EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes

Professor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da UCP

Lucros de exercício

(Jurisprudência crítica), RDES XXXVIII (1996), p. 257-364 (sumário)

Palavras-chaves: Lucros – lucros de exercício – direito ao lucro – derrogação estatutária do direito à distribuição anual de dividendos - direito à distribuição periódica de lucros – efetivação do direito - impugnação da deliberação de não distribuição de lucros – tutela das minorias – dever de fidelidade/lealdade dos sócios

Acórdãos – p. 1 (RDES, 257-282)

Anotação – p. 4 (RDES, 283-364)

I

1. Síntese interpretativa do acórdão do STJ – p. 5 ( RDES, 284-288)

2. Cont. – p. 6 (RDES, 288s)

3. A construção jurídica do acórdão – p. 7 (RDES, 289-292)

4. Síntese reconstrutiva do acórdão da Relação de Coimbra de 1990.03.06 – p. 7 (RDES, 292-294)

5. Confronto sumário dos dois acórdãos - p. 7 (RDES, 294-296)

6. O acórdão da Relação de Coimbra de 1991 - p. 7 ( RDES, 296-300)

7. O acórdão da Relação de Coimbra de 1995 - p. 9 ( RDES, 301)

II

8. A experiência francesa - p. 9 (RDES, 302-322 )

9. Direito italiano - p. 9 (RDES, 323-338)

10. Outros ordenamentos jurídicos – p. 9 [espanhol -RDES, 338-340; suíço – RDES, 340-348; alemão – RDES, 349-356]

III

11. Observações finais - p. 12 (RDES, 356-364)

ACÓRDÃOS

A

Distribuição periódica de lucros. Autonomia estatutária. Deliberação contrária aos bons costumes. Voto abusivo.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

de 7 de Janeiro de 1993 *

Sumário : I. Numa sociedade por quotas, entre o interesse social na manutenção e valorização da empresa (e respectivo património) e o interesse dos sócios «uti singuli» na distribuição periódica de lucros impõe-se guardar um justo termo de conciliação, uma composição equilibrada.

II. É contrária aos bons costumes – e por isso nula – uma deliberação que culmina uma prática reiterada de mais de vinte e cinco anos de não distribuição de lucros, contra a vontade dum sócio detentor duma participação correspondente a 40% do capital e recebendo os sócios maioritários gerentes ordenados e gratificações de gerência.

III. Os correspondentes votos de tomada ou aprovação da deliberação são abusivos.

IV. É admissível uma cláusula do pacto social autorizando a colectividade dos sócios, deliberando por maioria simples, a decidir, ano a ano, sobre o destino a dar aos resultados do exercício.

V. A cláusula não obsta a que, ao tomar a deliberação, a maioria controladora deva levar em devida conta o referido interesse individual dos sócios minoritários.

(Texto do Aresto: ver RDES, p. 258ss)

B

Distribuição periódica de lucros. Autonomia estatutária. Deliberação abusiva.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

de 6 de Março de 1990 *

Sumário : I. O art. 217º do CSC (versão original) atribui aos sócios de sociedade por quotas um direito subjectivo ao recebimento da respectiva quota-parte de metade do lucro de exercício distribuível.

II. Tais sócios podem fazer valer, directamente, em tribunal esse direito no caso de a assembleia deliberar, por maioria, não distribuir lucros na medida imposta por lei.

III. O meio judicial adequado é a acção de condenação da sociedade a pagar-lhes o dividendo que legalmente lhes cabe.

IV. É inadmissível uma cláusula do pacto social autorizando a colectividade dos sócios, deliberando por maioria simples, a decidir, ano a ano, sobre o destino a dar aos resultados do exercício.

V. É anulável por «abuso de direito» ou «excesso de poder» uma deliberação – maioritária – de retenção sistemática de lucros (não imposta pelo interesse social), com oposição da minoria, recebendo os sócios maioritários vantagens da sociedade não acessíveis a esta.

(omissis)

(Texto do Aresto: ver RDES, p. 269ss)

C

Distribuição periódica de lucros. Autonomia estatutária. Deliberação abusiva.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

de 2 de Julho de 1991 *

Sumário : I. Abusam do respectivo direito de voto, nos termos previstos no artº 334º do Código Civil, os sócios maioritários que aprovam uma deliberação de não distribuição de dividendos que culmina um processo de retenção sistemática de lucros, coarctando o direito da minoria de participar nos resultados da empresa, enquanto eles recebem substanciais ordenados e gratificações de gerência.

II. A deliberação assim tomada é anulável.

III. É permitido estipular no pacto social que a assembleia geral deliberará, ano a ano, por maioria simples (ou outra maioria diferente da legal), acerca do destino a dar aos lucros, afastando, assim, a regra legal supletiva do artº 217º, nº 1, do CSC.

IV. A cláusula que se limita a prescrever a distribuição dos lucros de exercício que a assembleia não delibere afectar a outros fins deve interpretar-se no sentido de que tal assembleia só pode deliberar essa afectação a outros fins pela maioria prescrita na lei acerca da (não) distribuição de dividendos (actualmente maioria qualificada de 3/4).

V. Uma deliberação tomada, nesse caso, sem a maioria requerida é nula.

(Texto do Aresto: ver RDES, p. 275ss)

D

Gratificações à gerência. Distribuição encoberta de lucros.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

de 16 de Maio de 1995 *

Sumário : I. É ilegal a retribuição dos sócios gerentes que se traduza numa forma encapotada de distribuição de lucros a favor de apenas alguns sócios.

II. Não é nula a deliberação que atribui uma gratificação à gerência pelo trabalho realizado.

(Texto do Aresto: ver RDES, p. 281ss)

ANOTAÇÃO

(RDES, p. 283ss)

Os acórdãos transcritos versam sobre os temas do lucro de exercício nas sociedades por quotas e, lateralmente, das deliberações abusivas e das gratificações atribuídas à gerência. Procede-se, de seguida, à sua análise (I). Posteriormente, quanto à matéria fundamental examinada, após breve incursão pelo direito comparado (II), apresentar-se-á um quadro-síntese de ideias (III). Para melhor compreensão dos arestos importa, no entanto, começar por enunciar as questões que os mesmos suscitam. São elas:

É permitida uma cláusula estatutária autorizando a colectividade dos sócios, deliberando por maioria simples, a decidir, ano a ano, sobre o destino a dar aos resultados do exercício? [i]

Uma cláusula prescrevendo a distribuição dos lucros de exercício que a assembleia não delibere afectar a outros fins significa que essa não distribuição pode ser decidida por deliberação maioritária simples? [ii]

É admissível, ao abrigo duma cláusula destas (valendo com esse sentido), deliberar sistematicamente, por maioria simples, com oposição das minorias, a retenção total dos lucros, numa sociedade lucrativa em que os sócios maioritários recebem, além dos ordenados de gerência, consideráveis gratificações «pelos serviços prestados»? [iii]

Qual o valor jurídico de tal deliberação? [iv]

Faltando a maioria qualificada necessária para a mesma deliberação, qual o seu valor jurídico? [v]

Sendo (legalmente) devida a distribuição de dividendos, se a sociedade não deliberar a constituição do correspondente crédito dos sócios, qual o meio processual adequado para as minorias obterem o pretendido resultado da atribuição da quota-parte do lucro a que têm «direito»? [vi]

É lícita a atribuição, por deliberação maioritária da colectividade social, de gratificações à gerência? [vii]

É lícita a distribuição disfarçada ou encoberta de lucros? [viii]

I

1. Síntese interpretativa do acórdão do STJ — Numa sociedade por quotas (B), A detinha uma quota correspondente a 40% do capital social; a viúva e os herdeiros de C eram contitulares da outra quota, representativa de 60% do mesmo capital. A gerência vinha sendo exercida por estes e tinha sido prática reiterada, a partir de 1980, atribuir anualmente aos seus membros uma gratificação ou remuneração extraordinária «pelos bons serviços prestados».

A sociedade apresentava lucros desde 1962, nunca distribuídos. O pacto social dispunha no artº 9º que «os lucros líquidos (...) anuais, depois de deduzidas as importâncias para (...) outros fins deliberados em assembleia da sociedade», seriam divididos pelos sócios. Ao abrigo deste artigo, em 1987, sob proposta da gerência, a assembleia geral deliberou, mais uma vez – com os votos dos contitulares da quota maioritária –, não distribuir quaisquer dividendos relativos ao exercício de 1986, no qual se apurou um lucro de cerca de 13 000 contos.

Na mesma altura, deliberou-se também atribuir à gerência uma gratificação «pelos bons serviços prestados à firma», no valor de 1500 contos. Em ambos os casos, A votou contra. Esta última deliberação foi tomada com base num ponto da ordem de trabalhos assim expresso na convocatória: «tratar e deliberar sobre qualquer outro assunto de interesse para a sociedade».

Da matéria de facto considerada provada constava que o progresso da empresa impunha «investimentos contínuos» e que a retenção reiterada de lucros se destinara a «assegurar a viabilidade e a estabilidade da empresa e a realização de investimentos». Igual motivação presidiu à referida deliberação de 1987.

Inconformado com as mencionadas deliberações, A propôs acção tendente à sua anulação e à condenação da sociedade a pagar-lhe a respectiva quota-parte de metade dos lucros do exercício de 1986. Obteve ganho da causa em todas as instâncias.

O aresto em apreço mostra-se, porém, circunscrito ao problema da (não) distribuição de lucros. A este respeito, o Supremo considerou nula a mencionada deliberação, por contrariedade aos bons costumes (artº 56º, nº1, al. d), do CSC).

(desenvolvimento omitido; ver RDES, 286ss)

2. Cont. — A importância do acórdão que se anota reside essencialmente em dois pontos. Em primeiro lugar, enquanto nele se reafirma – contra certa corrente de opinião [ix] – a jurisprudência do STJ no sentido da validade das frequentes cláusulas estatutárias que atribuem à colectividade dos sócios o poder de, anualmente, decidir, por deliberação maioritária simples, acerca do destino a dar aos resultados do exercício social.

Em segundo lugar, na medida em que esta autonomia estatutária não é reconhecida sem limites. Com efeito, retira-se sem dificuldade do aresto que o poder corporativo em questão – atribuído pelos estatutos – é um poder «discricionário limitado» ou de exercício «semi-vinculado»: ao fazer uso dele, o grupo controlador deve, não apenas prosseguir o interesse social, mas ter também em devida consideração o interesse individual das minorias – que estão, de facto, na generalidade dos casos, «prisioneiras» da sociedade – em obter desta uma razoável ou justa remuneração do respectivo investimento na mesma e dos encargos que o exercício das faculdades (administrativas ou de controlo) próprias da condição de sócio envolve. Dito de outro modo, a quem detém o poder, impõe-se uma justa ou equilibrada conciliação (ou ponderação) dos interesses em confronto, como resulta, em geral, para os gerentes, do artº 64º do CSC.

Tal equilíbrio pressupõe, naturalmente, a primazia do interesse comum ou colectivo. Este deve, porém, ceder numa medida razoável para atender ao interesse fundamental (típico) de cada sócio em participar nos resultados da sua sociedade. Se, relativamente a determinado sócio minoritário arredado do exercício do referido poder, a única via disponível para atingir esse objectivo é a atribuição de dividendos – enquanto os maioritários colhem, por outros modos, vantagens da sociedade – essa via não deve manter-se indefinidamente encerrada.

3. A construção jurídica do acórdão (ver RDES, 289ss)

4. Síntese reconstrutiva do acórdão da Relação de Coimbra de 1990.03.06 — No processo em apreço – lê-se no segundo acórdão acima (parcialmente) transcrito, relativo ao mesmo caso sobre que incidiu o aresto do STJ –, o Tribunal da Comarca de Aveiro, por iniciativa do sócio A, anulou as duas deliberações contestadas, respectivamente, de não distribuição de lucros do exercício de 1986 e de atribuição aos sócios gerentes duma gratificação de 1 500 contos. Além disso, condenou a sociedade (B) a pagar àquele, a título de dividendos, a sua quota-parte de metade do lucro apurado no mencionado exercício.

(desenvolvimento: ver RDES, 292ss)

5. Confronto sumário dos dois acórdãos — O confronto dos acórdãos acabados de ver revela a mesma preocupação de fundo no que respeita à tutela das minorias quanto à atribuição dos resultados da actividade social. E ambos recorrem a elementos extra-sistemáticos como critérios de decisão.

Verifica-se, no entanto, em primeiro lugar, que, enquanto o Supremo aceita, na matéria, uma ampla autonomia estatutária e a correspondente máxima flexibilidade do sistema – ao admitir cláusulas do tipo do artº 9º do pacto social –, a Relação de Coimbra circunscreve esta autonomia, preconizando um sistema rígido de pré-definição normativa de direitos, ou pré-regulamentação pactícia da matéria da atribuição dos lucros.

(desenvolvimento: ver RDES, 294ss)

6. O acórdão da Relação de Coimbra de 1991 — O acórdão C, igualmente da Relação de Coimbra, reporta-se ao «prolongamento» do conflito que se observou nos dois arestos anteriores. Aí estava em causa a (não) distribuição de lucros relativos ao ano de 1986. Entretanto, a sociedade teve resultados positivos consideráveis (superiores a 27 000 contos em 1987 e a 34 000 contos em 1988), mas continuou a anterior política de retenção total dos mesmos. Daí a proposição de nova acção pelo sócio A, tendente, no essencial, por um lado, à anulação das deliberações relativas à aplicação dos resultados do exercício de 1988 e à atribuição aos dois sócios gerentes duma gratificação no valor de 1750 contos, e, por outro lado, à condenação da sociedade (B) a pagar-lhe a sua quota-parte de metade dos lucros desse exercício.

A 1ª instância acolheu ambas as pretensões, declarando «nulas e de nenhum efeito» as deliberações e condenando a sociedade a pagar ao autor perto de 7 000 contos de dividendos. A Relação confirmou o decidido pelo Tribunal da Comarca de Aveiro, considerando «nula» a deliberação de não distribuir dividendos, a qual, em qualquer caso, sempre seria anulável por abuso de direito ou excesso de poder.

Na base da presente decisão, encontra-se a matéria de facto já constante do acórdão A, em acréscimo à qual se salienta: que as gratificações à gerência, representando em 1979 1,25% dos lucros apurados no ano anterior, correspondiam em 1989 a mais de 10% do lucro do exercício de 1988; que as mesmas ascendiam já, no total, a 11 200 contos; que o montante global dos lucros retidos ultrapassava agora os 138 000 contos; que a favor da retenção se argumentava com a necessidade de sucessivos investimentos e a conveniência de a sociedade se resguardar de eventuais crises do respectivo sector industrial; que o investimento propugnado e necessário em instalações e equipamentos industriais se elevava a 40 0000 contos; e que a gerência vinha aplicando lucros em depósitos a prazo, títulos e imóveis.

Desta matéria de facto, o Tribunal concluiu que os sócios maioritários se propunham continuar a frustrar as legítimas expectativas do sócio minoritário, «coarctando-lhe o direito de participar nos lucros da empresa». Tal foi considerado inaceitável, configurando a deliberação contestada de não distribuição de lucros – como já se decidira no acórdão B – um abuso de direito ou excesso de poder, por os seus autores haverem excedido «manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do direito que exercitaram – 334º do C. Civil». Haveria, pois, um abuso do direito de voto por parte dos sócios maioritários que aprovaram a deliberação, o qual tornava esta anulável.

Todavia, a título principal, o acórdão contém outra via para se chegar ao resultado da invalidade da mesma deliberação e à confirmação da decisão recorrida. No entender dos respectivos subscritores, em face da lei e do pacto social, mostrar-se-ia necessária uma maioria qualificada de 3/4 para deliberar a não distribuição de dividendos. Havendo ela faltado, a deliberação seria nula: aos sócios maioritários, perfazendo a sua quota apenas 60% do capital, estava «vedado» tomar tal deliberação.

(desenvolvimento: ver RDES, 298ss)

7. O acórdão da Relação de Coimbra de 1995 — Finalmente, no acórdão, também da Relação de Coimbra, de 1995.05.16, estavam em causa, igualmente, numa sociedade por quotas com vários sócios, duas deliberações: uma de não distribuição de lucros e a outra de atribuição de gratificação aos dois sócios gerentes. A primeira considerou-se anulável por, na opinião do Tribunal, faltar a maioria de 3/4 exigida pelo artº 217º, nº 1, do CSC [x] . A segunda foi havida como válida por representar uma simples forma de retribuição (modesta) do trabalho dos gerentes, havendo sido tomada sem o propósito disfarçado de proceder a uma distribuição injusta de lucros.

No aresto, refere-se expressamente o acima analisado acórdão do STJ, o qual é interpretado no sentido de que, quando as gratificações da gerência se traduzem numa forma encapotada de distribuir lucros em benefício de apenas alguns sócios, são ilegais.

Embora no caso em apreço se tenha concluído pela inexistência de qualquer forma encoberta de atribuição de lucros a alguns sócios em detrimento de outros, o tema merece ser realçado, não só pelo significado que reveste no âmbito societário (tutela das minorias, em particular), mas também no domínio fiscal [xi] .

II

8. A experiência francesa (especialmente importante; ver RDES, 302ss)

9. Direito italiano (ver RDES, 323ss)

10. Outros ordenamentos jurídicos (ver RDES, 338ss)

Acerca do direito alemão, observa-se, a concluir (p. 353ss):

A chave da resposta encontra-se na figura do «dever de fidelidade societária», que sintetiza, no domínio das sociedades [xii] , um conjunto de deveres (não meramente secundários [xiii] ), condicionantes ou limitações ao exercício do poder – pelo menos do poder maioritário [xiv] –, consubstanciado num princípio jurídico de origem jurisprudencial sob a forma duma cláusula geral [xv] , [xvi] , impondo designadamente, além da paridade de tratamento [xvii] , a leal ou adequada consideração dos legítimos interesses das minorias e, nas formulações mais avançadas, a observância dos princípios da necessidade e aptidão (ou idoneidade) da medida ou meio utilizado e da proporcionalidade [xviii] , [xix] , e que tem associado – na sua efectivação ou aplicação – um mais ou menos amplamente admitido controlo material das deliberações sociais, das circunstâncias envolventes e/ou do resultado das mesmas [xx] . O reconhecimento do instituto como componente do ordenamento jurídico vigente mostra-se praticamente consensual [xxi] , embora se discutam o respectivo fundamento jurídico [xxii] , as suas fronteiras concretas [xxiii] e implicações e o âmbito do seu campo de aplicação [xxiv] . A doutrina dominante submete ao seu império a deliberação de constituição de reservas [xxv] , [xxvi] , cometendo aos tribunais a tarefa de verificar – tendo em conta todas as circunstâncias do caso concreto [xxvii] e respeitando a margem de liberdade de decisão que aos órgãos sociais deve competir na matéria [xxviii] – se o resultado é defensável ou admissível [xxix] ; em especial, se corresponde a uma adequada ou razoável ponderação dos dois interesses em confronto, da sociedade, em autofinanciar-se, e das minorias, em receber dividendos [xxx] .

III

11. Observações finais — De acordo com o plano traçado para este comentário, importa agora – tendo presente a situação que se verifica nos países acima considerados [xxxi] – apresentar um quadro sintético de ideias sobre o tema principal versado [xxxii] . Legal e convencionalmente, os lucros de exercício duma sociedade comercial – e, em particular, duma sociedade por quotas, o tipo social a que se reportam os acórdãos acima transcritos – correspondem a um incremento do respectivo património, resultante do exercício da actividade social (em sentido lato), num dado período anual (o ano social).

Para efeitos jurídico-civis, de informação pública e fiscais, tal incremento deve calcular-se, designadamente, segundo princípios e critérios contabilísticos geralmente aceites, aparece reflectido no balanço anual e demonstra-se através da conta de resultados (cfr. o POC, aprovado pelo DL nº 410/89, de 21 de Novembro). O excedente assim apurado (cfr. os arts. 31º e seg. do CSC) pode licitamente (cfr. os arts. 34º e 514º do CSC) ser «atribuído» aos sócios (arts. 246º, nº 1, al. e), 217º, nº 2, e 294º, nº 2, do CSC, cfr. o art. 991º do Cód. Civil) ou «distribuído» (arts. 31º a 33º, 217º, nº 1, e 294º, nº 1 do CSC) pelos mesmos, na medida em que não se verificarem restrições ou impedimentos legais, estatutários ou contratuais a essa atribuição ou distribuição (cfr., designadamente, os arts. 33º, 217º, nº 1, «in fine», 218º, 294º, nº 1, e 295º a 297º do CSC).

A atribuição em causa – que, no quadro da linguagem metafórica utilizada pelo legislador, é susceptível de conceber-se como separação ou destacamento do «produto» ou «fruto» gerado e contabilisticamente apurado, relativamente à substância ou fundo patrimonial da pessoa jurídico-societária – dá-se mediante um acto jurídico da corporação: a competente e necessária deliberação dos sócios (cfr. os arts. 246º, nº 1, al. e), 31º, nºs 1 e segs., 217º, nº 2, e 294º, nº 2, do CSC) ou, nas sociedades anónimas, permitindo-o os estatutos, também do órgão de administração, no caso especial previsto no art. 297º do CSC (em geral, cfr. o art. 376º, nº 1, al. b)). Esta regra só comporta eventuais derrogações expressamente consentidas pela lei (art. 31º, nº 1, do CSC) [xxxiii] .

Do ponto de vista técnico-jurídico, a operação traduz-se na prática – pelos órgãos sociais competentes – dum negócio jurídico modificativo do património da pessoa jurídica societária em benefício dos sócios: a chamada deliberação de «atribuição» ou «distribuição» de lucros. Normalmente, tal modificação dá-se mediante a «investidura» destes na titularidade de créditos pecuniários sobre a sociedade, no montante global deliberado, aumentando, assim, o passivo social [xxxiv] .

O sistema-regra da lei não é, portanto, o da automática modificação jurídica, «ex lege», do património social, mediante a constituição dos sócios como credores da sociedade, logo que seja apurado determinado lucro contabilístico distribuível. A produção desse efeito requer a mediação dum acto jurídico da corporação: a mencionada deliberação de atribuição de dividendos (ou créditos de dividendo).

Põe-se, no entanto, a questão de saber se essa deliberação constitutiva do crédito-dividendo é um acto livre ou discricionário – representando tal constituição uma mera faculdade para o órgão social competente – ou, pelo contrário, um acto devido; e, no primeiro caso, qual o grau de discricionariedade concedido. O problema suscita-se, na prática, quer em face da lei, quer dos estatutos.

Nas sociedades (formalmente) de capitais, a regra legal supletiva é a de que o sócio tem direito a que a sociedade lhe atribua um crédito correspondente à sua quota-parte de metade dos lucros de exercício apurados e distribuíveis (arts. 217º, nº 1, e 294º, nº 1, do CSC). Quer dizer, reconhece-se-lhe o direito de exigir que a colectividade dos sócios – no desempenho da sua competência decisória acerca do destino a dar a tais resultados – emita uma deliberação atributiva de dividendos. Esta mostra-se, pois, nessa medida, um acto devido [xxxv] .

Tal direito do membro da sociedade a que esta lhe atribua a quota-parte que lhe cabe nos lucros de exercício apurados, enquanto direito social ou corporativo, sofre dois tipos de limitações. Em primeiro lugar, relativamente ao resultado de determinado ano social, o órgão de administração pode propor (cfr. o art. 66º, nº 1, al. f), do CSC) e a colectividade dos sócios pode deliberar por 3/4 dos votos correspondentes ao capital social a sua derrogação («supressão» ou limitação). Tal proposta deve ser devidamente fundamentada (cit. art. 66º, nº 1, al. f)) e os sócios devem ser especificamente convocados para deliberar sobre o assunto (arts. 217º, nº 1, e 294º, nº 1, do CSC) [xxxvi] . Nos termos do art. 64º do CSC, a fundamentação da referida proposta tem que reflectir a prossecução do interesse da empresa comum e a devida consideração dos interesses individuais dos sócios. A correspondente deliberação está, naturalmente, sujeita ao regime geral de impugnação das deliberações sociais, designadamente por abuso de poder ou violação das directrizes a que o ordenamento jurídico submete o exercício desse poder [xxxvii] .

Em segundo lugar, os estatutos podem regular, reforçar, limitar e suprimir em geral tal direito (arts. 217º, nº 1, e 294º, nº 1, do CSC), de tal forma que, neste último caso, nem sequer haverá que falar num direito a que a sociedade distribua, em concreto, uma quota-parte do benefício apurado. No sentido duma autonomia estatutária com esse âmbito – aliás, reconhecida pelo Supremo, como se viu – vai inequivocamente a experiência dos países acima considerados e a própria regra geral do nosso direito societário (art. 991º do Cód. Civil) [xxxviii] .

Uma das cláusulas – frequentes na prática – de maior significado é, sem dúvida, a que, sem suprimir o direito legal geral à atribuição de metade dos lucros, reconhece à colectividade dos sócios a faculdade de, por maioria simples, derrogar, em concreto, relativamente a certo resultado de exercício, esse direito. Os problemas que a sua aplicação suscita são semelhantes aos que ocorrem por ocasião da aplicação do regime legal supletivo. Surge, no entanto, uma questão adicional: a margem de discricionariedade permitida depende, aqui, também do sentido a dar à cláusula, no contexto do pacto em que se insere. Na sua determinação, haverá, pois, que ter em conta este aspecto.

Igualmente significativas são as cláusulas de derrogação geral do direito a que a sociedade distribua lucros de exercício. Estas tornam, naturalmente, desnecessária uma deliberação concreta, ano a ano, de derrogação de tal direito. Todavia, negada, neste caso, a existência dum direito à distribuição de certa percentagem do lucro apurado em determinado ano – à semelhança do que acontece nos casos em que se admite a sua derrogação por maioria (simples ou qualificada) –, coloca-se o grave e decisivo problema de saber quais são os limites gerais que – no interesse das minorias – o ordenamento jurídico-societário estabelece ao exercício do poder de constituir reservas.

A análise da situação existente noutros ordenamentos jurídicos não leva, como se observou, a resultado uniforme. De facto, as posições podem oscilar entre dois extremos: ou se circunscreve o controlo judicial dentro dos limites da figura das deliberações abusivas tal como esta aparece recortada no art. 58º, nº 1, al. b), do CSC, partindo, pois, duma presunção de correcção e de conformidade da deliberação ao interesse social, da prevalência deste interesse social ou comum sobre o interesse individual do sócio em receber dividendos, e vendo nesta disposição legal a concretização no âmbito societário do instituto geral do abuso de direito [xxxix] ; ou se admite, para além deste preceito, a existência duma directriz impondo ao órgão decisor, não apenas a prossecução do interesse social, mas a devida consideração do interesse individual dos sócios em receber dividendos, bem como o correspondente controlo material da decisão – ou do respectivo resultado – por parte dos tribunais [xl] .

O confronto com o regime da supressão do direito de subscrição preferencial de novas acções ou quotas (arts. 460º e 266º, nº 4, do CSC), os arts. 66º, nº 1, al. f), e 64º e os próprios arts. 217º, nº 1, e 294º, nº 1, do CSC, tendo presente o paradigma clássico da sociedade «lucrativa», assim como a crescente orientação do ordenamento jurídico para, a par do refinamento das formas, considerar a materialidade das situações e assumir como missão sua a limitação do exercício do poder privado [xli] , mostram-se, porventura, susceptíveis de fazer pender a balança no segundo sentido. Não pode perder-se de vista, porém, que o sistema normativo depende da existente capacidade de aplicação das suas normas e que a autonomia societária e empresarial é um valor fundamental a respeitar [xlii] .



* Fonte: BMJ, nº 423, 1993, págs. 539 e segs.

* Fonte: Colectânea de Jurisprudência, ano XV, 1990, t. 2, págs. 45 e segs.

* Fonte: Colectânea de Jurisprudência, ano XVI, 1991, t. 4, págs. 89 e segs.

* Fonte: Colectânea de Jurisprudência, ano XX, 1995, t. 3, págs. 28 e segs.

[i] Resposta afirmativa nos acórdãos A e C. Resposta negativa no acórdão B.

[ii] Resposta (implicitamente) afirmativa nos acórdãos A eB. Resposta negativa, em face da lei actual, no acórdão C.

[iii] Resposta negativa nos acórdãos A a C. Noutra formulação: a cláusula em apreço afasta, em nome do interesse social, o direito dos sócios à distribuição periódica de dividendos? O interesse social sobrepõe-se ao interesse individual dos sócios minoritários ? Cfr., «maxime», os acórdãos A e B.

[iv] É nula por contrariedade aos bons costumes (acórdão A) ou anulável por abuso de direito ou excesso de poder (acórdãos B e C).

[v] É nula (acórdão C) [ou anulável (acórdão D)].

[vi] Nos acórdãos A a C admitiu-se, explícita ou implicitamente, que tal resultado se conseguiria mediante a cumulação de dois pedidos: um de anulação (ou declaração de nulidade) da deliberação de não distribuição e o outro o de condenação da sociedade a pagar aquilo que ao sócio caberia se a «lei» fosse cumprida ou acatados os ditames da boa fé e dos bons costumes. Especialmente elucidativo mostra-se o acórdão B. Observe-se, no entanto, que – pelo menos em princípio – a constituição do crédito de dividendo na esfera jurídica do sócio depende de deliberação tendente à produção desse efeito (deliberação positiva de atribuição ou distribuição de lucros). Assim, se falta tal deliberação, não pode haver uma simples sentença de condenação da sociedade a pagar. Tal sentença será, na realidade, constitutiva do crédito [substitutiva da deliberação devida em falta, correspondendo a uma execução específica de obrigação legal e/ou estatutária] e, ao mesmo tempo, de condenação do seu pagamento. Cfr. infra, no texto.

[vii] Resposta afirmativa no acórdão D. Problema aflorado (secundariamente) nos restantes.

[viii] Quando discriminatoriamente lesiva dos interesses das minorias, resposta negativa no acórdão D.

[ix] Cfr. supra, nota 9.

[x] Este ponto merecia uma análise especial, que, porém, se omite já que extravasaria largamente o tema dos lucros (e o problema conexo das gratificações de gerência). Cfr. o acórdão referido no número anterior.

[xi] Sobre o assunto, em geral, cfr. por ex., JOACHIM SCHULZE-OSTERLOH, «Die Verdeckte Gewinnausschüttung bei der GmbH als kompetenzrechtliches Problem», «in» Festschrift für STIMPEL, 1985, págs. 487 e segs., ROWEDDER, GmbH-Gesetz, Munique, 1990, n. 76 e segs. ao § 29, págs. 471 e segs. («maxime», n. 77 e seg.). LUTTER / HOMMELHOFF, GmbH-Gesetz, Colónia, 1991, n. 47 e segs. ao § 29 (págs. 265 e segs., com mais indicações e relacionando a figura com as regras de competência dos órgãos sociais e com os princípios da paridade de tratamento e da proibição da prossecução de vantagens especiais), e infra.

[xii] O âmbito da figura não se circunscreve necessariamente ao domínio das sociedades: cfr., por ex., A. FILLMANN, cit. na nota 170, pág. 88.

[xiii] Cfr., por ex., LUTTER/HOMMELHOFF, ob. cit. (nota 148), n. 9 ao § 14 GmbHG (pág. 176). Mas cfr. também WINTER, cit. na nota 170, pág. 80.

[xiv] O instituto representa uma técnica de limitação do (exercício do) poder maioritário no âmbito das sociedades comerciais. Se a sua aplicação se estende ou não, também, designadamente ao poder de bloqueio das minoriais, é questão de que não interessa aqui tratar. Cfr., por ex., IMMENGA, cit. na nota a seguir, págs. 193 e segs., 201 e segs., W. TIMM, «Treuepflichten im Aktienrecht», «in» WM (Wertpapier Mitteilung), 1991, págs. 481 e segs.

[xv] Que se trata dum princípio jurídico, sob a forma duma cláusula geral, consagrado pela jurisprudência, cfr., por ex., U. HÜFFER, «Zur gesellschaftrechtlichen Treupflicht als richterrechtlicher Generalklausel», «in» Festschrift für Steindorff, 1990, págs. 59, 68 e segs.

Sobre o seu significado modificativo do direito legislado, funções e «emancipação» (face a outros princípios do direito privado como o da boa fé), mas contestando a ideia dum princípio jurídico geral unitário, cfr. por ex., U. IMMENGA, «Bindung von Rechtsmacht durch Treuepflichten», «in» Festschrift cit. na nota 159, págs. 189 e segs.

[xvi] Sobre o instituto em geral, dentre a numerosa bibliografia existente, além doutros autores citados nas notas anteriores e nas que se seguem, vid., recentemente, a fundamental obra de M. WINTER Mitgliedschaftlichen Treubindungen im GmbH-Recht , Munique, 1988, págs. 38 e segs., WIEDEMANN, Gesellschaftsrecht, I, 1980, págs. 404 e segs., M. LUTTER, «Theorie der Mitgliedschaft», «in» AcP, 180 (1980), págs. (84) 102 e segs., e «Die Treupflicht des Aktionärs» (Bemerkungen zur Linotype - Entscheidung des BGH), «in» ZHR, 153 (1989), págs. 446 e segs., M. DREHER, «Treuepflichten zwischen Aktionären und Verhaltenspflichen bei Stimmrechtsbündelung», «in» ZHR, 157 (1993), págs. 150 e segs., MARSCH-BARNER, «Treuepflichten zwischen Aktionären und Verhaltenspflichten hei Stimmrechtsbündelung», «in» ZHR, 157 (1993), págs. 172 e segs., A. FILLMANN, Treuepflichen der Aktionäre, Frankfurt/..., 1991, págs. 17 e segs., T. BAUMGÄRTNER, Rechtsformübergreifende Aspekte der gesellschaftlichen Treuepflicht im deutschen und angloamerikanishen Recht , Frankfurt, 1990.

Na jurisprudência, cfr., sobretudo, a sentença do Tribunal Federal alemão (BGH) de 1988.02.01 (caso Linotype), por ex. na JZ, 1989, págs. 443 e segs. (com anot. de WIEDEMANN, págs. 447 e segs.), e na NJW, 1988, págs. 1579 e segs. (com anot. de TIMM, págs. 1582 e seg.).

Acerca da sua afirmação também na Áustria, cfr., por ex., REICH-ROHRWIG, «Treuepflicht der GmbH-Gesellschafter und Aktionäre von Judikatur bejat», «in» WBl, 1988, págs. 141 e seg.

Assumindo o controlo do poder da maioria como missão ou tarefa do direito vigente, mas dando do fenómeno uma perspectiva (algo) diferente, cfr. HÜFFER, ob. cit. (nota 153), n. 40 e segs. ao § 243 AktG (págs. 81 e segs.; cfr. também n. 14 e seg., 38 e segs., e, quanto ao § 243 (2), n. 65 e segs., págs. 91 e segs.).

[xvii] O princípio encontra hoje consagração legal expressa no § 53a da AktG. Sobre as suas relações com o dever de fidelidade, cfr. WINTER, ob. cit. (nota ant.), pág. 82.

[xviii] Cfr., por ex., WINTER, ob. cit. (nota 170), págs. 144 e segs. (149 e segs.; cfr. 131 e segs.), 327, 284 e seg. (e nota 42, pág. 284; quanto à deliberação de constituição de reservas), HUECK, cit. na nota 175, n. 32 ao § 29 GmbHG (pág. 315; cfr. n. 25 e 27 ao § 13, págs. 202 e seg.), FILLMANN, ob. cit. (nota 170), págs. 156 e segs.

[xix] Sobre as relações com o princípio da proibição de prosseguir a obtenção de vantagens particulares (ou especiais), extra-sociais (§ 243 (2) AktG), cfr., por ex., LUTTER, na ZHR, cit. (nota 170), págs. 456 e seg., WINTER, ob. cit. (nota 170), págs. 105, 296 e seg., 300 e segs., FILLMANN, ob. cit. (nota 170), págs. 258 e segs.

[xx] Cfr., por ex., as indicações constantes da sentença do BGH cit. na nota 170 e respectivos comentários, FILLMANN, ob. cit. (nota 170), págs. 123 e segs., WINTER, ob. cit. (nota 170), págs. 131 e segs., 141 e segs., 291 e seg., 327, 329 e seg., SCHOLZ/EMMERICH, ob. cit. (nota 165), n. 191 ao § 29 GmbHG (págs. 810 e seg.).

[xxi] Cfr., por ex., G. HUECK, «in» Baumbach / Hueck, GmbH-Gesetz, Munique, 1988, n. 31 ao § 29 (pág. 314) e a literatura cit. nas notas anteriores.

[xxii] Cfr., por ex., a sentença do BGH cit. na nota 170, e respectivos comentários, FILLMANN, ob. cit. (nota 170), págs. 88 e segs. 180, HÜFFER, ob. cit. (nota 169), págs. 60 e segs., WINTER, ob. cit. (nota 170), págs. 43 e segs., 63 e segs., 325, LUTTER / HOMMELHOFF, ob. cit. (nota 148), n. 9 ao § 14 GmbHG (p. 176, com mais indicações).

[xxiii] Cfr., por ex., no contexto da constituição de reservas, HUECK, ob. cit. (nota 175), n. 31 e segs. ao § 29 GmbHG (págs. 314 e segs.), LUTTER / HOMMELHOFF, ob. cit. (nota 148), n. 24 e segs. e 70 ao § 29 GmbHG (págs. 259 e seg., 272), bem como FILLMANN, ob. cit. (nota 170), págs. 95 e segs.

[xxiv] Cfr., a respeito do «correspondente» controlo material das deliberações, FILLLMANN, ob. cit. (nota 170), págs. 163 e segs., a mencionada sentença do BGH cit na nota 170 (afirmando o dever de fidelidade entre accionistas, mas negando o controlo material da deliberação de dissolução da sociedade), WIEDEMANN, em anotação à mesma (págs. 448 e seg.), LUTTER, também no respectivo comentário (págs. 448 e seg.), acerca da constituição de reservas, JOOST, referido na nota 180, e supra, nota 168.

[xxv] Cfr., designadamente, WINTER, ob. cit. (nota 170), págs. 276 e segs. («maxime», 284 e segs.), 291 e seg., 330.

[xxvi] Criticando a doutrina dominante – que admite uma limitação do domínio da maioria através do «dever de fidelidade», a necessidade de justificação material da constituição de reservas e o correspondente controlo judicial, orientado para a ponderação dos interesses em confronto levando em consideração as circunstâncias do caso (págs. 299 e seg.) –, cfr. JOOST, ob. cit. (nota 159), págs. 300 e segs., defendendo a limitação do controlo ao mero abuso de direito (págs. 303 e seg.). Acerca duma proposta de HOMMELHOFF tendente a minorar os riscos de insegurança e de conflitualidade inerentes à posição dominante, cfr. o mesmo JOOST (pág. 302), e LUTTER / HOMMELHOFF, ob. cit. (nota 159), n. 26 ao § 29 GmbHG (pág. 260). JOOST salienta, ainda, que a saída para os sócios minoritários, na falta de disposições estatutárias, será a cessão da respectiva participação social, que, porém, justamente em casos de não distribuição de lucros, pode tornar-se impossível (pág. 304). O direito de exoneração por justa causa não parece representar para si verdadeira alternativa dados os termos restritivos em que a jurisprudência o admite (nota 40, pág. 304). Observe-se, porém, que o pensamento do autor só se capta completamente tendo presente a sua atitude crítica relativamente à nova versão da lei (cfr. a nota 164).

[xxvii] Sobre estas, cfr. JOOST, ob. cit. (nota 159), pág. 300, HUECK, ob. cit. (nota 175), n. 33 ao § 29 GmbHG (pág. 316).

[xxviii] Fronteira difícil de traçar. No sentido de que tal liberdade e as regras de competência empresarial nas socieddades implicam a negação dum controlo material da deliberação, circunscrevendo-o ao simples abuso de direito, cfr. JOOST, cit. na nota 180.

Cfr. WINTER, ob. cit. (nota 170), págs. 150 e segs., 291 e seg., FILLMANN, ob. cit. (nota 170), pág. 161.

[xxix] Cfr. FILLMANN, ob. cit. (nota 170), pág. 161 (em geral), SCHOLZ / EMMERICH, ob. cit. (nota 165), n. 191 ao § 29 GmbHG (págs. 810 e seg.; admitindo também a exoneração por justa causa, n. 191, pág. 811).

[xxx] Cfr. por ex., HUECK, ob. cit. (nota 175), n. 33 ao § 29 (pág. 316), FILLMANN, ob. cit. (nota 170), págs. 119 e 150.

[xxxi] Salientam-se, de novo, as limitações que o trabalho reflecte no respeitante ao ordenamento suíço. Além disso, em relação ao direito alemão, seria concerteza do maior interesse um aprofundamento, doutrinal e jurisprudencial, da figura do «dever de fidelidade» e do tema do controlo material das deliberações sociais pelos tribunais, quer em geral, quer a respeito da constituição de reservas. Reconhece-se, pois, essa lacuna, sobretudo imposta por razões de tempo e de «espaço». A maior omissão, porém, é relativa aos ordenamentos anglo-americanos, nos quais se inspira, aliás, pelo menos em parte, o referido «dever de fidelidade». A respectiva análise requereria, na verdade, para ser útil, desenvolvimentos que esta simples anotação já não comportava.

[xxxii] Observe-se, no entanto, que, no âmbito mais geral da tutela das minorias, o problema da afectação a reservas do lucro de balanço representa tão-só a ponta do «iceberg». O hipotético desrespeito pelas regras de elaboração das contas anuais e a própria política de balanço permitida, a distribuição encoberta de lucros, a temática das «deliberações abusivas» ou violadoras dum eventual princípio de fidelidade societária e do controlo material das deliberações sociais, os correntes desvios dos fenómenos societários concretos relativamente ao modelo pressuposto pelo legislador e, inclusive, ao paradigma clássico da sociedade «lucrativa», e as eventuais válvulas de respiração do sistema jurídico-societário que poderão funcionar como alternativa à distribuição de dividendos (v.g., o direito de exoneração) são outros tantos aspectos a ter em conta.

[xxxiii] O texto subsequente pressupõe que os arts. 217º, nº 1, e 294º, nº 1, não contêm derrogações a esta regra. A discussão deste ponto não cabe nos limites da presente anotação. Observe-se, no entanto, que verdadeiramente importante é a materialidade das situações e que, para lá chegar, pode tornar-se necessário ver através das formas jurídicas, das regras de procedimento e das normas definidoras das competências dos órgãos sociais. A devida separação daquilo que pertence à esfera social e à esfera individual dos sócios não pode significar uma indevida desconsideração dos interesses destes.

Para uma perspectiva diferente da aqui apresentada, cfr. CASSIANO DOS SANTOS, ob. cit., (nota 78), págs. 89 e segs., 99 e segs. Cfr. também, supra, o que se diz acerca das «azioni di risparmio» e das cláusulas estatutárias prescrevendo a distribuição de dividendos, bem como M. PITA, ob. cit. (nota 9), págs. 124 e seg., 135 e segs., 140 (cfr., ainda, 116 e seg.), e PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit. (nota 10), págs. 78, 82 e seg. (mas cfr. 51 e seg., 74).

[xxxiv] Observe-se, todavia, que a lei equipara, pelo menos para certos efeitos, a essa atribuição formal de dividendos «qualquer facto que faça beneficiar o património» dos sócios de valores pertencentes ou que deveriam pertencer à sociedade (cfr. o art. 34º, nº 5, do CSC). Sobre a chamada distribuição encoberta de «lucros» – eventualmente violadora dos princípios da conservação do capital social –, cfr. os autores referidos supra, notas 17 e 165.

[xxxv] Aqui, pode suscitar-se a dúvida sobre se é de admitir ou não uma eventual sentença substitutiva da deliberação em falta. Apesar dos termos restritivos em que o art. 830º do Código Civil se encontra redigido, não me parece que, dum mero ponto de vista técnico-jurídico, essa possibilidade seja de afastar. A jurisprudência contida nos acórdãos anotados, no seu resultado, e os próprios termos dos arts. 217º, nº 1, e 294º, nº 1, do CSC, também apontam nesse sentido. Estando, no entanto, em causa a satisfação dum mero interesse pecuniário de certo sócio ou minorias de sócios – susceptível de satisfação por via indemnizatória –, pode contestar-se a razoabilidade de tal solução e levantar-se a questão de saber se a natureza da deliberação em causa não se oporá à execução específica. Cfr. supra, sobretudo a posição de FERRI.

[xxxvi] Cfr., a propósito, o regime legal relativo à «supressão» ou limitação do direito de subscrição preferencial de novas acções e quotas (arts. 460º e 266º, nº 4, do CSC). Surge, aqui, porém, o problema do prazo em que tal faculdade derrogatória do direito à distribuição do lucro deve ser exercida. Uma solução possível será o prazo legal para apreciação das contas. Observe-se, ainda, que o não respeito pelas garantias de «procedimento» indicados no texto tornará a deliberação será anulável. Cfr. também Pereira de Almeida, ob. cit. (nota 10), pág. 72, e supra, notas 97 e 149.

[xxxvii] Cfr., supra, o dever de fidelidade societária e o que se refere acerca do controlo material das decisões por parte dos tribunais.

[xxxviii] Em geral, sobre a autonomia estatutária reconhecida na matéria, cfr. PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit. (nota 10), págs. 65 e segs. (cfr., também, 61 e segs.), CASSIANO DOS SANTOS,ob. cit. (nota 79), págs. 125 e segs., e M. PITA, ob. cit. (nota 9), págs. 147 e segs., 159 (assumindo este autor uma posição restritiva quase sem paralelo no actual contexto doutrinal e jurisprudencial. Acerca da questão de saber se existe, nas sociedades de duração ilimitada, uma regra «indisponível» ou essencial de distribuição periódica ou um direito inderrogável a essa distribuição periódica de lucros, cfr. PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit. (nota 10), págs. 62 e seg., 65 e seg., 73 e seg. e 82 (afirmando a nulidade das cláusulas proibitivas e a existência do direito), J. LABAREDA, Das Acções das Sociedades Anónimas, Lisboa, 1988, págs. 143 e segs., 148 (não admitindo, pelo menos, as cláusulas proibitivas), M. PITA, ob. cit. (nota 9), págs. 111 e segs. («maxime», 115 e seg., 127), 147 e segs., 158, 162 e seg. (afirmando a própria existência e inderrogabilidade dum direito ao lucro de exercício, o que corresponde a posição isolada no actual contexto doutrinal). Sobre a admissibilidade ou não duma cláusula permitindo a derrogação anual do «direito ao lucro» por maioria simples, cfr. PEREIRA DE ALMEIDA, cit., pág. 70 (cláusula admissível; cfr. também págs. 66 e seg.), e M. PITA, cit., págs. 127 e seg., 150 e seg., 157 e seg., 159, 163 (inadmissível; mas posição isolada no actual contexto doutrinal).

[xxxix] Cfr., por ex., A. FERRER CORREIA / V. LOBO XAVIER / M. ÂNGELA COELHO / A. CAEIRO, Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada (Anteprojecto de Lei – 2ª Redacção) , Coimbra, Sep. da RDE (1977 e 1979), págs. 140 e seg. (anot. ao art. 115, cujo nº 1, al. b), corresponde, no essencial, ao art. 58º, nº 1, al. b), do CSC), FERRER CORREIA,Lições de Direito Comercial, II, Sociedades Comerciais, Coimbra, 1968, págs. 362 e segs., V. LOBO XAVIER, «Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no Projecto de Código das Sociedades», na RLJ, ano 118, pág. 203, M. R. G. REDINHA, «Deliberações sociais abusivas», na RDE, anos X/XI, 1984-85, págs. 210 e segs., 212 e segs. Mas, recortando a figura das deliberações abusivas, em geral, de forma mais abrangente, cfr. PINTO FURTADO, Deliberações dos Sócios, Coimbra, 1993, págs. 381 e segs. («maxime», 386, 396).

[xl] Cfr. supra, nº 10. Cfr. também o acórdão do STJ objecto da presente anotação.

[xli] Tenham-se presentes, designadamente, as várias leis existentes de tutela do consumidor e, em especial, a lei das cláusulas contratuais gerais, bem como a própria lei de defesa da concorrência e o sistema legal de garantia da lealdade da concorrência (entendido numa óptica moderna, não meramente individualista).

[xlii] Observe-se, ainda, que, como o revela o panorama doutrinal e jurisprudencial apresentado, a sanção aplicável a uma deliberação «abusiva» (lato sensu) é a anulabilidade. Cfr. também, no contexto em apreço, PEREIRA DE ALMEIDA, ob. cit. (nota 10), pág. 77, e M. PITA, ob. cit. (nota 9), págs. 128, 136 e seg., 159, 145 (idêntica sanção para a deliberação tomada por maioria inferior à especialmente requerida), e, em geral, H. SALINAS MONTEIRO, «Critérios de distinção entre a anulabilidade e a nulidade das deliberações sociais no Código das Sociedades Comerciais», «in» Direito e Justiça, VIII/2, 1994, págs. (211) 236 e seg. e nota 65. Mas cfr., por outro lado, PINTO FURTADO, cit. (nota 193), págs. 327 e segs., 396 e, a respeito da falta de maioria exigida, 368 e segs., com mais indicações).