EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes

Recurso para o Supremo de decisões arbitrais proferidas ao abrigo da Lei 62/2011: Acórdãos do STJ de 23.06.2016 [i] e de 2.02.2017 [ii]

Palavras-chaves : Patentes de medicamentos - Arbitragem necessária – Instâncias de recurso – Ação especial – Ações de infração

Keywords: Drug patents – Compulsory arbitration – Appeal

Nota introdutória

O artigo 3 da Lei 62/2011, que cria um sistema de arbitragem necessária em matéria de medicamentos, estabelece, designadamente: «1 - No prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 176/2006 [ (…) publicitação de pedidos de AIM/registo], o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada»; «7 - Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo». Os dois Acórdãos do STJ indicados no título ocupam-se da interpretação deste nº 7; ou seja, tratam do problema de saber se apenas há recurso para a Relação ou se, ao menos nalguns casos, será admissível, ainda, recurso para o Supremo.

À primeira vista, este preceito limita as instâncias de recurso. Mas tem o seu campo de aplicação circunscrito às ações especiais reguladas neste artigo 3, que decidam acerca dos direitos invocados pelos demandantes. Com este alcance, o preceito faz sentido, estando em sintonia com o caráter simplificado destas ações especiais e o objetivo de celeridade prosseguido pela Lei.

De fora ficam, no entanto, as ações de infração, em relação às quais não se justifica – ou se justifica menos - uma circunscrição dos recursos, e também questões como a de saber qual o âmbito de competência material dos tribunais arbitrais Quanto a esta, decidiu-se nesse sentido, embora com outras razões, no Acórdão de 23.06.2016. O assunto é, no entanto, controvertido, como o revelam o Acórdão de 2.2.2017 e o respetivo voto de vencido, bem como o Acórdão de 26.03.2015 (P. 1230/13), referido no de 23.06.2016.

Reproduzem-se a seguir, substancialmente, os Acórdãos, com títulos (a azul) destinados a facilitar a leitura. No fim, far-se-á um pequeno comentário, em complemento desta nota de apresentação do problema. Realçaram-se algumas passagens a negro.

I

Acórdão do STJ de 23.06.2016 [iii]

Sumário:

A norma constante do nº 7 do art. 3º da Lei 62/11, ao estabelecer que das decisões do tribunal arbitral necessário, ali previsto, cabe recurso para a Relação, não deve interpretar-se no sentido de estabelecer uma absoluta exclusão da recorribilidade para o STJ do acórdão proferido em 2ª instância – devendo, ao menos, admitir-se a revista – fundada na norma constante do nº 8 do art. 59º da LAV, subsidiariamente aplicável – quando a questão suscitada seja atinente à definição da competência material do tribunal arbitral e sobre a mesma exista um conflito jurisprudencial sedimentado ao nível da Relação .

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA RT, sociedade sedeada em Budapest, Hungria, e Laboratoire BB, sociedade sedeada em Paris, intentaram e fizeram seguir contra CC, Ldª, com sede em Lisboa, a presente acção, no Tribunal Arbitral competente, pedindo que a mesma seja julgada procedente e, consequentemente, a ré condenada a abster-se de, em território português, ou visando a comercialização em Portugal, importar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer o medicamento genérico contendo Levonorgestrel 1,5 mg -nomeadamente o identificado no pedido de AIM publicado pelo Infarmed em 10.05.2013 para o medicamento Levonorgestrel 1,5 mg - sob qualquer designação ou marca, durante a vigência da EP 1448207, bem como a não transmitir a AIM, peticionando ainda a fixação de sanção pecuniária compulsória.

A ré defendeu-se, por excepção e por impugnação, tendo a final pugnado pela total improcedência da acção, assentando a sua defesa basicamente na excepção de nulidade da Patente Europeia n.° 1448207, por carecer de requisitos de patenteabilidade (método de tratamento) e ausência de novidade e actividade inventiva.

As autoras responderam à matéria de excepção de nulidade da referida Patente Europeia n.° 1448207 sufragando o entendimento de que a competência para apreciar e declarar a nulidade de uma patente compete ao Tribunal da Propriedade Industrial e não aos tribunais arbitrais -aduzindo ainda argumentos para sustentar a validade da referida patente.

[Decisão arbitral]

Findos os articulados, o Tribunal Arbitral procedeu ao saneamento do processo, tomando posição sobre a competência para conhecer da alegada invalidade da patente europeia n.° 1448207, invocada pela ré, a título de excepção, tendo declarado a incompetência do Tribunal para apreciar e conhecer da excepção de invalidade da Patente Europeia n.° 1448207, deduzida pela demandada na sua contestação.

Tal decisão assentou na seguinte fundamentação:

É verdade que, no âmbito desse procedimento, aos demandados (requerentes das AIM's) é assegurado o direito de defesa. Mas seria estranho que, relativamente a patentes em fim de vida, os requerentes de AIMs viessem invocar a respectiva invalidade para sustentar a procedência do pedido - tendo tido amplas oportunidades para o fazer em momento anterior - assim como seria estranho, muito estranho mesmo, que o pudessem fazer relativamente a patentes com prazos de vigência muito extensos, estando mais do que a tempo de impugnar a respectiva validade perante os tribunais judiciais competentes, em acção rodeada de especiais cautelas e em que podem intervir todos os interessados. Admiti-lo, seria abrir a porta para se contornar a limitação estabelecida pelo art. 35.° n.° 1 do CPI, privando esta disposição de grande parte do seu significado, pelo menos no que se refere às patentes de medicamentos. Com efeito, em elevado número de casos, os interessados na comercialização de medicamentos genéricos não teriam qualquer interesse em lançar mão da acção de nulidade, prevista naquele preceito legal, já que lhe será mais proveitoso (até pela vantagem competitiva que lhes advirá de uma eventual decisão favorável) recorrer ao subterfúgio consistente em requerer a concessão imediata de AIM para, suscitando a reacção do titular dos direitos exclusivos, atacar por via oblíqua a validade da patente e fazer apreciar a questão no âmbito de um processo que, na sua tramitação e extensão subjectiva, não se equipara à acção de nulidade regulada por lei.

De resto, a própria expressão literal do art. 2° da Lei n.° 62/2011 parece contradizer essa asserção. Aí se refere que os «litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial (...) relacionados com medicamentos de referência (...) e medicamentos genéricos (...) ficam sujeitos a arbitragem necessária» (sublinhado nosso; cfr. também, o art. 3.° n.° 1). Não se afigura, pois, ficar abrangida a discussão sobre a existência ou a validade da própria patente. Até porque se trata de um procedimento que se pretende célere e que, por isso, não se compadece com o aprofundamento dessa questão.

Não parece, portanto, ter sido intenção do legislador deslocar para os tribunais arbitrais todos os aspectos do contencioso gerado em torno de pedidos de AIM que envolvam a violação de patentes que se encontrem em vigor.

Salvo o devido respeito, não se revela também procedente o argumento, aduzido pela demandada, segundo o qual este Tribunal se vinculou a apreciar a questão da validade da Patente Europeia n.° 1448207 quando adoptou a Acta de Instalação por que se rege a presente arbitragem. Com efeito, a disposição deste documento a que a demandada se reporta limitou-se a prever a possibilidade de um aumento dos encargos da arbitragem (respeitantes aos honorários dos árbitros), caso fosse «suscitada qualquer excepção de invalidade ou de ineficácia de uma patente» ou houvesse «incidentes da instância». Ora, como se verifica pela necessidade de elaboração do presente despacho, a simples invocação da excepção de invalidade da patente determina um acrescido labor ao tribunal, na medida em que implica a análise e decisão sobre um delicado problema de arbitrabilidade e de competência do tribunal. Terá sido isso (e apenas isso) que se pretendeu acautelar com a referida disposição, sem fazer qualquer pré-juízo sobre o sentido da resposta que o Tribunal iria dar ao problema.

Seria, de resto, inédito que uma disposição tendente a regular o modo de determinação dos encargos de uma arbitragem pudesse, por si mesma, facultar um alargamento do respectivo objecto. Este surge claramente delimitado no ponto 7 da mesma Acta de Instalação, onde se afirma que o «objecto do litígio decorre do que consta do fax enviado pelas demandantes à demandada, em anexo a esta acta, e consiste no exercício dos direitos que as demandantes invocam, nomeadamente os constantes do disposto no artigo 101.° do Código de Propriedade Industrial e que, no caso concreto, decorrem da Patente Europeia n.° 1448207, sendo o medicamento de referência o "Norlevo", relativos aos medicamentos genéricos com a substância activa "Levonorgestrel", constantes da lista publicada pelo Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, na respectiva página electrónica, em 10.05.2013, e que se contenham no âmbito da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro».

Ora, como aparenta ser óbvio, as regras do ponto 39 da Acta de Instalação subordinam-se ao objecto do litígio definido pela disposição que acaba de se transcrever, não podendo constituir qualquer indicação sobre o sentido da decisão do tribunal a respeito da admissibilidade ou não do alargamento deste último para além dos limites que o tribunal considerar compreendidos «no âmbito da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro».

Acrescenta-se uma última nota para salientar o facto de, como atrás se observou, a controvérsia que divide as partes incidir sobre uma Patente Europeia cujo período normal de vigência se estende até ao ano de 2022. A demandada, querendo fazê-lo, está muito a tempo de sujeitar a validade da PE n.° 1448027 ao escrutínio do tribunal competente para esse efeito: o Tribunal da Propriedade Intelectual. A decisão que ora se profere não coloca, portanto, minimamente em causa a efectividade da tutela jurisdicional dos direitos que a demandada se arroga. Aliás, a tese que sustenta a competência dos tribunais arbitrais para apreciar a questão da invalidade das patentes a título incidental é que poderá suscitar enormes reservas quanto à salvaguarda desse direito, na medida em que, a proceder tal entendimento, caso o titular de uma AIM não invoque a excepção de invalidade no âmbito da acção arbitral necessária, poderá ver precludir o direito de o fazer mediante pedido autónomo, em consequência do disposto no art. 489º, nº1, do CPC ( que impõe que todos os meios de defesa devem ser deduzidos na contestação).

Este acórdão teve voto de vencido em cuja declaração se pode ler "... entendo que o Tribunal Arbitral deveria ter admitido a sua competência para julgar, a título incidental, a dita excepção... "- com base na seguinte linha argumentativa:

Essa competência é, acima de tudo, uma exigência dos princípios do contraditório e do processo justo que a Constituição da República Portuguesa garante no art. 20.° n.° 4; pois de outro modo o demandado numa acção fundada na alegada violação de patente ficaria inibido de contraditar factos essenciais invocados pelo demandante como causa de pedir, restringindo-se assim de modo intolerável os seus direitos de defesa. Os fundamentos do Processo Civil português reclamam, pois, a meu ver, o reconhecimento aos Tribunais Arbitrais da competência para conhecerem e julgarem, a título incidental, a excepção de invalidade da patente deduzida pelos demandados nas arbitragens necessárias instituídas pela Lei n.° 62/2011.

É precisamente por isso que o art. 91.° n.° 1 do Código de Processo Civil estabelece que o Tribunal competente para a acção o é também para conhecer das questões que o réu suscite como meio de defesa; regra esta que vale também, atentas as razões que a fundamentam, para a arbitragem. (...)

Este argumento é, desde logo, contrariado pelo facto, a que se aludiu acima, de em diversos Estados Membros da União Europeia se admitir hoje a competência dos tribunais arbitrais para conhecerem incidentalmente da validade de patentes. (...)

A isto se deve acrescentar que o risco de decisões contraditórias sobre a questão da validade da patente, a que se faz referência no dito despacho em apreço, é devidamente acautelado pela previsão, no art. 3.° n.° 7 da Lei n.° 62/2011, de que das decisões arbitrais proferidas nas arbitragens instauradas ao abrigo deste diploma legal cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, assim se assegurando a uniformização da jurisprudência sobre as matérias decididas pelos referidos tribunais. Pelo que este argumento contrário à competência arbitral para julgar a oponibilidade de uma patente tem de ser tido como imprudente. (...)

Não são, porém, apenas esses os interesses em jogo nesta matéria. Porquanto não pode negar-se a existência, na esfera jurídica dos potenciais utilizadores de bens intelectuais e do público consumidor em geral, de um interesse igualmente atendível na supressão e ineficácia de títulos de propriedade industrial indevidamente atribuídos, os quais coartam ilegitimamente a liberdade de utilização e fruição desses bens. Eis porque a meu ver, se justifica que o exclusivo legal possa também ser impugnado por aquele a quem o mesmo foi oposto na própria acção tendente à sua efectivação como sucede no caso vertente. Sendo que esse interesse se mostra aqui particularmente ponderoso, dado, por um lado, que a demandada é uma fabricante de medicamentos genéricos que se vê forçada a defender-se perante uma instância arbitral que não foi por si escolhida; e por outro, que em última análise é o erário público que suportará os custos acrescidos da indisponibilidade desses genéricos no mercado enquanto prevalecer a patente em causa.

E hoje incontestado que todo o regime dos direitos intelectuais assenta num equilíbrio de interesses. Se entre estes avultam, de um lado, os dos titulares desses direito em disporem de modo exclusivo dos bens que os mesmos têm por objecto, colhendo os benefícios materiais da sua exploração, não são menos relevantes, do outro os interesses dos potenciais utilizadores desses mesmos bens em poderem usá-los e frui-los livremente. É justamente a necessidade de preservar esse equilíbrio de interesses que reclama que, embora a lei mande presumir a validade das patentes, pelas razões de certeza e segurança jurídicas apontadas no douto despacho em apreço, esta presunção possa ser ilidida num processo que vise o seu enforcement.

A não ser assim, todos os que pretendessem utilizar bens intelectuais que pudessem, ainda que por remota hipótese, ser objecto de exclusivos alheios teriam - arcando com os custos a isso inerentes - de demandar preventivamente os que porventura se arrogassem tais exclusivos, a fim de obterem a declaração judicial da respectiva invalidade ou inexistência. O que é inconcebível num Estado de Direito assente, em matéria de utilização daqueles bens, num princípio de liberdade. (...)

A ratio da Lei n.° 62/2011 consiste em transferir, em primeira instância, dos Tribunais do Estado para tribunais extrajudiciais o contencioso - todo ele e não apenas uma parte - gerado à volta das Autorizações de Introdução no Mercado de medicamentos genéricos e agilizar a sua resolução. Se as questões relacionadas com a validade das patentes invocadas nas arbitragens necessárias instauradas ao abrigo dessa Lei não puderem ser conhecidas pelos tribunais arbitrais constituídos ao abrigo dela, continuará uma parte substancial daquele contencioso afecto aos tribunais do Estado, com as consequências que o legislador quis evitar: a incerteza sobre a ocorrência de violação, ou não, de direitos de propriedade industrial por parte dos medicamentos genéricos que pretendem aceder ao mercado e a multiplicação dos litígios judiciais relacionados com a existência de direito de propriedade industrial a favor de outrem .

[Recurso. Acórdão do TRL]

2. Inconformada com tal decisão, apelou a sociedade CC, tendo a Relação revogado o saneador-sentença recorrido, devendo o Tribunal Arbitral prosseguir com os ulteriores trâmites processuais e consequente apreciação da excepção invocada pela ré , CC, Ldª.

(omissis)

[Recurso para o STJ]

3 . Inconformadas, interpuseram as AA/requerentes recurso de revista, que encerraram com as conclusões que constam de fls. 93 e segs.

Por sua vez, a requerida contra alegou, encerrando tal peça processual com as conclusões de fls. 149 e segs.

[Questão a apreciar: recorribilidade para o Supremo. Acórdão de 26.03.2015]

4. Pelo relator foi proferido o seguinte despacho:

As recorrentes começam por suscitar uma questão prévia quanto à admissibilidade do recurso de apelação, interposto, imediata e autonomamente, da decisão - de natureza procedimental - contida no saneador proferido no processo arbitral, sem aguardar a prolação da decisão final sobre o litígio – sustentando que não seria admissível recurso imediato da decisão interlocutória aqui em causa, só sendo processualmente admissível tal impugnação conjuntamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final.

Considera-se, porém, que esta questão, só agora suscitada, após prolação do acórdão da Relação sobre o recurso de apelação interposto e admitido, sem que qualquer das partes questionasse a sua admissibilidade e o regime de subida imediata e autónoma, se deve ter por precludida; note-se que o que está em causa não é a recorribilidade da decisão em que o Tribunal arbitral necessário se considerou materialmente incompetente para apreciar a matéria de certa excepção peremptória deduzida, mas apenas e tão somente a admissibilidade de tal recurso enquanto apelação autónoma, com imediata subida à Relação, na fase de saneamento do processo (e não apenas conjuntamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final): ora, considera-se que tal questão ficou ultrapassada com a prolação do acórdão da Relação sobre o objecto da referida apelação autónoma, sem que nenhuma das partes tivesse questionado oportunamente a respectiva admissibilidade, não constituindo a antecipada decisão da matéria objecto da apelação, admitida e julgada pelo Tribunal ad quem, causa de nulidade do acórdão já proferido pela Relação.

Afigura-se, porém, pertinente suscitar outra ediversa questão prévia, em sede de recorribilidade, agora para o Supremo, ouvindo as partes sobre a mesma, ao abrigo da regra do contraditório: e tal questão reconduz-se à admissibilidade de interposição de revista para este STJ do acórdão proferido nos autos pela Relação no âmbito do recurso especificamente previsto no art.7º da Lei 62/2011 .

Note-se, por um lado, que o requerimento de interposição de recurso não é absolutamente claro sobre se tal revista se funda no regime geral de recorribilidade ou se, pelo contrário, tem algum fundamento específico, reconduzindo-se nomeadamente aos casos em que, a título excepcional, o recurso é sempre admissível.

Por outro lado, não pode deixar de ter-se em consideração o precedente resultante do Ac. de 26/3/2015, proferido no P. 1203/13 nesta mesma Secção, em que se entendeu que a referida norma inviabiliza em absoluto o acesso ao Supremo, mesmo nos casos em que a revista poderia ser admitida ao abrigo das situações previstas no art. 629º, nº2, do CPC – concluindo que ( como resulta do respectivo sumário, publicado em Sumários de Acórdãos do STJ):

No que tange à arbitragem necessária no âmbito da Lei nº 62/2011, de 12/12 – que criou um novo regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos – quis o legislador deixar explícito que a garantia constitucional de acesso a um tribunal estadual – o Tribunal da Relação – exclui o recurso de revista para o STJ.

Nestes termos e ao abrigo do disposto no art. 655º do CPC determino a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a admissibilidade da revista, juntando, para o efeito, cópia do acórdão proferido no P. 1203/13.

[Pronunciamento da recorrente: contradição de julgados. Posição do STJ]

4. A recorrente veio pronunciar-se acerca da questão prévia suscitada através do requerimento de fls. 187 e segs, em que peticiona a correcção de alegado lapso material de escrita que constaria do requerimento de interposição da revista, decorrente de o doc. Word não ter aceite a alteração introduzida no texto, no sentido de o recurso interposto ser, afinal, uma revista excepcional, fundada em contradição do decidido no acórdão recorrido com a solução adoptada no ac. da Relação de Lisboa de 13/2/14, proferido no P. 1053/13.7YRLSB-2, já transitado em julgado – art. 672º, nº1, al. c) do CPC.

Este requerimento de alteração do teor do requerimento de interposição de recurso não pode, porém, manifestamente, ser deferido: na verdade, a invocação de um lapso de escrita, rectificável a todo o tempo, pressupõe que o mesmo seja detectável face ao contexto da peça processual apresentada, dela transparecendo claramente: tal não sucede obviamente no caso dos autos, já que nenhum lapso de escrita resulta da análise do teor literal do requerimento de interposição da revista, nada nela indiciando que se esteja perante uma revista excepcional, como agora se vem pretender.

Saliente-se que – como decorre do estatuído no art. 672º, nº2, do CPC – o requerente que pretenda lançar mão da revista excepcional deve necessariamente invocar o respectivo fundamento específico no próprio requerimento de recurso, sob pena de imediata rejeição : ou seja, incide sobre o recorrente o ónus de configurar o recurso que pretende interpor como sendo de revista excepcional, invocando logo o fundamento que a suporta – sendo irremediavelmente preclusivo o não cumprimento desse ónus pelo recorrente, já que a lei de processo exclui claramente qualquer possibilidade de ulterior suprimento ou aperfeiçoamento.

Acresce que – no concreta situação dos autos – o recurso interposto nunca se poderia perspectivar como revista excepcional, já que não se verifica dupla conformidade entre o decidido maioritariamente, em 1ª instância, pelo tribunal arbitral e a solução que a Relação, no acórdão recorrido, entendeu consagrar , revogando precisamente o saneador sentença e determinando o prosseguimento dos autos, com apreciação da matéria da excepção invocada.

Na verdade, a revista excepcional é – no sistema de recursos que nos rege desde 2008 – a via procedimental destinada precisamente a contornar o obstáculo ao normal acesso ao STJ que decorre da existência de dupla conforme – não devendo confundir-se com outras situações processuais em que a revista está condicionada a determinados pressupostos específicos, nomeadamente, a existência de um conflito jurisprudencial que urge resolver; ou seja: nem todos os recursos que se fundam na invocação de um específico fundamento devem configurar-se como sendo revistas excepcionais, sujeitas ao regime contido actualmente no art. 672º do CPC – que pressupõe necessariamente a prévia existência de uma situação de dupla conforme, inibidora do acesso ao STJ, nos termos do disposto no art. 671ºn º3, do CPC.

[Apreciação do STJ. Acórdão interlocutório sobre a recorribilidade]

5. Importa, pois, verificar se o recurso interposto pela entidade recorrente – perspectivado como revista normal - é ou não amissível, perante, nomeadamente, a norma constante do n.º 7 do art. 3º da Lei 62/11; ou seja, o que está em causa é fundamentalmente a interpretação desta norma, que estabelece que da decisão proferida pelo tribunal arbitral necessário cabe recurso para o Tribunal da Relação competente : significará este regime recursório quesó é admissível recurso até à Relação, estando absolutamente excluída a possibilidade de aceder ao STJ? ou, pelo contrário, tal norma deverá ser interpretada como consagrando apenas que o órgão jurisdicional competente para exercer o duplo grau de jurisdição sobre as decisões arbitrais é a Relação cabendo do acórdão por esta proferido as possibilidades impugnatórias normalmente existentes na lei de processo?

Considerando a relevância desta questão, entende-se ser pertinentedestacá-la da questão que constitui objecto do recurso, decidindo-a imediatamente em acórdão interlocutório – e só se passando naturalmente à apreciação da questão de mérito se obtiver vencimento a tese de que é admissível, na situação dos autos, revista normal para o STJ : para tal contribui decisivamente a circunstância de a interpretação do referido nº7 não ser pacífica nesta própria Secção ( veja-se o Ac. de 26/3/15, atrás citado, subscrito por dois Exmos. Juízes Conselheiros que irão intervir no julgamento desta revista) e a complexidade da questão que integra o objecto do recurso, não fazendo sentido abordá-la de modo aprofundado sem estar definitivamente dirimida a questão prévia da recorribilidade.

E, por estas razões, considera-se aplicável, por analogia, o preceituado no nº4 do art. 552º do CPC para o julgamento das reclamações, considerando que a questão prévia da recorribilidade, nestas circunstâncias, aconselha decisão imediata, tomada antecipadamente ao acórdão que – se prevalecer a tese da recorribilidade para o STJ – irá apreciar a questão de fundo que constitui objecto da revista interposta.

[Situação distinta da decidida no Acórdão de 26.03.2015. Admissibilidade do recurso «in casu»]

6. Saliente-se liminarmente que a situação dos autos é diferente da dirimida no citado Ac. de 26/3/15, em que estava em causa a interposição de recurso de revista de uma decisão proferida acerca de uma providência cautelar - tendo-se entendido que das providências cautelares decididas no âmbito da arbitragem não há nunca recurso para o STJ, mesmo que possa estar em causa a invocação de um conflito jurisprudencial (que, segundo o regime geral consagrado no CPC, tornaria possível a revista, nos termos do art. 370º, nº2, do CPC).

Ora, não parece que – fora do âmbito específico das decisões provisórias e cautelares – se deva interpretar rigidamente a norma constante do citado nº7 do art. 3º como consagrando uma exclusão absoluta da possibilidade de acesso ao STJ, relativamente aos acórdãos da Relação que se pronunciem sobre decisões tomadas pelo tribunal arbitral necessário; desde logo, a letra do preceito não revela tal intuito absolutamente excludente e restritivo: na verdade, não se diz na norma que das decisões arbitraissó cabe recurso até à Relação, mas que tais decisões são impugnáveis perante a Relação competente – sendo a norma silente acerca das possibilidades impugnatórias eventualmente existentes quanto ao acórdão que a Relação venha a proferir.

É certo que é subsidiariamente aplicável em sede dearbitragem necessária o regime vigente quanto à arbitragem voluntária: tal decorre do art. 1085º do CPC e é especificamente estatuído na própria Lei 62/11, ao estabelecer-se (nº8 do art. 3º) que vale aqui subsidiariamente o regime geral da arbitragem voluntária.

Ora, se é certo que na LAV as possibilidades de impugnação das decisões arbitrais para o tribunal estadual estão fortemente comprimidas, dependendo de expresso acordo das partes na própria convenção (art. 39º, nº4), afigura-se, todavia, que este regime excludente da recorribilidade tem de ser apreciado com particulares cautelas quando passamos para o domínio da arbitragem necessária.

Desde logo, não pode perder-se de vista que – mesmo na arbitragem voluntária – é necessário distinguir entre a impugnação da decisão arbitral e a impugnabilidade da decisão que – sendo possível o recurso da decisão arbitral para o tribunal estadual –por este venha a ser proferida sobre o litígio: é que a norma constante do nº8 do art. 59º da LAV estabelece que salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.

Ou seja: é necessário distinguir claramente os planos da admissibilidade de recurso da própria decisão arbitral (efectivamente restringida de modo muito intenso na LAV) e da possibilidade de recurso da decisão que o tribunal estadual competente – a Relação – vier a tomar sobre o decidido pelo tribunal arbitral , vigorando, neste caso, as possibilidades recursórias normalmente previstas na lei de processo : e, deste modo, as decisões proferidas pelos tribunais estaduais sobre decisões arbitrais terão os recursos previstos normalmente na lei de processo, salvo se tal recorribilidade se mostrar expressamente afastada.

Ora, no caso dos autos, não se afigura que à norma constante do citado nº 7 do art. 3º deva ser atribuído o sentido de excluir em absoluto todas as possibilidades impugnatórias consagradas na lei de processo, referentemente aos acórdãos proferidos pela Relação – pelo que a revista sempre caberia ainda no âmbito do citado nº8 do art. 59º da LAV, conjugado com a remissão operada pelo nº8 do art. 7º da Lei 62/11.

Acresce que as razões que conduzem à forte restrição da recorribilidade, no âmbito da arbitragem voluntária, podem não valer, do mesmo modo e com a mesma intensidade, no campo da arbitragem necessária: saliente-se que o TC, em jurisprudência recente, tem condicionado a própria admissibilidade da arbitrabilidade necessária em determinadas áreas litigiosas à condição de o regime procedimental de funcionamento do tribunal arbitral necessário contemplar ou não mecanismos que proporcionem aos tribunais estaduais, com suficiente abrangência para salvaguardar os valores constitucionais em presença, a última palavra na resolução dos litígios submetidos, em primeira linha, à jurisdição arbitral necessária, através da adequada e suficiente via do recurso .

Esta questão foi analisada recentemente pelo TC nos Acs.781/2013 e 123/2015, a propósito de dois tribunais arbitrais necessários recentemente introduzidos no nosso ordenamento jurídico - respectivamente, o Tribunal Arbitral do Desporto e a Arbitragem Necessária instituída em sede de direitos de propriedade industrial quanto a medicamentos de referência ou genéricos, que agora nos ocupa.

E, nosdoiscasos subjacentes a tais arestos, revelou-se decisivo para o diferente julgamento da questão de constitucionalidade, suscitada nesta sede e referente à admissibilidade constitucional de criação legislativa de situações de arbitrabilidade necessária em determinadas matérias litigiosas, precisamente o âmbito do recurso para o tribunal estadual competente consentido à parte vencida (não bastando, na jurisdição desportiva, o estabelecimento de mecanismo análogo ao da revista excepcional, mas sendo suficiente, no campo da propriedade industrial de patentes de medicamentos, a ampla garantia de acesso aos Tribunais da Relação, decorrente precisamente do citado nº7 do art. 3º da Lei 62/11).

Embora se não possa inferir obviamente deste entendimento jurisprudencial a consagração, nesta área, de um irrestrito triplo grau de jurisdição quanto às decisões proferidas em sede de arbitragem necessária, não deixa de ser certo que a ideia base de que só excepcionalmente deve ser possível o recurso em matéria arbitral – que efectivamente vigora no campo da arbitragem voluntária – deixa de ter pleno cabimento quando passamos à arbitragem necessária, assente, não no primado daautonomia da vontade das partes, mas na imposição heterónoma de um específico e peculiar órgão jurisdicional aos litigantes.

Ora – mesmo para quem considere que a referida norma, constante do nº 7 do art. 3º em análise, não deve ser interpretada em termos de conceder um amplo acesso ao STJ, relativamente às decisões proferidas pela Relação sobre decisões do tribunal arbitral necessário (que poderia decorrer da conjugação desta norma com a do art. 59º, nº 8 da LAV) - afigura-se que, no específico caso dos autos, o acesso ao STJ não poderá deixar de ter cabimento, por duas razões fundamentais:

- a primeira delas, é que o presente litígio acaba por incidir sobre a delimitação da competência material do próprio tribunal arbitral necessário : o que está fundamentalmente em causa é saber se a competência em razão da matéria de tal órgão jurisdicional inclui ou não a apreciação da questão da nulidade de uma patente, suscitada pelo interessado como simples excepção peremptória (ou se, pelo contrário, apenas detém competência material para apreciar tal matéria litigiosa, independentemente da forma ou modo processual como se mostre suscitada, o Tribunal da Propriedade Intelectual): ora, como é sabido, cabe sempre recurso , independentemente do valor da causa e da sucumbência, das decisões que hajam apreciado matéria de competência absoluta do tribunal, nos termos do art. 629º, nº2, al. a) , do CPC;

- depois, porque, no caso dos autos, está sedimentada uma contradição jurisprudencial ao nível da Relação de Lisboa – Tribunal competente para apreciar os recursos das decisões do tribunal arbitral necessário – bastando pôr em confronto o acórdão recorrido com o acórdão de 13/2/14 invocado pelo recorrente, em que se decidiu - em frontal contradição com o acórdão recorrido -- que o tribunal arbitral previsto no art.º 3.º da Lei n.º 62/2011 (para dirimir litígios entre empresas de medicamentos genéricos e entre empresas de medicamentos de referência respeitantes a direitos de propriedade industrial) não tem competência para apreciar, ainda que a título de mera exceção, a invalidade de patente.

Ora, nestas circunstâncias, sedimentado, ao nível das Relações, um conflito jurisprudencial sobre matéria atinente à delimitação do âmbito da competência material do próprio tribunal arbitral necessário (questão que, aliás, não é pacífica entre os próprios juízes árbitros), é evidente que a única via possível para o solucionar, em homenagem aos valores da certeza e segurança na aplicação do direito, só pode resultar da possibilidade de interposição de revista, ao menos alicerçada neste específico fundamento. A não ser assim, poderiam eternizar-se decisões contraditórias sobre este tema de fulcral importância, não se compreendendo que a lei de processo não contemplasse nenhuma via ou remédio para solucionar este conflito jurisprudencial, que assim se poderia perpetuar indefinidamente, até que se verificasse intervenção legislativa na matéria…

Pode, aliás, considerar-se como princípio geral subjacente ao nosso actual ordenamento adjectivo a existência de um específico mecanismo recursório que – mesmo em matérias que, pela sua natureza, não comportem a possibilidade de acesso ao STJ – se destine a suprir ou resolver conflitos jurisprudenciais que, sem ele, se poderiam eternizar: valham como exemplos – para além das normas constantes da al. d) do nº2 do art-. 629º e do art. 370º, nº2 do CPC :

- o - Art. 66ºdo C. Expropriações: Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida.

- O art. 14º do CIRE: 1 - No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.

- O art. 46º do CPI: 1 - Da sentença proferida cabe recurso, nos termos da lei geral do processo civil, para o tribunal da Relação territorialmente competente para a área da sede do tribunal de propriedade intelectual, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo. 2 - As decisões do tribunal de propriedade intelectual que admitam recurso, nos termos previstos no regime geral das contra-ordenações e nos artigos 80.º a 92.º do Regulamento (CE) n.º 6/2002, do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, e nos artigos 95.º a 105.º do Regulamento (CE) n.º 207/2009, do Conselho, de 26 de Fevereiro, são impugnáveis junto do tribunal da Relação territorialmente competente para a área da sede do tribunal de propriedade intelectual. 3 - Do acórdão do Tribunal da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível.

- O art. 117.º-L do C. Reg. Predial: 1 - Da sentença proferida no tribunal de 1.ª instância podem interpor recurso para o tribunal da Relação os interessados e o Ministério Público. 2 - O recurso, que tem efeito suspensivo, deve ser interposto no prazo de 30 dias. 3 - Para além dos casos em que é sempre admissível recurso, do acórdão da Relação cabe, ainda, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos seguintes: a) Quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Quando estejam em causa interesses de particular relevância social; c) Quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

- O art. Artigo 240.º do C. Reg. Civil: 1 - Da sentença cabe recurso, com efeito suspensivo, para a Relação. 2 - Podem recorrer os interessados, o conservador e o Ministério Público. 3 - Do acórdão da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.

Na realidade, em todos estes casos em que o legislador entendeu vedar, em regra, o acesso ao STJ (por entender que já foi exercido o triplo grau de jurisdição sobre a matéria do montante da indemnização a arbitrar ao expropriado, por a decisão da comissão avaliação provir já de um tribunal arbitral , por considerar que a apreciação da impugnação originariamente deduzida perante autoridades administrativas com autonomia técnica e vinculadas a critérios de legalidade e imparcialidade – como ocorre com os conservadores e com o INPI – deve dispensar o normal exercício do triplo grau de jurisdição sobre a matéria em litígio , por entender que a urgência dos procedimentos – cautelares, de insolvência - deve dispensar o sistemático exercício de um triplo grau de jurisdição pelo STJ…), tratou sempre de ressalvar a possibilidade de se aceder ao Supremo mediante invocação do específico fundamento que torne a revista sempre admissível – desde logo, a existência de um conflito jurisprudencial ao nível das Relações que, sem esta via particular de recurso, se poderia consolidar irremediavelmente, sem solução à vista.

[Decisão]

7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados decide-se a questão prévia da recorribilidade, interpretando a norma constante do nº3 do art, 7º da Lei 62/11 como não excluindo a possibilidade de recorrer para o STJ do acórdão proferido pela Relação sobre a decisão arbitral, ao menos nos casos em que ocorram situações em que – nos termos previstos no nº2 do art. 629º do CPC - o recurso é sempre admissível, o que torna admissível a revista interposta.

Custas pela parte que, a final, ficar vencida.

Lisboa, 23 de Junho de 2016

Lopes do Rego (Relator) / Orlando Afonso / Távora Victor


II

Acórdão do STJ de 2.02.2017 [iv]

Sumário:

I. No âmbito dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos, não é admissível recurso do acórdão do Tribunal da Relação, nos termos do n.º 7 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.

II. A contradição de julgados no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, para efeitos de recurso, pressupõe também a coincidência dos mesmos factos em ambas as decisões.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

AA e BB, S.A., assim como CC interpuseram revista excecional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de abril de 2016, que, julgando parcialmente procedente a apelação da AA e da BB e improcedente a apelação de CC, alterou a decisão recorrida, absolvendo aquelas do pedido de não transmitir a terceiros as respetivas AIMs identificadas nos autos, confirmando no mais.

Por acórdão de 30 de dezembro de 2014, o Tribunal Arbitral condenara as ora Recorrentes a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importarem, fabricarem, armazenarem, introduzirem no comércio, venderem ou oferecerem os medicamentos genéricos contendo como princípios ativos telmisartan e hidroclorotiazida em associação fixa identificados nos pontos 51, 52 e 53 da matéria de facto, enquanto a EP 1545467 se encontrar em vigor e também a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas nos pontos 51, 52 e 53 da matéria de facto, até 18 de setembro de 2023, com base nos direitos emergentes da EP 1545467.

DD, EE, e FF, Lda., Recorridas, contra-alegaram, designadamente pela inadmissibilidade da revista excecional.

Distribuído o processo como revista excecional, a Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), proferiu acórdão, em 18 de outubro de 2016, nos termos do qual decidiu não admitir a revista excecional e ordenar ainda a remessa dos autos para serem distribuídos como revista normal.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir sobre a admissibilidade dos recursos.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Descrita a dinâmica processual, importa saber se os recursos interpostos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito da ação arbitral, proposta ao abrigo do regime criado pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, são, ou não, admissíveis.

[Regra da inadmissibilidade de recurso de revista: art. 7.3 da Lei 62/2011]

Desde logo, resulta do disposto no n.º 7 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011 que da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente.

Assim, a impugnação da decisão arbitral realiza-se perante o Tribunal da Relação, não sendo admissível a revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Na verdade, a arbitragem, voluntária ou necessária, constitui um meio alternativo de resolução de litígios, regido por um regime específico, no qual a impugnação das decisões, pela via do recurso, é muita limitada ou até mesmo inexistente, como no caso da decisão arbitral ter julgado segundo a equidade ou mediante composição amigável.

Para além da norma específica do n.º 7 do art. 3.º da Lei n,º 62/2011, importa referir que foi intenção clara do legislador, com a fixação do regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, consagrar um procedimento célere e expedito, de modo a garantir que, uma vez autorizada ou registada a introdução no mercado de medicamento de uso humano, possa estar acessível ao público interessado, com vantagens, nomeadamente quanto ao seu uso e custo (DÁRIO MOURA VICENTE, O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes (Lei n.º 62/2011), Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, Out./Dez. 2012, pág. 976).

A admitir-se o recurso do acórdão da Relação, para o Supremo Tribunal de Justiça, estar-se-ia a contrariar, abertamente, o procedimento célere e expedito criado pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.

Por outro lado, perante o regime específico desta Lei, não pode relevar sequer o entendimento de que o disposto no art. 59.º, n.º 8, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, possibilita o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, no âmbito dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos, não é admissível recurso do acórdão do Tribunal da Relação, nos termos do n.º 7 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.

[Casos em que o recurso é sempre admissível. Contradição de julgados]

Todavia, o recurso já poderá ser recebido naqueles casos em que seja sempre admissível, designadamente no de contradição de julgados referida no art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

Nesta situação, o legislador privilegiou a uniformização da jurisprudência, obstando à contradição de julgados e conferindo mais segurança à aplicação do direito.

[Decisões contraditórias e (meras) decisões divergentes]

As Recorrentes AA e BB, S.A., alegaram a contradição de julgados, indicando como contrário o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de fevereiro de 2016 (processo n.º 850/15.3YRLSB).

No entanto, a matéria de facto subjacente ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento é distinta, nomeadamente quanto à Patente Europeia n.º 1545467, como se depreende da resposta negativa ao ponto 26 do “guião da prova”, no acórdão recorrido, e as respostas aos temas da prova 5 e 6, no acórdão fundamento.

A contradição de julgados no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, para efeitos de recurso, pressupõe também a coincidência dos mesmos factos em ambas as decisões. Divergindo as decisões, nomeadamente por efeito de diferente materialidade, as decisões podem ser diversas, mas não são contraditórias. A mera diversidade de decisões, no entanto, não justifica a interposição de recurso, porquanto, em termos de aplicação do direito, não reveste a mesma gravidade que atinge a contradição de julgados, designadamente quanto à segurança jurídica.

[Conclusão. Decisão]

Assim, e ao contrário do alegado, não se pode afirmar que o acórdão recorrido esteja em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de fevereiro de 2016, ainda que ambos divirjam.

Consequentemente, não há fundamento para a admissão do recurso, baseado no art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

Deste modo, quer pelo disposto no art. 3.º, n.º 7, da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, quer também por não ser aplicável o estatuído no art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, são inadmissíveis os recursos interpostos.

Sendo inadmissíveis os recursos, não pode conhecer-se do seu objeto.

2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. No âmbito dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos, não é admissível recurso do acórdão do Tribunal da Relação, nos termos do n.º 7 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.

II. A contradição de julgados no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, para efeitos de recurso, pressupõe também a coincidência dos mesmos factos em ambas as decisões.

2.3. As Recorrentes, ao ficarem vencidas por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das respetivas custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Não conhecer do objeto das revistas.

2) Condenar as Recorrentes no pagamento das respetivas custas.

Lisboa, 2 de fevereiro de 2017

Olindo Geraldes (Relator)

Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza (Vencida. Entendo que do nº 3, do artº 3º da Lei 62/2011 não resulta que não é admissível recurso para o S.T.J. nos termos gerais)

III

Comentário

1. Inadmissibilidade de recurso para o Supremo das decisões tomadas no âmbito das ações especiais do artigo 3 da Lei 62/2011 (art. 3.7)

Como se observou na nota introdutória, concordamos com a interpretação do artigo 3.7 da Lei 62/2011 acolhida no Acórdão de 7.12.2017. Estando em causa o recurso de uma decisão final proferida no âmbito das ações especiais reguladas neste preceito legal, apenas haverá recurso para o TRL. Ressalvam-se os casos de existência de decisões contraditórias deste Tribunal («infra», 3).

2. Admissibilidade do recurso de revista acerca do âmbito da competência exclusiva dos tribunais arbitrais necessários

Concordamos também com a doutrina do Acórdão de 23.06.2016, pelas razões nele expostas. Acresce às mesmas a circunstância de a limitação dos recursos no nº 7 daquele artigo 3 respeitar apenas às decisões finais proferidas na ação especial regulada neste preceito legal.

3. Admissibilidade de recurso em caso de contradição de julgados. Decisões diversas e decisões contraditórias

Concordamos, ainda, com ambos os Acórdãos, no que respeita à admissibilidade de recurso, mesmo no âmbito das ações do artigo 3 da Lei, quando haja contradição de julgados. O recurso de revista assume aqui um especial significado, designadamente do ponto de vista da igualdade concorrencial.

4. Admissibilidade do recurso de revista para as decisões arbitrais proferidas em processos de infração

As ações do artigo 3 da Lei 62/2011 devem ser claramente distinguidas das ações de infração. Quanto a estas, como sucede com as ações de invalidade, não existe base legal para um desvio à regra geral da admissibilidade de recurso de revista [v] .

5. Decisões sobre providências cautelares

Finalmente, realça-se a afirmação no Acórdão de 26.03.2015, citado no Acórdão de 23.06.2016, de que as instâncias de recurso também ficam limitadas no que respeita às decisões sobre providências cautelares.



[i] Relator: Lopes do Rego. Proc. nº 1248/14.6YRLSB.S1. Fonte: www.dgsi.pt.

[ii] Relator: Olindo Geraldes. Proc. nº nº 393/15.5YRLSB.S1. Fonte: www.dgsi.pt.

[iii] Relator: Lopes do Rego. Proc. nº 1248/14.6YRLSB.S1. A decisão final sobre a competência dos tribunais arbitrais, desfavorável à mesma, consta do Acórdão de 14.12.2016 (Lopes do Rego) (mesmo processo).

[iv] Relator: Olindo Geraldes. Proc. nº 393/15.5YRLSB.S1. Fonte: www.dgsi.pt.

[v] Cfr. Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2015), p. 110, e Pi nº 4 (2015), p. 38.