EVARIST​O MENDES

Estabelecimento de ensino e trespasse

Palavras-chaves : Trespasse – Empresa – Empresa de serviços – Estabelecimento comercial – Estabelecimento industrial – Estabelecimento de ensino privado – Arrendamento – Entradas em espécie – Contratos de trabalho [i]

I

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA. FACULADADE DE DIREITO

DIREITO COMERCIAL (Ano letivo de 2005/2006)

(Textos de apoio para os alunos)

EVARISTO MENDES

Texto 1

Estabelecimento de ensino instalado em local arrendado e trespasse [ii]

O problema da natureza comercial das empresas de serviços

O problema: Um estabelecimento de ensino privado instalado em local arrendado é suscetível de trespasse, dispensando-se desse modo o consentimento do senhorio para a cessão da posição contratual no contrato de arrendamento?

Tese negativista

1.

TRP 1982.11.30 (Joaquim Gonçalves), CJ 1982/5.219

Externato de ensino primário e secundário instalado em local arrendado. Atividade exercida com fim lucrativo. Alegado(s) trespasse(s) do estabelecimento (externato) e continuação da atividade no local por parte do suposto trespassário, sem consentimento do senhorio. O TRP considerou este facto fundamento de resolução do contrato de arrendamento e correspondente ação de despejo.

Sumário :

Um externato de ensino secundário e primário não é estabelecimento comercial ou industrial para o efeito do artigo 1118 do Código Civil nem, em princípio, deve considerar-se estabelecimento de exercício de profissão liberal para os fins do artigo 1120 do mesmo Código.

Fundamentação :

I – Uma profissão liberal caracteriza-se por dois elementos: trabalho não subordinado e prevalência do esforço intelectual. Um externato como o presente – em que os professores, embora exercendo uma atividade prevalentemente intelectual e com certa autonomia técnica, estão vinculados ao titular por um contrato de trabalho – não é um «estabelecimento de exercício de profissão liberal», mas uma empresa.

II – Porém, não é um estabelecimento comercial ou industrial, isto é, relativo ao exercício de uma empresa comercial em sentido jurídico. De facto, as empresas comerciais são as enumeradas no art. 230 CCom, que não compreende este tipo de estabelecimentos. E também não é possível a sua inclusão nesse preceito por analogia: trata-se de estabelecimentos com um fim cultural, sujeitos a licenciamento e fiscalização por parte do Estado e de interesse público; ou seja, pelo seu estatuto, não têm índole mercantil. O facto de ser explorado com fim lucrativo é irrelevante, porque o lucro não é exclusivo das atividades comerciais.

III – É certo que segundo o art. 52 da lei do inquilinato de 1919, o Decreto 5411, industrial era todo o indivíduo sujeito a contribuição industrial que não fosse comerciante. Mas esse artigo já não se encontra em vigor, respeitando os arts. 1112ss CC aos arrendamentos para comércio ou indústria, isto é, diretamente relacionados com uma atividade comercial ou industrial.

IV – Não havendo um estabelecimento comercial ou industrial, não há trespasse e, portanto, não tem lugar a aplicação do art. 1118 CC que, nesse caso, dispensa o consentimento do senhorio para a cessão da posição do arrendatário. A continuação da atividade no local pelo alegado trespassário, sem autorização do locador, é fundamento de resolução do contrato e da competente ação de despejo.

Nota: O Acórdão tem um voto de vencido (Fernandes Fugas), no qual se defende a qualificação do externato em causa como um «estabelecimento industrial» para os fins do então vigente art. 1118 CC (= 115 RAU = novo 1112 CC), considerando a palavra indústria, neste contexto, como sinónima de atividade económico-produtiva, isto é, produtora de riqueza. Cita nesse sentido o Acórdão do STJ de 1980.03.19, RLJ 114.10ss (com anotação concordante de Antunes Varela), adiante indicado.

2.

TRL 1991.10.10 (Pires Salpico), www.dgsi.pt/ jtrl (sumário)

Um "externato" (estabelecimento de ensino particular) não é um estabelecimento comercial ou industrial, não podendo ser objeto de trespasse nos termos do art. 1118 do Código Civil; nem pode considerar-se estabelecimento para o exercício de profissão liberal , para o efeito do art. 1120 do mesmo Diploma. A cessão da posição contratual, por parte do arrendatário do prédio onde está instalado um "externato", sem autorização do senhorio, integra o fundamento de resolução do contrato de arrendamento e de despejo imediato, nos termos do artigo 1093, n. 1, al. f), do Código Civil.

3.

TRP 1993.07.08 (Fernandes Guimarães), www.dgsi.pt/ jtrp (sumário)

I - O artigo 115 do Regime do Arrendamento Urbano não visa definir ou disciplinar a figura do trespasse, antes o pressupõe como conceito prévio.

II - Os estabelecimentos de ensino particular não têm, pelo seu estatuto, índole mercantil .

III - Porque a Ré, "Aliance Française", não exerce qualquer atividade comercial ou industrial (o seu objeto é o estudo da língua, literatura, arte e todas as manifestações culturais francesas) é subjetiva e objetivamente impossível o "trespasse" para ela, de um estabelecimento de ensino particular .

Cita-se, neste sentido, o referido Acórdão do TRP de 1982.11.30, CJ 1982/5.219.

Tese positivista

1.

STJ 1980.03.19 (Manuel dos Santos Vítor), RLJ 114 (1981-82).10ss

(Defende-se a tese posivista em obiter dictum)

Colégio com alunos internos e semi-internos detido em Gaia por uma corporação missionária (legalmente reconhecida e com sede em Lisboa), tendo anexa uma exploração agropecuária instalada (em parte) num terreno arrendado (constituído por campo de lavradio, mato e vinhedo). Discutia-se antes de mais a qualificação do contrato de arrendamento como rural ou, em virtude da sua afetação aos fins do colégio (suporte alimentar dos alunos), como «comercial ou industrial». Mais especificamente, estava em jogo, no essencial, uma ação de preferência da arrendatária, motivada pela venda do prédio arrendado a outrem. A preferência poderia fundar-se no art. 1117 CC se o arrendamento fosse «comercial ou industrial». Se fosse rural, a lei vigente na altura só reconhecia tal preferência a certas entidades, que não compreendiam a autora. Por isso, tendo vingado a qualificação do arrendamento como rural, a preferência não foi reconhecida.

Todavia, o Supremo, com o apoio do Prof. Antunes Varela, afirma, na fundamentação da decisão, que, se no terreno em causa estivessem a funcionar atividades diretamente ligadas à atividade específica ou fundamental do estabelecimento de educação e ensino em causa (ou da titular) – campo de jogos para os alunos ou aplicações análogas integradas no esquema do ensino ministrado pelo colégio (campo de ginástica ou de treinos, observatório ao ar livre, etc., como observa o Professor Varela, p. 15) – o arrendamento já seria «comercial ou industrial» (p. 12).

Aparentemente, o critério subjacente é o da acessoriedade ou não da utilização do terreno relativamente ao estabelecimento de educação e ensino; mais propriamente, estava em causa saber se a acessoriedade existente era ou não bastante para caracterizar o arrendamento. De facto, apesar de no caso concreto a exploração agropecuária apenas servir de apoio ao colégio, de sustento dos seus alunos, considerou-se que tal finalidade nada tinha a ver com o ensino ministrado, nem era forçosa, aparecendo como meramente indireta e, portanto, não sendo ela a relevante para caracterizar o arrendamento. Já assim não sucederia se o destino convencionado ou permitido pelo contrato fosse um dos outros, mais estreitamente ligados à atividade do colégio.

Questões :

1) Se a atividade agropecuária estivesse integrada na atividade de educação e ensino do estabelecimento, a solução seria diferente?

2) O colégio podia considerar-se uma empresa comercial (de prestação de serviços)? havia uma organização produtiva de mercado autónoma? tendo um departamento anexo agropecuário (sem autonomia; não havia uma organização produtiva de mercado)?

3) Sendo a empresa comercial, a titular era comerciante? e podia explorar diretamente o estabelecimento em causa? (cfr. art. 14.1º CCom)

4) Em cado de «trespasse» do colégio, à posição de arrendatário aplicava-se o regime do arrendamento rural?

2.

TRP 1995.06.13 (Almeida e Silva) www.dgsi.pt/jtrp (sumário)

I - Não é taxativa a enumeração das atividades que, segundo o artigo 230 do Código Comercial, permitem qualificar uma empresa como comercial .

II - É de considerar estabelecimento industrial, para os efeitos dos artigos 110 a 116 do Regime do Arrendamento Urbano, um estabelecimento de ensino particular , com fins lucrativos .

III - A transferência da propriedade desse estabelecimento de ensino como uma " universitas juris ", com simultânea transmissão da posição de arrendatário do prédio onde está instalado, constitui trespasse.

IV - Sendo o trespasse efetuado através de escritura pública e comunicado ao senhorio dentro de quinze dias (artigo 1038 alínea g), do Código Civil), é válido e eficaz perante o senhorio.

Cita-se o mencionado Acórdão do TRP de 1982.11.30, CJ 1982/5.219, que, como se viu, perfilhou tese diversa.

3.

STJ 1996.04.16 (Torres Paulo), BMJ 456 (1996).396 = www.dgsi.pt/

Trespasse de estabelecimento de ensino particular funcionando em local arrendado. Desnecessidade de consentimento do senhorio para a cessão da posição de arrendatário

Estava em causa uma «escola» particular de reeducação de crianças deficientes mentais. O estabelecimento, funcionando em local arrendado, foi objeto de um contrato designado pelas partes como «trespasse» - mais especificamente, foi vendido por 3 000 contos -, tendo o trespassário continuado o exercício da atividade no local sem o consentimento do locador. As instâncias qualificaram a escola como empresa industrial - por estar em causa uma atividade tendente à criação de riqueza, como o revelava o preço do trespasse e a recusa da SS em a reconhecer como sem fins lucrativos - e, portanto, afirmaram ter havido um verdadeiro trespasse para os efeitos do art. 115 do RAU, isto é, dispenando-se o consentimento do senhorio para a cessão da posição de arrendatário ao trespassário. O STJ confirmou essa qualificação e a correspondente decisão. Tal como se havia entendido nos arestos precedentes, também segundo ele a questão de fundo consistia em saber se o estabelecimento em causa era ou não qualificável como empresa comercial em sentido jurídico, com base no art. 230 CCom; e desviando-se da orientação anterior, concluiu, tal como o tribunal recorrido, que sim.

Sumário :

Cabe o reconhecimento como empresa industrial [iii] ao estabelecimento de ensino particular de interesse público visando a reeducação de crianças atrasadas mentais, com a finalidade da obtenção de lucro.

Fundamentação [iv] :

I – O trespasse traduz-se na transferência do estabelecimento comercial ou industrial, considerado como universalidade, transmissão integral e definitiva para ser continuada a sua exploração pelo adquirente. Para a sua efetivação não é obrigatória a prévia autorização do senhorio (art. 115 RAU), embora a sua eficácia face a este dependa de comunicação (art. 1038 g) CC).

II – Como defende o Prof. Pereira Coelho, o arrendamento écomercial se o fim se relacionar diretamente com uma atividade comercial em sentido económico (não jurídico), isto é, de mediação. É industrial se o fim for o exercício de uma atividade industrial, no sentido de atividade tendente à produção de riqueza (Pires de Lima e Antunes Varela, Pais de Sousa, Januário Gomes). Foi desse modo abandonado, quanto à distinção das atividades, o antigo critério fiscal do Decreto 5411, dados os inconvenientes de a lei civil depender de princípios fiscais muitas vezes sem lógica nem técnica.

III – Se o art. 230 CCom contivesse uma enumeração taxativa das empresas comerciais, teria que se concluir que a uma escola de reeducação como a presente não seria um estabelecimento «comercial ou industrial», uma vez que os estabelecimentos deste género não constam dessa enumeração. Isso não sucede, porém.

IV – Na verdade, diferentemente de outros códigos estrangeiros que o precederam e lhe serviram de inspiração, o CCom não qualifica a empresa como um ato de comércio, separando as duas realidades – empresas (art. 230) e atos de comércio (art. 2) – e salientando sentido subjetivista da empresa ; a comercialidade do empresário é ligada à comercialidade da empresa e esta é comercial pelo facto de a sua constituição revelar o propósito firme de exercício de uma atividade como empresário. Comerciante é quem exerce uma empresa comercial, isto é, o empresário mercantil (Ferrer Correia, Paulo Sendin). O legislador foi buscar as sete empresas enumeradas à experiência da vida, criando um tipo, com certa estrutura relacional comum: o da empresa comercial, que se traduz no exercício efetivo de uma atividade profissionalizada.

V – [Sendo o art. 230 historicamente datado (de finais do séc. XIX)], importa atender sobretudo ao seu sentido ou razão de ser. Ao longo do tempo, criou-se uma natural e juridicamente insatisfatória incompletude, geradora de uma lacuna de regulamentação. Não deve, por isso, excluir-se a sua aplicação analógica (assim, José Tavares, Barbosa de Magalhães, Cunha Gonçalves, Oliveira Ascensão, Paulo Sendin, etc.). Se o fim da empresa for «comerciar», ela deverá qualificar-se como comercial (José Tavares).

VI – O art. 230 apresenta duas vertentes. Por um lado, qualifica as empresas como comerciais e, por outro lado, exclui da qualificação certas outras: as agrícolas e suas acessórias e aspequenas empresas. Dessa dupla dimensão podemos retirar o critério qualificador geral de uma empresa como comercial: o denominador comum consiste na existência de uma atividade contratual, sistemática e uniforme (profissionalizada) frente ao mercado ; verificado ele em concreto, estamos perante uma empresa desse tipo. Assim também Paulo Sendin, para o qual os arts. 2 I e 230 devem considerar-se autonomamente, não admitindo o primeiro a analogia mas sendo ela de admitir no segundo.

VII – Em face deste critério delimitador, conclui-se que um estabelecimento como o presente – estabelecimento de ensino particular de interesse público viando a reeducação de crianças atrasadas mentais, com a finalidade de obtenção do lucro - é uma empresa industrial nos termos do art. 230 CCom.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 - No 3. Juízo Cível do Porto, A, como proprietário de prédio urbano, que identificou, acionou B e C, pedindo que se declare resolvido contrato de arrendamento que celebrou com a primeira Ré, decretando o despejo imediato das Rés, dado ter existido cessão da posição de arrendatário pela primeira à segunda, sem que a lei o permita ou o senhorio o autorize.

Em contestação as Rés sustentam ter havido trespasse do estabelecimento comercial instalado no prédio arrendado, situação comunicada oportunamente ao A.

Proferiu-se sentença absolutória do pedido. Em apelação o douto Acórdão da Relação do Porto folhas
119 a 127 confirmou o decidido. Daí a presente revista.

2 - Nas suas alegações o A. recorrente conclui, em resumo: a) Escola de Reeducação Pedagógica dos Autos - estabelecimento a funcionar no local arrendado - não é um estabelecimento comercial ou industrial. b) É estabelecimento de ensino especial que prossegue um manifesto interesse público de educação de crianças atrasadas mentais. c) Não cabe na enumeração de empresas comerciais e na qualificação dos atos de comércio, efetuados nos artigos 2 e 23 do C. Comercial. d) A transmissão da propriedade e direção da Escola verificada em 21 de novembro de 1991, em simultâneo com a cedência do local arrendado foi uma cessão de posição contratual, não permitida pela lei, nem autorizada pelo senhorio.

A recorrida B pugnou pela manutenção do decidido.

3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.

4 - Está provado pela Relação. a) O A. é dono e legítimo possuidor do prédio urbano sito na Rua do ..., Porto.

b) O A. deu de arrendamento à 1. Ré, em 13 de março de 1973, mediante a outorga entre ambos de um contrato promessa de arrendamento, parte daquele prédio correspondente a uma casa de habitação sita na Rua ..., ficando expressamente excluída a garagem e o terreno do prédio correspondente à parte do artigo 2023, situada a nascente e separado por um muro e portão de acesso. c) O local arrendado destina-se à atividade de reeducação de crianças atrasadas mentais . d) Nos termos do referido contrato promessa ficou estabelecido na cláusula 4.
"A parte aqui arrendada destina-se à atividade de reeducação de crianças atrasadas mentais, não podendo a arrendatária dar-lhe outra finalidade, nem sublocá-lo ou cedê-lo, por qualquer forma, sem consentimento, por escrito do senhorio". e) A 1. Ré ocupou o local arrendado desde a data de celebração do aludido contrato promessa até final de 1991, aí estando instalada e em funcionamento uma escola de reeducação de crianças atrasadas mentais. f) A 1. Ré celebrou com a 2. Ré, em 18 de novembro de 1991, uma escritura pública de trespasse de "estabelecimento de ensino denominado Escola de Reeducação Pedagógica das Antas", sito no referido local arrendado. g) A 1. Ré notificou o A. da celebração dessa escritura de trespasse mediante carta registada expedida em 22 de
novembro de 1991 e recebida pelo A. em 25 desse mês. h) A 1. Ré pretendeu transmitir para a 2. Ré a propriedade da "Escola de Reeducação Pedagógica das Antas" como um todo, nela se incluindo a transmissão da sua posição de arrendatária, ou seja, transmitindo simultaneamente o seu direito ao arrendamento daquele local. i) Nesse sentido, a 2. Ré passou, a partir de 18 de novembro de 1991, a gerir funcionalmente e a orientar pedagogicamente aquela escola de ensino privado, ainda no local arrendado pelo A.

5 - As instâncias reconheceram à "Escola" em causa a natureza de empresa industrial e daí passaram a concluir que estamos perante um trespasse e não perante uma cessão de posição contratual. Frisa-se que o douto A. recorrido é uma peça jurídica bem fundamentada, alicerçando a sua decisão de direito em estudo crítico das diferentes vertentes doutrinais e jurisprudênciais que se debruçam sobre o problema chave em discussão: a enumeração do artigo 230 do C.Com. é taxativa ou exemplificativa?

Tal simplifica a elaboração deste acórdão na medida em que evita as repetições doutrinais e jurisprudências nele insertas.
Mas há que traçar claramente a linha que se segue.

6 - O A. recorrente invocou como causa de pedir a celebração entre a 1. e a 2. Ré de uma escritura pública de trespasse do estabelecimento de ensino "Escola de Reeducação Pedagógica das Antas". Alegando que esta escola não é um estabelecimento comercial ou industrial, conclui que a aludida transmissão se operou por uma cessão da posição de arrendatária, não permitida por lei, nem por si autorizada.

O trespasse traduz-se na transferência do estabelecimento comercial ou industrial, considerado como universalidade, transmissão integral e definitiva para ser continuada a sua exploração pela adquirente . Para a sua efetivação não é obrigatória a prévia autorização do senhorio - artigo 115 RAU. Uma vez operado, a sua eficácia perante o senhorio depende da comunicação da cedência, no prazo de 15 dias - artigo 1038 gp. do Código Civil.

Frente ao estatuído no artigo 110 RAU o arrendamento será comercial ou industrial, quando tenha sido tomado diretamente para fins relacionados, respetivamente, com uma atividade comercial ou industrial .
Atividade comercial entendida como de mediação, ou seja, em sentido económico e não jurídico (Professor P.
Coelho, Arrendamento, Lições, 1980, página 41 (referido ao então artigo 1118 do Código Civil)).
Atividade industrial com destino à produção de riqueza - Professores Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol II, 2. edição, página 634, Pais de Sousa "Anotações ao RAU”, página 59, e Dr. Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 2. edição, página 26. Houve, desta forma, o abandono do critério fiscal para surpreender aquelas atividades, inserto no parágrafo único artigo 52 do Decreto 5411 , onde se reputava como industrial todo o indivíduo que, como tal, estivesse sujeito à respetiva contribuição e que não fosse comerciante.
Pretendeu-se superar o "inconveniente grave de se subordinar a lei civil aos princípios tantas vezes sem lógica, ou sem técnica, das leis fiscais " - Rev. Leg. Jurp., ano 95, página 41 [v] . E a Relação - folha 125 verso e 126 - preenche o conceito de produção de riqueza com dois factos, o trespasse foi efetuado pelo preço de 3.000.000 escudos e a recusa expressa por parte do Centro Regional de Segurança Social do Porto em reconhecer a atividade da
"Escola", como atividade "sem fins lucrativos".

7 - Perante estas sumárias considerações jurídicas e os factos provados, a tese do recorrente só poderá encontrar êxito se considerarmos taxativa a enumeração das empresas comerciais inserta no artigo 230
C.Comercial por efetivamente a atividade da "Escola" não constar daquela enumeração
.

8 - Ao contrário do Código Comercial francês – artigo 632 - italiano de 1865, artigo 2; de 1882, artigo 3 e da Lei belga de 15 de dezembro de 1872, artigo 2 o nosso Código Comercial artigo 230 não qualifica a empresa comercial como ato de comércio .

O nosso legislador na enumeração de empresas inserta no artigo 230 acompanhou o Código Italiano, que lhe serviu de fonte.

Mas o n. 3, deste Código, não distinguia o ato de comércio da empresa comercial "são atos de comércio as empresas de..."

Diferentemente o nosso legislador separa, tratando de ato de comércio no artigo 2 e de empresa no artigo 230. Começa aqui por estatuir "Haver-se-ão por comerciais as empresas que se propuserem...". Frisa-se o sentido subjetivista da empresa.

Daí que se atente o fundamento da indicação das sete empresas recebida nos sete números do artigo 230 como comerciais, no facto de todas elas manifestarem pela sua constituição o "propósito firme" de exercerem a sua atividade como empresários . Liga-se a comercialidade do empresário , como comerciante, à comercialidade da empresa .
O legislador foi buscar aquelas "sete" empresas à experiência da vida, todas portadoras de diferentes situações.
E verificou-as.

Fê-lo em torno da mesma estrutura relacional criando: tipo de empresa comercial.

Mas, dir-se-á que para além daquelas sete situações, pensadas e analisadas, outras poderão e deverão ser integradas, logo que a razão de ser do artigo 230, plena e eficazmente respeitada, o imponha .

"Desde que se constitua uma empresa com fins comerciais, que pela sua instalação manifeste o firme propósito de comerciar, por que motivo se não deve aplicar-lhe o artigo 230, se a Lei a isso se não opõe?" - Professor José Tavares, Empresas, página 737.

E responde afirmativamente através de analogia.

Paralelamente Professor Oliveira Ascensão - D. Com. I, 1988, páginas 129 e seguintes.

9 - É sabido que a norma decompõe-se sem previsão ou tipo (factispecie, Tatbestand ou faits juridiques, na linguagem respetivamente, italiana, alemã ou francesa) que consiste na descrição feita em termos gerais e abstratos das situações de facto a regular pela norma e em instituição, que contém a disciplina, o efeito jurídico aplicável às situações descritas. Assim sempre que haja uma incompletude insatisfatória no seio do todo jurídico, estaremos perante uma lacuna.

Para Engish as lacunas são deficiências do direito positivo, apreensíveis como faltas ou falhas de conteúdo de regulamentação jurídica para determinadas situações de facto em que é de esperar essa regulamentação e em que tais falhas postulam e admitem a sua remoção através de uma decisão judicial jurídico-integradora.

10 - Só que não é pacífica a compreensão subjetiva da empresa atrás formulada pelo Professor José Tavares , nem muito menos é pacífico o recurso à analogia . Há pois, que delimitar o campo de aplicação dos artigos
2 - 1. parte; 13 e 230 do C.Com. Há que interpretar o artigo 230.

A finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da Lei. Entender uma Lei é indagar com profundeza o pensamento legislativo descer da superfície verbal ao conceito intimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direções possíveis. A nossa doutrina consagra a teoria dos atos de comércio, seguindo a francesa e a italiana.
Mesmo a [conceção] subjetivista de empresa do Professor José Tavares engloba em si uma vertente objetivista traduzida no efetivo exercício da atividade profissionalizada. E daí a subordinação do artigo 230 ao artigo 2, I parte. Guilherme Moreira sustentou uma tese objetivista - empresa como ato de comércio objetivo. Teses conciliadoras houve: Cunha Gonçalves, Comentário, páginas 585 e seguintes, e Fernando Olavo, Direito comercial I, páginas 158 e seguintes - presença cumulativa do empresário profissional e da sua atividade.

Por outro lado é maioritária a corrente que recusa a analogia para alargamento do campo dos atos de comércio objetivo: Guilherme Moreira, embora a defenda de iure constituendo, Pinto Coelho, Mário Figueiredo, Fernando Olavo.
Defendem-na Barbosa Magalhães e Cunha Gonçalves [vi] .

A doutrina francesa admite-a, mormente, quanto às empresas não enumeradas do Cod. Com.; Lyon Caen -
Renault, Traité, I, 4 edição, páginas 103 e seguintes; Ripert, Traité 1988, ns. 135 e 146. Semelhantemente em Itália - por todos a obra básica de Montessori, Il concetto di empresa, página 441.

11 - O artigo 2 C.Com., à semelhança do C. Com. espanhol de 1829, seguiu um sistema de enumeração implícita. A sua 1. parte é taxativa e não exemplificativa como querem C. Gonçalves e B. Magalhães, que seguem a escola histórico-evolutiva.
Aí se procede à qualificação, quer positiva, quer negativa, de atos de comércio ocasionais e objetivos.
Pelo artigo 13 é comerciante quem exerce profissionalmente o comércio. No ensinamento de Rocco só a prática habitual, regular, sistemática, de operações mercantis, decide da atribuição da qualidade de comerciante.
Ou seja, comerciante é quem exerce numa empresa comercial: é um empresário - Professor F. Correia, Lições, vol. I, 1956, página 97. O artigo 230 trata da qualificação das empresas como comerciais. E exclui daquela qualificação, no seu parágrafo 1, as empresas agrícolas, seus acessórios e pequenas empresas .

Naquela admissão e nesta exclusão está o suporte do critério qualificador de uma empresa como comercial .
O denominador comum de admissibilidade passa pela atividade contratual de cada uma frente ao mercado , atividade sistemática e uniforme . Surpreendido este critério globalizante, apurada fica a comercialidade de uma empresa.
O Dr. Paulo Sendin emEstudos de Homenagem ao Professor F. Correia, Boletim Faculdade Direito de Coimbra 1989, páginas 909 a 1064, sobre o artigo 230 do Código Comercial ensina que a analogia pode e deve ser excluída na qualificação positiva do artigo 2 - 1. parte .

E a página 957 quanto à admissão na qualificação das empresas comerciais do artigo 230 , escreve "são empresas comerciais todas as que correspondam a tais características jurídicas de comercialidade, independentemente de estarem ou não enumeradas ou serem análogas a alguma das que indica". O artigo 230 reputa de empresa comercial a atividade jurídica profissionalizada de um empresário comerciante, concretizado em negócios comerciais.
Delimitado, assim, o seu campo de aplicação fácil é concluir pela sua autonomia frente aos artigos 2 e 13.

12 - Interpretado, desta forma, o artigo 230 C.Com., impõe-se concluir que nele cabe o reconhecimento como empresa industrial do estabelecimento de ensino em causa , frente à matéria fáctica provada: trata-se de um estabelecimento de ensino particular de interesse público visando a reeducação de crianças atrasadas mentais, com finalidade de obtenção de lucro.

13 - Termos em que se nega a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de abril de 1996,

Torres Paulo, Ramiro Vidigal, Cardona Ferreira.


Comentário

1

O Aresto do Supremo é sobretudo importante na medida em que nele se acolhe a tese defendida pelo Prof. Paulo Sendin segundo a qual o Direito Comercial deve ser estruturado numa base empresarial, considerando o art. 230 CCom separadamente do art. 2 I (embora se note alguma indecisão e, mesmo, indefinição neste ponto) e extraindo do primeiro um critério geral de qualificação de uma empresa como comercial. No fundo, será comercial toda a empresa – organização autónoma de fatores produtivos tendente à produção e/ou comercialização de bens e/ou serviços em função do mercado – que não seja nem uma empresa agrícola (englobando eventualmente uma atividade industrial acessória) nem uma pequena empresa no sentido do § 1º do art. 230 CCom (com exercício direto da atividade pelo empresário) (embora também se observe uma certa falta de clareza ou menor precisão do aresto neste ponto, sobretudo quando, a final, enuncia o critério da empresa mercantil, sem aludir à limitação da pequena empresa e da empresa agrícola anteriormente indicada). Naturalmente, ficam de fora as simples atividades profissionais autónomas, de caráter manual ou intelectual, nem sequer qualificáveis como empresas (ainda que pequenas).

A esta luz devem ver-se, em especial, as questões da natureza comercial ou não dos contratos de trespasse e do arrendamento: o primeiro será comercial quando tiver por objeto um estabelecimento ou empresa comerciais (em sentido jurídico), no sentido aqui apontado; o segundo sê-lo-á quando o fim seja o exercício no local de uma atividade ou empresa da mesma natureza (isto é, comercial em sentido jurídico). Em contrapartida, haverá empresas ou estabelecimentos «industriais» no sentido do § 1º do art. 230 (ou análogos), que são civis, apesar de também lhes corresponder o exercício de uma atividade económico-produtiva em sentido lato (criadora de riqueza), de que a atividade mercantil é uma espécie (de longe a mais importante de um ponto de vista sócio-económico geral).

Já o modo como a questão concreta aqui decidida foi colocada – aliás na sequência dos acórdãos anteriores (mas não no do STJ de 1980) – merece ser discutido. Vejamos.

Em primeiro lugar, a resolução do caso não dependia da qualificação da escola como empresa ou estabelecimento mercantil (em sentido jurídico). De facto, não há razão suficiente para restringir o benefício da cessão da posição de arrendatário sem consentimento do senhorio às atividades comerciais e às profissões liberais, deixando de fora as demais atividades económico-produtivas civis, em que pode porventura enquadrar-se a exploração de um pequeno estabelecimento de ensino, abandonando a tradição jurídica iniciada em 1910 e consolidada com o Decreto 5411, de 1919. Há aqui um salto não convenientemente justificado nem no presente, nem nos arestos anteriores. Por conseguinte, quer se qualificasse o estabelecimento de ensino em causa como comercial quer se qualificasse o mesmo como civil, a solução do caso concreto deveria ser a mesma (aquela a que chegou o Supremo) [vii] .

Em segundo lugar, a superação do critério fiscal na delimitação entre os arrendamentos «comerciais» e «industriais» a que se alude no aresto do Supremo [viii] pode e deve fazer-se de um modo diferente do aí defendido, tendo em conta o conceito de «indústria» que surge tanto na lei civil como na lei comercial a respeito da «indústria doméstica» [ix] , dos industriais do art. 230 § 1º/2ª parte CCom [x] , dos sócios de «indústria», etc.. Indústria, nesse sentido, é sinónima de trabalho; e, no contexto dos arrendamentos para comércio e/ou indústria, significa trabalho autónomo ou atividade produtiva diretamente baseada no trabalho; mais rigorosamente, aquele trabalho que corresponde ao exercício de uma profissão autónoma de caráter manual ou de uma pequena empresa (indústria civil), em contraposição ao comércio em sentido jurídico (com as respetivas empresas não apenas de intermediação económica mas também industriais e de serviços) e, também, às profissões liberais, que a Lei 2030 [de 1948] separou do conceito de «industrial» civil acolhido no Decreto 5.411.

Na verdade, os arts. 110ss do RAU contêm, no campo do arrendamento urbano, um regime dos arrendamentos «profissionais» que remonta a esse Decreto 5.411, de 1919; isto é, uma disciplina dos arrendamentos relativos ao exercício - autónomo ou empresarial - de qualquer atividade económica não de mera fruição (= produtora de riqueza em sentido lato), comercial ou civil. Esse âmbito historicamente definido por tal Decreto mostra-se plenamente justificado, não havendo nenhuma razão para o circunscrever às atividades comerciais, por um lado, e às profissões liberais por outro lado, deixando de fora as profissões autónomas de caráter manual e as pequenas empresas (ou empresas artesanais), ou seja, a indústria civil sem uma predominante componente intelectual. Querendo situar o problema no campo do Código Comercial, como o fez o STJ, o conceito de «industrial» que se mostra aqui pertinente seria o do art. 230 § 1º/2º parte CCom, justamente compreensivo das profissões autónomas de caráter manual e das pequenas empresas, não o das empresas industriais de caráter comercial do corpo do preceito.

De facto, a acolher-se a interpretação do Supremo e dos Tribunais da Relação citados, teríamos nos arts. 110ss do RAU um regime especialmente aplicável aos arrendamentos para o exercício do comércio em sentido jurídico (comércio, indústria e serviços) e para o exercício de profissões liberais; mas - contra aquilo que se retira da história e da razão justificativa dos preceitos (do Decreto 5.411 e da posterior Lei 2030, que separou os arrendamentos «liberais») - ficaria uma lacuna: justamente a relativa às profissões manuais e à pequena empresa civil [à indústria no sentido de « trabalho» (autónomo ou assente em organização de meios meramente acessória) não intelectual]. Pior do que isso: nem haveria um lacuna a integrar de acordo com o espírito do diploma e do sistema; estas atividades não beneficiariam desse regime especial. Apesar de este ter sido originariamente concebido para proteger e estimular as atividades económico-produtivas em geral e não apenas as atividades comerciais ou liberais, elas teriam agora – com o abandono do critério fiscal de delimitação do campo de aplicação da lei civil - ficado... pura e simplesmente de fora.

Com o devido respeito, não se vê razão plausível para semelhante entendimento. Pelo contrário, uma interpretação da lei com memória (isto é, como fenómeno cultural e não um mero ditame de papel), adequada à realidade que visa regular e não criadora de lacunas artificiais, leva à consideração de que a locução «arrendamento para comércio e/ou indústria» se refere aos arrendamentos comerciais em sentido jurídico (arrendamentos para comércio) – que são atos de comércio pelo fim, ou por conexão com o comércio profissional, como o Decreto 5.411 também esclarecia - e aos arrendamentos civis profissionais relativos à «indústria» civil (arrendamentos industriais «hoc sensu»), com exclusão das profissões liberais, que têm (desde a Lei 2.030) tratamento à parte. Dito de outra forma, o sentido da lei é regular os arrendamentos respeitantes a locais em que se vá exercer uma atividade económico-produtiva (= criadora de riqueza ou valor) comercial ou civil, de caráter empresarial ou não . Para os efeitos dos arts. 111 e 115 do RAU, é mesmo relativamente indiferente a distinção entre arrendamentos comerciais e industriais: basta observar que na expressão genérica utilizada cabe toda a atividade profissional autónoma – repete-se, atividade económica não de mera fruição, civil ou comercial, de caráter empresarial ou não (embora o pressuposto típico seja o da existência de pelo menos uma pequena empresa) -, com exceção das profissões liberais, uma vez que estas foram diferenciadas pela Lei 2.030, situação que se mantém. Por conseguinte, em todos os casos referidos nos arestos, havia um trespasse para os efeitos do art. 1118 CC ou do atual art. 115 do RAU, justificando a dispensa do consentimento do senhorio, sem ter que se discutir a natureza civil ou comercial do estabelecimento e do respetivo arrendamento.

Há, contudo, um caso em que a distinção entre o arrendamento comercial e o arrendamento industrial «hoc sensu» - e a correspondente contraposição do estabelecimento comercial aos estabelecimentos industriais civis - parecem fazer sentido. É o seguinte: no art. 116 do RAU, apenas se prevê, ao menos literalmente, uma preferência do senhorio em caso de trespasse do estabelecimento comercial, omitindo-se uma referência ao estabelecimento industrial civil compreendido no artigo anterior. O elemento literal por si só terá pouco valor, mas a verdade é que existe uma razão material capaz de justificar aquilo que à primeira vista parece decorrer do texto da lei – ou seja, o de que em caso de trespasse de estabelecimento industrial (civil) não haverá preferência. Com efeito, em muitos casos, nem existirá uma significativa organização de meios de suporte da atividade, suscetível de justificar que se fale de um verdadeiro estabelecimento trespassável; a situação é próxima da das profissões liberais. Havendo uma pequena empresa, a organização de meios ainda será, por definição, acessória e a perduração da atividade no local requererá especiais qualidades profissionais, que via de regra o senhorio não terá. Significa isso que o legislador, à semelhança do que sucede com as profissões liberais, poderá não ter querido reconhecer aqui tal preferência ou, talvez melhor, poderá ter deixado o assunto por regular: existindo então uma lacuna de regulamentação, a preencher nos termos gerais [xi] .

2

Novo regime do arrendamento [xii]

A locação do estabelecimento (comercial ou industrial) surge agora no novo art. 1109 do CC. A utilização do espaço pelo locatário ou cessionário da exploração do estabelecimento, ao abrigo do contrato de locação ou cessão de exploração deste, não depende de autorização do senhorio, mas o facto tem que lhe ser comunicado. O legislador proclama essa dispensa de autorização do senhorio para a própria transferência temporária e onerosa do estabelecimento, mas a impropriedade de linguagem não compromete o sentido da norma. Cfr. a propósito o art. 1083.2e) CC.

A transmissão entre vivos da posição do arrendatário aparece no art. 1112. Dispõe-se aí:

1) Que essa transmissão depende de forma escrita e deve ser comunicada ao senhorio (nº 3);

2) Que não depende de autorização do senhorio em caso de trespasse de «estabelecimento comercial ou industrial» (ou, no caso das profissões liberais, quando o transmissário continuar a exercer no local a mesma profissão, esclarecendo-se que também o podem ser as sociedades profissionais) (nº1);

3) Que, no presente contexto, para se dispensar o consentimento do senhorio, só se considera haver trespasse quando, por um lado, a posição de arrendatário seja transmitida no âmbito de uma transferência global dos elementos que integram o estabelecimento (designadamente, instalações, utensílios e/ou mercadorias) [isto é, quando haja um trespasse em sentido técnico-jurídico, sendo a transferência do arrendamento um mero efeito desse trespasse]; e, por outro lado, quando o fim visado pelo negócio não seja a afetação do local a outro destino, designadamente uma diferente atividade comercial ou industrial (nº 2).

E acrescenta-se: «Quando, após a transmissão, seja dado outro destino ao prédio, ou o transmissário não continue o exercício da mesma profissão liberal, o senhorio pode resolver o contrato» (nº 5).

No trespasse [subentende-se de estabelecimento comercial ou industrial] por venda ou dação em cumprimento, o senhorio tem, salva convenção em contrário, preferência (nº 4).

As observações acima feitas a respeito do RAU valem, mutatis mutandis, para o novo regime, com o esclarecimento de que o senhorio só não gozará de preferência no caso dos arrendamentos para o exercício de profissão liberal: há, pois, aqui, uma norma especial de proteção desse tipo de profissionais. Desse modo, também deixa de ter interesse, neste contexto, a distinção entre estabelecimentos comerciais (em sentido jurídico) e estabelecimentos industriais (civis): o regime é o mesmo.

Salienta-se, mais uma vez, que o sentido histórico deste regime legal – que não há razões para alterar – é o de regular especialmente os arrendamentos urbanos de locais destinados ao exercício de uma atividade económico-produtiva, de caráter comercial ou não comercial, empresarial ou não, de índole manual ou intelectual/liberal. Esse sentido acha-se hoje reforçado pelo teor do novo art. 1108 CC, que dispõe que as regras dos arts. 1109ss se aplicam aos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais [com ressalva de eventual regime especial aplicável].

Na verdade, desse modo, ficam inclusive abrangidos outros arrendamentos, relativos ao exercício de atividades de beneficência, recreativas, etc., até aqui não consideradas. Mas, sendo assim, esclarecido que o regime se aplica também às profissões autónomas de caráter manual, mesmo quando não tenham em concreto a suportá-las nenhuma organização significativa de meios – isto é, quando não haja um verdadeiro estabelecimento, nem sequer civil -, verdadeiramente a regra que valerá para elas no art. 1112 não será a do trespasse, mas a da simples continuação da atividade, ainda que se entenda que a «isenção» da preferência é um privilégio das profissões liberais.

Em contrapartida, há profissões liberais, como a de radiologista ou afins, cujo exercício pressupõe tipicamente uma significativa organização de meios. Nesses casos, justifica-se que o legislador se contente com a simples continuação da atividade no local? Por a «dimensão de mercado» deste ser negligenciável?

Texto 2

(omissis)

II

Apêndice

(Breve notícia de alguma jurisprudência posterior a 2006)

A

Estabelecimento de ensino instalado em local arrendado.

Trespasse e preferência do senhorio

(O estabelecimento como entrada em espécie para sociedade)

Questões: O trespasse de um estabelecimento de ensino instalado num locar arrendado está sujeito a preferência do senhorio? Quer se trate de um estabelecimento comercial (em sentido jurídico) quer se trate de um estabelecimento industrial (civil)? Sejam quais forem os negócios de trespasse?

Existe tal preferência, em especial, quando o estabelecimento é dado como entrada em espécie na constituição de uma sociedade ou num aumento do capital da mesma?

Enquadramento legal

- Lei 1662, de 4.09.1924:

O senhorio terá sempre o direito de opção, nos termos da legislação geral (art. 9 § único)

- CC de 1966: Acórdão do STJ 1979.03.08 (Octávio Dias Garcia) [xiii] :

I - A doutrina tem julgado admissível o pacto de preferência, com base no princípio da autonomia da vontade.

II - A fixação do texto de umas declarações e da vontade das partes que lhes subjaz constituem matéria de facto.

III - Com a publicação do Código Civil atual, o senhorio deixou de ter o direito de preferência , no trespasse de estabelecimento comercial, instalado em prédio seu.

- RAU (1990): Estabelecia um direito de preferência no trespasse de estabelecimento comercial que se efetivasse mediante compra e venda ou dação em cumprimento (art. 116).

- Direito vigente:

1) O atual artigo 1112 do CC reconhece o direito de preferência em caso de trespasse, por venda ou dação em cumprimento, de estabelecimento comercial ou industrial (nº 4).

2) O estabelecimento pode ser dado como entrada em espécie [cfr. o art. 19.1b) do CSC]; quer no momento da constituição da sociedade, quer por ocasião de um aumento do capital. E pode também a sua aquisição realizar-se ao abrigo de cláusula inserida no contrato de sociedade (ibidem). Além disso, em certos termos, pode, ainda, ser dado em cumprimento de uma obrigação de entrada de caráter pecuniário (art. 27.2 do CSC). Existe, nestes casos, um direito de preferência do senhorio quando o estabelecimento funcione em local arrendado?

Jurisprudência :

Embora proferidos no domínio do RAU, negando que no direito de preferência esteja compreendido o trespasse operado mediante um contrato de sociedade (em que o estabelecimento é dado como entrada em espécie), podem ver-se em especial os seguintes arestos, relativos a um estabelecimento de ensino (externato):

TRL 22.04.2008 (Alexandrina Branquinho) [xiv]

I - É da essência do contrato de compra e venda a transmissão do direito de propriedade ou de outro direito, mediante o pagamento de um preço. Há aqui uma correspetividade de duas prestações: o direito de propriedade ou de outro direito, por um lado; e o preço, em dinheiro, pelo outro.

II – Se a transmissão da titularidade do estabelecimento comercial não teve como correspetivo o pagamento de qualquer quantia em dinheiro, o vínculo de reciprocidade, sinalagma, não se estabeleceu entre o direito de propriedade sobre o estabelecimento comercial e o preço, mas entre a entrega desse estabelecimento comercial e a participação no capital social.

III - Não existindo obrigação de entrega do preço, falta um requisito essencial para que se possa classificar este negócio jurídico como contrato de compra e venda. Acresce que a obrigação de entrada através do trespasse, que é uma entrada em espécie, emerge do contrato de sociedade e não de um contrato de compra e venda.

IV - A dação em cumprimento consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o objetivo de extinguir de imediato a obrigação, sendo essencial à dação que haja uma prestação diferente da que for devida e que essa prestação (diferente da devida) tenha por fim extinguir imediatamente a obrigação.

V - A prestação que o devedor realiza não coincide com aquela a que estava vinculado e, por isso, só produz a sua exoneração em conformidade com o estipulado no n.º 1 do art.º 762.º Código Civil se o credor der o seu acordo à realização de prestação diferente.

STJ 22.01.2009 (Mª dos Prazeres Beleza) [xv]

O senhorio de um prédio urbano não tem direito de preferência em caso de trespasse de um estabelecimento comercial instalado no prédio em virtude de um contrato de arrendamento, se o trespasse constituir a realização em espécie das entradas dos sócios (arrendatários) na constituição de uma sociedade por quotas.

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. RGFGC, AFCGC e mulher, FIBDBGC, CMTPC, JCGC, CFCGC e mulher, MLASGC, MARFGC, MFGC e MM instauraram contra MTBTMAN e marido, EFCAN, MIBTM, AJBTM, PSBTM e Externato BB, Lda, uma ação na qual pediram que fosse “declarado que os autores têm o direito de haver para si o direito ao arrendamento de que os quatro primeiros Réus eram titulares sobre o prédio urbano da Rua ...., nº 0 e 0A (…) e todos os RR condenados a reconhecer esse direito (…) com as legais consequências de desocupação do locado de pessoas e bens e sua entrega livre e devoluto aos autores”.

(…)

3. A matéria de facto que vem provada é a seguinte:

“1. Por escritura pública de 22.06.2006 (…), os quatro primeiros Réus constituíram a sociedade comercial por quotas, aqui, a 5ª Ré, denominada Externato BB, Lda.

2. O capital da sociedade é de € 10.000,00 (…) repartido em quatro quotas, cada uma do valor nominal de € 2.500,00 (…), sendo cada uma subscrita e realizada por cada um dos quatro sócios, os aqui 1º, 2º, 3º e 4º Réus.
3. A realização de cada quota foi efetuada em espécie, mediante a transmissão para a sociedade, aqui quinta Ré, da quota-parte de que cada um dos outorgantes era titular no estabelecimento de ensino particular denominado “Externato BB”, a funcionar nos prédios urbanos sitos na Av. Santa ..., nºs 0 e 0-A e nº 00, em Lisboa, quota-parte essa a que cada um dos 1º, 2º, 3º e 4º Réus atribuíram o valor de € 8.081,50 (…), ou seja no valor global de realização das quatro quotas de € 32.326,00 (…).

4. Por escritura pública de 26.11.1858, o anterior proprietário do prédio, Dr. CC, deu de arrendamento para colégio (estabelecimento de ensino particular) à sociedade comercial por quotas DD, Lda., o prédio urbano situado em Lisboa, na Av. ..., nºs 0 e 0-A, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº 22.312, a fls. 26 vº, do livro B-73, e inscrito na matriz predial da freguesia de S. ...., sob o artigo 216.
5. A dita sociedade locatária DD, Lda., dissolveu-se por escritura de 18.09.1961, tendo o estabelecimento comercial instalado no locado sido adjudicado em comum e em partes iguais aos ex-sócios, os quais tiveram como sucessores os ora quatro primeiros Réus.

6. Do estabelecimento comercial referido em 3. fazia parte integrante o direito ao arrendamento do prédio urbano situado na Av. ..., nºs 7 e 7-A, em Lisboa.

7. A transmissão para a sociedade, aqui 5ª Ré, da titularidade do estabelecimento comercial, embora abrangendo outros bens e valores, abrangeu o direito ao arrendamento.

8. A realização das quotas abrangeu ainda a transmissão do direito ao arrendamento do prédio sito na Av. ..., nº 00, em Lisboa.

9. Os ora 1º, 2º, 3º e 4º Réus não comunicaram previamente aos aqui Autores o projeto de transmissão, nem as cláusulas do respetivo contrato.”


4. Está assim em causa neste recurso determinar se os senhorios de um prédio urbano têm ou não direito de preferência em caso de trespasse de um estabelecimento comercial instalado no prédio, em virtude de um contrato de arrendamento, na hipótese de o trespasse ter constituído a realização em espécie das entradas dos sócios (arrendatários) na constituição de uma sociedade por quotas. Tendo em conta a data da realização do trespasse, a resposta há de ser encontrada à luz do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, não obstante a entrada em vigor do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro.

Antes de mais, no entanto, cumpre esclarecer que, t al como foi formulado, o pedido dos autores nunca poderia ser julgado procedente , porque implicava a dissociação do direito ao arrendamento dos restantes elementos do estabelecimento comercial trespassado. Note-se que o inquilino comercial só pode transmitir a terceiros o direito ao arrendamento sem o consentimento do senhorio em caso de trespasse (artigo 115º do RAU); não o pode transmitir isoladamente e, se o fizer, o senhorio tem o direito de invocar tal transmissão como motivo de resolução do contrato de arrendamento (artigo 64º, nº 1, f) do RAU). Não faria assim qualquer sentido atribuir ao senhorio o direito de, mediante uma ação de preferência, fazer seu o direito ao arrendamento, desligado do estabelecimento . Note-se que não é aplicável o regime definido pelo artigo 417º do Código Civil para a venda da coisa sobre a qual incide a preferência “juntamente com outra ou outras”, porque, aqui, a “coisa” (tomando este termo em sentido algo impróprio) é o próprio estabelecimento. Admite-se, todavia, que o objeto da preferência exercida nesta ação seja o próprio estabelecimento comercial , no qual se integra o direito ao arrendamento.

5. Como se sabe, o direito legal de preferência do senhorio no trespasse de estabelecimento comercial instalado no prédio arrendado não constava da versão originária do Código Civil vigente e foi reintroduzido na ordem jurídica portuguesa pelo artigo 116º do RAU (e mantido pela Lei nº 6/2006, na redação que conferiu ao nº 4 do artigo 1112º do Código Civil).

Embora tenha como efeito específico que o senhorio que o exerce se torna titular do estabelecimento comercial, com cuja atividade provavelmente ou, pelo menos, possivelmente, nenhuma relação tinha, a verdade é que, na medida em que a preferência engloba a posição de arrendatário, também aqui se encontra a razão determinante da generalidade das preferências legais: a de “concentração numa só pessoa, ou num número mais restrito de pessoas, dos poderes que integram o direito de propriedade plena sobre uma determinada coisa” , como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008 (disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 07B1994). É o que sucede na compropriedade (artigo 1409º do Código Civil) e na propriedade onerada com uma servidão de passagem (artigo 1555º do Código Civil), com um direito de superfície (artigo 1535º do Código Civil) ou com um arrendamento (atualmente, artigo 1091º, nº 1, a ) do Código Civil). Outro foi o motivo que levou, por exemplo, à atribuição do direito de preferência aos proprietários de terrenos confinantes de área inferior à unidade de cultura (artigo 1380º do Código Civil); mas isso em nada altera o que agora releva.
Contrariamente à Lei nº 1662, de 4 de Setembro de 1924, que criou este direito de preferência, e cujo § único do artigo 9º estabelecia que “o senhorio terá sempre o direito de opção, nos termos da legislação geral” , o RAU veio restringi-lo aos casos de “trespasse por venda ou dação em cumprimento do estabelecimento comercial” .
Não é difícil de compreender esta restrição. O direito legal de preferência constitui uma limitação relevante ao poder de disposição que integra o direito do onerado à preferência – em geral, o direito de propriedade; no caso, o direito sobre o estabelecimento, com as especialidades conhecidas. Com efeito, retira ao titular o poder de escolher o outro contraente; como igualmente se observou no já citado acórdão de 10 de Julho de 2008, a criação de preferências legais “resulta (…) da verificação da existência de razões de interesse público que se sobrepõem àquela liberdade de escolha”.

Do seu funcionamento não deve resultar uma situação mais onerosa do que o que é estritamente indispensável ao alcance desse objetivo; o que é conseguido, desde logo, pelo mecanismo de funcionamento do direito de preferência, que se traduz na “faculdade de chamar a si, em igualdade de condições ( tanto por tanto), com prioridade sobre o comum dos interessados, a oferta ou a declaração de venda ou dação em cumprimento desse local” , como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela em Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, em anotação ao artigo 47º do RAU.

Este mecanismo exclui a existência de preferências legais em relação a negócios gratuitos ; e só deve ser imposto em relação a negócios (translativos, naturalmente) onerosos em que o preferente, ao substituir-se ao terceiro adquirente, possa objetivamente colocar o alienante na situação em que estaria se a alienação ao terceiro se tivesse mantido.

Isso sucede, sem dúvida, em relação ao contrato de compra e venda, uma vez que, nos termos da sua definição legal (artigo 874º do Código Civil), a contrapartida da transmissão do direito é o pagamento de um preço, ou seja, de uma quantia em dinheiro. Assim se distingue a compra e venda de outros contratos onerosos translativos, como, por exemplo, a troca (aos quais, aliás, se aplicam as regras definidas para a compra e venda, com as devidas alterações – artigo 939º do Código Civil). E igualmente sucede quanto à dação em cumprimento, já que, aí, a contrapartida é a exoneração da obrigação da prestação da coisa originariamente devida (exoneração que se verifica de igual forma).

É por isso constante, nas preferências legalmente impostas e acima referidas, a sua restrição aos casos de venda ou dação em cumprimento. Não se pode considerar em vigor a referência à hipótese de “aforamento do prédio dominante”, não eliminada no nº 1 do artigo 1555º do Código Civil apesar da extinção dos contratos de aforamento.
Não pode pois estender-se o âmbito da preferência legalmente concedida pelo artigo 116º do RAU a outros negócios que não os ali previstos, ainda que onerosos; a isso se opõe, em primeiro lugar, a natureza limitativa da obrigação de preferência, excluindo a liberdade de escolha do outro contraente; e, em segundo lugar, a exigência do “tanto por tanto”, nos termos expostos.


6. Ora não pode considerar-se nem compra e venda, nem dação em pagamento o ato pelo qual um sócio realiza em espécie a sua entrada numa sociedade por quotas , (assim, acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2006, disponível em www.dgsi.pt como proc. mº 06B3596), nomeadamente transferindo para a sociedade, como entrada e de acordo com o originariamente convencionado, um estabelecimento comercial (ou uma quota dele) de que é titular. Não tem como contrapartida, nem o direito ao pagamento de uma quantia em dinheiro, nem a exoneração do alienante de uma obrigação de prestação de coisa diferente do estabelecimento.
É irrelevante, no contexto que agora interessa, que a lei imponha a avaliação dos bens com os quais os sócios cumprem a obrigação de entrada; essa avaliação ou, em termos mais genéricos, a necessidade de que fique determinado qual o valor dos bens com que o sócio realizou a entrada em espécie não a transforma numa entrada em dinheiro.

Como escreve Paulo Olavo Cunha ( Direito das Sociedades Comerciais, pág. 196, ao distinguir as duas formas de entradas, “as entradas em espécie (arts. 25º e 18º [do Código das Sociedades Comerciais] ) são constituídas por créditos ou outros bens ou valores realizáveis em dinheiro” . Esta característica é naturalmente imposta pela exigência de que os bens com que o sócio compõe a respetiva entrada sejam penhoráveis (artigo 20º, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais); aliás, a realização da entrada em espécie mediante a transferência de um estabelecimento comercial figura entre os exemplos que apresenta.

Não corresponde à realidade a decomposição da operação de entrada nos atos descritos pelos recorrentes. Essa decomposição, aliás, conduziria à anulação da distinção entre entrada em dinheiro e entrada em espécie

7. O direito de preferência concedido ao senhorio pelo artigo 116º do RAU não abrange, pois, a hipótese de o trespasse do estabelecimento ter sido efetuado como forma de realização da entrada de um sócio numa sociedade por quotas , sendo essa a forma de realização da entrada originariamente convencionada.
Diferente seria a hipótese de a transferência do estabelecimento ter sido aceite pela sociedade como dação em cumprimento , em substituição de uma obrigação originariamente assumida como de entrada em dinheiro (cfr. nº 2 do artigo 27º do Código das Sociedades Comerciais); note-se que só esta hipótese merece consideração, porque as entradas em espécie “devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato de sociedade” (artigo 26º do Código).

Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil citado, vol. III, 2ª ed., Coimbra, 1984, anotação ao artigo 1409º do Código Civil, “não pode qualificar-se como venda, nem como dação em cumprimento, a realização, pelo sócio de uma sociedade, do valor da sua quota no capital social com uma coisa sujeita a prelação. trata-se de um negócio diferente, que em caso algum possibilita o exercício do direito de preferência” . Basta pensar que a contrapartida é a participação no capital social; e que essa aquisição não pode resultar da substituição do senhorio à sociedade adquirente do estabelecimento. A afirmação de que o senhorio pode renunciar à qualidade de sócio, feita pelos recorrentes, demonstra a impossibilidade de funcionamento do mecanismo da preferência.


8. Assim, nega-se provimento ao recurso. Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora) - Salvador da Costa - Lázaro Faria

Observações

Primeira:

Acerca do problema paralelo da preferência legal do inquilino de um imóvel dado como entrada em espécie no quadro da constituição de uma sociedade (ou de um aumento de capital), lê-se no sumário do Acórdão do STJ de 16.11.2006 (Alberto Sobrinho) [xvi] , citado no Aresto precedente:

1. A entrada da 1ª ré, acionista única, no capital social da 2ª foi realizada em espécie, através de ativos constituídos por um conjunto de elementos patrimoniais afetos ao exercício da sua atividade imobiliária, compreendendo designadamente a transmissão para a nova sociedade da propriedade do imóvel aludido sob o n° l dos factos dados como assentes - cfr. escritura do contrato de sociedade.

Segundo o art. 47° do Regime do Arrendamento Urbano, o arrendatário de prédio urbano ou de sua fração autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano.

É conferida prioridade ao titular do direito de preferência de, em igualdade de condições, se fazer substituir ao adquirente na compra e venda ou na dação em cumprimento.

O direito de preferência só existe nos casos taxativamente previstos neste normativo legal, ou seja, na venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado.

2. Não assiste direito de preferência ao inquilino de um prédio urbano quando a propriedade desse prédio foi transmitida como ativo na entrada do capital social em sociedade comercial, por esse negócio jurídico não consubstanciar contrato de compra e venda nem dação em cumprimento.

Segunda :

1) No caso «supra», estava em jogo um estabelecimento de ensino. Trata-se de um estabelecimento comercial?

Em caso negativo, deve/devia interpretar-se literalmente o artigo 116 do RAU?

Cfr. «supra», I, o Acórdão do STJ de 16.04.1996 e o respetivo comentário. Tenham-se presentes os arts. 939 e 984 do CC.

2) Se houvesse uma dação em cumprimento de uma obrigação de entrada em dinheiro (art. 27.2 do CSC), já haveria preferência? Assim, o Aresto do STJ (obiter dictum).

3) Se o estabelecimento fosse adquirido ao abrigo de uma cláusula do contrato de sociedade (art. 19.1b/2ª parte), mediante o pagamento de um preço, também haveria preferência? Porque se trata de uma compra e venda?

Existe razão bastante para o diferente tratamento da situação dos autos e destas duas últimas situações?

Quadro de situações especiais que merecem ser consideradas:

1) Otitular de um estabelecimento dá-o como entrada para a constituição, por si, de uma SuQ;

2) O titular vende-o a uma SuQ por ele constituída, conforme previsto no pacto;

3) O titular dá o estabelecimento em pagamento de obrigação de entrada em dinheiro.

4) Oestabelecimento é dado como entrada por todos os sócios fundadores de uma SQ (por exemplo, herdeiros do anterior titular singular);

5) O estabelecimento é comprado aos fundadores da SQ, ao abrigo de cláusula do pacto social;

6) O estabelecimento é dado em pagamento de obrigação de entrada em dinheiro dos fundadores da SQ.

7) O titular do estabelecimento dá-o como entrada para a constituição de SQ com terceiros;

8) O titular do estabelecimento vende-o a uma SQ constituída com terceiros, ao abrigo de cláusula do pacto social;

9) O titular do estabelecimento dá-o em pagamento de obrigação de entrada em dinheiro.

Terceira :

Sobre as preferências legais, cfr. também o Ac. do STJ de 10.07.2008 [xvii] .

B

Estabelecimento de ensino, trespasse e contratos de trabalho [xviii]

STJ 22.09.2011 (Pinto Hespanhol) [xix]

Questão : Um instituto de ensino superior é um estabelecimento suscetível de transmissão para os efeitos do artigo 318 do Código do Trabalho de 2003?

1. Tendo-se provado a transmissão da titularidade de um estabelecimento de ensino, incluindo a titularidade das autorizações de funcionamento dos cursos conferentes de grau aí lecionados, do direito de lecionar os demais cursos que tem vindo a assegurar, de toda a documentação administrativa de suporte ao funcionamento dos referidos cursos, de todo o acervo bibliográfico constituído por cerca de 19.000 registos bibliográficos e 278 títulos de revistas e, ainda, da titularidade das publicações periódicas, obrigando-se o adquirente a manter a identidade própria do Instituto em causa e passando os alunos a integrar a estrutura pedagógica e científica de que passou a fazer parte, configura-se uma transmissão relevante para efeito de aplicação do disposto no artigo 318.º do Código do Trabalho de 2003.

2. Na verdade, apurou-se que aquele Instituto constituía uma unidade económica do estabelecimento da 1.ª ré, com identidade, valor económico e autonomia técnica--organizativa próprios, e que, transmitida a sua titularidade para a 2.ª ré, manteve a identidade própria e a sua organização específica, sendo possível identificar essa unidade económica na esfera jurídica do transmissário.

3. Assim, a posição jurídica de empregador, no contrato de trabalho celebrado com a autora, transmitiu-se para o adquirente do Instituto em causa.

(…)

II, 2.1 (…)

O artigo 318.º [do CódTrab de 2003], epigrafado « Transmissão da empresa ou estabelecimento», estabelecia que, «[e]m caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contraordenação laboral» (n.º 1) e que «[d]urante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão» (n.º 2), sendo que «[o] disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica» (n.º 3), considerando-se «unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória» (n.º 4).


Assim, fora dos casos onde se verificasse uma verdadeira cessão da posição contratual, que importava a modificação subjetiva na titularidade da relação jurídica com o assentimento do trabalhador, nos termos dos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, o sobredito artigo 318.º determinava que, configurando-se uma transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, ocorria umasub-rogação ex lege (cf. MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90) ou, por outras palavras, uma «transferência da posição contratual [laboral] ope legis» (cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 746), que prescindia do assentimento do trabalhador, e operava a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica de uma nova entidade patronal, distinta daquela com quem o trabalhador configurou inicialmente a sua relação laboral.


Consagrou-se, portanto, neste normativo o princípio de que a transmissão do estabelecimento não afeta, em regra, a subsistência dos contratos de trabalho , nem o respetivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não houvesse tido lugar.


O que bem se compreende, já que o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Diretiva n.º 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Diretiva n.º 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Diretiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento.


O regime de transmissão do estabelecimento assenta, pois, na conceção de empresa como comunidade de trabalho, com vida independente da dos seus titulares , e corresponde, no plano do direito laboral, à efetiva concretização do princípio da conservação do negócio jurídico — cf. JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195).

No dizer de PEDRO ROMANO MARTINEZ (ob. cit., p. 750), «transmitido o estabelecimento, o cessionário adquire a posição jurídica do empregador cedente, obrigando-se a cumprir os contratos de trabalho nos moldes até então vigentes. Isto implica não só o respeito do clausulado de tais negócios jurídicos, incluindo as alterações que se verificaram durante a sua execução, como de regras provenientes de usos, de regulamento de empresa ou de instrumentos de regulamentação coletiva […]; no fundo, dir-se-á que a transmissão não opera alterações no conteúdo do contrato.»


Tal é, na essência, o que decorre da transmissão da relação laboral, ligada ao estabelecimento, a qual opera ope legis , ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege , obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular.


Este é, aliás, o sentido e o alcance do n.º 1 do artigo 3.º da antedita Diretiva n.º 77/187/CEE, que se manteve nas Diretivas n.º 98/50/CE e n.º 2001/23/CE, ao estipular que «[o]s direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos são, por este facto, transferidos para o cessionário».


2.2. Segundo o disposto no n.º 4 do artigo 318.º, aliás em consonância com as diretivas comunitárias relevantes na matéria e a jurisprudência comunitária, o bem objeto de transmissão, para efeitos da sujeição ao regime laboral da transmissão do estabelecimento, deve constituir uma unidade económica.


Adotou-se com esta definição um critério material em que avultam dois elementos: um organizatório, a entidade económica apresenta-se como um complexo organizado de bens e/ou de pessoas; um funcional, esse complexo organizado de meios visa prosseguir uma atividade económica.


A jurisprudência deste Supremo Tribunal, no domínio de aplicação do artigo 37.º da LCT, tem entendido que o conceito de estabelecimento (ou empresa) abrange, quer a organização afeta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnica-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, com organização específica , do que resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, quer da transmissão de bens, interligados ou não, mas não essenciais ou não destinados à prossecução de determinada atividade económica.

Quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que aquele artigo 318.º utiliza para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar «por qualquer título» (n.º 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem , seja a que título for.

O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo , podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional direto entre transmitente e transmissário.

Por outro lado, a transmissão parcial de um estabelecimento é relevante para efeitos de se afirmar a manutenção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que laboravam na parte do estabelecimento cedida à data da transmissão.

Igualmente as diretivas comunitárias, desde a Diretiva n.º 77/187/CEE, se reportam especificamente à manutenção dos direitos dos trabalhadores «em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos», referindo-se expressamente na alínea b) do artigo 1.º da Diretiva n.º 2001/23/CE, que «é considerada transferência, na aceção da presente diretiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória».


Em suma , a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade .


Tal como sublinha, neste conspecto, JÚLIO GOMES (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 821), «[d]ecisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua atividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objeto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do ativo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efetivos, a duração de uma eventual interrupção da atividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a atividade desenvolvida antes e a atividade desenvolvida depois da transferência».


É, assim, essencial que a transferência tenha por objeto um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa entidade económica na esfera jurídica do transmissário .

(…)

STJ 4.05.2011 (Fernandes da Silva) [xx]

Questão : Uma universidade privada é um estabelecimento suscetível de transmissão para os efeitos do artigo 318 do Código do Trabalho de 2003?

1. Embora o legislador reconheça a necessidade de criar um regime especial de contratação do pessoal docente para o ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo (cfr. Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro), a contratação de docentes pode efetuar-se entretanto através dos típicos contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço, de acordo com a vontade, necessidades e/ou interesses das partes.

2. A identificação da matriz diferenciadora do contrato de trabalho relativamente aos demais vínculos contratuais próximos, (a subordinação jurídica), faz-se, quando não seja imediatamente alcançável através do método subsuntivo, com recurso ao chamado método tipológico, conferindo, casuística e globalmente, os índices relacionais disponíveis.

3. O art. 318.º do Código do Trabalho/2003 consagra uma noção ampla de ‘empresa/estabelecimento’, abarcando a transmissão da respetiva titularidade, a qualquer título, conquanto que a mesma, enquanto unidade económica, mantenha a sua operacionalidade e identidade.

4. A atividade prosseguida, pressuposta no escopo da unidade económica ( o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória – n.º 4 do art. 318.º) não tem que visar necessariamente fins lucrativos.

(…) II (…)

B.2Da transmissão do estabelecimento.

A Recorrente insurge-se ainda contra o ajuizado entendimento de que existiu, no caso, transmissão de estabelecimento, nos termos e para os efeitos do art. 318.º do Código do Trabalho, passando para a R./impetrante a titularidade do contrato de trabalho celebrado entre a A. e a co-R ‘BB’. Argumenta basicamente que não tem sentido a técnica da subrogação ex lege para que aponta a referida previsão porque não há parte mais fraca a necessitar de proteção no âmbito e alcance de toda esta lógica que remete para o limite da autorregulamentação na solução dos conflitos dos órgãos académicos. Sendo o conceito de empresa nuclear para o efeito e não fazendo parte da essência de uma Universidade qualquer resquício de índole comercial ou económica, a R. não integra tal noção de empresa ou estabelecimento, faltando por isso um dos pressupostos da transmissão, nos termos do art. 318.º do Código do Trabalho.

No Acórdão ‘sub judicio', ratificando o juízo já antes alcançado na sentença da 1.ª Instância, aduziu-se a seguinte fundamentação:

(Transcrevem-se os excertos mais relevantes)

‘A solução desta questão consiste pois em saber se ocorreu uma transmissão da titularidade do estabelecimento, para os efeitos do art. 318.º, entre a R. ‘BB’ e a R. ‘CC’. A este respeito vem factual e relevantemente provado que em 15 de Outubro de 1997 a A., que é Eng.ª Química, celebrou com a 1.ª R. o contrato de trabalho a termo certo constante de fls. 13-20, nos termos do qual lhe cabia o exercício da atividade de ‘Professora Auxiliar sem Mestrado’, na Universidade ..., pertencente à 1.ª R., ministrando as disciplinas que pela 1.ª R. lhe fossem atribuídas, de acordo com horários por esta fixados e exercendo a sua atividade nas instalações da 1.ª R.

Por comunicação datada de 18 de Outubro de 2005, a 2.ª R. CC informou a A. de que havia celebrado um ‘acordo’ com a 1.ª R., conforme documento cuja cópia consta de fls. 29. Efetivamente a co-R. ‘BB’ e a co-R. CC outorgaram o ‘Termo de Acordo’, datado de 10 de Fevereiro de 2005, nos termos do qual acordaram na transmissão para a CC do Estabelecimento de Ensino Superior Universitário denominado ‘Universidade ... do Porto’, instituído pela ‘BB’, com a nova designação de ‘DD’.

A CC, na qualidade de entidade instituidora transmissária, recebeu a universalidade de direito constituída pelo estabelecimento de ensino supra mencionado, compreendendo o edifício onde se encontra instalado, todos os bens móveis aí existentes, todas as licenças e alvarás que a este respeitem, bem como o demais património imobiliário especialmente afeto ao mesmo estabelecimento.

Em contrapartida, na aludida qualidade de nova entidade instituidora, a CC obrigou-se a, concluído o processo de transmissão, assumir como seus os contratos vigentes com os docentes e funcionários da até agora denominada UMP.
E "a BB comprometeu-se a transferir o Estabelecimento de Ensino desonerado de quaisquer dívidas fiscais, designadamente IRS, contribuições à Segurança Social e à Caixa Geral de Aposentações sobre remunerações devidas a docentes, funcionários e outros credores ".

E tal como outrossim se consigna na sentença em apreço "resulta, ainda, do aviso n.º 2734/2005 (2a Série) da Direção-Geral do Ensino Superior, publicado no DR - II Série - de 16/03/2005, que, por despacho de 22/02/2005 da Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior, proferido ao abrigo do disposto na al. b) do art. 9.º e no art. 13.º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 16/94, de 22/01, alterado, por ratificação, pela Lei n.º 37/94, de 11/11, e pelo Dec.-Lei n.º 94/99, de 23/03), foi registada a denominação «DD» para o estabelecimento de ensino reconhecido oficialmente pelo Dec.-Lei n.º 313/94, de 23/12, então com a denominação «Universidade ... do Porto».

E o aviso n.º 2735/2005 (2a Série) da Direção-Geral do Ensino Superior, publicado no DR - II Série - de 16/03/200528, torna público que, por despacho de 22/02/2005 da Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior, é reconhecida a transmissão pela BB - Ensino Desenvolvimento e Cooperação CRL, da Universidade ... do Porto para a CC - ... CRL, mantendo-se as autorizações de funcionamento de cursos conferentes de grau académico, bem como o reconhecimento oficial de graus, relativamente aos cursos ministrados neste estabelecimento de ensino."
Ora, destes factos e designadamente da eficácia probatória decorrente da publicação oficial dos Avisos, resulta pois comprovada a transmissão, pela co-Ré BB - Ensino Desenvolvimento e Cooperação CRL, do estabelecimento de ensino reconhecido oficialmente, então com a denominação «Universidade ... do Porto», para a co-Ré CC - ... CRL.
Esta factualidade configura-se subsumível ao teor da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12.Março.2001, quando no art. 1°/1 dispõe:

a) a presente diretiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa ou estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional, quer de uma fusão.
c) A presente diretiva é aplicável a todas as empresas públicas ou privadas que exercem uma atividade económica, com ou sem fins lucrativos. (...) "

E - por força da transposição operada pelo art. 2.º, al. q), da L. 99/2003, de 27- 08, que aprovou o Código do Trabalho - também [é subsumível] ao art.318° deste diploma laboral, que estabelece:

1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores (...).

2 - Durante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão.

3 - 0 disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica.

4 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica principal ou acessória.

Daqui decorre, na verdade, de forma mais abrangente, mas com raízes já no direito anterior (art. 37.º da LCT) que por empresa ou estabelecimento se entende quer a organização afeta ao exercício do comércio ou indústria , quer os conjuntos subalternos que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens ou fornecimento de serviços , desde que dotada de uma natureza técnica organizativa própria, conservando a respetiva identidade e prossecução da sua atividade especifica.

Nem se argumente que não se abrangem nestes preceitos os estabelecimentos de ensino superior privado cooperativo (EESPC), porquanto como escreve Palma Ramalho30 ‘os termos amplos do art. 318° viabilizam a aplicação deste regime não apenas a transmissões da titularidade ou da exploração de unidades negociais no âmbito do setor privado, mas também a transmissões que envolvem os setores público e privado, caindo sob a alçada da norma as concessões de serviços públicos a entes privados ou outras formas de cedência da exploração de atividades públicas a entes privados, bem como a respetiva reversão’.

E sendo assim, como nos parece, aqui se tem de incluir o caso de um estabelecimento superior de ensino, cuja transferência resulta designadamente, como no caso em apreço, de uma cessão convencional, sendo irrelevante, ao invés do exigido no art. 37.º da LCT, a ocorrência de qualquer hiato de atividade, relevando somente a prossecução da atividade principal ou acessória determinante outrossim da transmissão automática dos vínculos laborais.
Destarte, no caso sub judice - estabelecimento de ensino superior - a t ransmissão por cessão convencional operou ‘ope legis’ pelo processo da autorização do Ministério competente que culminou através da publicação dos anúncios, na respetivo DR - II Série, de 16 de Março de 2005.

E se, como diz a recorrente, o contexto universitário não é de todo um contexto empresarial, também é certo que o art. 318.°/4 do CT considera unidade económica o conjunto de meios organizados não só para prosseguir uma atividade económica, a título principal, mas também a título acessório .

Aliás, como a propósito igualmente esclarece a sentença sub judice "dos factos supra enumerados resulta comprovada a transmissão, pela co-Ré BB - Ensino Desenvolvimento e Cooperação CRL, do estabelecimento de ensino reconhecido oficialmente, então com a denominação «Universidade ... do Porto», para a co-Ré CC - ... CRL.
Para o efeito enunciam-se os critérios que indiciam inequivocamente a manutenção da unidade económica, como seja:
- A transmissão da universalidade de direito constituída pelo estabelecimento de ensino supra mencionado, compreendendo o edifício onde se encontra instalado, todos os bens móveis aí existentes, todas as licenças e alvarás que a este respeitem, bem como o demais património imobiliário especialmente afeto ao mesmo estabelecimento;
- A obrigação de, uma vez concluído o processo de transmissão, assumir como seus os contratos vigentes com os docentes e funcionários da até agora denominada UMP, ou seja, a assunção dos contratos dos efetivos da UMP;
- A natureza claramente similar da atividade prosseguida antes e depois da transmissão e a continuidade dessa atividade, tendo por objeto o ensino e a formação profissional, traduzida na preleção de Cursos de Ensino Superior Universitário.

Donde se conclui que, tendo ocorrido transmissão do estabelecimento de ensino então denominado «Universidade ... do Porto» para a co-Ré CC - ... CRL, nos termos referidos no art. 318.°, esta passou a ocupar a posição jurídica de empregadora relativamente à Autora AA .

O mesmo é dizer que se transmitiu para a corré CC a posição contratual que a Autora detinha em relação à corré BB (sujeita a contrato de trabalho subordinado), que passou a ser a sua entidade patronal."
Donde sem olvidar a índole pedagógica primeira do estabelecimento de ensino superior particular e cooperativo, também não se deve ignorar que, ao menos acessoriamente, prossegue uma atividade económica .
Ante o exposto, e ao invés do defendido pela recorrente, parece-nos que o caso em apreço é, reiteramo-lo, subsumível à transmissão de estabelecimento prevista no art. 318° do C Trabalho , com as inerentes e legais consequências’.

As considerações transcritas, que enformam estruturalmente a solução sob protesto, concitam, no essencial, o nosso sufrágio, conduzindo logicamente à confirmação do julgado, também nesta parte.

Com efeito, como vem sendo reiterado entendimento deste Supremo Tribunal (cfr, v.g., a sustentação jurídica expendida no recente Acórdão desta Secção, tirado na Revista n.º 1493/07.0TTLSB.L1.S1, da pretérita Sessão de 23.3.2011), o regime jurídico que enforma o art. 318.º do Código do Trabalho - visando salvaguardar, por um lado, o interesse do cessionário em receber uma empresa com plena operacionalidade e eficácia e, por outro, acautelar a manutenção dos contratos de trabalho, protegendo os trabalhadores das vicissitudes da alteração da sua titularidade - consagrou um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele incluídas todas as situações em que aconteça a passagem, seja a que título for, do complexo jurídico-económico em que o trabalhador esteja integrado .
Assim, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores – n.º1 do art. 318.º.

Para o efeito – e corporizando as diretivas e Jurisprudência comunitárias identificadas no Aresto vindo de referir, maxime a Diretiva n.º 2001/23/CE - considera-se unidade económica (n.º4 da mesma norma) o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.
A unidade económica pressuposta (empresa/estabelecimento) é afinal um conjunto de meios organizados com o objetivo de prosseguir uma atividade que, não obstante a mudança de titularidade, mantém a estabilidade produtiva e a sua identidade .

(A Diretiva a que nos reportamos, como informa Júlio Gomes, ‘Direito do Trabalho’, Vol. I, pg. 810, contém no seu art. 1.º, c), o esclarecimento de que a atividade económica pode ser com ou sem fins lucrativos , cabendo inclusivamente no seu âmbito de aplicação uma entidade que se destine à produção de bens ou à prestação de serviços).

Donde a acertada conclusão de que - mesmo admitida a especial natureza da R. e/ou a sua vocação pedagógica e não imediatamente empresarial, ‘proprio sensu’ - o escopo que prossegue não pode deixar de ser entendido, ao menos acessoriamente, como constituindo uma atividade económica para os efeitos em causa.

(…)

STJ 02-06-2010 (Sousa Grandão) [xxi]

Questão : Transmitindo-se um instituto de ensino superior após a cessação de certo contrato de trabalho (por resolução do mesmo), é o transmissário responsável pelos créditos daí resultantes?

I - Do regime instituído pelo art. 318.º do Código do Trabalho de 2003 – que recupera a previsão vinda já do art. 37.º, n.º 1, da LCT, e se afasta do regime geral contido nos arts. 424.º e ss., do Código Civil – a posição de empregador transfere-se ope legis para o adquirente, independentemente do consentimento dos trabalhadores, assumindo o mesmo, por via disso, os direitos e obrigações em que se achava investido o transmitente, emergentes dos contratos laborais dos trabalhadores abrangidos pela transmissão.

II - A circunstância de o art. 319.º, do Código do Trabalho de 2003, ser omisso acerca dos contratos de trabalho que tenham deixado de vigorar antes da transmissão – ao contrário do que, então, sucedia na LCT, por via do que dispunha o seu art. 37.º, n.º 2 – não tem a menor relevância, pois, como decorre das regras da lógica, só pode ser transmitido aquilo que ainda exista.

III - Daí que não possa o transmissário ser responsável por créditos laborais emergentes de contrato de trabalho cessado antes da transmissão do estabelecimento .

IV - O trabalhador cuja retribuição não lhe seja satisfeita decorridos que sejam 60 dias desde a data em que deveria ser paga tem, ao abrigo do disposto no art. 364.º, n.º 2, do Código do Trabalho, a faculdade de resolver o contrato de trabalho, tendo, nesse caso, direito a ser indemnizado nos termos do art. 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho, independentemente da culpa do empregador na omissão retributiva e da vinculação causal entre essa omissão e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.

V - Tendo o Autor feito cessar o vínculo laboral que o ligava à Ré ancorando-se no art. 441.º, ns.º 1 e 2, alíneas a), b) e c), e 3, alínea c), do Código do Trabalho, e reportando a justa causa que, pretensamente, lhe assistia ao não pagamento de créditos laborais vencidos e cumulativamente ao incumprimento de acordo de pagamento proposto pela direção da Ré em maio de 2006, e cuja primeira prestação se venceu no dia 31 de julho de 2006, e aos prejuízos patrimoniais sofridos em consequência dos referidos incumprimentos, mostra-se afastada a possibilidade de, por essa via, enquadrar o comportamento assacado à Ré na falta de pagamento pontual da retribuição – culposa ou não culposa – pois que o Autor não qualificou os créditos laborais a que aludia, os meses a que se reportavam nem as datas dos respetivos vencimentos.

Observações

Primeira :

Deduz-se da jurisprudência exposta que o Código do Trabalho utiliza um conceito de empresa não técnico: basta uma unidade económica, um complexo jurídico-económico, incluindo uma unidade destacada de um estabelecimento global, desde que dotada de autonomia técnico-organizativa, em que um trabalhador se encontra inserido; não tendo a atividade desenvolvida que possuir fim lucrativo.

Quer um estabelecimento de ensino primário ou secundário, quer uma universidade ou um instituto superior, integrado ou não numa universidade, são estabelecimentos, para os efeitos dos artigos 285-287 do Código de Trabalho.

Acerca do lugar «paralelo» do artigo 1112 do CC, vejam-se as observações «supra».

Segunda :

Uma universidade privada é legalmente – nos termos do EESPC [xxii] - uma «instituição» de ensino e investigação relativamente autonomizada da respetiva entidade instituidora. Possui, designadamente, um estatuto e órgãos próprios, goza de autonomia pedagógica, científica e cultural e deve ter afetado um património específico em instalações e equipamento. Cabe à entidade instituidora – a quem compete organizá-la e geri-la, designadamente nos domínios administrativo, económico e financeiro - fazer com que isso aconteça. [xxiii] A lei enfatiza este aspeto proclamando, a respeito das universidades e dos institutos politécnicos, que as competências da entidade instituidora (cfr. sobretudo os arts. 5.1 e 19 do EESPC [xxiv] ) «devem ser exercidas sem prejuízo da autonomia pedagógica, científica e cultural do estabelecimento de ensino, de acordo com o disposto no ato constitutivo da entidade instituidora e no estatuto do estabelecimento» (art. 19.2).

Os estatutos estão sujeitos a registo junto do Ministério e devem, no respeito da lei, enunciar os seus objetivos pedagógicos e científicos, concretizar a sua autonomia e definir a sua estrutura orgânica. Devem, ainda, contemplar a participação de docentes e discentes na gestão da mesma. Deles terão que constar igualmente as regras a que obedecem as relações entre a entidade instituidora e a universidade, bem como os demais aspetos fundamentais da organização e funcionamento desta, designadamente a forma de designação e a duração do mandato dos titulares dos órgãos. Os órgãos competentes podem, no âmbito das suas atribuições, elaborar regulamentos internos. [xxv]

O artigo 56 do EESPC admite expressamente a transmissão de universidades (e institutos politécnicos), dispondo: «A transmissão, a integração ou a fusão dos estabelecimentos de ensino reconhecidos como de interesse público devem ser comunicadas previamente ao Ministro da Educação, podendo o respetivo reconhecimento ser revogado com fundamento na alteração dos pressupostos e circunstâncias subjacentes à sua atribuição».



[i] Sobre a empresa e o Direito Comercial centrado na empresa, veja-se também, com mais indicações (Orlando de Carvalho, Coutinho de Abreu, etc.), Evaristo Mendes - «Modelo económico constitucional e Direito comercial»,in Direito Comercial e Societário. Estudos em memória do Prof. Doutor Paulo M. Sendin , Lisboa (UCE) 2012, p. 167-251.

[ii] Atualizou-se a ortografia, segundo o Acordo ortográfico. Sobre o art. 230 do CCom, referido no texto do aresto do STJ, o texto fundamental a ter em conta é o do Prof. Paulo Sendin – Artigo 230, Código Comercial, e Teoria Jurídica da Empresa Mercantil , Coimbra 1989, separada do BFDC, nº especial, «Estudos em Homenagem ao Professor Doutor A. Ferrer Correia» (1984); ver, sobretudo, p. 55ss, 90ss. Ver também, com especial referência às empresas de serviços, Coutinho de Abreu, Curso I (2004), p. 49s, 53ss/63ss.

No acórdão do STJ corrigiram-se os erros de escrita mais evidentes, nomeadamente no que toca aos autores citados.

[iii] [Note-se que um estabelecimento de ensino privado pode considerar-se uma empresa de prestação de serviços , passível de ser qualificada como mercantil enquanto tal, mas não uma empresa industrial no sentido do art. 230.1º CCom.]

[iv] Fez-se uma reconstrução livre daquilo que pensamos serem as ideia-forças do aresto.

[v] Ver a observação ao acórdão, «infra».

[vi] [Note-se que a analogia legis é hoje maioritariamente admitida, por vezes apenas no campo das empresas, não dos actos isolados de comércio. O Aresto perfilha a tese do Prof. Paulo Sendin, segundo a qual o art. 230 (tendo por objecto das empresas, a célula básica de uma economia de mercado) é uma norma qualificadora autónoma em relação ao art. 2 (relativo aos actos de comércio), justificando-se retirar do primeiro um critério geral de qualificação de uma empresa como comercial. Sobre o assunto, ver, com maior rigor e desenvolvimento, o texto desse Professor.]

[vii] Seja como for, o texto da nova lei indica claramente o bom caminho (cfr. «infra»).

[viii] Através de tal critério, definia-se o campo de aplicação do regime locatício de um modo pragmático, colocando essa definição à margem da querela jus-comercial existente.

[ix] Cfr. o art. 75 do RAU. Embora o preceito permita o exercício de tal actividade em local arrendado para habitação do próprio arrendatário ou seus familiares, nada obsta a que actividade idêntica seja exercida em local especialmente destinado a isso, como de resto sucede na prática. No novo regime do arrendamento, cfr. o art. 1092 CC.

Sobre o assunto, ver os nossos Sumários de Direito Comercial (1992), p. 52s.

[x] No art. 52 § único do Decreto 5.411, referido a seguir no texto, considerava-se «industrial», para os efeitos do respectivo regime do inquilinato, todo o indivíduo sujeito à respectiva contribuição e que não fosse comerciante. No Regulamento da Contribuição Industrial de 1895, dispunha-se que esta contribuição era devida pelo exercício de «qualquer indústria, profissão, arte ou ofício»; e no Regulamento de 1896, em vigor quando da promulgação do Decreto 5.411, esclarecia-se: «quando neste regulamento se empregar a palavraindústria, compreende-se também qualquer profissão, arte ou ofício ». Apesar de a utilização de um diploma fiscal para delimitar o âmbito de aplicação do regime dos arrendamentos «industriais» não ser seguramente boa técnica legislativa, há dois dados seguros que a linha jurisprudencial do TRP 1982 (e em parte também o Supremo) não considera: em primeiro lugar, o sentido da lei foi o de submeter ao regime dos arrendamentos «comerciais ou industriais» todos os contratos relativos a locais em que se exercesse uma actividade económico-produtiva, no sentido de actividade criadora de riqueza, independentemente de esse exercício ser levado a cabo ou (i) de modo autónomo por uma pessoa singular, ou (ii) no quadro de uma pequena empresa ou (iii) por intermédio de uma empresa comercial, singular ou colectiva; em segundo lugar, o conceito de «industrial» coincide, no essencial, com o do art. 230 § 1º/2ª parte do CCom, contrapondo-se ao de comerciante, singular ou colectivo, empresário ou não.

Na verdade, o problema da utilização do critério da lei fiscal não residia aí, mas no facto de os conceitos de «indústria» e «industrial» ainda serem estendidos para além desse âmbito, designadamente aos funcionários públicos que recebessem emolumentos pelo exercício da actividade, como era o caso dos notários, bem como, até à Lei 2 030, aos profissionais liberais, desse modo considerados titulares de «estabelecimentos industriais». Sobre o assunto, pode ver com interesse a anotação de Pires de Lima ao Acórdão do STJ de 1961.05.12, relativo a um notário, que o TRP de 1982 refere como crítico desse critério fiscal, RLJ 95 (1962-63).39ss/41ss. Como poderá observar-se, a crítica do critério é meramente genérica e circunstancial, nada tendo a ver com a possível identificação do conceito de industrial com o de um profissional autónomo ou pequeno empresário, nem levando o autor a sugerir sequer uma leitura restritiva da lei (para não falar numa leitura «amputadora» como é a que se retira do Aresto do TRP de 1982).

Especificamente no que toca aos colégios de educação e ensino, quanto à sua qualificação como estabelecimentos industriais, para os efeitos da lei do inquilinato, cfr. Alberto dos Reis, Acções de despejo, p. 179s, citado por Pires de Lima (p. 42), considerando ser essa a orientação da jurisprudência da altura.

[xi] Realça-se, em todo o caso, que na lei que introduziu a preferência em apreço, a Lei 1662, de 4.09.1924, ela abrangia o trespasse de qualquer estabelecimento, comercial ou industrial. E o mesmo sucede no actual artigo 1112 do CC (cfr. «infra»).

[xii] Lei 6/2006, de 27 de fevereiro. No art. 3, repõe em vigor com nova redacção os arts. 1064 a 1113 CC. O regime dos arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal surge nos arts. 1108 a 1113, sob a epígrafe «Disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais».

[xiii] Proc. 067555, www.dgsi.pt (sumário).

[xiv] Fonte: www.dgsi.pt. Proc. 1552/2008-1. Houve recurso para o Supremo: cfr. o Acórdão a seguir.

[xv] Fonte: www.dgsi.pt Proc. 08B2918.

[xvi] Proc. 06B3596. O Aresto encontra-se disponível em www.dgsi.pt.

[xvii] Citado no mesmo Acórdão de 22.01.2009.

[xviii] Atual artigo 285 do Código do Trabalho de 2009 ( Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento):

1 – Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral. 2 – O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta .

3 – O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

4 – O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

5 – Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. 6 – Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3.

Cfr.: Artigo 286.º - Informação e consulta de representantes dos trabalhadores (…); Artigo 287.º - Representação dos trabalhadores após a transmissão (…)

[xix] Fonte: www.dgsi.pt. Proc. 45/07.0TTLSB.L1.S1. Estabelecimento de ensino superior.

[xx] Fonte: www.dgsi.pt. Proc. 10/11.2YFLSB. Estabelecimento de ensino superior.

[xxi] Fonte: www.dgsi.pt. Proc. 43/07.3TTLSB.S1.

[xxii] Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo DL n.º 16/94, de 22 de janeiro, alterado, por ratificação, pela Lei n.º 37/94, de 11 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 94/99, de 23 de março.

[xxiii] Art. 5.2 - Os estabelecimentos de ensino gozam de autonomia pedagógica, científica e cultural. Art. 5.3 - Cada estabelecimento de ensino será dotado de um estatuto que, no respeito da lei, enuncie os seus objectivos pedagógicos e científicos, concretize a sua autonomia e defina a sua estrutura orgânica.

[xxiv] Art. 5.1: 1 - A entidade instituidora organiza e gere os respectivos estabelecimentos de ensino, designadamente nos domínios administrativo, económico e financeiro. Art. 19.1: Compete à entidade instituidora de um estabelecimento de ensino:

a) Criar e assegurar as condições para o normal funcionamento do estabelecimento de ensino, assegurando a sua gestão administrativa, económica e financeira;

b) Submeter a registo o estatuto do estabelecimento de ensino e as suas alterações;

c) Afectar ao estabelecimento de ensino um património específico em instalações e equipamento;

d) Designar, nos termos do estatuto, os titulares do órgão de direcção do estabelecimento de ensino e destituí-los livremente;

e) Aprovar os planos de actividade e os orçamentos elaborados pelos órgãos do estabelecimento de ensino;

f) Contratar docentes, ouvido o órgão científico do estabelecimento de ensino;

g) Contratar pessoal não docente, ouvido o órgão de direcção do estabelecimento de ensino;

h) Requerer autorização de funcionamento de cursos e reconhecimento de graus , precedendo parecer favorável do órgão científico do estabelecimento de ensino.

[xxv] Cfr. os arts. 5.3, 17, 18, 49, 68 e 69 do EESPC.