cf. p. 72s.

[cxlii] Para uma identificação dos dois conceitos, cf. o art. 4º. da Lei de 1867.

[cxliii] É interessante notar que, no direito italiano, cujo art. 2355.3 C.C. não refere expressamente a cláusula de preferência, Galgano defende a sua eficácia real por se tratar de um direito de preferência legal (cf. VII, p. 147).

[cxliv] Cf. Ferri1, p. 367. Voltámos ao tema na dissertação, mas deixou-se a questão em aberto (II, p. 261 ss).

[cxlv] Vid ., no direito italiano, o § 2, 6, texto correspondente às notas 80 ss e à nota 90.

[cxlvi] Cf., no direito italiano, o § 2, 6, texto correspondente às notas 91 ss.

[cxlvii] Embora a intenção do legislador possa ter sido outra, a alteração do preceito entretanto ocorrida, em 1987, ainda fornece um adicional argumento no mesmo sentido. Com efeito, o preceito passou a ter a seguinte redação: «Estabelecer um direito de preferência dos outros acionistas e as condições do respetivo exercício, no caso de alienação de ações nominativas».

[cxlviii] Cf. 178 BMJ, p. 53ss (n.º 71). É de notar, todavia, que este autor considera já existir um certo direito de preferência no caso dos artigos 275 da lei das sociedades francesa de 1966, correspondente, para o efeito, ao artigo 329 do Código das Sociedades, sendo certo que, neste caso, não existe um (verdadeiro) direito de “resgate”, já que, pelo menos, em França, se considera que ninguém é obrigado a vender por um preço que não foi objeto do seu acordo e, além disso, o artigo 275 é uma norma de (mera) tutela do acionista-vendedor; vid. Lecompte, p. 266s.

[cxlix] Cf. p. 80s.

[cl] Cf., no entanto, a nota 147. Note-se que, para haver uma preferência em sentido próprio, é necessária uma alienação das ações (ato de transmissão entre vivos, porventura a título singular apenas). Se pode ser qualquer alienação, mais restritamente, qualquer alienação onerosa ou, inclusive, apenas alienações onerosas compatíveis com tal preferência é questão diferente.

[cli] Cf. supra, o cap. 1.

[clii] Cf. supra, o cap.1, nota 25.

[cliii] Cf. Vaz Serra, 178 BMJ, p. 51s e 54 e supra, o cap.1.

[cliv] Vid ., no cap. 3, em especial, o direito alemão, II.3 [não incluído na presente versão/publicação]; e o direito italiano, § 2,7. Cf. o artigo 686 (4) do Código das Obrigações suíço.

[clv] Vid., para uma síntese da controvérsia, Olívio França, p. 211ss, e 65 RT (1947), p. 322ss [cf. 59 RT (1941), p. 128]. Em especial, cf. Alberto dos Reis, p. 341 a 349; Domingos Pinto Coelho, p. 17ss; Adolfo Bravo, p. 337ss; Mário Ferro, p. 209ss; Cunha Gonçalves 2, p. 641s; Santos Lourenço, II, p. 173, n. (1).

[clvi] Cf. também o artigo 422 C.C.

[clvii] Cf., no cap. 3, em especial, o direito italiano, § 2, 8. Cf., ainda, o art. 274 da lei das sociedades francesa de 1966 e o art. 686(4) do CO suíço.

[clviii] Cf. 178 BMJ, p. 46s (n.º 67).

[clix] Vid., no cap. 3, o direito alemão, II.2 (e nota (12), o direito espanhol, II.4, e o direito italiano [único incluído na presente versão/publicação], § 2, 9. Cf. o art. 277 da lei francesa das sociedades de 1966.

[clx] Cf. o capítulo 1 nota 25.

[clxi] Cf. 178 BMJ, p. 47s (n.º 67).

[clxii] O único direito em que a questão se discute é o espanhol: cf. este [não incluído na presente versão/publicação], no cap. 3, III.1.

[clxiii] O estudo de Vaz Serra (176 BMJ, p. 18ss) não é muito esclarecedor. Na Alemanha, a cláusula é nula (nichtig) – Lutter, n. 24 ao § 68 AktG, p. 547s (e cits. p. 548) – ou ineficaz (Würdinger, p. 50). Para Mossa1, esta cláusula não tem natureza estatutária (isso seria um contrasenso): p. 18ss (22s). Parece configurar a questão como de eficácia da restrição Escarra, p. 8 e 22. Cf. infra o parecer da PGR. Cf. também Escarra/Rault, p. 273, e o que digo no início do cap.1.

[clxiv] Para a discussão, em geral, sobre a eficácia ou não das cláusulas restritivas tendo havido emissão de ações ao portador, vid.,no direito espanhol [não incluído na presente versão/publicação], em especial, a posição de Broseta Pont, e a apreciação que lhe faço, bem como, no direito italiano, o § 3, 6).

[clxv] Publicado no Diário do Governo n.º 175, 2ª. série, de 25 de julho 1952, e transcrito em Sebastião Gonçalves, p. 281ss.

[clxvi] Vid., no cap. 3, em especial, o direito italiano (§ 3); e Broseta Pont, p. 163ss.

[clxvii] Cf. a nota anterior.

[clxviii] Do atual CVM de 1999 decorre a solução oposta (art. 204.1 a), que dispõe: «Podem ser objeto de negociação organizada: (…) Valores mobiliários fungíveis, livremente transmissíveis, integralmente liberados e que não estejam sujeitos a penhor ou a qualquer outra situação jurídica que os onere, salvo se respeitados os requisitos previstos nos artigos 35.º e 36.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de agosto». O nº 1 deste artigo 35 do Regulamento dispõe: «2. Os valores mobiliários objeto de uma restrição quanto à sua transferência não serão considerados livremente negociáveis, salvo se essa restrição não for suscetível de perturbar o mercado».

[clxix] Cf. Vaghts, p. 807s.

[clxx] Cf. a nota 166.

[clxxi] Vid. a justificação no 178 BMJ, p. 42ss (n.º 66).

[clxxii] No sentido do projeto vai, como se disse, a lição do direito americano. Cf. a nota 169.