EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes

Liberdade de empresa, concorrência e direito industrial.

Enquadramento geral

Nos termos do art. 61.1 da Constituição (CRP), «a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei», tendo, ainda em conta o interesse geral. Está aqui em causa a liberdade de empresa, por contraposição à liberdade profissional autónoma prevista no art. 47.1 da CRP.

O presente texto foca-se nesta liberdade - com as implicadas liberdade de concorrência, de comunicação comercial e contratual, e também com um implicado princípio de apropriação dos resultados do respetivo exercício (I) – e, sobretudo, no quadro institucional e regulatório em que ela existe e se manifesta (II).

I

A liberdade de empresa como liberdade fundamental e princípio organizativo

O modelo económico constitucional – abreviadamente, consistente numa economia social de mercado regulada - é um modelo de organizações empresariais (arts. 80 e ss. da CRP), tendo na base e como princípio ativador fundamental a liberdade de empresa, com a sua dupla dimensão, de liberdade fundamental de índole pessoal (liberdade de empreender) e económico-institucional ou sistémica (liberdade de atuação profissional no domínio económico mediatizada por essas organizações, através das quais a atividade produtiva é estruturada e exercida, tipicamente em ambiente de plena lógica de mercado concorrencial) [arts. 61 e 80c) e arts. 81 f) e 99a) e c) da CRP]. Como decorre do teor e da inserção sistemática do indicado art. 61.1 e também do art. 80 c) da CRP, nela sobreleva esta segunda dimensão, que faz dela, enquanto liberdade jusfundamental, um princípio organizativo estruturante do sistema produtivo.

Ainda segundo o mesmo art. 61.1, ela existe e exerce-se nos quadros definidos pela Constituição e pela lei; ou, noutros termos, o seu exercício dá-se no âmbito de um sistema produtivo legalmente conformado, dentro dos limites da CRP. Isto significa duas coisas. Primeira: as fronteiras da mesma são delimitadas pelo legislador, nestes termos. Segunda: a sua efetividade prática – que o legislador também deve assegurar (art. 2 da CRP) – depende de uma adequada regulação e conformação do sistema; o que se mostra particularmente relevante no que respeita ao acesso ao mercado e para as PMEs, com menor ou nenhum poder de mercado [i] .

Em geral, pode afirmar-se que o legislador, no essencial sob o impulso regulamentar e harmonizador da União Europeia, dá cumprimento a esta diretriz constitucional. Todavia, há um domínio em que isso não sucede – o do direito da concorrência desleal (DCD), significativamente um campo regulatório em que tal impulso União falta, salvo no que respeita às relações de consumo. O presente estudo apresenta uma visão geral do tema, começando por uma breve referência ao conteúdo da liberdade de empresa e aos bens imateriais nela envolvidos.

1. Conteúdo da liberdade de empresa [ii] . A) Liberdade de concorrência

Sendo exercitável por mais que uma pessoa, a liberdade de empresa toma, naturalmente, uma forma ou modo de exercício concorrencial. Por isso, ela tem, também naturalmente, implicada a liberdade de concorrência, enquanto liberdade de concorrer ou competir economicamente - disputando, designadamente, as preferências dos destinatários potenciais dos bens e serviços oferecidos no mercado – e enquanto princípio de organização económico-social.

Esta, por sua vez, compreende, designadamente: i) a liberdade de imitar a atividade e os resultados da atividade alheia; ii) o direito de acesso ao mercado e de nele assinalar a respetiva presença, fazendo-se reconhecer como ator produtivo e fonte produtiva, distintos dos demais (mormente através de sinais distintivos apropriados); e iii) o direito de se fazer reconhecer e de fazer reconhecer a sua oferta, incluindo o respetivo mérito relativo, pelos destinatários desta.

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B) Liberdade de comunicação comercial

O mercado é um espaço de interação comunicativa. Por isso, relacionada com a anterior liberdade de concorrência, encontra-se implicada na liberdade de empresa também a liberdade de informação no campo da atividade produtiva, ou liberdade de comunicação comercial, manifestação especial da liberdade de expressão e informação prevista, em geral, no art. 37 da CRP.

C) Liberdade contratual

Exercendo-se, numa economia de mercado, não apenas através de operações materiais, mas também de negócios jurídicos e da utilização de outros instrumentos jurídicos (títulos de crédito, valores mobiliários e demais instrumentos financeiros, etc.), a liberdade de empresa – mormente enquanto liberdade de desenvolvimento de uma atividade transacional globalmente vantajosa (liberdade de fazer negócio) – tem, ainda, implicada a autonomia privada, mormente a liberdade contratual, que, em geral, se funda também, nomeadamente, no direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 26.1 da CRP) e na liberdade profissional, autónoma e não autónoma (art. 47 da CRP).

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D) Princípio de apropriação dos resultados da atividade

A liberdade de empresa tem, ainda, implicado um importante princípio de apropriação e exploração (ou aproveitamento) dos resultados da atividade [iii] . Este princípio estende-se tendencialmente a quaisquer bens, materiais e imateriais. Aqui, interessam-nos os bens imateriais, a que nos referimos mais detidamente a seguir.

2. Exercício nos quadros da Constituição e da lei

Como se assinalou, a liberdade de empresa e aquelas liberdades nela implicadas existem e exercem-se nos quadros definidos pela CRP e pela lei; i.e, no quadro de um sistema produtivo – economia social de mercado concorrencial – regulado, legalmente conformado (art. 61.1 da CRP). E outro tanto sucede com o princípio de apropriação e aproveitamento dos resultados da atividade empresarial: a apropriação e a exploração económica destes dá-se dentro desse quadro normativo, jusfundamental e legal. Os contornos desse quadro serão objeto de análise mais adiante (II). Vamos, no entanto, antecipar essa análise, no que respeita aos aludidos bens imateriais, considerando a ótica de quem os cria. Começa-se pela sua identificação.

A) Bens imateriais envolvidos na liberdade de empresa

Do exercício da atividade empresarial (liberdade de empresa) podem resultar diversos tipos e espécies de bens imateriais. Salientam-se os a seguir indicados.

O de maior expressão é a própria empresa, a organização produtiva de mercado criada para o desenvolvimento da atividade e continuamente adaptada a tal função, com a respetiva capacidade típica para, de forma concorrencialmente sustentável, num arco temporal de longo prazo, detetar e explorar de forma dinâmica – mediante a realização de transações globalmente vantajosas – as oportunidades de ganho que os mercados relevantes estão em condições de proporcionar, gerando um excedente monetário suscetível de ser apropriado pelo respetivo titular ou empresário sem prejuízo da preservação da sua substância e desta capacidade produtivo-reditual (aviamento) [iv] duradoura.

Nas contemporâneas economias de mercado, complexas e competitivas, frequentemente com capacidade de oferta superior à procura, ocupa lugar central a posição de mercado conquistada e concorrencialmente sustentável: a adquirida posição favorável em relação aos fornecedores de recursos e aos destinatários da oferta de bens e serviços (clientela), suscetível de, em ambiente competitivo, ser mantida ou mesmo desenvolvida [v] . De facto, sem ela, não se conseguem transacionar, pelo menos de forma vantajosa, os bens ou serviços produzidos (ou intermediados) e obter, também em condições favoráveis, os recursos ou fatores produtivos adequados; ou seja, não se consegue fazer negócio e, consequentemente, ter um negócio (business): beneficiar de um sistema continuado de transações globalmente vantajosas, assente numa adequada estrutura de suporte. Em grande medida, tal posição é de índole reputacional: tão importante como os fatores que a sustentam, é a reputação comercial granjeada pela organização. Trata-se, naturalmente, de um elemento imaterial; e facilmente perecível.

Mas, além de outros elementos desta índole - como a seleção de trabalhadores e a organização do trabalho, incluindo os procedimentos através dos quais a atividade empresarial é levada a cabo -, avulta, ainda, na atual sociedade da informação, o capital de conhecimento coenvolvido.

Este pode estar simplesmente interiorizado e tornado operativo pelos trabalhadores, mas pode também encontrar-se especificado e documentado, em suporte físico ou digital; merecendo aqui menção especial os segredos de negócio. Todavia o conhecimento também pode ser valioso quando é público, seja ele de livre acesso e utilização – a mais valia estará, neste caso, no modo como a informação relevante foi selecionada e tornada operativa na organização em causa – seja ele de utilização reservada, mormente se se trata de invenções patenteáveis que foram patenteadas.

Em termos estruturais, na organização produtiva de mercado que a empresa constitui identificam-se duas componentes: por um lado, uma estrutura humana e técnico-produtiva, integrada pelas pessoas que, com o conhecimento, «expertise» e energia de que dispõem, levam a cabo a atividade, e por bens e direitos instrumentais, materiais e imateriais; por outro lado, uma estrutura de mercado, de conquista e suporte da posição de mercado, em que avultam os sinais distintivos, mormente as marcas, mas podendo assumir também papel importante as eventuais redes de distribuição, os canais de comunicação comercial, as instalações, que, além da função logística que lhes é própria, funcionam como lastro exteriorizador da organização, e, não raro, certas pessoas-chaves, que constituem, também elas, um elemento de referência – e de seleção de parceiro comercial – importante para o mercado.

Além da empresa em si, do exercício da atividade empresarial podem resultar outros bens imateriais; seja no âmbito do exercício de uma atividade de produção ou intermediação de bens ou serviços em geral, seja por via do exercício de uma atividade de I&D (pense-se, por ex., nas modernas empresas de software), de recolha, tratamento e fornecimento de informação (pense-se em empresas de informação de mercado como a Nielsen, e nas empresas produtoras de bases de dados), etc. No atual estado do desenvolvimento tecnológico, económico e social, estão neste caso, designadamente, os seguintes bens, alguns deles clássicos, outros novos ou que, sendo já seculares, adquiriram um dimensão extraordinária nos sociedades contemporâneas: i) invenções, configurações de circuitos integrados (no domínio da microeletrónica), programas de computador, bases de dados (bem relativamente recente na sua configuração digital), fonogramas, videogramas e emissões de radiodifusão e, ainda, novas obtenções vegetais, que ocupam um lugar de relevo no setor agrícola; ii) espectáculos musicais, artísticos, dramáticos, de variedades, desportivos, etc. (bens que, sendo antigos, adquiriram uma dimensão económica transcendente com as transmissões televisivas e telemáticas); iii) desenhos e modelos (de produtos, embalagens, instalações ou partes de instalações, etc.); iv) sinais distintivos, enquanto instrumentos diferenciadores ou individualizadores de atores, organizações e ofertas produtivas (função diferenciadora ou distintiva), veículos de comunicação comercial (função informativa ou informativo-persuasiva) e símbolos condensadores do apreço ou reputação comercial (goodwill) granjeados pela organização e/ou pela respetiva oferta de bens e/ou serviços, bem como, ainda, enquanto portadores de imagem própria, em geral veiculando uma certa ideia de status social (função simbólica, publicitária e de capitalização do investimento); v) planos de ação, procedimentos ou saber-fazer e outras formas de conhecimento organizacional e operativo mantidos reservados (note-se que o segredo é a alma do negócio); e a própria vi) reputação (comercial e social), em si, da organização e da respetiva oferta de bens e/ou serviços.

B) Bens imateriais juridicamente protegidos

No que respeita à proteção jurídica, vejamos, antes de mais, a empresa. Quanto à sua configuração global, ela é um organismo vivo, suscetível de imitação na sua concreta configuração num dado momento, e esta deve ser juridicamente admitida, porque tal faz parte da liberdade de empresa dos demais interessados, com a implicada liberdade de imitação; e, sendo ela um bem específico (puro), o problema das réplicas não se coloca.

Todavia, hoje em dia, entre nós, há um entendimento generalizado, doutrinal e jurisprudencial, de que ela constitui um objeto jurídico unitário, qualificável como bem ou coisa imaterial, um quid suscetível de afetação ou atribuição jurídica ao respetivo criador ou sucessores, isto é, sujeito a um direito de propriedade ou direito análogo. Como tal, ela é um bem juridicamente protegido. Em que consiste esta tutela jurídica?

Afigura-se que a tutela respeita: i) à respetiva organização – tutela contra atos de desorganização, de que pode resultar a própria destruição da mesma; ii) à sua reputação – proteção do seu bom nome, de que depende o respetivo aviamento e, em última instância, também a sua manutenção no mercado, contra atos denegritórios; iii) à respetiva liberdade de ação e de comunicação comercial – contra atos de obstrução ou limitadores da mesma, incluindo possíveis atos de imitação sistemática da sua evolução que tenham esse efeito obstrutivo; iv) aos elementos patrimonialmente autónomos que a integram, incluindo bens imateriais; v) à reserva da sua «vida» privada, em que sobressaem os segredos de negócio; e vi) à sua «esfera de ação», contra intromissões ilegítimas, capazes de comprometer a sua capacidade de celebrar negócios e de fazer negócio.

Salientam-se duas vertentes: a tutela da organização em si – com as pessoas que a ativam, a sua reputação e a posição de mercado conquistada, a que se liga o seu aviamento – contra danos estruturais, relativos a ela própria, incluindo o desvio indevido de trabalhadores, fornecedores e clientes; e a tutela do exercício da atividade, contra o desvio de negócios, sobretudo perpetrado através de atos e práticas confusórias, enganosas ou agressivas; embora estas práticas também possam ir além do mero desvio de negócios, repercutindo-se na própria estrutura ou posição de mercado (desvio dos próprios clientes, fornecedores, etc.).

Sendo assim, ela beneficia, designadamente: i) da tutela contra a concorrência desleal, confusória ou enganosa, denegritória, desorganizadora, obstrutiva, etc., e, mais genericamente, contra atentados à sua reputação; ii) da tutela contra a deslealdade laboral; iii) da tutela legalmente conferida aos respetivos sinais distintivos e à sua reputação, bem como a outros bens imateriais (invenções patenteadas, desenhos e modelos, etc.); iv) da tutela do segredo, mormente do segredo de negócios; v) da própria tutela conferida à concorrência em si; e, ainda, vi) da tutela da propriedade em geral. Porém, quanto a este último aspeto, importa ter presente que estamos perante uma forma de propriedade especial, algo distante do paradigma da propriedade sobre coisas materiais do CC, mormente, uma forma de propriedade produtiva, sujeita aos princípios gerais conformadores do sistema produtivo (sócio-económico), de que a empresa constitui a célula básica ou fundamental. E, quanto aos outros aspetos, a respetiva tutela também reflete um ponto de equilíbrio entre os interesses que em torno dela gravitam, por um lado, e, por outro lado, a liberdade de expressão, de imitação, etc.

Vejamos os outros bens. No caso das invenções, existe uma tutela específica e desenvolvida. Se estas forem um objeto patenteável e cumprirem, em concreto, os pertinentes requisitos materiais de patenteabilidade – previstos no CPI ou na CPE (novidade, atividade inventiva e suscetibilidade de aplicação industrial) -, o respetivo «titular» pode,em princípio,utilizá-las no âmbito da sua empresa e, mediante descrição adequada, com associada publicidade legal, tem direito a obter do INPI ou do IEP (com recurso para o tribunal) uma patente, que lhe confere o exclusivo da sua utilização e exploração económica, durante certo período de tempo (arts. 50 e ss., 98 e ss. do CPI e arts. 52 e ss. da CPE).

Realçam-se dois aspetos. Primeiro: no caso das invenções-patentes dependentes, representando desenvolvimentos de patentes em vigor, aquela utilização ou exploração económica está sujeita a licença, voluntária ou obrigatória, por parte do titular da patente dominante. Segundo: dado que vigora um princípio de prioridade do pedido de registo (com data definida em conformidade com o art. 4 da CUP), pode suceder que haja invenções paralelas concorrentes e que tal pedido de registo haja sido apresentado, ou haja sido apresentado em primeiro lugar, pelo segundo (ou ulterior) inventor, a quem a patente vem a ser concedida. Neste caso, diferentemente do que sucedia no CPI de 1940, o atual CPI (à semelhança de outros ordenamentos europeus e dos EUA) reconhece ao primeiro inventor o direito de utilização da sua invenção, nos termos do art. 105.

Decorre daqui que o modo e os contornos do direito de apropriação deste bem implicado na liberdade de empresa são definidos pelo direito de patentes. Como se notou, esta liberdade, com o implicado princípio em apreço, exerce-se nos quadros definidos pela lei, isto é, no âmbito de um sistema produtivo regulado, de que a empresa é a célula básica e de que as patentes são uma componente. A análise do respetivo regime (circunscrição do que é abstratamente patenteável, requisitos de proteção, âmbito e limites desta) revela isto mesmo: que a proteção das invenções, atendendo à sua relevância sistémica, é definida considerando as patentes uma componente do sistema produtivo.

Todavia, o campo de aplicação do regime não se limita aos resultados da atividade empresarial. É mais abrangente: a liberdade de inventar e o direito à proteção da invenção – nos quadros da lei – transcende o exercício da liberdade de empresa e da própria atividade produtiva mais latamente (incluindo a liberdade profissional). Pertencem a qualquer pessoa, singular ou coletiva.

Regimes no essencial semelhantes – embora com especificidades que aqui podem ser desconsideradas – vigoram para as configurações ou topografias de circuitos integrados (arts. 153 e ss. do CPI) e as novas obtenções vegetais [vi] .

Quanto aos desenhos e modelos, criações de caráter estético (ou estético-funcional) que também podem resultar do exercício da atividade empresarial, mas assumem, ainda relevância, enquanto resultado da atividade profissional e artesanal, existem no direito da UE dois modos de proteção: há uma proteção independente de registo, de curta duração e impedindo a cópia ou reprodução não autorizada do desenho ou modelo, destinada sobretudo a criações com um curto período de vida económica, como sucede com a generalidade das criações da moda; e uma proteção concedida administrativamente e legalmente publicitada, com efeito de bloqueio em relação a criações paralelas independentes, semelhante ao das patentes [Reg (CE) 6/2002]. O CPI apenas contempla esta segunda, com maior impacto económico e, portanto, com maior relevância sistémica (arts. 173 e ss.). A esta tutela específica acresce, no caso das «criações artísticas», a proteção conferida pelo direito de autor [art. 194 do CPI e art. 2.1 i) do CDADC].

Os programas de computador – no essencial, criações «técnicas», embora a proteção de que beneficiam, enquanto tais, seja de direito de autor ou análoga (DL 252/94) – e as bases de dados têm também regimes específicos de proteção, contra a respetiva cópia ou reprodução não autorizada, distinguindo a lei, quanto a estas, dois direitos, um integrante do sistema de proteção autoral e um direito sui generis, de proteção do investimento (DL 122/2000). Aqui, nota-se uma larga produção especializada dos bens em causa, por empresas cujo objeto consiste no exercício de uma atividade especificamente dirigida à produção e desenvolvimento destes bens, embora as empresas em geral também possam ter uma mais ou menos relevante produção na matéria.

Mais sectorialmente, avulta a proteção conferida aos fonogramas, videogramas e emissões de radiodifusão (arts. 176 e ss. do CDADC). Embora colocados no sistema de proteção do direito de autor, são, materialmente, «direitos industriais», incidentes sobre bens que são um típico resultado da atividade empresarial.

Os empresários de espectáculos artísticos têm, igualmente, proteção para o resultado da sua atividade produtiva (art. 117 do CDADC). Dada a ausência de lei, coloca-se, no entanto, o problema de saber se os organizadores de espectáculos desportivos também devem ter proteção análoga. Mais especificamente, a questão consiste em saber se sobre estes – enquanto realização imaterial, resultado da atividade empresarial - incide um direito de exploração económica exclusiva. Dois argumentos costumam ser usados por quem nega tal proteção: a desnecessidade da mesma e um princípio de tipicidade dos bens imateriais protegidos, com definição clara dos contornos da sua proteção.

Quanto ao primeiro, vendo bem, tudo depende da possibilidade de o organizador do espectáculo controlar, eficazmente e com custos comportáveis, a captação e emissão ou registo do mesmo. O que, com os meios tecnológicos atuais e o legalmente assegurado direito de acesso de jornalistas aos recintos desportivos, não se afigura seguro.

Quanto ao segundo argumento, a questão formula-se do seguinte modo: a par do princípio da tipicidade dos direitos reais, das pessoas coletivas e das sociedades de direito comercial (mais latamente, das pessoas coletivas que podem exercer uma atividade comercial), por razões de ordenação sócio-económica, política cultural ou outra, existe também um princípio de tipicidade dos bens imateriais protegidos? E um princípio de tipicidade taxativa, não meramente delimitativa? Caso seja de admitir uma tipicidade tão só delimitativa, há analogia com os espetáculos que a lei protege expressamente? Pelo menos nalguns casos, como no da patinagem artística?

Não cremos que haja uma resposta clara e inequívoca, seja no sentido da proteção e dos termos desta, seja no da sua negação. Na impossibilidade de desenvolvermos o assunto, remete-se para a pertinente literatura jurídica [vii] .

Vejamos agora os sinais distintivos, entre os quais avulta a marca. Toda a atividade empresarial é exercida sob uma firma, como a lei expressamente impõe aos comerciantes (art. 18.1.º do CCom); obrigação essa acompanhada de naturais exigências e da correspondente proteção jurídica. Tradicionalmente, a firma era definida como o nome comercial do comerciante, surgindo como tal regulada no CCom (arts. 19 a 24). Todavia, o instituto generalizou-se, sendo, hoje em dia, não apenas esse nome comercial do comerciante (firma comercial), mas um requisito constitutivo de qualquer pessoa coletiva e do EIRL [viii] , e podendo ser adotada para o exercício de uma atividade produtiva não comercial; surgindo como tal regulada e protegida como bem jurídico – atendendo, pelo menos, às respetivas funções individualizadora e informativa – no RRNPC [ix] e em diversos diplomas jurídicas relativos às várias estruturas jurídicas que a compreendem [x] .

A firma em si, no atual estado de desenvolvimento económico, é usada sobretudo nas relações de negócios formais. A ponte com o mercado – ou, noutros termos, a localização institucional das empresas no mercado e a comunicação com os participantes neste – é feita sobretudo por outras vias.

Nos pequenos negócios ou estabelecimentos, o elemento de referência mais relevante para a clientela é, muitas vezes, o respetivo local de funcionamento, acrescido ou não de um signo individualizador nominativo, figurativo ou misto (tradicionalmente apelidado de nome e insígnia do estabelecimento, hoje englobado no logótipo); servindo o local e a imagem que se tem do estabelecimento - atendendo aos produtos, ao serviço e não raro a quem lá trabalha - como principais coletores de clientela. Mesmo quando há um signo, via de regra, trata-se de um signo sem controlo púbico e sem publicidade legal, cumprindo uma função identificadora meramente local e sendo regulado pelas regras da concorrência desleal.

As organizações produtivas com verdadeira dimensão empresarial, via de regra, localizam-se no mercado e comunicam com a massa anónima dos seus participantes através da marca [xi] e/ou do logótipo [xii] , não raro compostos por um elemento fulcral da própria firma; assinalando através deles a respetiva oferta de bens e/ou serviços ou a organização produtiva qua tale. Em geral, tais sinais foram objeto de um controlo de legalidade e encontram-se registados, sendo protegidos como bens jurídicos através de um direito de uso exclusivo na vida económica.

A respetiva proteção jurídica é, essencialmente, funcional. Na ótica do empresário, a marca serve, primariamente, para identificar a respetiva oferta de bens e/ou serviços (ou uma gama deles), diferenciando-a das demais presentes no mercado; ou seja, cumpre uma primordial função individualizadora ou diferenciadora (no essencial, quanto à origem produtiva dos bens e serviços, com ou sem identificação da mesma). Serve também para comunicar com o mercado e assinalar, de forma abreviada, as características dos bens e serviços oferecidos (função informativa). Serve, ainda, para capitalizar a divulgação e o reconhecimento ou reputação que a sua oferta de bens e/ou serviços conseguiu no mercado, servindo como imagem ou símbolo da mesma (função simbólica, de investimento e indicador de qualidade). No caso das marcas de nomeada, mormente nas de prestígio stricto sensu, destina-se também – com suporte na efetiva qualidade dos bens e serviços e/ou com base em ações promocionais [xiii] – a constituir um símbolo de fiabilidade, gosto, status, etc., com valor reputacional em si mesmo, uma vis atractiva, que, numa surpreendente inversão de sentido, se comunica aos bens ou serviços e promove a sua venda (função publicitária em sentido estrito) e é transacionável autonomamente (merchandising de marcas).

A proteção jurídica das primeiras funções é uma decorrência natural da própria proteção da empresa; embora, tratando-se de um sinal distintivo generalizado, isso se estenda a outros possíveis titulares, sem caráter empresarial. Mas, como se verá adiante, sobretudo a tutela da função distintiva também tem a ver com a circunstância de, nessa sua função, a marca constituir um elemento fundamental da economia de mercado concorrencial em que vivemos.

A tutela da última função (e em parte a terceira) mostra-se mais problemática; só nas últimas décadas, após a integração da atual União Europeia, se tendo imposto em Portugal. Originariamente, nos países que conhecem um direito da concorrência desleal elaborado, como sucede com os países desenvolvidos de civil law, surgiu como uma proteção complementar do direito de marca através das regras da concorrência desleal, com os envolvidos problemas da delimitação do campo de aplicação deste, dada a tradicional circunscrição do mesmo às relações de concorrência. O respetivo desenvolvimento ocorreu, designadamente, na Alemanha e nos EUA.

Pelo menos em parte por influência do DUE, essa proteção passou para o direito das marcas, sendo agora uma imposição da Diretiva das marcas vigente (Dir. 2015/2436) e encontrando-se consagrada nos arts. 235 e 320 h)do CPI. É, inclusive, uma tutela, não apenas civil, mas também penal, o que se afigura desproporcionado, se não mesmo pernicioso, dado que, não raro, através dela se prosseguem estratégias de diferenciação artificial das ofertas, restritivas da concorrência ou desviantes relativamente ao modelo de concorrência efetiva e salutar consagrado na Constituição.

Diferentemente do que sucedia com a firma, já na primeira lei da propriedade industrial, de 1896 (e no decreto de 1894 que a precedeu), as marcas eram reguladas enquanto instrumentos gerais da atividade produtiva, comercial e não comercial, embora os litígios fossem da competência dos tribunais de comércio. Eram, em todo o caso, marcas industriais (relativas à pequena atividade produtiva civil) e de comércio (marcas comerciais). Em tempos mais recentes, assistiu-se a um fenómeno de generalização semelhante àquele que se observou a respeito da firma: qualquer entidade, produtiva ou não produtiva, pode assinalar a sua oferta de bens ou serviços através de uma marca. E o mesmo sucede com o logótipo.

Diversamente do que sucede com outros bens indicados mais acima, tanto a empresa como os respetivos sinais distintivos constituem os elementos estruturais fundamentais do sistema produtivo, sendo estes últimos imprescindíveis, nas complexas economias de mercado atuais. Com efeito, são eles que, em geral, permitem a identificação das organizações produtivas e das diversas ofertas de bens e serviços presentes no mercado, em que assenta a concorrência e a correspondente escolha dos consumidores (ou destinatários das ofertas de bens e serviços em competição).

II

Quadro institucional de exercício da liberdade

1. Considerações gerais

Como se assinalou, a liberdade de empresa exerce-se nos quadros definidos pela Constituição e, naturalmente dentro dos limites desta, pela lei. Mais especificamente, exerce-se no quadro de um sistema produtivo integrado no mais vasto espaço económico e social da União Europeia e numa economia social de mercado regulada. Embora seja instrumento de desenvolvimento e realização pessoais das pessoas físicas que a exercem (dimensão pessoal ou individual), nela avulta esta dimensão sistémica, que leva a CRP a distingui-la da liberdade profissional autónoma (art. 47.1), incluindo-a no grupo das liberdades económicas (art. 61.1) e nos princípios de organização económica e social [art. 80c)]. E o seu exercício deve, ainda, ter em conta, de forma mais genérica, o interesse geral (art. 61.1).

Daqui resulta que tal exercício só será livre (lícito e não condicionado) se, além desta genérica consideração do interesse geral, respeitar a lei, mormente as normas legais conformadoras e reguladoras do sistema – incluindo o CPI, a parte relevante do CDADC e outras leis relativas aos direitos privativos da propriedade industrial e intelectual a que se aludiu acima - e as coordenadas fundamentais deste, em que se contam, designadamente; i) um princípio de efetiva e salutar concorrência - isto é, não artificialmente restringida nem de outra forma falseada, assente na decisão de aquisição e na escolha livres e esclarecidas dos bens e serviços a concurso, equilibrada e promotora do desenvolvimento económico (sustentável) [xiv] -, e um associado princípio de eficiência económica [xv] ; ii) um princípio de respeito pelos interesses e direitos do consumidor [xvi] ; iii) um princípio de proteção da saúde [xvii] ; iv) um princípio de responsabilidade social, ecológica e ambiental [xviii] ; v) um princípio de desenvolvimento económico e social (sustentável) [xix] e um associado princípio de promoção da inovação [xx] ; e, ainda, vi) um princípio de proibição do abuso de poder económico, com um implicado princípio de não discriminação [xxi] , que, além de componente da ordem económica, pode ver-se como manifestação, neste campo, do princípio geral da proibição do abuso, seja ele um abuso de direitos ou poderes jurídicos, seja de poderes de facto, ou, inclusive, de um mais lato princípio de que, existindo uma relação especial entre quem detém poder e quem pode sofrer as consequências do seu exercício, como sucede nas relações societárias, regidas, no caso das SpQ e SA, por uma regra de poder maioritário censitário e nas relações de concorrência, no exercício desse poder devem levar-se em devida consideração os interesses afetados (princípio de lealdade). Além disso, mormente quando exista uma relação de poder, importa levar em conta o transversal princípio da proporcionalidade, na configuração especial do art. 18.2 da CRP e na sua expressão mais fluida implicada no Estado de Direito.

Tal significa que a liberdade de concorrência – ou liberdade de iniciativa económica concorrencial, incluindo a liberdade de imitação –, a liberdade de comunicação comercial e a liberdade contratual, implicadas na liberdade de empresa, também compreendem esta dimensão sistémica ou institucional, devendo ser exercidas neste quadro jusfundamental e legal. Ou seja, são liberdades normativas – normativamente enquadradas -, não simples liberdades naturalísticas.

Mais especificamente, a liberdade de empresa não compreende a liberdade ou permissão jurídica de restringir a concorrência – seja mediante contrato, seja de outra forma -, porque a isso se opõe o institucional princípio da concorrência, in casu, desenvolvido pela Lei da concorrência e o DUE da concorrência.

E a mesma liberdade também não deve ser exercida de modo a pôr em causa o poder de decisão, livre e esclarecida, do consumidor, destinatário dos bens e serviços presentes no mercado e, legalmente, beneficiário último do sistema produtivo, porque a isso se opõem, além de regras gerais do direito dos contratos (incluindo o princípio da boa fé), (i) o princípio da proteção dos seus interesses – desenvolvido, designadamente, pela Lei de defesa do consumidor e pela LPCD - e, sendo ela exercida em modo concorrencial, (ii) o próprio princípio da concorrência, que tem implicada uma concorrência não falseada, mormente através de práticas enganosas ou agressivas que o levem a adotar um comportamento negocial (aquisitivo) que, sem elas, ele não teria [xxii] .

Este último ponto de vista vale também para a oferta e a procura de bens e serviços no âmbito das relações interprofissionais [xxiii] . A regra do não falseamento das decisões de aquisição (ou não aquisição) dos destinatários de bens e serviços concorrentes no mercado, mormente através de práticas enganosas ou agressivas dos fornecedores desses bens ou serviços, é uma regra jusconcorrencial fundamental, comum às relações de consumo e às relações entre profissionais, tradicionalmente inserida no direito da concorrência desleal, que é uma espécie de direito comum ou geral da concorrência, a que acresce, como direito especial, o direito de defesa da concorrência e que agora tem também, na LPCD, um segmento especializado [xxiv] .

Importa, no entanto, salientar um aspeto: embora a liberdade de empresa se exerça no quadro referido - de uma economia social de mercado regulada, em que avulta a regulação da concorrência, i. e., no quadro do atual modelo sócio-económico tal como definido na Constituição e nas respetivas leis de desenvolvimento (constituição económica em sentido material) -, ela também integra, com as aludidas manifestações da liberdade de concorrência e contratual e o princípio de apropriação dos resultados, a ordem sócio económica em apreço; e integra-a enquanto liberdade fundamental, o que lhe confere um peso importante na harmonização ou conciliação prática dos diversos valores e interesses em confronto, como se referiu acima (I.1).

2. Princípios da concorrência e de tutela do consumidor

Uma das mais importantes situações em que se torna necessário conciliar a liberdade de empresa, enquanto liberdade fundamental com dimensão sistémica, com as demais coordenadas do sistema respeita ao princípio da concorrência (a que se aludiu no n.º 1) e à associada salvaguarda dos interesses económicos e promoção da condição de um dos participantes no sistema – o consumidor. Ela só existe dentro do quadro normativo-concorrencial e de tutela do consumidor definido na Constituição e na lei.

A) Princípio da concorrência

Na verdade, o princípio da concorrência postula uma regulação da concorrência que leve em devida conta tal liberdade, mas atendendo a que a liberdade de um ator económico é uma liberdade potencialmente conflituante com liberdades congéneres de outros operadores (concurso de liberdades) e atendendo também, ou sobretudo, aos superiores interesses de salubridade e eficiência do sistema produtivo e do consumidor, destinatário dos bens e serviços presentes no mercado e suposto beneficiário da competição económica. No atual estado do Direito, ele surge configurado como um princípio de concorrência efetiva - ou livre, no sentido de não restringida artificial e abusivamente pelos próprios operadores económicos e organizações representativas dos seus interesses, devendo o Estado controlar a formação de poder de monopólio [xxv] -, sã ou salutar [xxvi] , isto é, (i) equilibrada, não excessiva [xxvii] , (ii) leal - não distorcida ou falseada, designadamente através de práticas enganosas e agressivas, e, em geral, exercida dentro das coordenadas fundamentais da ordem económica, com respeito pelo quadro regulatório existente, designadamente as normas, legais, estatutárias e contratuais, de proteção dos interesses dos concorrentes (art. 311 do CPI e LPCD) e dos consumidores ou destinatários das ofertas de bens e serviços (LPCD) - e (iii) virtuosa, promotora (mediante uma sã pressão concursal) da melhoria continuada das ofertas de bens e serviços (logo, da condição económica do consumidor) e do progresso, tecnológico, económico e social.

O Tribunal Constitucional fala, a este propósito, em «justa concorrência» [xxviii] ; considera que o Estado não deve distorcer o funcionamento do mercado, concedendo vantagens constitucionalmente não fundamentadas ou impondo encargos ou sujeições às empresas públicas [xxix] , e que a existência no mercado de diferentes iniciativas privadas, envolvendo uma oferta diversificada e competitiva, constitui a forma mais adequada de racionalização económica, permitindo o progresso económico-social, em benefício dos cidadãos; devendo por isso o Estado assegurar a permanência do estado de concorrência, controlando as concentrações [xxx] .

O quadro regulatório legal – em que a liberdade de empresa, com implicada liberdade de concorrer, se exerce livremente - é constituído, em primeiro lugar, pela Lei da concorrência (e pelos correspondentes arts. 101 e ss. do TFUE), relativa, por um lado, ao controlo das operações de concentração económica [xxxi] , por outro lado, a certos ilícitos concorrenciais: acordos e práticas restritivas da concorrência [xxxii] , abusos de posição dominante e abusos de dependência económica [xxxiii] . Foca-se na defesa da liberdade e efetividade da concorrência, densificando as correspondentes diretrizes constitucionais constantes dos arts. 81f) e 99c) da Lei fundamental.

Em segundo lugar o quadro legal é constituído pelo chamado regime jurídico das práticas individuais restritivas do comércio (atualmente constante do DL 166/2013), destinado a assegurar a transparência nas relações comerciais (em especial, quanto ao preço e condições de venda) e o equilíbrio das respetivas posições negociais, promovendo uma «sã concorrência»; regime que parece concretizar e desenvolver a diretriz constitucional de uma concorrência equilibrada [art. 81f)] e salutar [art. 99a)] [xxxiv] .

Embora centrada na tutela do consumidor, realça-se, em terceiro lugar, a LPCD, que se analisa adiante (B). Mais latamente, o exercício da liberdade empresarial deve desenvolver-se nos quadros do direito da concorrência desleal - que pode entender-se como um direito geral da concorrência, que acresce a estes regimes especiais -, relevando, ainda, a respeito da liberdade de comunicação comercial, o direito da publicidade, essencialmente concentrado no Código da Publicidade. O tema será também retomado mais à frente (D).

Dentro das assinaladas liberdades em que se desdobra a liberdade de empresa, cujo exercício se desenvolve neste quadro regulatório, interessa aludir aqui, em especial, à liberdade contratual, com a associada liberdade de organização – corporativa, técnico-produtiva e de mercado (cfr. o art. 80c) da CRP). Ela só existe juridicamente dentro dos limites traçados pelos princípios da concorrência e de tutela do consumidor, sendo que o próprio princípio da concorrência já se encontra concebido, inter alia, para promover a eficiência do sistema, a melhoria da condição dos consumidores e a satisfação dos seus interesses económicos.

Assim, no que toca ao primeiro princípio, as aludidas operações jurídico-negociais de integração económica suscetíveis de afetar a concorrência de forma relevante são jurídico-concorrencialmente reguladas, sujeitas a controlo administrativo e, se realizadas à margem da lei, potencialmente sancionáveis como contraordenação, não livres [xxxv] ; e os acordos que tenham por objeto ou como efeito impedir, limitar ou falsear a concorrência, salvo se justificados nos termos do art. 10 da LC, são proibidos e nulos (art. 9 da LC), podendo ainda ser sancionados, nos termos do art. 29 [xxxvi] . Sem esta última ressalva, são igualmente sancionáveis como ilícitos contraordenacionais e nulos os acordos e cláusulas restritivos impostos abusivamente por ator económico detentor de posição dominante (arts. 11, 13 e ss. da LC) [xxxvii] .

Devem, ainda, confrontar-se com o mesmo princípio os conhecidos «pactos e cláusulas contratuais ou estatutárias de não concorrência», também eles manifestações da liberdade contratual implicada na liberdade de empresa e destinados essencialmente a conferir proteção à organização produtiva criada, através da qual o exercício desta liberdade se processa. Todavia, como eles se conexionam, não apenas com o princípio da concorrência, mas também com a liberdade profissional e económica dos obrigados, deixa-se a sua análise para momento ulterior (infra, 4).

B) Tutela do consumidor. LPCD

Nas relações de negócios com os consumidores, para além do regime geral do CC (princípio da boa fé, regime do erro e da coação, etc.) e das normas especiais de proteção constantes da lei das CCG (DL 446/85), cláusulas estas que correspondem a uma espécie de poder regulamentar privado conformador de relações contratuais, tipicamente exercido no exercício da liberdade de empresa e juridicamente reconhecido porque, designadamente, reduz custos de transação e contribui para a eficiência do sistema, a liberdade contratual implicada na liberdade de empresa (e a liberdade profissional autónoma) encontra-se, ainda, sujeita a um vasto direito regulatório. Referem-se, a título de exemplo: i) o regime relativo a certos aspetos dos contratos de compra e venda, locação e alguns contratos (onerosos) de prestação de serviços, incluindo digitais, mormente garantias do vendedor, locador e prestador de serviços (DL 84/2021); ii) o exigente regime respeitante aos contratos de crédito, acentuadamente protecionista, designadamente quanto à forma, conteúdo necessário, publicidade e deveres informação, direito de arrependimento e cessação do contrato (cujo diploma geral é o DL 133/2009); e iii) a LPCD (DL 57/2008) [xxxviii] , repressiva das práticas comerciais desleais, mormente enganosas - de indução em erro, simples ou qualificado, ou de omissão de elementos essenciais de informação, impedindo ou não permitindo ao consumidor uma tomada de decisão de transação esclarecida - e agressivas (condicionadoras ou restritivas da liberdade de transação e de escolha do consumidor: coação, assédio ou influência indevida).

Focada na proteção do consumidor (pessoas singulares) - contra práticas distorcedoras ou suscetíveis de distorcer substancialmente o seu comportamento económico (art. 5.1) [xxxix] , incluindo publicitárias [xl] , afetando a sua liberdade de decisão e a tomada de decisões esclarecidas, com potenciais danos patrimoniais associados, práticas essas que, sendo de um ator produtivo em relação de concorrência com outros, afetam, do mesmo passo, indiretamente os legítimos interesses económicos desses concorrentes, falseando a concorrência [xli] -, a LPCD disciplina a concorrência no âmbito das relações de consumo, sujeitando-as a um exigente ou qualificado princípio de lealdade [xlii] .

O caráter regulatório das normas e a sua atinência à disciplina do mercado e da atividade produtiva dos empresários e profissionais autónomos, protegendo diretamente os consumidores, mas também relevantemente os concorrentes, está patente: por um lado, na circunstância de a ASAE, a D-G do Consumidor quanto à publicidade, a CMVM, o BdP, a ASF, as ordens profissionais, etc., serem, nos seus domínios, autoridades competentes para determinar a proibição de uma prática comercial desleal iminente e para ordenar medidas cautelares de cessação temporária de uma dessas práticas (arts. 19 e 20); por outro lado, na legitimidade, não só dos consumidores, mas também dos concorrentes (potencialmente) afetados, para as ações inibitórias previstas na Lei de defesa do consumidor (Lei 24/96 [xliii] ) (art. 16), e na possibilidade de oposição às práticas em apreço, nos termos do art. 20 da LPCD; e, ainda, nas sanções contraordenacionais e acessórias previstas no art. 21, e na competência das autoridades referidas para a fiscalização, instrução dos processos e aplicação das sanções (n.ºs 5 a 7) [xliv] .

Embora a disciplina se foque nas relações contratuais que os empresários (e demais atores produtivos profissionais) estabelecem com os consumidores, estende-se aos comportamentos (ações ou omissões) anteriores, incluindo promocionais, e posteriores à sua cessação (art. 1).

Como se assinalou, o engano ou indução em erro a que se refere a LPCD (e também o presente no CPI, em especial no art. 311) pode ser simples – quando há uma confusão de ofertas ou organizações produtivas concorrentes, através de sinais distintivos ou de outro modo [xlv] - ou qualificado, quando, designadamente, incide sobre a natureza, a finalidade, as características, a disponibilidade, etc., dos bens ou serviços oferecidos ou o preço da oferta, sobre características ou qualidades do oferente, etc. [xlvi]

Frequentemente, essa indução em erro é efetivada através de sinais distintivos confundíveis ou de tal modo semelhantes, que, tendo em conta a identidade ou afinidade dos bens ou serviços ou o objeto das organizações, levam ao estabelecimento de uma associação confusória, ou conexão, entre as entidades responsáveis pela presença das ofertas no mercado ou entre elas próprias, sem mais.

C) Extensão do campo de aplicação da LPCD

O regime constante da LPCD não se aplica apenas às relações de consumo: também se aplica parcialmente às relações interprofissionais. É o que, por força dos arts. 1.2 e 7.3, ocorre com grande parte das ações enganosas tipificadas no art. 7.1 [xlvii] . Além disso, no Código da Publicidade, dispõe-se no art. 11.1: «É proibida toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008 (…), relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores.» [xlviii] .

De facto, o princípio da verdade que estes preceitos densificam é um princípio transversal, expressamente afirmado, a respeito da comunicação comercial, no art. 10 do mesmo Código, nos seguintes termos: «1 - A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos. 2 - As afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exatas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes.».

Estas regras completam a tradicional proibição da autopromoção mediante falsas indicações de crédito ou reputação próprios, bem como das falsas indicações relativas aos bens ou serviços oferecidos, ainda hoje constantes do art. 311.1d) e e) do CPI [xlix] .

D) Direito da concorrência desleal

Como se observou, o exercício da liberdade empresarial deve, ainda, mais genericamente, desenvolver-se nos quadros do direito da concorrência desleal, que pode entender-se como um direito geral da concorrência, que acresce aos aludidos regimes especiais constantes da Lei da Concorrência e da lei das PIRC - bem como, a respeito da comunicação comercial, ao Código da Publicidade -, e que, no âmbito das relações de consumo (e não só, cfr. C), com a LPCD, sofreu uma especialização focada no consumidor.

Historicamente, o DCD surgiu essencialmente como um direito de proteção dos agentes económicos (comerciantes sobretudo), do respetivo estabelecimento ou empresa, com os correspondentes valores de exploração imateriais sem proteção jurídica específica. Evoluiu, no entanto, para um direito regulador da atividade produtiva (empresarial e profissional) enquanto atividade exercida em modo concorrencial, ou seja, das relações de concorrência (desta componente do sistema produtivo), e, nos modelos mais desenvolvidos (modelos sociais), para uma regulação geral das relações de mercado, compreendendo nesta, diretamente, não apenas os concorrentes, mas também os consumidores, e acentuando o interesse geral que lhe subjaz.

Nesta regulação geral, compreende-se também a tutela dos segredos de negócio. A sua disciplina encontra-se, no entanto, presentemente, autonomizada; podendo considerar-se que representa mais uma regulação especializada que se desprendeu da sua matriz geral e, tal como acontece com o direito da publicidade, existe hoje sem o espartilho tradicional da «relação de concorrência» (arts. 313 e ss., 331, 351 e ss. do CPI).

A disciplina fundamental continua a ser a vertida no atual art. 311 do CPI, praticamente idêntico, na substância, ao CPI de 1940! O progresso que houve deu-se, por via legislativa, essencialmente sob o impulso do princípio de proteção do consumidor, através do referido direito da publicidade, objeto de regulação autónoma e com caráter mais geral (condensada sobretudo no CPub, que começou por estar centrado na tutela do consumidor, mas aproximando-se já do modelo social de regulação da concorrência desleal), e da atual LPCD, que, como se observou, contém uma disciplina parcial da concorrência desleal, nas relações de consumo, centrada na tutela do consumidor, mas próxima do modelo social de concorrência desleal. Tendo a disciplina sido completada, já no último quartel do século XX, com a lei de defesa da concorrência e com o referido diploma legal respeitante às chamadas PIRC. Por via doutrinal e jurisprudencial, notou-se alguma evolução, mas, pelo menos atendendo ao estado da jurisprudência, os resultados são modestos.

Historicamente, dois obstáculos, entre outros, impediram a densificação da cláusula geral que integra os códigos da propriedade industrial desde 1940 e o correspondente desenvolvimento deste ramo jurídico enquanto disciplina essencialmente privada de relações privadas. Por um lado, o contraproducente sancionamento penal das condutas desleais (com natural relutância dos tribunais criminais, sem especialização na matéria, a aplicar as penas; e, a partir de certa altura, a tomada de consciência de que a cláusula geral não satisfazia as exigências do princípio da tipicidade do direito criminal). Por outro lado, a exigência geral de uma relação de concorrência entre lesante e lesado para o DCD se aplicar, circunscrevendo os interesses protegidos e a correspondente legitimidade processual aos concorrentes, bem como uma estrita separação entre a chamada concorrência proibida e a concorrência desleal. Um terceiro fator terá sido a falta de cultura jurídica na área: centrando-se a litigância nos direitos privativos, com um associado aspeto de concorrência desleal (cfr. o art. 1 do CPI).

Atualmente, os comportamentos desleais passaram, como os restritivos da concorrência, publicitários, etc., a ser sancionados com coimas, reforçando a ideia de que que se trata de um direito regulatório, de ordenação económica e social, cuja efetivação compete a duas autoridades reguladoras independentes – a ASAE e o INPI(!) [l] . Tal perspetiva pode justificar-se para pequenas causas, em que importa defender interesses difusos, sobretudo de PMEs, ao nível das transações. Todavia, por baixo dessa crosta regulatória, sobretudo para as grandes causas, em que se jogam importantes interesses empresariais, não apenas operacionais (desvio de negócios), mas também estratégicos, relativos à organização e à posição de mercado, com os valores de exploração respetivos, ele deve ser encarado como um direito essencialmente privado, como sucede, no âmbito do CPI, com o setor normativo respeitante aos direitos privativos e aos segredos de negócio.

Todavia, um simples confronto do regime relativo à sua efetivação (probatório e processual, incluindo mecanismos de reação e prevenção das infrações) com o correspondente regime de tutela jurisdicional dos direitos privativos e dos segredos revela a sua insuficiência. Na verdade, enquanto este outro é um regime desenvolvido, em conformidade com as diretrizes da União Europeia (arts. 337 e ss.), aquele limita-se ao art. 311.2, que, quanto à tutela cautelar contra os atos de concorrência desleal, manda aplicar, mutatis mutandis, o art. 345.

Quer dizer: estamos perante um ramo do direito parado no tempo: em termos substantivos e em termos processuais. Mais, ainda: o critério da deslealdade continua a ser o das normas – conceito dominantemente reinterpretado no sentido de que estão em causa normas constantes de códigos de conduta ou deontologia profissional adotados sectorialmente – e usos honestos das diversas atividades económicas, sem sequer se esclarecer qual é o padrão de aferição, que, no campo dos direitos privativos, da LPCD, etc., é o do consumidor médio.

Ora, a diretriz constitucional é, como se viu, a de que a liberdade de empresa se exerce livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, devendo o quadro legal instituir um sistema de concorrência sã e equilibrada, tendo em devida consideração os pequenos operadores económicos, para os quais é crucial que as regras do jogo concorrencial sejam simples, claras e objetivas. Mais: como se viu, o legislador está obrigado a assegurar a efetividade prática dessa liberdade, conformando o sistema sócio-económico de modo a que este objetivo seja atingido ( supra I.1).

Tal implica que o legislador defina claramente as fronteiras entre o lícito e o ilícito, especificando, à luz dos atuais conhecimentos na matéria (incluindo a LPCD), que tipos de comportamentos são proibidos, para que, dentro do quadro regulatório assim definido, a liberdade possa ser exercida sem constrangimentos, designadamente causados por quem detém poder de mercado. A cláusula geral deve ser, nesta ótica, meramente residual.

3. Direito da publicidade

Estreitamente relacionada com a liberdade de concorrer implicada na liberdade de empresa, está a liberdade de comunicação comercial. Já se referiu que, para além da LPCD, aplicável às relações de consumo, o diploma fundamental na matéria é o Código da Publicidade, que, em parte, constitui um diploma de desenvolvimento do art. 311.1 do CPI, no que respeita à publicidade enganosa [als. c) a e)], em parte derroga ou limita a aplicação do mesmo preceito, tal como era entendido tradicionalmente, quanto à publicidade denegritória [al. b)], mas apresenta um âmbito mais vasto. Já se indicou também que, no que respeita à publicidade enganosa, este Código remete, atualmente, para aquela LPCD, donde resulta uma substancial uniformidade do regime aplicável às relações de consumo e interprofissionais, embora com mais densidade no primeiro caso.

Resta fazer uma breve alusão ao regime da publicidade comparativa, constante do artigo 16. Contra o entendimento tradicional de que se trata de uma forma concorrencial depreciativa e, portanto, desleal, este preceito, na linha da Diretiva 2006/114/CE (arts. 4 e s.) estabelece um ponto de equilíbrio entre, por um lado, os interesses dos atores económicos visados ou referidos na publicidade e, por outro lado, o interesse informativo dos atuais e potenciais destinatários das ofertas de bens e serviços (reduzindo também o custo de obtenção da informação relevante acerca destas e das respetivas organizações produtivas) e o interesse geral na abertura dos mercados, favorecendo a penetração nos mesmos por novos operadores.

4. Liberdade de empresa e liberdade profissional

O exercício da liberdade contratual implicada na liberdade de empresa compreende, em especial, os conhecidos «pactos e cláusulas contratuais ou estatutárias de não concorrência», mormente os celebrados (i) com trabalhadores e destinados a vigorar sobretudo a partir do termo da relação laboral, mas também (ii) com gerentes e administradores, (iii) com agentes e outros distribuidores, etc., igualmente destinados a vigorar sobretudo após a cessação da relação de administração ou de distribuição, (iv) entre trespassante e trespassário de negócio ou empresa comercial, ou constantes de estatutos de sociedades ou pactos parassociais e vinculando os respetivos sócios, seja enquanto sócios, seja após o termo da socialidade. Tais instrumentos jurídico-negociais – essencialmente destinados a proteger a organização produtiva através da qual a liberdade de empresa se processa, mormente contra a exploração dos respetivos segredos de negócio, o exercício de uma atividade concorrencial diferencial e a participação em organização que é colocada em condições de fazer este tipo de concorrência - são, em regra, economicamente justificados e reforçam ou complementam obrigações legais de não concorrência. A rigorosa definição dos seus limites de validade é, no entanto, crucial, porque, a liberdade em causa, além de ter que se conciliar com o princípio da concorrência, na vertente de princípio proibitivo das restrições artificiais e injustificadas à concorrência (dimensão institucional ou sistémica), tem também de se harmonizar com a liberdade profissional e o direito a trabalhar (arts. 47 e 58 da CRP) e com a liberdade económica individual dos visados (art. 61.1).

A) Obrigações legais de não concorrência

Mais especificamente, os quadros legais em que a liberdade de empresa pode livremente desenvolver-se compreendem obrigações de não concorrência, que, na maior parte das situações, constituem uma manifestação do princípio da boa fé, na sua vertente da lealdade, a que estão sujeitas as pessoas entre as quais se estabelece uma relação especial, em virtude da qual os interesses económicos de uma estão de algum modo, em maior ou menor medida, à mercê de outras ou podem ser relevantemente afetados por elas. Numa boa parte dos casos, está em causa o exercício de um poder privado, jurídico ou de facto; mas não é forçoso que assim seja.

Para o exercício da liberdade de empresa, relevam, em especial, três dessas relações: i) a que se estabelece entre duas partes que negoceiam entre si um contrato, designadamente um contrato de organização empresarial ou com relevância organizativa (contratos de trabalho, de distribuição, de subcontratação industrial, de transferência de know-how, etc.), desde a fase dos preliminares até à fase pós-contratual em que os efeitos práticos da relação ainda se fazem sentir; ii) a que se estabelece especialmente no quadro da superstrutura de uma empresa societária – relação de administração e relação de socialidade; iii) e a que se estabelece, de forma natural, entre concorrentes. No primeiro caso, é importante, ainda, a própria atividade promocional geral que antecede o estabelecimento da relação. O direito regulatório de salvaguarda dos interesses envolvidos estende-se também a ela.

Aquelas obrigações legais de não concorrência respeitam aos dois primeiros casos. Assim, encontramos uma obrigação legal de não concorrência, a respeito da relação laboral, no Código do Trabalho [art. 128.1f) [li] ]. Na lei do contrato de agência (DL 178/86), dispõe-se que o agente «deve proceder de boa fé, competindo-lhe zelar pelos interesses da outra parte e desenvolver as atividades adequadas à realização plena do fim contratual» (art. 6), o que se manifesta, designadamente, num dever de não utilização e revelação de segredos do principal, mesmo após a cessação da relação (art. 8) [lii] . A lei não lhe impõe expressamente uma obrigação de não concorrência, pendente relatione, mas ela infere-se, do dever de lealdade contido no princípio da boa fé, donde decorre um dever de zelar pelos interesses da contraparte [liii] , sendo um dever natural da relação na sua configuração típica, e encontra apoio no art. 9, que, a respeito da situação pós-contratual, estabelece: «Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, atividades que estejam em concorrência com as da outra parte» (n.º 1).

Encontramos também obrigações legais de não concorrência quando há um exercício associado ou coletivo da liberdade de empresa, mormente no campo societário mercantil. Relevam aqui sobretudo os arts. 254 e 398 do CSC, que, como afloramento do respetivo dever geral de lealdade, consagrado no art. 64, impõem aos gerentes e administradores de sociedades por quotas e por ações o dever de não concorrer, direta ou indiretamente, com a sociedade, embora a coletividade dos sócios os possa libertar do vínculo [liv] . Apesar de a lei não limitar expressamente a obrigação ao período de duração das suas funções, como se refere adiante, ela deve ser interpretada nesse sentido.

A mesma regra vale para os administradores de cooperativas [art. 46.2 b) do CCoop de 2015] e, por identidade ou maioria de razão, para os gerentes ou administradores de outras sociedades, ACEs e AEIEs, mesmo que não sejam sócios ou membros. Quanto aos sócios, o panorama é menos claro. Nas sociedades em geral (civis), nas SNC e nas SCS, quanto aos sócios comanditados, a lei impõe-lhes expressamente o dever de não concorrerem com a sociedade, independentemente de serem gerentes ou administradores (art. 990 do CC e arts. 180 e 477 do CSC; cfr. também, acerca dos ACE, o art. 9 do DL 430/73). Na falta de norma correspondente para os sócios de sociedades por quotas e anónimas, tem-se entendido que semelhante obrigação não existe. Apenas existirá se os estatutos a previrem.

Tal estado de coisas merece ser revisto. Com efeito, grande parte das sociedades por quotas, pelo menos elas, são sociedades com restrita base social e organizações assentes na confiança recíproca e na colaboração dos sócios na realização do fim comum – no fundo, SNC de responsabilidade limitada -, beneficiando os sócios de um amplo direito de informação e podendo estar em contacto com o negócio e exercer um poder de influência importante mesmo quando não são gerentes. São, ainda, tipicamente, sociedades com pactos sociais minimalistas, baseando-se a relação social em simples pressupostos e entendimentos não escritos. O tipo social ou real não corresponde ao respetivo tipo legal e estatutário. Ora, nestes casos, o princípio da lealdade ou fidelidade ao fim comum, inerente à relação de socialidade, ganha densidade suficiente para impor o dever em causa, no todo ou em parte, aos sócios, mesmo não gerentes. Compreende-se, dada a flexibilidade do tipo social, compreensivo de sociedades desta índole mas também sociedades de cunho mais capitalista ou despersonalizado, que a lei não imponha tal dever com caráter geral, mas isso não dispensa o intérprete de, atendendo ao tipo real, concreto, extrair do geral dever de lealdade este dever mais específico, como sucede nas relações acima indicadas.

No contexto próximo do trespasse da empresa e de participações sociais de controlo (empresa societária), encontramos também, pelo menos nos negócios onerosos, uma obrigação natural ou implícita de não concorrência, para proteção da economia do contrato e da empresa adquirida – enquanto organização produtiva de mercado, com a posição de mercado conquistada -, que impende sobre o trespassante e outras pessoas que, pelo conhecimento que têm desta, estão em condições de lhe fazer uma concorrência qualificada ou diferencial, não acessível aos atores económicos em geral. Mediatamente, está em causa também uma adequada ordenação do tráfico de empresas, isto é, do mercado, em que a liberdade de empresa se exerce, e, em última análise, um problema de lealdade atinente às relações de concorrência; o que leva alguma doutrina a fundar a obrigação, igualmente, no DCD. [lv]

Há, no entanto, diferenças entre esta obrigação e as anteriores [lvi] . Aquelas, tanto as que constam de norma legal expressa como de norma meramente implícita, fundam-se no princípio da boa fé, isto é, nas coordenadas fundamentais do ordenamento jurídico, donde se deduz um dever unitário de proteção das relações jurídicas em apreço, que se estende, embora com intensidade variável e com limites, mormente resultantes da necessidade de salvaguardar a liberdade económica e profissional dos obrigados (cfr. adiante), às fases pré-contratual e pós-contratual e cobre, inclusive, situações preliminares que não vêm a desembocar numa relação contratual ou em que o contrato é inválido [lvii] .

A obrigação que recai sobre o trespassante e, possivelmente, os alienantes de participações de controlo, no todo ou em parte, pode ver-se como uma obrigação fundada no princípio da boa fé, com os seus deveres de proteção da relação constituída entre as partes e do mercado de concorrência, fazendo intervir também o DCD. Todavia, ela é, primária ou primacialmente, uma obrigação contratual, fundada numa interpretação do contrato em conformidade com a boa fé, simples ou complementadora; tem a ver com o próprio objeto e a economia do contrato.

Na verdade, pode dizer-se, designadamente no caso da compra e venda, que, se o trespassante alienou a empresa – com os respetivos valores de organização e de exploração, fundados substancialmente na existente posição de mercado -, mediante um preço, ao fazer posteriormente concorrência, impede o trespassário de, tendo engenho e capacidade para isso, vir a ficar efetivamente investido no poder de exploração económica da mesma, retirando-lhe elementos ou fatores de valor chaves (máxime, clientes e/ou trabalhadores), o que se afigura contraditório com a sua posição de vendedor e, mesmo, contrário aos usos honestos do tráfico de empresas, aspeto realçado pela circunstância de ter recebido do comprador armas (preço) que vai usar para o combater. Todavia, ao fazer-lhe concorrência, disputando a realização de negócios, clientes, trabalhadores, etc., ele está, verdadeiramente, a impedi-lo de – tendo capacidade para tal, em ambiente concorrencial normal, dentro dos limites da boa fé - conservar, gozar e fruir o objeto adquirido e de realizar o respetivo valor de troca, mediante novo trespasse, contrariando o sentido da obrigação legal de entrega e retirando fundamento ao preço recebido [lviii] .

Note-se, em todo o caso, que, mesmo fora deste contexto do trespasse, as obrigações de não concorrência (e de não exploração, comunicação ou divulgação de segredos de negócio), além de serem vistas como obrigações legais - fundados em normas de proteção recondutíveis ao princípio da boa fé, seja numa expressão simples, seja numa manifestação qualificada do mesmo, quando há relações de poder ou de colaboração -, também podem, em parte, ver-se como obrigações contratuais (ou estatutárias) implícitas, traduzindo o reconhecimento jurídico da liberdade contratual implicada na liberdade de empresa, incluindo a liberdade de dispor desta (cfr., além do art. 61.1, o art. 62 da CRP).

B) Pactos de não concorrência

Em qualquer caso, as obrigações referidas delimitam a fronteira entre a liberdade de empresa – com a sua vertente organizativa e os respetivos valores de organização e exploração (ou estabelecimento) - e o princípio da concorrência de forma insuficiente, seja devido à fluidez dos seus contornos, seja porque, na ausência de norma expressa, elas não são sequer totalmente consensuais [lix] .

Mas mais: a liberdade de empresa acolhida no art. 61.1 da CRP não se confronta apenas com o princípio da concorrência enquanto princípio de organização ou regulação sócio económica, mas também com a igual liberdade de empresa e profissional (e o direito a trabalhar) dos obrigados, enquanto base da sua subsistência e instrumentos de desenvolvimento da respetiva personalidade (cfr. os arts. 26, 47 e 58 da CRP). Daí, por um lado, o reconhecimento dos pactos de não concorrência como pactos juridicamente vinculativos (em boa medida, também instrumentos de proteção dos segredos de negócio) [lx] , enquanto manifestação legítima da liberdade contratual implicada na liberdade de empresa do beneficiário e da autonomia privada geral dos obrigados, quer no decurso da relação, quer após a cessação da mesma, e, por outro lado, o estabelecimento de limites à sua validade, bastante mais apertados que no passado, para proteção do sistema concorrencial, mas, sobretudo, daquelas liberdades económico-produtivas dos obrigados.

Exemplos paradigmáticos são o art. 136 do Código do Trabalho - que, depois, de no n.º 1, dispor que «[é] nula a cláusula de contrato de trabalho ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, por qualquer forma, possa prejudicar o exercício da liberdade de trabalho após a cessação do contrato», sujeita a sua validade a apertados requisitos, de forma e substância, e estabelece um limite de duração máximo geral de 2 anos, podendo, em casos especiais, ir até 3 anos – e o citado art. 9 da LCA, que, além de exigir a forma escrita (n.º 1), determina que a obrigação de não concorrência «só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos e circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente» (n.º 2). O mesmo vale para outras situações, incluindo o trespasse.

5. O sub-sistema de direitos privativos como componente do sistema

Já se aludiu aos direitos privativos industriais, em sentido lato, enquanto instrumentos de concretização do princípio de apropriação implicado na liberdade de empresa - de resto, uma manifestação do princípio geral de direito da apropriação por cada um dos resultados do seu trabalho ou atividade e de correspondente disponibilidade do mesmo, postcipada ou antecipada, também implicado, designadamente, na liberdade profissional (art. 47 da CRP) e no direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 26.1 da CRP; cfr. também o art. 62). Aqui interessa-nos outra perspetiva dos mesmos: eles – enquanto direitos alheios - também delimitam o campo de livre exercício da atividade de cada empresário.

Na verdade, o sistema de concorrência livre e leal – componente do sistema produtivo e, mais latamente, do existente modelo de economia de mercado concorrencial regulada – integra o subsistema dos direitos industriais: este faz parte da definição dos contornos da liberdade, pelo menos em parte é fundado no valor da lealdade concorrencial (art. 1 do CPI) e a aquisição de posição de vantagem concorrencial através da sua violação atenta contra este mesmo valor. O próprio legislador o reconhece, designadamente, ao considerar o Tribunal da Propriedade Intelectual, competente para as ações de infração aos direitos, igualmente competente para apreciar uma conexa questão de concorrência desleal [lxi] .

A) Direitos sobre sinais distintivos

Tais direitos dividem-se em duas grandes categorias: a dos direitos relativos aos sinais distintivos e a dos direitos relativos a criações ou realizações empresariais ou com potencial interesse produtivo. No primeiro caso, estamos a falar de direitos que, por um lado, incidem sobre um elemento estrutural e, nas atuais condições de mercado, imprescindível do sistema produtivo: os sinais distintivos são, em geral, necessários para distinguir os atores produtivos existentes, as respetivas organizações produtivas e/ou as suas ofertas de bens e serviços; constituem um pressuposto fundamental da concorrência e da economia de mercado concorrencial, que requer a identificação ou identificabilidade das organizações e das ofertas a concurso. Por outro lado, a sua proteção fundamental, contra o risco de confusão e de indução em erro, tem um fundamento comum ao DCD [cfr. o art. 311.1a) do CPI]; e a proteção ultramerceológica das marcas renomadas, contra o risco de depreciação e o aproveitamento do respetivo valor publicitário, teve origem neste mesmo DCD [lxii] . Em rigor, a proteção específica dos valores e interesses em causa até poderia prescindir de um sistema de direitos, separado do DCD. São razões de boa ordenação sócio-económica que justificam a sua existência e a respetiva base administrativo-registal. Nesta medida, compreende-se bem a proclamação geral do art. 1 do CPI, segundo o qual, «A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos…» [lxiii] .

Nos direitos em apreço, podem distinguir-se, ainda, os direitos sobre sinais distintivos individuais (firmas, logótipos e marcas individuais), e os relativos a sinais de utilização regulada por uma pluralidade de interessados – em que se salientam as denominações de origem e as (delas próximas) indicações geográficas. Como estes são, em grande medida, objeto de disciplina e tutela pelo DUE [lxiv] , o quadro regulatório nacional em que a liberdade de empresa existe mostra-se incompleto. O mesmo vale para a marca da União.

B) Outros direitos

Os restantes direitos, sobre criações ou realizações imateriais, têm uma ligação menos estreita ao processo e ao sistema produtivos, sobretudo na sua génese, bem como ao valor da lealdade da concorrência a que se refere o art. 1 do CPI, requerendo uma análise mais fina. Na impossibilidade de desenvolver o tema, salienta-se o que se segue, tomando como referência as patentes.

A tutela jurídica das invenções, mediante patente, tal como prevista no CPI, pode ver-se como uma manifestação (i) do princípio da apropriação por cada um dos frutos ou resultados do seu engenho e trabalho ou atividade (e investimento) - incluindo realizações imateriais com potencial valor económico - implicado, designadamente, no direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 26.1 da CRP), na liberdade profissional (art. 47 da CRP) e na liberdade de empresa (art. 61.1 da CRP) e expressamente contemplado no art. 42 da Constituição; (ii) bem como da coenvolvida faculdade de dispor antecipadamente desses frutos (cfr. os arts. 57 e ss. do CPI). E, em face do art. 105 do Código, que reconhece a um inventor paralelo o direito de explorar a invenção a que tenha chegado antes da data de prioridade de uma patente, limitando o exclusivo conferido por esta, tal princípio até encontra uma concretização razoável no regime instituído.

Ainda assim, fora esta exceção, a combinação da regra da prioridade do pedido de patente com o efeito de bloqueio constante do art. 102 leva a afirmar um regime de apropriação concursal: obtém a patente quem primeiro a solicitar à entidade competente (INPI ou IEP), revelando a invenção mediante descrição apropriada (arts. 62, 65 e 66 do CPI e art. 63 da CPE); e, desse modo, fica com o exclusivo de exploração desta, mesmo que, fruto de atividade de investigação paralela, após a data de prioridade, alguém tenha chegado ao mesmo resultado. Além disso, existem também importantes limitações àquilo que é patenteável (arts. 50 e ss. do CPI e 52 e ss. da CPE), a patente envolve a publicidade legal da invenção e do respetivo direito, promovendo a transparência e a clareza do sistema, importantes para a sua eventual contestação e para que a concorrência se possa desenvolver livremente fora do espaço temporalmente reservado.

Significa isto que o sistema de patentes é muito diferente do sistema de proteção dos sinais distintivos: não está em causa assegurar os próprios pressupostos básicos da concorrência ou existência de uma economia de mercado concorrencial, diferenciando os atores produtivos, suas organizações produtivas e respetivas ofertas de bens e serviços, mas instituir uma política económica de desenvolvimento tecnológico, aberta a qualquer participante, estimulando a inovação e, desse modo, o progresso económico e social. Em termos concorrenciais, está em causa, sobretudo, criar condições para a existência de elevados níveis de concorrência tecnológica e de base tecnológica, promovendo a afetação de recursos à atividade de I&D. Paralelamente, promove-se a criação de um património tecnológico comum, após o termo do exclusivo.



[i] Cfr. Evaristo Mendes, comentário ao artigo 61 da CRP, in Jorge Miranda /Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª ed. revista, Lisboa (UCE) 2017 (mas texto correspondente à versão de 2010), p. 855 e ss.

[ii] Cfr. Evaristo Mendes, ob. cit., p. 878 e ss.

[iii] Tem também implicada a liberdade de associação – exercício coletivo ou associado - que aqui não releva.

[iv] Trata-se de um bem imaterial específico, com um lastro corpóreo que lhe confere especial visibilidade.

[v] Mais que o termo empresa (em sentido objetivo), o tradicional termo estabelecimento (mormente mercantil) exprime bem este dado: estabelecer-se economicamente significa arranjar um espaço físico onde se vai exercer certa atividade produtiva, assinalando ao mercado uma localização geográfica, mas significa também, e sobretudo, montar um negócio, criar uma teia de relações no mercado que permitem celebrar negócios jurídicos e, através deles, fazer negócio, situar-se, localizar-se no mercado (localização institucional). A estabeleceu-se por conta própria; B estabeleceu-se como comerciante de eletrodomésticos; C estabeleceu-se ou montou um negócio de pronto a vestir; etc.

[vi] Quanto à proteção nacional, cfr. o DL 113/90. Ao nível da União, cfr. o Reg (CE) 2100/94.

[vii] Cfr., do homenageado, Manuel Oehen Mendes, «Espectáculos desportivos, formatos televisivos e direito de autor», ROA 75 (2015), p. 745-777,Nuno Sousa e Silva, «Algumas questões (controversas) e outras tantas sugestões a propósito do regime nacional dos direitos conexos», Revista de Direito Intelectual 1/2017,p. 103-148, 111 e ss., bem como, por ex., o Parecer da PGR 17/93, de 17.06.1993 (Garcia Marques), Oliveira Ascensão, «O direito ao espectáculo», BMJ 366 (1987), p. 41-55, Alberto Sá e Mello, «Filmagem de Espectáculos Desportivos e “Direito de Arena”», Jurismat 1 (2012), disponível em https://recil.ensinolusofona.pt/bitstream/10437/3852/1/Filmagem%20de%20espect%C3%A1culos%20desportivos.pdf, e Cláudia Trabuco, «O direito ao espectáculo e o direito à imagem dos desportistas: cotejo dos direitos português e brasileiro», Desporto & direito, Revista jurídica do desporto 29 (2013), p. 129-152.

[viii] Quanto a este, cfr. o art. 2.2a) do DL 248/86 e o art. 40 do RRNPC.

[ix] Regime do Registo Nacional das Pessoas Coletivas, aprovado pelo DL 129/98, arts. 1, 3, 32 e ss.

[x] Art. 10 do CSC, art. 15 do CCoop, etc.

[xi] Regulada nos arts. 208 e ss. do CPI e, no caso da marca da União Europeia, no Reg (UE) 2017/1001.

[xii] Regulado nos arts. 281 e ss. do CPI.

[xiii] Nalguns casos, as marcas surgem para capitalizar e explorar a notoriedade ou reputação de figuras públicas (como desportistas famosos), que, através do sinal, se comunica a certa gama de produtos.

[xiv] Cfr. os arts. 81f), 99a) e c), 73.4 e 100c) da CRP e, ainda, designadamente, a Lei da concorrência (Lei 19/2012) e arts. 101 e ss. do TFUE, a lei das práticas individuais restritivas do comércio (PIRC) (DL 166/2013), a LPCD (DL 57/2008), o art. 311 do CPI e os arts. 6 e ss. do Código da Publicidade (DL 330/90), em que se salientam os arts. 11 e 16.

[xv] Cfr. os arts. 81c) e f), 99b) e 100 c) da CRP.

[xvi] Cfr. os arts. 60, 81i) e 99 e) da CRP e, ainda, designadamente, a Lei de defesa do consumidor (Lei 24/96) e a LPCD (cit. DL 57/2008).

[xvii] Cfr. os arts. 60.1 e 64 da CRP.

[xviii] Cfr. os arts. 53 e ss., 58 e s., 97, 66, 81m) e 90 da CRP.

[xix] Cfr. os arts. 81a) e l), 87, 90, 93.1b), 99 d) e 100c) da CRP.

[xx] Cfr. os arts. 73.4, 81l) e 100b) da CRP.

[xxi] Presente, designadamente, no princípio da concorrência.

[xxii] Significa isto que a LPCD concretiza, simultaneamente, o princípio da proteção do consumidor e o princípio da concorrência, regulando a concorrência neste segmento do mercado, isto é, proibindo o seu falseamento ou deslealdade nas relações com os consumidores.

[xxiii] Tendo aplicação, neste caso, o art. 311 do CPI e o art. 11 do CPub. O que se diz a seguir no texto, acerca das decisões de aquisição, vale, mutatis mutandis, para as decisões de fornecimento ou venda.

[xxiv] O mesmo sucede com o direito da publicidade, a que se aplica especialmente o CPub, derrogatório, nomeadamente, da regra da proibição da publicidade comparativa, tradicionalmente considerada, sem mais, uma prática denegritória (art. 16). A respeito do que se diz no texto, cfr. também o atual art. 11 deste Código.

[xxv] Cfr. os arts. 81f) e 99c) da CRP e a Lei da Concorrência.

[xxvi] Cfr. o art. 99a) da CRP e a lei das PIRC.

[xxvii] Cfr. o art. 81f) da CRP e a lei das PIRC. Tenha-se presente também o princípio constitucional de favorecimento ou proteção das PMEs [arts. 86.1, 97 e 100d)].

[xxviii] Cfr. o Ac. 612/2011 (Catarina Castro), n.º 7.

[xxix] Cfr. os Acs. 454/97 (Fernanda Palma), n.º 8, e 413/2014 (Carlos cadilha), n.º 60.

[xxx] Cfr. o Ac. 545/2015, n.º 10.

[xxxi] Cfr. os arts. 36 e ss. e, em relação às integrações com dimensão comunitária, o Reg. (CE) 139/2004.

[xxxii] Cfr. os arts. 9 e 10.

[xxxiii] Cfr. os arts. 11 e 12.

[xxxiv] O regime parece ter visado sobretudo restabelecer algum equilíbrio nas relações entre o setor da produção nacional, em especial o agroalimentar, polvilhado de numerosos pequenos produtores, e a grande distribuição, detentora de um grande poder de mercado, protegendo a parte mais fraca na relação, mas o seu âmbito foi entretanto alargado. Também foi concebido como uma espécie de antecâmara do direito (de defesa) da concorrência, regulando práticas com um impacto concorrencial restritivo limitado, mas este aspeto foi, entretanto, substancialmente corrigido. Para uma apreciação crítica do regime inicial de 2013, cfr., Miguel Sousa Ferro, O novo regime das práticas comerciais restritivas do comércio, Lisboa (AAFDL) 2014, p. 10 e ss., 63 e ss.

[xxxv] Cfr. os arts. 36 e ss. da Lei da Concorrência e, em relação às integrações com dimensão comunitária, o Reg. (CE) 139/2004.

[xxxvi] No direito europeu, cfr. os arts. 101, 103 e ss. do TFUE.

[xxxvii] No direito europeu, cfr. os arts. 102 e ss. do TFUE. Os abusos em apreço são, igualmente, ilícitos quando não envolvem a celebração de contratos, e acrescem-lhes os abusos de dependência económica suscetível de afetar o funcionamento do mercado ou a estrutura da concorrência (art. 12 da LC).

[xxxviii] Que transpôs para o direito interno a correspondente Diretiva de harmonização plena 2005/CE/29.

[xxxix] Ou seja, suscetíveis de prejudicar sensivelmente a aptidão do consumidor para tomar uma decisão esclarecida, conduzindo-o a tomar uma decisão que, não fossem tais práticas, ele não teria tomado [art. 3e)].

[xl] Significa isto que o quadro regulatório em apreço respeita, não apenas à liberdade contratual implicada na liberdade de empresa, mas também à liberdade de comunicação comercial.

[xli] Segundo o preâmbulo do diploma, assegurar a lealdade das práticas comerciais é essencial para assegurar a confiança dos consumidores, para garantir a concorrência e, ainda, num quadro de harmonização plena no seu âmbito de aplicação, para promover o desenvolvimento das transações comerciais transfronteiriças.

[xlii] A lei utiliza aqui um opaco conceito de diligência profissional como padrão de aferição do comportamento do ator produtivo (art. 5.1), implicando tal diligência: competência profissional do agente; cuidado exigível a um profissional (competente) numa relação com o consumidor, designadamente, tendo em conta a típica assimetria de informação existente entre as partes, a possível menor familiaridade do consumidor com os bens e serviços oferecidos, a típica menor experiência na sua negociação e menor compreensão da linguagem contratual usada, etc., as práticas de mercado que sejam honestas e o princípio geral da boa fé [art. 3h)].

[xliii] Cfr. os arts. 10 e 11 desta Lei e, ainda, o art. 13, cujo leque de pessoas com legitimidade ativa é ampliado pelo art. 16 da LPCD.

[xliv] Adicionalmente, o consumidor pode promover a redução do preço ou a resolução do contrato afetado pela prática desleal e tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos (arts. 14 e 15). Um eventual pedido indemnizatório dos concorrentes que podem ter sofrido um desvio de negócios parece depender do art. 483 do CC.

[xlv] Cfr. também, no CPI, o art. 311.1a) e, por ex., o art. 232 e o imperfeitamente redigido art. 238.1c) (relativos às marcas) e o art. 289 (relativo ao logótipo).

[xlvi] Cfr. o referido arts. 7 da LPCD (e o que se diz a seguir, no texto), bem como o art. 8 e, a respeito do engano por omissão, mormente de informação relevante para a decisão de transação, o art. 9.

[xlvii] Práticas que contenham informação falsa – ou que, sendo verdadeira, por qualquer modo, incluindo a apresentação geral, induza em erro ou seja suscetível de induzir em erro – acerca de algum dos seguintes elementos: existência do bem ou serviço; natureza e características essenciais dos mesmos; preço; conteúdo e extensão dos compromissos assumidos pelo empresário ou profissional; identidade, natureza, atributos, qualificações, património, direitos, etc., do mesmo.

[xlviii] O art. 43, por sua vez, determina: «O disposto nos artigos 10.º [princípio da veracidade], 11.º [publicidade enganosa] e 16.º [publicidade comparativa] do presente Código aplica-se apenas à publicidade que não tenha como destinatários os consumidores. E o art. 42 dispõe: «Qualquer profissional ou concorrente com interesse legítimo em lutar contra a publicidade enganosa e garantir o cumprimento das disposições em matéria de publicidade comparativa pode suscitar a intervenção da Direcção-Geral do Consumidor para efeitos do disposto no artigo anterior [medidas cautelares contra a publicidade enganosa, comparativa ilícita, etc.]».

[xlix] A respeito da composição dos sinais distintivos, dispõe, designadamente o art. 32.1 do RJ-RNPC (DL 129/98): «Os elementos componentes das firmas e denominações devem ser verdadeiros e não induzir em erro sobre a identificação, natureza ou atividade do seu titular.» [cfr. também o n.º 4a)]. No CPI, vejam-se, designadamente, a respeito das marcas, os arts. 231.3d), 259 e 268.2b). Veja-se, ainda, o art. 311.1b) do CPI, que proíbe os atos de desacreditamento de concorrentes, praticados na vida económica, utilizando afirmações falsas.

[l] Cfr. os arts. 330, 362 e 363 do CPI.

[li] O preceito impõe ao trabalhador o dever de «Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;». Trata-se de uma manifestação do princípio da boa fé, consagrado no art. 126.1.

[lii] Dispõe este art. 8: «O agente não pode, mesmo após a cessação do contrato, utilizar ou revelar a terceiros segredos da outra parte que lhe sejam sido confiados ou de que ele tenha tomado conhecimento no exercício da sua atividade, salvo na medida em que as regras da deontologia profissional o permitam». Acerca deste dever, observando que ele é atinente à própria organização dos mercados (constituindo a sua violação um ato de concorrência desleal), transcendendo o domínio das relações contratuais e existindo nos contratos e relações de distribuição integrada em geral, cfr. Fernando Ferreira Pinto, Contratos de distribuição, Lisboa (UCE) 2013, p. 431 e ss., 444 e 445.

[liii] Cfr. neste sentido, com mais indicações e entendendo valor o mesmo para os restantes contratos de distribuição integrada, cfr. Ferreira Pinto, ob. cit., p. 443 e s.

[liv] Manifestação próxima do mesmo dever geral de lealdade é o dever legal não escrito de não desvio ou aproveitamento das oportunidades de negócio sociais ou corporativas, expressamente mencionado o Código Cooperativo [art. 46.2c)]. Cfr., por ex., Fátima Ribeiro, «O dever de os administradores não aproveitarem, para si ou para terceiros, oportunidades de negócio societárias», RCEJ 20 (2011), p. 23 e ss., e Mafalda Mondim, «O dever de lealdade dos administradores e o desvio de oportunidades de negócio societárias», in Questões de tutela de credores e de sócios de sociedades comerciais, coord. de Fátima Ribeiro, Coimbra (Almedina 2013, p. 69 e ss.

[lv] Cfr. sobre o assunto, por todos, M. Nogueira Serens, Das obrigações de não concorrência na negociação definitiva da empresa, Coimbra (Almedina), 2017, p. 5 e ss.

[lvi] A obrigação de não concorrência dos sócios, fundada no respetivo dever de lealdade corporativo, também ocupa um lugar à parte, porque o fundamento deste dever pode ver-se como um fundamento plúrimo: a boa fé enquanto dever de proteção (dever legal) qualificado, veiculando as coordenadas fundamentais do sistema em geral e do sistema jurídico-societário em especial; a fidelidade ao fim comum deduzível do contrato de sociedade ou dos estatutos enquanto lex privata da organização e da relação (dever contratual ou estatutário, porventura não meramente lateral ou de simples proteção da relação); e um princípio geral de regulação do exercício de poder, no caso do poder corporativo, maioritário ou de bloqueio, proibindo o respetivo exercício abusivo, que pode também ver-se como uma forma qualificada de abuso de direito.

[lvii] Cfr. as indicações fornecidas por Evaristo Mendes, «Segredos de negócio e liberdade profissional», RDCom, 2021-05-30, p. 783-848, disponível em https://www.revistadedireitocomercial.com/segredos-denegocio-e-liberdade-profissional, p. 808 e ss., 819 e ss. (citando, em especial, Menezes Cordeiro).

[lviii] Note-se que o trespasse é, quase sempre, para o adquirente, um negócio arriscado e relativamente imperfeito: há elementos chaves que podem perder-se com a operação ou vir posteriormente a perder-se; a mudança de titularidade da empresa, sobretudo se divulgada sem cuidado, pode gerar desconfiança¸ etc. Por conseguinte, ele deve, pelo menos, contar com uma atitude neutra do trespassante, durante um período de tempo razoável para, se e na medida em que for capaz, adquirir o efetivo domínio do objeto transacionado tal como existia na esfera jurídica do alienante. Corre aquele risco, mas ele não deve ser agravado pelo trespassante.

[lix] No caso do trespasse, não abrange, designadamente, pessoas que, em virtude dos cargos de administração que ocuparam, também estão em condições de fazer concorrência qualificada ao trespassário. Quanto a elas, torna-se necessária uma regulação contratual do assunto.

[lx] Abrangem-se aqui também as cláusulas de não concorrência, estatutárias ou inseridas em contratos como os de trabalho, agência, etc.

[lxi] O atual art. 111.1n) da LOSJ (Lei 62/2013) tem a seguinte redação enigmática: «Ações em que a causa de pedir verse sobre a prática de atos de concorrência desleal ou de infração de segredos comerciais em matéria de propriedade industrial».

[lxii] Quanto a este último aspeto, cfr. o art. 311.1c) do CPI, embora com um alcance prático grandemente diminuído pela exigência tradicional de uma relação de concorrência e um conceito apertado desta.

[lxiii] Sobre este, cfr., por ex., Remédio Marques, Direito Europeu de Patentes e Marcas, Coimbra (Almedina) 2021, p. 18 e s.

[lxiv] Cfr., em geral, o Reg (UE) 1151/2012.