EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes [i]

Aquisições potestativas no artigo 490 do CSC após a Reforma de 2006

e procedimento justo [ii]

Resumo: Partindo da premissa de que o artigo 490 do CSC contém um procedimento de ablação ad nutum da titularidade de quotas e ações pertencentes a sócios minoritários e de que a ablação em si é conforme à Constituição, o presente artigo discute se tal procedimento é um procedimento justo, para os minoritários, e define as condições que, à luz da Lei fundamental, o mesmo deve observar. Entre elas, contam-se a necessidade de demonstração de que os pressupostos legais da privação das participações se verificam, a escolha de um ROC por entidade independente, a avaliação das participações nos termos do artigo 1021 do CC e a possibilidade de revisão judicial do valor, com repartição equitativa das custas.

Palavras-chaves : quotas e ações – propriedade – aquisição potestativa – procedimento justo – justo valor

Abstract: The paper discusses the conditions of a fair process and of a fair value in the context of a corporate squeeze-out necessary for it to be in compliance with the constitution, mainly the demonstration of the right to squeeze-out, the choice of an auditor by an independent entity, the legal standards of value and the possibility of its judicial review.

Keywords: shares – property – squeeze-out – fair process – fair value

Introdução

O artigo 490 do CSC [iii] - sob a epígrafe aquisições tendentes ao domínio total, inserido num capítulo dedicado às sociedades em relação de grupo e numa secção relativa aos grupos constituídos por domínio total - reconhece, por um lado, a uma SQ, SA ou SCA que tenha passado a dispor de quotas ou ações representativas de pelo menos 90% do capital estatutário de uma outra SQ, SA ou SCA um direito potestativo de aquisição das quotas ou ações dos quotistas ou acionistas minoritários, também chamados sócios livres (n.ºs 1 a 4); por outro lado, atribui a estes um direito de alienação das mesmas (n.ºs 5 e 6). Em qualquer destes casos, via de regra, os minoritários ficam com o direito a receber, em dinheiro, o valor legal das respetivas participações (n.ºs 2, 4, 5 e 6).

No presente texto, analisam-se alguns aspetos do direito de aquisição, focando sobretudo o procedimento aquisitivo e os problemas que suscita, designadamente de índole constitucional, após a Reforma do direito das sociedades de 2006. Por razões pragmáticas e de simplificação do texto, a análise é centrada nas SQ e SA [iv] .

O ponto de partida da análise é o teor literal do artigo (nºs 1 a 4), donde se infere que a privação da «propriedade» dos minoritários pode ocorrer mediante simples manifestação de vontade da sociedade dominante (permitindo-se, portanto, uma ablação ad nutum dessa propriedade por sociedades dominantes), e a configuração legal do procedimento como um procedimento de índole parassocial e atomística, que se desenrola entre «sócios» (em contraste, por exemplo, com o procedimento corporativo adotado na Alemanha). A intenção do trabalho não é discutir o direito de aquisição em si, que pode ter justificação económica (e presume-se que a tem) e cuja consagração legal foi considerada conforme à Constituição pelo acórdão n.º 491/02 do Tribunal Constitucional (Plenário), de 26.11.2002 [v] , mas os termos em que está regulado, mais especificamente o correspondente procedimento ablativo da propriedade dos minoritários, incluindo a compensação devida, tendo designadamente em conta: (i) que o Estado que a permite deve, ao mesmo tempo, garantir a proteção da propriedade precária que resta, contra a sua privação arbitrária, por quem não tem legitimidade para o efeito, e assegurar que tal privação só pode efetivar-se mediante justa compensação; (ii) que, em boa parte dos casos, aos minoritários não compensa impugnar a ablação mesmo que injusta, ilegítima ou arbitrária; e (iii) que, para eventual impugnação, estes precisam de saber se os pressupostos do direito se verificam e se a compensação oferecida é adequada, de modo a poder formular um juízo de prognose acerca do desfecho da ação e do respetivo pagamento das custas. Ou seja, ao legislador compete criar condições para que pelo menos os pressupostos da ablação - e a correspondente legitimidade do seu autor -, a justeza e o pagamento da compensação se verifiquem e que os minoritários têm à disposição um processo de impugnação justo, não um direito de impugnação meramente nominal [vi] .

O plano do estudo é o que se segue. Após considerações gerais acerca das quotas e ações, ocupamo-nos dodireito potestativo de aquisição e sua justificação (I), das finalidades que através dele podem prosseguir-se, com alusão aos limites ao seu exercício (II), do procedimento legal (III), das numerosas questões interpretativas que o texto da lei suscita (IV), da situação dos minoritários e da necessidade de procedimento justo (V) e, por fim, dos termos da aquisição potestativa como problema constitucional (VI). Termina-se com uma breve conclusão (VII).

I – Quotas, ações e o direito potestativo de aquisição

1. O tecido produtivo nacional (capitalista) é composto essencialmente por SQ e SA. Estas surgiram e desenvolveram-se como formas jurídicas de negócios e empresas jurídica e economicamente independentes (paradigma da empresa monossocietária). Porém, ao longo do último quartel do séc. XX e do séc. XXI, consumou-se uma importante alteração: elas passaram a ser sobretudo um instrumento jurídico de organização e funcionamento de empresas plurissocietárias, mais ou menos complexas (paradigma da empresa plurissocietária). Hoje em dia, estas constituem a componente fundamental daquele tecido produtivo e são sobretudo elas que detêm o inerente poder de mercado. Mutatis mutandis, o panorama é ainda mais pronunciadamente assim no plano europeu e internacional.

A liberdade de iniciativa económica privada [cfr. os arts. 61.1 e 80 c) da CRP] e a competição económica, a nível nacional e internacional, desenvolvem-se neste quadro. Ou seja, a primeira traduz-se designadamente na liberdade de constituir, organizar, modificar e dissolver empresas plurissocietárias, bem como de exercício das respetivas atividades; e a segunda é em grande medida uma concorrência de empresas desta índole. Como a própria epígrafe e a inserção sistemática do artigo 490 revelam, o direito potestativo em análise situa-se, pelo menos fundamentalmente, neste contexto. Antes de nos ocuparmos dele, cumpre, no entanto, recordar algumas noções acerca das quotas e ações sobre as quais ele incide.

2. As SQ e as SA têm o capital dividido em quotas e ações, respetivamente (arts. 197.1 e 271 do CSC). Quer dizer, numa leitura substancial do princípio, o valor da sociedade (capital) - que lhe é conferido primacialmente pela respetiva substância económico-patrimonial, embora possa haver também um valor da forma jurídica ou valor da «firma» em si sobretudo quando o acesso à atividade é condicionado - pertence aos respetivos fundadores, aderentes e respetivos sucessores, investidores em capital de risco, em função e na medida das respetivas quotas ou ações. Estas são, assim, primariamente, quotas-valores ou unidades de valor; e cumprem a função primária de atribuição aos respetivos titulares de uma fração ou quota-parte do valor da sociedade.

Porém, a tais quotas ou unidades de valor é «inerente», ainda, a qualidade de sócio, com um vasto conjunto de direitos e vinculações em face da sociedade e, de forma mais rarefeita, em face dos demais consócios; de tal modo que as quotas e ações são também quotas de participação social e unidades de participação social, respetivamente. Em virtude disto, por um lado, a legitimidade para receber o valor que a sociedade venha a distribuir pertence aos sócios (aspeto relevante quando ocorra uma dissociação entre a titularidade das quotas ou ações e a qualidade de sócio), por outro lado, sendo as organizações societárias dominadas por um princípio da maioria de base censitária ou capitalista, à concreta titularidade das quotas ou ações tanto pode corresponder uma posição de domínio corporativo, como uma posição minoritária alheia ao mesmo, tendencialmente de mero investimento em capital de risco, com associados direitos de acompanhamento e defesa; o que confere a esta forma de «propriedade» (apelidável de propriedade corporativa) características especiais, a ter em conta na análise do instituto em apreço.

2.1 Realçando este aspeto, além de uma forma de riqueza mobiliária (financeira) representativa da riqueza económico-patrimonial consubstanciada na sociedade e afeta aos fins desta, as mesmas quotas e ações também surgem, nalguma literatura, como uma forma de «propriedade de meios de produção» - isto é, do património, empresa ou negócio sociais [cfr. os arts. 80b) e d), 82 e 83 da CRP] - mediatizada pela estrutura jurídico-societária, com as respetivas regras de funcionamento, designadamente a assinalada regra da maioria censitária [vii] . Quer dizer: por um lado, embora tais património, empresa e negócio pertençam juridicamente à pessoa coletiva societária, mediatamente, sobretudo através do domínio capitalístico desta, estão afetos aos titulares das quotas ou ações; por outro lado, entre estes titulares das participações e a empresa ou negócio interpõe-se a personificada estrutura corporativa. É através desta e dos direitos a ela relativos que se chega ao domínio, à gestão e ao aproveitamento económico da empresa ou negócio. [viii]

2.2 Em boa medida relacionada com esta mediatização, está a circunstância de as participações maioritárias conferidas pelas quotas ou ações serem tipicamente empresariais, determinando os seus titulares os destinos e a gestão da sociedade e da empresa social, enquanto participações muito minoritárias como as representativas de menos de 10% do capital, numa SA, tendem a ser essencialmente financeiras. Sendo este o caso, uma possível conversão forçada destas últimas em dinheiro, a favor dos maioritários, está de acordo com uma coordenada fundamental do direito (mercantil) segundo a qual, em caso de conflito entre os interesses ligados à «propriedade produtiva» e os dos titulares de mera propriedade estática, os primeiros, em alguma medida, prevalecem [ix] .

2.3 Além disso, sendo a empresa e o negócio sociais, não a forma societária, o fenómeno jurídico-económico primordial e portanto o quid de referência fundamental quando se fala na atribuição jurídica de bens – ou sendo-o a sociedade com a riqueza nela consubstanciada -, representando as quotas ou ações pelo menos um instrumento de atribuição jurídica do respetivo valor aos seus fundadores, aderentes e sucessores, quando as mesmas pertencem a pessoas distintas, estamos perante uma forma de comunhão ou titularidade em comum de «coisa produtiva» pelo menos relativamente indivisível, ainda que sui generis («compropriedade corporativa»). Se, em relação a um ou mais desses contitulares, falta o elemento da colaboração na realização do fim comum que caracteriza as sociedades, podemos estar perante um problema de ineficiência económica, cuja solução é suscetível de passar pela conversão da sua participação social em dinheiro.

2.4 Ainda nesta linha de pensamento, mas numa visão mais direta e radical das coisas, pode, ainda, ver-se a sociedade - com a riqueza nela consubstanciada - como o próprio objeto de atribuição jurídica aos titulares das quotas ou ações. Apesar de se tratar de uma pessoa coletiva – dir-se-á -, o seu caráter instrumental não se opõe a que seja também encarada como objeto jurídico, pertencente em «contitularidade» aos titulares das quotas ou ações (dupla natureza de sujeito de direito e objeto jurídico) [x] . A sociedade, com o respetivo património, empresa e negócio (ou segmentos dos mesmos), surge, assim, como pertencente a esses contitulares, mas, ao mesmo tempo, como uma coisa produtiva ou objeto dinâmico, corporativamente estruturado e regulado, em que pontua a regra da maioria de capital, e portanto uma estrutura de poder em que são tendencialmente distintos os papéis de que quem detém efetivamente esta maioria (sócios empresários) e de quem possui uma simples participação minoritária (investidores em capital de risco com direitos sociais essencialmente de acompanhamento e defesa do investimento, ainda que alguns deles sejam de caráter administrativo, detidos enquanto membros do órgão de base da sociedade).

3 . Olhando mais diretamente para o preceito que se analisa, quando uma SQ ou SA (sociedade dominante) adquire supervenientemente quotas ou ações de uma outra sociedade de um destes tipos (sociedade dominada) representativas de 90% ou mais do respetivo capital estatutário, tipicamente os restantes sócios formam - ou tornam-se - uma minoria sem voz ativa, inerte ou passiva, que não colabora ou participa pessoalmente na realização do interesse social. A posição destes encontra-se essencialmente reduzida à dimensão patrimonial ou de valor conferida pelas suas participações. Os respetivos direitos administrativos existem quase só no papel, as assembleias gerais são uma quase «encenação» em que a sócia maioritária faz valer decisões preestabelecidas, e as suas quotas ou ações não têm mercado ativo e significativo. Embora o interesse social seja, pelo menos no essencial, o interesse comum dos sócios, na prática quem o define é a sócia maioritária e quem ela faz eleger para o órgão de administração. Apesar de o mesmo requerer uma gestão capaz de conciliar ou fundir os interesses da maioritária e dos minoritários, os da primeira tendem a prevalecer.

Contudo, continuam a ser obrigatórias as reuniões da assembleia geral, com inerentes custos de convocação, funcionamento, informação e publicidade legal; os minoritários têm a possibilidade de impugnar as deliberações tomadas, incluindo o requerimento da sua suspensão cautelar, e possuem outros direitos, em que sobressaem o direito à informação e porventura de inquérito judicial. Ou seja, continuam a ter algum poder de bloqueio das deliberações, pelo menos dilatório, de que podem fazer uso - ou de que podem abusar, designadamente para obter vantagens financeiras dos maioritários -, impedindo ou retardando a efetivação de medidas ou políticas economicamente com sentido, fazendo perder oportunidades de negócio, etc., não raro com danos reputacionais ou de imagem associados, designadamente perante trabalhadores, financiadores, fornecedores e clientes importantes. Isto mostra-se especialmente importante se se aceitar uma geral competência implícita da coletividade dos sócios em matérias de importância fundamental, mesmo que de gestão, como sucede por exemplo na Alemanha com a jurisprudência do BGH relativa ao caso Holzmüller. Noutros termos, a presença dos minoritários é fonte de importantes custos funcionais, a que se somam tendenciais custos de litigância e mesmo reputacionais; e, embora na prática seja a sócia maioritária e quem ela faz eleger para a administração a definir o interesse social da sociedade dominada, este impede uma plena integração desta na empresa plurissocietária da dominante.

4. Esta situação - de uma sociedade capitalista com minoria de sócios não coadjuvante, passiva ou mesmo hostil e obstrutiva, detentora de uma participação essencialmente financeira (componente de valor das quotas e ações) que os maioritários estão em condições de assumir – é ou pode considerar-se economicamente ineficiente (cfr. também «supra», 2.3 e 2.4). No entanto, a sócia maioritária pode não conseguir concentrar a «propriedade» mediante acordo, ainda que este seja objetivamente vantajoso para si e para os minoritários, por diversas razões, suscetíveis de verificação separada ou cumulativa, designadamente: porque, objetivamente e/ou na perceção dos minoritários, as quotas e ações destes são especialmente valiosas para uma sociedade dominante interessada no domínio total (na plena integração da dominada na sua empresa plurissocietária), sendo natural a tentação de explorar oportunisticamente a situação para obterem valores injustificados; porque os minoritários não têm informação bastante acerca do real valor das participações e temem fazer um mau negócio; porque a participação por eles detida tem certo significado reputacional, histórico ou sentimental; porque uma parte deles é desconhecida (máxime, por as ações serem ao portador, ainda que este problema se encontre atualmente minorado em virtude da extinção dos valores mobiliários ao portador – Lei 15/2017 e DL 123/2017); ou simplesmente porque há minoritários que não querem vender (na realidade, nem todos se comportam de forma economicamente racional).

5 . O artigo 490 do CSC permite ultrapassar este obstáculo, resolvendo o problema económico da ineficiência, no interesse da sócia dominante, da sociedade dominada e do minoritário razoável, logo também no interesse geral da economia; permite, ainda, a plena integração da dominada na empresa polissocietária da dominante, ultrapassando os constrangimentos do interesse social da dominada e colocando os factos em harmonia com o direito (dos grupos); elimina conflitos internos na dominada e pode até favorecer a definição de um interesse social desta alargado (a outros stakeholders), porque não é preciso atender ao interesse dos minoritários, tipicamente capitalista e de obtenção de rendimentos no curto prazo. Contribui também para um tecido económico mais homogéneo e competitivo. [xi]

Além disso, o preceito foi concebido quando estava no horizonte a entrada de Portugal para a então CEE. Na sua base está, igualmente, o reforço do tecido produtivo nacional, em vésperas do seu confronto com a integração europeia.

Considerando apenas o direito potestativo de aquisição em si, independentemente dos termos em que a lei o reconhece e regula, pode afirmar-se que, apesar de o preceito que o consagra permitir uma desapropriação das quotas e ações dos minoritários – ou seja, a ablação de uma forma de propriedade garantida pelo artigo 62 da CRP [xii] -, por um lado, há coordenadas constitucionais capazes de o justificar: a liberdade de iniciativa económica [arts. 61.1 e 80c) da CRP], em que a empresa plurissocietária se insere; a promoção da mencionada eficiência, implicada nesta liberdade económica [sobre a sua importância, cfr. os arts. 81c) e f) e 99b) da CRP]; e o reforço da competitividade das empresas portuguesas, designadamente no plano internacional (art. 99 da CRP). Isto é assim: (i) mesmo estando o poder conformador do legislador ordinário nele presente sujeito ao princípio da proporcionalidade - não na versão forte do artigo 18.2 da CRP, mas na versão mitigada implicada no Estado de direito democrático (art. 2 da CRP); e (ii) ainda que se tenha em conta a configuração secular da propriedade corporativa de quotas e ações como «propriedade» intangível, pendente societate, salvo mediante atos corporativos de amortização ou aquisição forçada fundados na lei (ocorrendo justa causa) ou nos estatutos, com a qual o artigo rompe. Por outro lado, cabe recordar que, a partir do momento em que o direito potestativo existe, quem entra para uma SQ ou SA sabe ou deve saber que ele faz parte das regras do jogo.

6. Em todo o caso, importa observar o que se segue. Em primeiro lugar, em relação a quem já era sócio na data da entrada em vigor do CSC, o artigo 490 não contém meras normas conformadoras da «propriedade corporativa». A sua «propriedade» concreta e atual – apesar de respeitar a uma organização que constitui um espaço de autonomia privada – sofreu, ope legis, uma reconformação, adquirindo um caráter precário que não tinha. Noutros termos, a existente «propriedade» de quem já possuía uma participação social igual ou inferior a 10% (e mais latamente de quem não possuía uma participação com poder de bloqueio) sofreu uma efetiva limitação, em favor de potenciais SQ e SA adquirentes de quotas ou ações representativas de pelo menos 90% do capital. O que permite afirmar, quanto a tais sóicos, a existência de uma lei restritiva, nos termos do artigo 18.2 e 3 da CRP, e não meramente conformadora da propriedade [xiii] .

Em segundo lugar, interpretando a lei no sentido de que a sócia maioritária é titular de um direito potestativo de aquisição exercitável ad nutum - sem necessidade de fundamentação material e sem um correspondente controlo de proporcionalidade do exercício do «poder expropriativo» (cfr. «infra», n.º 7) -, o preceito é um corpo em boa medida estranho: por um lado, ao sistema societário clássico, dado que, além de favorecer a unipessoalidade das sociedades, tradicionalmente vista com desfavor pela lei, tanto a amortização (ou aquisição) compulsiva de quotas e ações como a exclusão de sócios têm que ter fundamento material, legal ou estatutário, que a dissolução translativa prevista nos artigos 141.1a) e 148 do CSC está vinculada à observância do princípio da igualdade de tratamento [xiv] e que a aquisição em apreço se desenrola à margem dos órgãos sociais (não é uma aquisição «corporativa», como a que existe na amortização, na exclusão e na dissolução); por outro lado, ao programa europeu de reforço da voz e da tutela dos sócios minoritários, às naturais expectativas de muitos fundadores (ou aderentes) de sociedades de restrita e colaborativa base social e, inclusive, às expectativas de quem entra para uma sociedade confiando tão-só no seu êxito a longo prazo. O que o torna algo surpreendente para uma parte das pessoas que aceitam entrar para uma SQ ou SA. Este dado pode, de resto, ver-se refletido na circunstância de, com o CVM de 1999, o campo de aplicação do preceito ter recuado, deixando de se aplicar às sociedades abertas.

Em terceiro lugar - e este aspeto merece ser realçado -, é de interesse geral estimular ou pelo menos não desincentivar o investimento em participações minoritárias, o que implica tutelar as correspondentes expectativas dos investidores: seja porque tais participações têm originária e tipicamente associada uma efetiva colaboração na realização do fim comum, seja porque se trata de investimentos de capital numa dada sociedade, em atenção ao respetivo projeto empresarial e às inerentes perspetivas de ganho numa ótica de longo prazo. Se o direito potestativo em apreço puder ser usado para a «apropriação» de sociedades prósperas por parte dos maioritários, designadamente recorrendo ao expediente de constituição, para o efeito, de uma SGPS, criando-se uma imagem negativa do mesmo, haverá um natural desincentivo ao investimento em participações minoritárias por parte de investidores empreendedores e racionais [xv] . De facto, mesmo que haja uma compensação «justa» – o que sempre será difícil de apurar se o valor da sociedade é essencialmente um valor estratégico e prospetivo –, ficará muitas vezes a sensação de que a «expropriação» foi injusta. O que representa simultaneamente um problema de justiça e económico. Quer isto dizer que o direito potestativo em análise representa um instrumento capaz de promover a eficiência, mas não são indiferentes os termos em que se encontra configurado, o modo como venha a ser exercido e os limites a este exercício.

Em quarto lugar, no plano da política legislativa, pode designadamente questionar-se: quanto aos pressupostos ou requisitos do direito de aquisição, justifica-se situar o limiar da participação de capital nos 90%, em vez de exigir, por exemplo, 95%, como faz a lei alemã? Justifica-se um tal direito nas sociedades fechadas, designadamente nas SQ? Após a entrada em vigor do CVM de 1999 e a introdução do n.º 7 do artigo 490, este deixou de se aplicar às SCAIP; não devia ser ao contrário, isto é, a sua aplicação não devia restringir-se às sociedades abertas, nas quais a participação dos minoritários é tipicamente financeira ou de mero investimento? Justifica-se um procedimento «expropriativo» parassocial, em vez de um procedimento corporativo como se estabelece, designadamente, na lei alemã?

Quanto ao primeiro aspeto (limiar dos 90% de capital), note-se que 10% do capital conferem ao titular uma participação qualificada e, mesmo nas SA, um direito pleno à informação (art. 291 do CSC), além do direito de inquérito judicial (art. 292 do CSC) e de outros direitos de minoria, com requisitos de capital menos exigentes (cfr., por ex., os arts. 77, 375.2/6, e 378.1). Compreende-se a solução legal como solução transitória, destinada a favorecer o reforço do tecido produtivo nacional com vista à integração europeia; mas é mais duvidoso que ainda se justifique, nos termos generosos em que se encontra acolhida, sobretudo a partir do momento em que se considerou inadequada para as sociedades abertas.

Quanto ao segundo aspeto (âmbito de aplicação do instituto), na Alemanha, por exemplo, o direito apenas se prevê - a par de um paralelo direito de aquisição jus-mobiliário de origem europeia, como o do CVM (arts. 194 e s.) - para as SA, não para as SRL (= SQ). Além disso, discute-se se ele não deveria circunscrever-se às sociedades cotadas [xvi] .

No que respeita ao terceiro aspeto (configuração parassocial do procedimento), compreende-se que um direito jus-mobiliário como o dos artigos 194 e 195 do CVM se desenrole entre acionistas. Mas isso também é assim em relação a um direito de índole societária como o do artigo 490? Na Alemanha e na Áustria, o afastamento dos minoritários resulta de uma deliberação de exclusão tomada pela sociedade dominada (procedimento corporativo). Na Holanda, há um processo judicial e na Suécia um processo arbitral (cfr. «infra», n.º 10).

II - Finalidades e exercício do direito

7 . Tanto em abstrato como em termos práticos, o direito potestativo é suscetível de ser usado com diversas finalidades. Realça-se, naturalmente, a da plena integração de uma sociedade na empresa plurissocietária de uma sociedade sua dominante, como a epígrafe e a inserção sistemática do respetivo preceito legal sugerem (função de integração empresarial). Todavia, ele é também frequentemente utilizado para viabilizar ou permitir a «alienação da sociedade» (cfr. «supra», 2.4) em melhores condições(função translativa). Sobretudo na falta de um squezze-out de fusão, concebe-se, ainda, a sua utilidade económica como antecâmara para facilitar operações de restruturação empresarial, mormente fusões e cisões-fusões (função de restruturação); bem como para a substituição de sócios inertes por parceiros estratégicos (função estratégica, que também existe na anterior e na primeira). O próprio objetivo imediato de eliminação de minoritários se afigura legítimo quando estes litigam oportunisticamente, causando entraves ao funcionamento da sociedade e lesando a respetiva reputação ( função de saneamento). Em tais casos, se as minorias detêm participações de mero investimento, ou são mesmo um peso morto, pode extrair-se da lei uma ponderação de interesses favorável à liberdade empresarial e à sócia dominante [xvii] . E pode também aceitar-se que estas serão as situações normais, permitindo «presumir» a racionalidade económica do direito e do seu exercício.

Vistas as coisas mais de perto, o preceito em análise suscita uma questão de fundo, consistente em saber se o poder «expropriativo» nele consignado é exercitável ad nutum, sem necessidade de invocar qualquer fundamento, e se existe ou não uma vinculação teleológica do mesmo à formação de grupos de domínio total. A favor desta última vinculação pode invocar-se as respetivas epígrafe e inserção sistemática. Contra, é aduzível, por um lado, o teor literal e prescritivo do artigo, que se limita a criar um direito potestativo, sem nenhuma exigência de fundamentação - ao contrário do que sucede na amortização e aquisição potestativas de quotas e ações (pela sociedade ou alguém por ela indicado) e na exclusão de sócios (por deliberação social ou sentença) - e sem alusão à vinculação aos grupos; por outro lado, o (embora não decisivo) teor literal dos nºs 2 e 4 do artigo 489 [xviii] ; e, ainda, a circunstância de o direito poder cumprir outras funções sócio-económicas relevantes e de, na prática, ele ter vindo a ser usado, sem aparente contestação, para concentrar as quotas e ações com vista à sua venda em bloco.

A favor da solução podem, aliás, invocar-se as aludidas ideias gerais de uma prevalência da liberdade de empresa e da correspondente «propriedade produtiva» (dos maioritários) sobre a mera propriedade estática ou financeira (dos minoritários) e de que a «compropriedade» - mesmo a «compropriedade corporativa» (não cooperativa) - é, via de regra, ineficiente e, por isso, existem, quer no direito civil quer no direito societário, mecanismos para lhe pôr termo [xix] . Assim sucederá se, como se observou, se pensar que o verdadeiro quid ou objeto de referência das quotas e ações, enquanto bens de segundo grau ou forma de riqueza tão-só representativa da riqueza económico-patrimonial consubstanciada na sociedade, é a própria sociedade ou, no essencial, mediatamente, a sua empresa (cfr. «supra», n.º 2).

8. A ser assim, o problema dos minoritários implicado no preceito centra-se nos termos em que o direito é reconhecido, nos respetivos pressupostos ou requisitos e no procedimento do seu exercício, na compensação a receber e na eventual ocorrência de circunstâncias suscetíveis de tornar ilegítimo tal exercício, por abuso do direito [xx] ou violação do dever de lealdade societário [xxi] . Deixando para depois o desenvolvimento dos demais, acerca deste último aspeto, que nos limitamos a referir, dão-se, em seguida, alguns exemplos ilustrativos [xxii] .

Primeiro . A era titular de um negócio próspero e com grande potencial de desenvolvimento. Foi convencido por B e C a dá-lo como entrada para a SA X, ficando A com 20% do capital e como administrador executivo. Passados 2 anos, com vista a expandir o negócio, B e C fizeram aprovar um aumento do capital, a que A não concorreu por falta de meios, ficando apenas com 10% das ações, e, no ano seguinte, quando o saber-fazer do negócio já se encontrava adquirido pela SA X, B e C fizeram aprovar a sua destituição como administrador. Paralelamente, constituíram a SA Y SGPS e transferiram para a mesma as suas ações. Esta sociedade comunicou à X esta aquisição e exerceu o direito de aquisição potestativo do artigo 490.

Segundo . Um empresário e gestor, detentor de um importante saber-fazer em certo setor de atividade e de um bom conhecimento dos mercados relevantes, celebrou com o acionista único de uma grande sociedade, cabeça de um grupo, um contrato de parceria estratégica que envolvia designadamente um contrato de gestão e a aquisição de 10% das ações dessa sociedade. Após obter o saber-fazer pretendido e a almejada penetração nos mercados, o sócio dominante da sociedade transferiu a sua participação para uma nova sociedade de cúpula ou para uma sociedade do «grupo»; e esta exerceu o direito de aquisição potestativa das ações dos minoritários.

Terceiro . Os sócios maioritários de uma SA, pai e filhos, receberam uma proposta de aquisição das suas ações, válida desde que a alienação abarcasse a totalidade das existentes. Embora se afigurasse viável um acordo de alienação envolvendo os minoritários, possuidores de perto de 10% do capital, como a proposta era muito vantajosa, os maioritários constituíram uma SGPS para a qual transferiram as suas ações e esta exerceu o direito de aquisição potestativa. O valor da contrapartida oferecida (e consignada em depósito), calculada por ROC «independente», era inferior ao que receberiam se participassem no negócio, recebendo uma parte proporcional do preço.

Quarto . A concebeu um projeto empresarial que expôs a B, C e D, levando-os a entrar com capital para o seu desenvolvimento, formando uma SQ. D ficou com uma quota de 10%. O projeto teve dificuldades de efetivação, o que levou B e C a solicitar a A a adquisição das suas participações. A viria a satisfazer este pedido depois de ter sido contactado, na qualidade de sócio gerente, por um potencial grande cliente, com o qual a sociedade viria a celebrar um importante contrato de longa duração, tornando o negócio não apenas muito rentável mas com grande potencial de desenvolvimento. Não querendo partilhar este com D, A transferiu as suas quotas para uma pequena SQ detida com o cônjuge e esta exerceu o direito de aquisição da sua participação.

Quinto . A, B, C e D constituíram uma SQ da qual ficaram sócios gerentes, tendo todos eles uma efetiva participação pessoal no desenvolvimento estratégico e operacional da empresa criada. Ao fim de largos anos de funcionamento consensual da sociedade, A faleceu, tendo-lhe sucedido E. Surgiram atritos entre E e D, acabando este por ser destituído da gerência, e foi aprovado, contra o seu voto, um aumento do capital com entrada de um novo parceiro, dito estratégico, F, ficando a quota de D reduzida a 10%. Os demais sócios transferiram as quotas para uma SGPS, que exerceu o direito de aquisição da quota de D.

Os exemplos traduzem situações e esquemas elementares. São naturalmente concebíveis esquemas muito mais complexos e opacos para chegar aos resultados pretendidos. O último suscita dúvidas. De facto, há nele uma estratégia eliminatória tendente a tornar a sociedade novamente consensual, mas problemática pelo menos se o D tiver mantido sempre um comportamento cordato e a situação de atrito tiver tido origem no E; e, tal como no primeiro e no terceiro, há o recurso a uma SGPS, o que origina, em especial, a questão de saber se o dever de lealdade que impendia sobre os respetivos sócios – a ter sido violado – ou o comportamento abusivo dos mesmos – a existir – pode fazer-se valer contra ela.

Genericamente, embora se «presuma» a prossecução de um objetivo legítimo (cfr. «supra», n.º 7), ressalvam-se situações como aquelas em que existe uma estratégia de apropriação de negócio, do prémio de controlo da sociedade ou do valor estratégico desta, no todo ou em parte, ou um objetivo pura ou arbitrariamente eliminatório dos minoritários (incluindo a simples intenção de prejudicar, por vingança ou outro motivo de índole pessoal). Mas concebem-se outras situações de exercício ilegítimo do direito, como de resto outros ordenamentos jurídicos revelam [xxiii] .

III – Procedimento legal

9. Antes da Reforma de 2006, a sociedade que preenchesse o aludido requisito do capital e comunicasse o facto à sociedade dominada podia, nos seis meses subsequentes à comunicação, apresentar aos minoritários uma proposta de aquisição, justificada por relatório de ROC independente e acompanhada da declaração de que se reservava o direito de fazer suas as quotas ou ações; e, nos 60 dias subsequentes, após consignação em depósito da contrapartida, tinha a faculdade de fazer lavrar escritura pública de aquisição, seguida de registo e publicação (nºs 1 a 4 do art. 490). O preceito suscitava dúvidas de interpretação, mas, na leitura mais razoável do mesmo, assegurava duas coisas fundamentais: um controlo da legalidade da aquisição e, portanto, a verificação dos pressupostos e condições de exercício do direito, quer pelo notário, quer pelo conservador; e o efetivo recebimento da compensação devida. Com a Reforma, as coisas mudaram, mostrando-se a situação atual mais problemática e geradora de insegurança, sobretudo para os minoritários. Vejamos.

9.1 O novo procedimento expropriativo consiste no seguinte: i) a SQ ou SA (sociedade dominante) que tiver passado a dispor, diretamente ou indiretamente, em conjunto com outrem, de quotas ou ações correspondentes a pelo menos 90% do capital de outra SQ ou SA (sociedade dominada) e lhe haja comunicado esta aquisição manda avaliar as participações por ROC independente (n.ºs 1 e 2); ii) no prazo de 6 meses a contar da comunicação da aquisição à sociedade dominada, faz proposta de aquisição aos minoritários com declaração de que se tornará titular das suas quotas ou ações se a proposta/oferta não for aceite (n.ºs 2 e 3); iii) paralelamente, promove (ela própria?) o depósito do relatório do ROC no registo comercial (na pasta de ambas as sociedades?) e a sua colocação à disposição dos interessados na sede dela própria e da sociedade dominada (n.º 2); iv) promove, ainda, a consignação em depósito da contrapartida (n.º 4); v) bem como o registo da aquisição por depósito e a publicação desta (n.º 3). O registo depende da consignação da compensação (n.º 4).

O exemplo que se segue, de uma proposta enviada aos sócios minoritários de certa sociedade, ilustra a situação:

«Proposta e declaração de aquisição de ações.

Tendo nós, AX, SA, passado a dispor de 91% das ações da BY, SA, vimos, nos termos do art. 490.º do CSC, propor a V. Ex.ª a aquisição das ações desta última sociedade que se encontram na vossa titularidade , pelo preço de 1€ por ação, conforme relatório do ROC CZ, que se encontra disponível para consulta na sede da sociedade. Esta proposta tem a duração de 45 dias, a contar do próximo dia 1 de março.

Mais se declara, nos termos do n.º 3 daquele artigo, que, caso a proposta não seja aceite, as ações se consideram transferidas para a nossa titularidade no termo deste prazo

9.2 Como se observa, o atual procedimento aquisitivo é extraordinariamente rarefeito e impreciso; e tem na base um requisito de legitimidade igualmente impreciso - a «disponibilidade» de 90% ou mais das quotas ou ações da sociedade cujo domínio total é pretendido. Nem sequer existe um negócio aquisitivo claramente definido e documentado, para registo. Além disso: i) segundo o teor literal do preceito, desapareceu qualquer controlo, máxime dos pressupostos e condições de exercício do direito, a não ser porventura o controlo pelo conservador da consignação da compensação devida aos minoritários; e ii) se, como o mesmo teor literal de algum modo sugere (n.º 4), a aquisição puder efetivar-se antes do registo, que passou a ser um mero registo por depósito, a mesma é suscetível de ocorrer sem a consignação da contrapartida. Numa perspetiva mais de fundo, o procedimento desenrola-se entre sócios, à margem da sociedade a que se referem as quotas ou ações, à qual apenas se notifica a consecução do limiar dos 90% de capital e, posteriormente, a aquisição das participações com vista a tornar esta eficaz em relação a ela (cfr. o art. 228.3, os arts. 583 e 588 do CC e, ainda, o art. 489.5); sendo qualificável como um procedimento parassocial (cfr., a respeito da qualificação, o art. 17); e, decorrendo entre a sociedade dominante e cada um dos sócios minoritários, separadamente, é um procedimento atomístico [xxiv] .

Uma nota mais.Na prática, acontece com alguma frequência a existência de acionistas desconhecidos, colocando-se a questão de saber se a proposta e a declaração de aquisição podem, em relação a eles, fazer-se mediante anúncio público. Embora o assunto se preste a discussão, dados os termos amplos em que o regime legal está gizado, a resposta afigura-se dever ser positiva. Há pelo menos um país, a Bélgica, em que a aquisição «potestativa» - reconhecida aos acionistas detentores, individualmente ou em conjunto, de pelo menos 95% do capital votante - se destina, primacialmente, a resolver o problema dos acionistas minoritários desconhecidos [xxv] .

10. A falta de rigor e cuidado do legislador nacional - em especial, o da Reforma de 2006 - também contrasta com a situação que se verifica além-fronteiras, relativamente a países que conhecem um squeeze-out societário correspondente ao do preceito português [xxvi] . Com efeito, na Alemanha [xxvii] , o exercício do direito, admitido nas SA e exigindo um requisito de capital de 95%, tem que observar um rigoroso procedimento corporativo; e a situação é semelhante na Áustria, embora o campo de aplicação seja aqui mais amplo [xxviii] . Na Holanda [xxix] , o direito - que pressupõe a titularidade, individual ou conjunta, de pelo menos 95% do capital [xxx] - é de exercício judicial e, mediante contestação dos minoritários ou oficiosamente, o tribunal examina se os pressupostos ou requisitos do direito se encontram verificados. Além disso, o pedido é rejeitado, quanto a todos, se algum deles sofrer um prejuízo material sério, se a participação conferir estatutariamente a um ou mais direitos relativos ao controlo da sociedade ou se o requerente tiver abdicado, antes do pedido, dos seus direitos em relação a algum deles.

Na Suécia [xxxi] , o direito - pertencente a acionista com pelo menos 90% do capital - é de exercício arbitral, com intervenção do órgão de administração da sociedade visada, a quem o maioritário requer que o assunto seja decidido por (3) árbitros, indicando o seu. O órgão de administração promove a designação de um segundo árbitro pelos minoritários ou a nomeação judicial de um mandatário destes que o fará, escolhendo ambos o terceiro. O tribunal arbitral examina se o direito invocado existe e fixa o valor a pagar. A lei societária não indica se os árbitros fazem mais algum controlo. O processo envolve, ainda, a designação de um representante dos minoritários que não se façam representar no processo.

Observando mais de perto o procedimento na Alemanha, realça-se o que se segue. Em contraste com o que acontece em Portugal, a aquisição potestativa (de ações) encontra-se desenvolvidamente regulada nos §§ 327a a f) da AktG, o mesmo sucedendo com a determinação judicial da contrapartida, a que se aplica a Spruchverfahrensgesetz, com os seus vinte parágrafos (em Portugal, existe o art. 1068 do CPC), incluindo um preceito relativo às custas (segundo o § 15, o minoritário contestante só as suporta se e na medida em que tal for equitativo). O requisito do capital é mais exigente (95%) e o processo tem natureza corporativa: a transferência das ações para o acionista maioritário dá-se mediante uma deliberação da assembleia geral da sociedade a que as ações respeitam, a pedido do maioritário [§ 327a].

Cabe ao acionista maioritário calcular o valor da contrapartida, devendo a direção da SA (correspondente ao nosso conselho de administração executivo), para o efeito, fornecer-lhe os documentos e a informação necessários. O mesmo acionista deve assegurar o pagamento através de uma instituição de crédito [§ 327b].

A convocatória da assembleia, tendo como ordem de trabalhos a deliberação sobre a transferência das ações, deve conter, inter alia, a indicação da contrapartida calculada pelo acionista maioritário. Este deve fornecer à assembleia um relatório escrito em que expõe os pressupostos ou requisitos da transmissão e justifica a adequação da contrapartida. Esta adequação deve ser comprovada por um perito auditor, designado pelo tribunal, a pedido do maioritário. A contar da convocação, devem ficar à disposição dos acionistas, designadamente, o projeto da deliberação e os relatórios do acionista maioritário e do perito [§ 737c]. A direção pode, na assembleia, autorizar o maioritário a explicar o seu projeto de transferência e o cálculo da contrapartida [§ 327d]; e promove o registo da deliberação de transmissão, efetivando-se esta com ele [§ 737e].

IV - Questões interpretativas

11 . O artigo 490, n.ºs 1 a 4, além de apresentar um conteúdo minimalista, suscita um número muito elevado de questões interpretativas - anormalmente elevado, sobretudo tendo em conta que se trata de permitir a ablação (ad nutum) da «propriedade» dos minoritários. Em parte, trata-se de simples questões de forma, embora com implicações negativas ao nível da segurança e clareza jurídicas. Mas, em grande medida, são questões de índole substancial (máxime, relativas aos pressupostos do direito e à compensação pecuniária a receber) e de procedimento; e afetam sobretudo os minoritários, a quem cabe o ónus de impugnação da operação e da compensação oferecida. Relativamente a algumas delas, há argumentos bastantes, mormente de índole sistemática, para preferir certa solução; quanto a outras, a situação revela-se mais duvidosa. Salientam-se as que se seguem [xxxii] .

Primeira . Resulta do artigo 481.1 que apenas as SQ, SA e SCA podem ser titulares do direito em apreço. Daí a questão: as SuQ também podem sê-lo, dentro dos limites do artigo 270-C? Por ex.: A é sócio único de uma SuQ, que detém 45% das ações da SA X. Tendo herdado mais 45% das ações, transfere-as para a SuQ, que passa a deter 90%. É esta titular do direito potestativo em causa? A favor de uma resposta positiva podem indicar-se duas razões: a SuQ pode considerar-se, para o efeito, um sub-tipo da SQ; e, mesmo que se considere um novo tipo social, existe, em todo o caso, a norma remissiva do artigo 270-G [xxxiii] . Mas o assunto presta-se a discussão; e sobram, ainda, as questões relativas às restrições contidas naquele preceito legal. Para o ilustrar, basta modificar o exemplo: suponha-se que X era uma SQ. Pode a SuQ tornar-se sócia única desta ao abrigo do artigo 490? [xxxiv]

Segunda . Ainda no que se refere aos possíveis titulares do direito de aquisição, decorre do artigo 481.2 que apenas as SQ, SA ou SCA com sede em Portugal podem ser titulares do mesmo [cfr., ainda, o art. 489.4a)]. Há, no entanto, quem conteste a conformidade desta limitação espacial com a CRP e/ou com o DUE (em face do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da liberdade de estabelecimento), considerando designadamente que a titularidade do direito é extensiva a correspondentes tipos sociais dentro da UE [xxxv] . O que dificulta a posição dos minoritários se a sociedade que aparece a exercê-lo for uma sociedade com sede no estrangeiro, potencialmente na UE [xxxvi] .

Terceira . O artigo 490.1 atribui o direito a «uma sociedade que, por si, ou conjuntamente com outras sociedades ou pessoas…, disponha de quotas ou ações correspondentes a, pelo menos 90% do capital de outra sociedade». Logo, o domínio requerido pode ser direto ou indireto. Mas o que significa a «disponibilidade conjunta» das quotas ou ações? A titular do direito tem que ser sócia, ainda que precise de deter diretamente apenas uma participação mínima? Suponha-se que a SA X adquiriu o controlo das SQ1 e SQ2, que detêm cada uma 45% das ações da SA Y. A X ficou com o domínio indireto da Y e o domínio atinge o limiar dos 90%. É titular do direito? Atendendo ao teor literal do preceito, parece que não; ao contrário do que sucederia se a lei disse algo do género: «uma sociedade que, diretamente e/ou através de outras…». Estando em causa uma norma de alguma forma excecional, por permitir uma «expropriação» da propriedade dos minoritários, justifica-se esta sua interpretação literal. Portanto, só uma SQ, SA ou SCA que detenha diretamente pelo menos a titularidade (ou contitularidade) de uma ou mais quotas ou ações preenche o requisito da lei. Contudo, o assunto presta-se a discussão [xxxvii] .

Quarta . A lei fala em dispor de quotas ou ações, singularmente ou em conjunto. Que significa isto? A resposta mais imediata, válida para a generalidade das situações, será: a sociedade dominante deve ser titular(ou contitular) de uma ou mais quotas ou ações, por si, diretamente, assegurando-lhe a titularidade a respetiva disponibilidade (cfr. a questão anterior); pode deter outras indiretamente, por interposta pessoa, a ela vinculada, dispondo delas deste modo; e pode dominar, direta ou indiretamente, a sociedade que detém a sua titularidade. Simplificadamente, pode, portanto, falar-se numa titularidade direta e indireta das participações. Um mero usufruto, um penhor com direitos sociais associados, etc., não serão suficientes. Mas também não parece bastante uma simples titularidade fiduciária, por conta alheia, das quotas ou ações. [xxxviii] O texto da lei não possui, no entanto, o rigor necessário para eliminar quaisquer dúvidas.

Quinta . Atente-se, ainda, na seguinte situação: A detém 60% do capital da SQ C eB detém30%. A adquire 51% de D (sociedade canadiana), que detém 60% deB. À sua participação direta de 60% na C, A acrescentou uma participação indireta de 30%, o que perfaz 90%. É ela titular do direito em apreço? A solução é duvidosa, porque a participação indireta é detida por sociedade com sede fora de Portugal e, inclusive, fora da UE.

Sexta . Admita-se que a SQ X atingiu 90% do capital da SA Y, correspondendo 45% a ações preferenciais sem voto. Os minoritários têm 10% de capital votante. O requisito do limiar do capital está preenchido? O capital pode ser não votante? Com uma proporção desta ordem de grandeza? Uma solução positiva causa pelo menos alguma estranheza e pode contrariar legítimas expectativas dos minoritários.

Sétima . Suponha-se que a SQ A atingiu os 85% do capital da SA B. Os minoritários detêm 5% e os restantes 10% são ações próprias. O simples enunciado da hipótese, o aludido caráter excecional do direito potestativo e a circunstância de o processo aquisitivo não ter caráter corporativo (impedindo a aplicação do princípio contido no art. 386.5) apontam no sentido de que o requisito dos 90% não está preenchido. O assunto presta-se, no entanto, a discussão, porque apenas 90% das ações se encontram em circulação [as ações próprias têm os direitos e vinculações correspondentes à condição de sócio suspensos – art. 324.1 a)] [xxxix] .

Oitava . Dispõe, ainda, o artigo 490.1 que, uma vez atingido o limiar dos 90%, a sociedade dominante deve comunicar o facto à dominada, nos 30 dias a contar da aquisição dessa percentagem. A comunicação é importante porque o exercício do direito tem um prazo – de 6 meses a contar da «data» da mesma (art. 490.2). Deve ser dirigida a quem? O órgão de administração da dominada deve dar a conhecer a mesma aos sócios minoritários? Deve ela revestir a forma escrita? Ou, como decorre das regras gerais (art. 219 do CC), pode ocorrer verbalmente, máxime numa assembleia geral? Não estando sujeita a forma especial, deve pelo menos ser expressa, apesar do disposto no artigo 217.1 do CC? Se faltar a comunicação dentro deste prazo, o direito de aquisição não chega a existir? Diferentemente do que sucede com o direito de alienação dos minoritários? E basta uma comunicação simples ou a sociedade dominante, mormente no caso do domínio indireto, tem que a fazer acompanhar de elementos que o comprovem? Literalmente, pode ser simples. Mas, fora o aspeto assinalado do prazo, na falta de um ulterior dever de informação a cargo do órgão de administração, para que serve, afinal, uma tal comunicação, simples e informal? [xl]

Nona . Esta última questão tem conexa uma outra, particularmente relevante para os sócios minoritários. Como sabem estes, sobretudo quando o domínio é indireto ou parcialmente indireto, se a sociedade que aparece a exercer o direito cumpre o requisito do capital dos 90% e realizou uma comunicação tempestiva? Pode retirar-se da lei, pelo menos, a exigência de demonstração do primeiro requisito (cfr., designadamente, o direito alemão, «supra», n.º 10), apesar de o texto não a conter? Porque essa é a única forma de o procedimento ablativo ser justo? Note-se, por um lado, que o problema surge especialmente agravado se a sociedade dominante tiver a sede noutro país da União ou se o domínio envolver sociedades com sede no estrangeiro, paraísos fiscais incluídos. Por outro lado, se a resposta for negativa, ainda que se admita um ónus de demonstração do requisito a cargo da demandante se a aquisição vier a ser impugnada por algum dos minoritários, estes, além do ónus de impugnar, correm o risco de suportar custas se o requisito vier a provar-se. [xli]

Décima . A proposta e a declaração de aquisição (n.ºs 2 e 3) estão sujeitas a forma escrita? Pelo menos no caso das quotas e das ações tituladas (nominativas) (cfr. os art. 228.1 e o art. 102.1 do CVM)? Ou apenas se exige um escrito para depósito? [xlii] O que se deposita no registo comercial? A mera declaração de que a aquisição ocorrerá potestativamente, apesar de esta só ocorrer no caso da não aceitação da proposta?!

Décima primeira . A lei dispõe que os minoritários devem receber uma compensação baseada num relatório de avaliação elaborado por ROC independente das sociedades interessadas (n.º 2). Que significa e como se assegura esta independência? Quem nomeia o ROC? Deve aplicar-se analogicamente o artigo 105.2, cabendo a nomeação à OROC? Justifica-se uma resposta positiva a esta questão (cfr. «infra», n.º 13). Tal não garante, por si só, a independência (e competência) do ROC, mas constitui um passo importante nessa direção. Na ausência de texto legal, o assunto presta-se, no entanto, a discussão [xliii] .

Décima segunda. Deve o ROC observar critérios, normas ou parâmetros de avaliação? Se sim, quais? Por ex.: i) as quotas ou ações são avaliadas autonomamente, considerando o seu «valor de mercado»? Ou o valor de base da avaliação é o valor da sociedade calculado nos termos do artigo 1021 do CC, por neste se conter a norma geral de avaliação das participações sociais (para que remete, designadamente, o art. 105.2)? ii) Qual é a data relevante para a avaliação [xliv] ? iii) A avaliação dá-se com descontos de minoria e de iliquidez? iv) Havendo ações preferenciais sem voto, como se reparte o valor da sociedade pelas ações existentes? Como no caso anterior, pelo menos a questão de fundo da aplicação do artigo 1021 do CC merece resposta positiva [xlv] , donde resulta a não aplicação de descontos, mas, na ausência de texto legal, o assunto presta-se, igualmente, a discussão.

Décima terceira . Quando se dáa aquisição potestativa? Automaticamente, no termo do prazo fixado na proposta/oferta referida nos n.ºs 2 e 3, na falta de aceitação desta?Sem nenhuma declaração adicional de que, por falta de aceitação da proposta, as quotas ou ações se consideram transmitidas para a proponente-declarante? Sem a consignação do valor da compensação e/ou sem o subsequente registo, como o texto de algum modo sugere? E se não tiver sido fixado nenhum prazo? [xlvi]

Décima quarta . Conexa com a anterior, acresce esta outra: se a aquisição puder ocorrer antes do respetivo registo (cfr. os n.ºs 3 e 4), como se assegura o recebimento da compensação? Deve a lei interpretar-se no sentido de que a aquisição só ocorre com a consignação em depósito do valor desta [xlvii] e/ou com o registo [xlviii] ?

Décima quinta. Não concordando os minoritários com a compensação, como podem contestá-la? Aplica-se direta ou analogicamente o artigo 490.6 e, portanto, o artigo 1068 do CPC, por força do artigo 1069? Devendo a ação ser proposta no prazo de 30 dias a contar da oferta/proposta referida nos n.ºs 2 e 3? Ou no termo do prazo nela eventualmente fixado? Tal prazo é suficiente para os minoritários verificarem se existe fundamento plausível para a ação? Como se expôs noutro local, a respeito da amortização de quotas, e como expressamente decorre da lei alemã, a mera insuficiência ou inadequação da contrapartida, por violação das normas aplicáveis à avaliação das quotas ou ações, não justifica a invalidação do negócio aquisitivo [xlix] ; sendo a via de reação adequada o processo especial de avaliação das participações. Porém, mais uma vez, na falta de texto legal o assunto presta-se a discussão; e sobra ainda a questão do prazo.

Décima sexta. Quando deve efetuar-se a consignação em depósito da compensação? [l] Tem ela que ser judicial? Sendo este o caso, uma vez notificada aos minoritários, estes têm o prazo de um mês para a contestar (arts. 916 e 917.1 do CPC)? Com que possíveis fundamentos? Se tiverem deixado passar o prazo referido no grupo de questões anterior, ainda podem impugnar o valor da compensação neste processo? E podem contestar a própria consignação, alegando que a aquisição é inválida ou ilegítima? Se o não fizerem, já não podem posteriormente contestar a aquisição? [li]

Décima sétima . O – aliás mal definido – ato aquisitivo potestativo pode padecer de vícios; e/ou, noutra perspetiva, pode o alegado direito exercido nem se ter constituído por falta dos respetivos pressupostos ou requisitos legais, haver caducado ou o seu exercício ser ilegítimo por outra razão, incluindo o abuso do direito ou a violação do dever de lealdade do maioritário. Concretamente, além do abuso ou violação do princípio da lealdade: i) pode a adquirente não ter o requisito legal do capital (90% ou mais), mormente quando o domínio for indireto (n.º 1); ii) pode faltar a comunicação da aquisição dos 90% à sociedade dominada ou pode tal comunicação ter sido efetuada depois do prazo de 30 dias (n.º 1), que se afigura ser um pressuposto do nascimento do direito; iii) havendo ocorrido esta comunicação, a dominante dispunha de um prazo de 6 meses para o exercício do direito (n.ºs 2/3), que pode ter sido ultrapassado, o que torna tal exercício extemporâneo, ou seja, o direito exercido pode encontrar-se já caducado;iv) o alegado direito pode ter sido exercido sem a proposta ou oferta de aquisição indicada no n.º 2, ou seja, sem a dominante proporcionar aos minoritários uma solução negociada; v) pode faltar a elaboração autónoma de relatório por um ROC e sobretudo a independência deste; vi) pode o relatório não ter sido patenteado (n.º 2) ou não o ter sido em tempo, privando os minoritários de informação importante e/ou atempada; vii) se a sociedade dominante tiver a sede noutro país da UE, pode colocar-se a questão de saber se é uma SQ, SA ou SCA (ou equivalente); etc. Nestes casos, o ato (ou negócio) de aquisição é nulo ou ineficaz por falta de legitimidade, por ausência dos pressupostos legais ou, mais em geral, por violação da lei (cfr. os arts. 280.1 e 294 do CC)?

Ainda que se dê uma resposta afirmativa a esta questão, no sentido da nulidade (ou porventura da ineficácia), como se afigura correto [lii] , surgem outras, que importa assinalar. Assim: existe um prazo para os minoritários impugnarem o ato aquisitivo ou o exercício do direito? Se sim, a contar de quando, uma vez que, como se observou, falta um ato aquisitivo claramente identificado? Uma hipótese possível seria a de a impugnação ter que ser feita no prazo de 30 dias (referido no n.º 6 e no art. 59.2), a contar do conhecimento do vício, mas, estando em causa uma nulidade, isto é dificilmente sustentável. Se estivesse em causa uma privação das quotas ou ações mediante deliberação social, como sucede na Alemanha, o problema encontrar-se-ia substancialmente minorado, dada a regra do artigo 58.1a). Não sendo este o caso, parecem de aplicar as regras gerais do CC, mesmo se elas geram insegurança jurídica (por falta de estabilidade prolongada das situações criadas).

V – Situação dos minoritários e procedimento justo

12. Para os minoritários - que sofrem uma ablação ad nutum da sua «propriedade» e têm, ainda, nos termos gerais, o ónus de impugnação judicial do negócio aquisitivo e da compensação declarada, se não se conformarem com eles - releva, em geral, negativamente, a incerteza inerente às questões indicadas. Na verdade, o simples défice de clareza da lei torna o ónus de impugnação (com o associado onus probandi e as regras de repartição das custas do processo) demasiado pesado, uma vez que o resultado de uma eventual ação é imprevisível e pode até ser surpreendente. É certo que a incerteza é de algum modo inerente a toda a interpretação e integração da lei, mas, no caso vertente, impressiona o número de questões assinaladas (que, de resto, não são as únicas existentes) e a circunstância de algumas delas serem evitáveis através de um pelo menos razoável rigor legislativo.

Mais especificamente, para além das questões relativas aos pressupostos ou requisitos subjetivos do direito (três primeiras questões), relevam sobretudo as respeitantes ao pressuposto ou requisito do capital (questões quarta a sétima), ao valor da compensação e ao efetivo recebimento desta (questões décima primeira à décima quinta). Salientando-se aqui a de saber se o conceito de ROC independente compreende ou não a sua escolha e designação por entidade independente, se a consignação em depósito, judicial ou extrajudicial, e/ou o registo da aquisição são condicio iuris para a transmissão das quotas e ações ocorrer e se o conservador controla pelo menos a efetivação da consignação em depósito.

Dados os valores e interesses em jogo, todas elas merecem resposta afirmativa. Ou seja: apesar da existente incerteza, esta pode e deve ser deste modo minorada, protegendo os minoritários, que, além de já sofrerem a ablação ad nutum da sua propriedade (neste aspeto, a lei, que permite tal ablação, dá prevalência «absoluta» aos interesses da titular do direito, por razões de eficiência económica e promoção da liberdade empresarial), são tipicamente a parte fraca ou vulnerável da relação: por défice de informação, porque em muitos casos não terão meios e/ou, atendendo à dimensão da sua participação, não lhes compensará propor qualquer ação judicial, e porque, se quiserem evitar a perda definitiva das quotas ou ações ou contestar o valor da compensação, terão que propor tal ação. Note-se, aliás, que o mesmo princípio de eficiência económica que está na base da permissão da ablação também justifica uma proteção dos minoritários contra atos de privação da propriedade sem se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos legais e/ou sem o recebimento efetivo de justa compensação: está em causa a proteção do investimento em participações minoritárias, necessária para que este continue a ocorrer no futuro com os níveis desejados.

Uma segunda ordem de questões, igualmente relevantes, tem a ver com a assimetria informativa existente: a sociedade que exerce o direito sabe se se verificam ou não os respetivos pressupostos ou requisitos legais (ainda que com possíveis dúvidas, nalguns casos, dadas as questões referidas), sabe se cumpre ou não as elementares regras de procedimento previstas na lei, e tem via de regra capacidade financeira e porventura técnica para saber se o valor da compensação é adequado. Ora, isto não sucede tipicamente com uma grande parte dos minoritários. Daí a importância das oitava e nona questões. Mais concretamente, importa saber: se a comunicação do preenchimento do requisito do capital imposta no n.º 1 do artigo 490 - endereçada à sociedade dominada - deve ser acompanhada da demonstração desse preenchimento (exigência implícita), se o documento fica disponível para consulta pelos minoritários interessados e se o órgão de administração tem de comunicar o facto a estes; ou se é possível fundar na lei um dever de justificação ou demonstração do direito perante os minoritários, quando do seu exercício, se o órgão de administração da dominada tem o poder dever de recusar a notificação/pedido de registo da aquisição, tendente a torná-la eficaz face à sociedade, sem tal formalidade estar cumprida, e se igual controlo cabe ao conservador.

Literalmente, o artigo 490 não impõe nada disto. Todavia, a ser assim, atento o mencionado ónus de impugnação dos minoritários e as demais circunstâncias que fazem dele uma parte fraca ou vulnerável, mormente a natural falta de informação acerca do cumprimento dos pressupostos ou requisitos do direito exercido, haverá aqui um défice de procedimento que torna tal ónus de impugnação desproporcionado ou mesmo totalmente irrazoável. Mais: como o procedimento é atomístico e a muitos minoritários não compensará qualquer impugnação judicial, torna-se possível na prática a privação da propriedade por quem carece de legitimidade para o fazer (privação arbitrária) e, no final de contas, um tratamento desigual desses minoritários, se uns impugnarem procedentemente a operação, em si mesma ou quanto à compensação devida, e outros não.

Acresce que não há qualquer razão para «presumir», sem mais, que quem se apresenta a exercer o direito é efetivamente titular do mesmo e, em geral, respeita a lei. Pelo contrário, se esta estabelece determinados pressupostos ou requisitos para o direito existir (isto é, para o titular beneficiar da ablação ad nutum), cabe a quem o exerce demonstrar que eles se verificam (não estamos perante um ato da administração pública, merecedor de uma presunção de legalidade, mas de uma situação conflitual privada). E não basta exigir essa prova em processo: se a muitos maioritários não compensa a impugnação judicial, ainda mais excessivo se torna impor-lhes um ónus de impugnação às escuras, sem informação bastante para poderem fazer um juízo de prognose acerca do possível desfecho da ação.

Nesta medida, pode também deduzir-se da lei um dever implícito de justificar o direito (cfr., igualmente, a situação nos assinalados direitos estrangeiros, supra», n.º 10). Ele é uma condição para que o procedimento ablativo seja justo para os minoritários, ajudando a prevenir as privações ilegítimas da propriedade, e funda-se na ideia de que, numa relação desequilibrada como a presente, com patente assimetria informativa e elevados custos de obtenção da informação pelos minoritários, não basta a mera invocação de que se é titular do direito contra eles exercido [liii] .

Uma alusão, ainda, à décima questão, criada pela Reforma de 2006, e à décima sétima. A primeira delas é reveladora de uma total falta de preocupação do legislador com a clareza e segurança jurídicas, prejudicial quer para os minoritários, quer para a sociedade dominada e o tráfico das quotas e ações. A segunda revela também pouco cuidado na regulação do assunto. Com efeito, num assunto sensível como o presente, o legislador deveria ter definido com clareza as consequências jurídicas da não verificação dos requisitos do direito exercido e da inobservância das regras de procedimento.

Em suma, cabe realçar o seguinte. Além de poder haver sócios desconhecidos (se for de admitir uma oferta/declaração de aquisição mediante anúncio público), muitos minoritários não terão meios e/ou não lhes compensará economicamente entrar numa luta judicial, impugnando o ato de aquisição que lhes respeita ou a razoabilidade da compensação declarada; problema que para eles naturalmente se agrava se o resultado da litigância é incerto, por falta de clareza da lei e por falta de informação pertinente. E, impugnando uns e outros não, porque a lei optou por um processo «expropriativo» parassocial e atomístico, entre sócios, o resultado pode, ainda, ser um tratamento desigual dos mesmos. Daí a importância de mecanismos preventivos tendentes a assegurar que pelo menos os parcos requisitos legais da ablação e da justa compensação (sobretudo a qualidade de SQ ou SA da adquirente, o preenchimento do requisito do capital, a avaliação das participações por ROC independente e o pagamento da compensação) se verificam efetivamente; como, antes da Reforma de 2006, se podia inferir da intervenção no procedimento do notário [liv] e do conservador [lv] .

13 . Mais especificamente, o procedimento aquisitivo/ablativo - para ser razoável (incluindo economicamente) e justo - deve estar configurado de tal modo, que, tipicamente, a ablação só ocorra com a verificação dos pressupostos e condições legais do direito potestativo em apreço e com o pagamento efetivo do contravalor legal das quotas e ações, evitando aos minoritários, que já sofrem a privação destas por simples vontade da dominante, um ónus de impugnação judicial excessivo ou, inclusive, dada a configuração sociológica típica destes, totalmente irrazoável [lvi] . A necessidade de impugnação deve ser reduzida na medida do possível e, a existir, os minoritários não devem estar às escuras, incapazes de, por falta de informação, ajuizarem se a ação a propor se justifica ou não.

13.1 Para este efeito e em primeiro lugar, as dúvidas de interpretação da lei devem, em princípio, resolver-se num sentido favorável aos minoritários. Designadamente: i) o conceito de ROC independente a que se refere o artigo 490.2 deve ser interpretado no sentido de que este há de ser escolhido e nomeado por entidade independente, em sintonia, aliás, com o sistema geral do CSC (art. 105.2, para que remetem diversas outras disposições legais); ii) o valor a pagar e portanto a apurar pelo ROC será o valor legal, calculado nos termos do artigo 1021 do CC (ou seja, correspondente a uma fração do valor da sociedade, em princípio proporcional à participação conferida pelas quotas ou ações), que constitui a regra geral do direito societário; iii) desaparecida a escritura pública de aquisição e a correspondente exigência prévia de consignação em depósito da compensação, a lei deve ser interpretada no sentido de que a aquisição apenas se dá com tal consignação e/ou com o registo da mesma, controlando o conservador se ela ocorreu. Só assim estão criadas condições para admitir uma espécie de «presunção» de que os minoritários receberão o valor das suas quotas ou ações, ainda que não o impugnem judicialmente.

Em segundo lugar, como sucede, por exemplo, na Alemanha e, mais acentuadamente, nos ordenamentos em que a ablação requer um processo judicial ou arbitral (cfr. «supra», n.º 10), a sociedade que se arroga a titularidade e se apresenta a exercer o direito deve ter que o justificar, demonstrando pelo menos que é uma das entidades legalmente legitimadas a fazer suas as quotas ou ações e que cumpre o requisito do capital. Como, apesar de falta de norma expressa, lhe é exigível, de resto, quanto à titularidade, para ela tornar a aquisição eficaz face à sociedade dominada. Trata-se de um dever implícito no sistema: se alguém se apresenta perante o titular das quotas ou ações invocando que a lei lhe dá o direito de as fazer suas, no mínimo deve ter que demonstrar que a lei lhe reconhece realmente esse poder ablativo. O que, aliás, será fácil de fazer - sem nenhuma comparação com os custos de obtenção de tal informação por parte dos minoritários. Em última análise, trata-se também de uma exigência de tratamento justo de quem sofre o sacrifício da ablação, de devida consideração pela sua propriedade e os seus interesses.

Note-se que esta simples e não onerosa exigência de transparência cumpre um importante papel ordenador e preventivo: se alguém tem que justificar ou demonstrar que é titular do direito que exerce, além de fornecer aos atingidos os elementos de informação necessários para a sua eventual contestação (e, antes de mais, para decidirem se optam ou não pela aceitação da proposta/oferta a que a declaração de aquisição está acoplada - cfr. o art. 490.2), ficarão naturalmente afastadas muitas situações de possível ablação ilegítima.

A via mais natural para cumprir esta exigência de procedimento será fazer acompanhar a justificação do direito potestativo da comunicação à dominada exigida pelo artigo 490.1, com subsequente informação do minoritário, quando do exercício do direito, de que o pertinente documento se encontra disponível para consulta na sede da sociedade. Mas não tem que ser assim. Pode haver, designadamente, uma justificação direta, quando deste exercício.

13.2 Adicionalmente, para o procedimento ser justo - assegurando tendencialmente que só quem está legitimado para exercer o direito o faz e que a conversão em valor das participações será feita pelo seu valor legal -, tendo em conta sobretudo a existência de minoritários sem meios e/ou a quem não compensa economicamente uma impugnação judicial (e portanto não o farão mesmo que sejam vítimas de injustiça ou vejam frustradas legítimas expectativas), ou, inclusive, a possível existência de minoritários desconhecidos, em rigor, torna-se necessário algo mais. As exigências procedimentais referidas serão insuficientes. É preciso que alguém controle a sua observância. Desaparecida a escritura pública de aquisição, com o associado controlo da legalidade e da verificação da consignação em depósito da contrapartida, este papel só pode caber ao conservador.

Já se assinalou o seu papel de garante do efetivo recebimento da contrapartida, recusando o registo sem a demonstração da consignação em depósito desta. Trata-se agora de lhe cometer também duas outras tarefas, aliás meramente burocráticas, sem controlo material da legalidade: i) a de fiscalizar se as quotas foram pelo menos avaliadas por ROC nomeado por entidade independente e competente para o efeito (em princípio, a OROC), o que ele pode fazer sem esforço, se se incluir no procedimento mais uma exigência simples e plenamente justificada - quando do requerimento do registo, a sociedade requerente deve apresentar documento comprovativo de que o ROC foi designado dessa forma; e ii) a de fiscalizar se a requerente justificou o seu direito.

13.3 Com as exigências assinaladas - que procuram responder a uma situação de efetiva carência de proteção procedimental dos minoritários, enquanto parte fraca da situação ablativa - não se evita, na prática, a existência de situações de privação ilegítima das quotas e ações ou sem recebimento do seu valor legal, em si mesmas injustas, desrespeitadoras da propriedade e contrárias a uma adequada política de investimento (de que o investimento em participações minoritárias é componente importante). Mas tais situações tenderão a ser marginais e, nessa medida, toleráveis.

13.4 A terminar este ponto, importa notar que, designadamente no âmbito das relações económico-patrimoniais, as exigências de procedimento são uma característica fundamental dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, que têm que lidar com situações e relações complexas, muitas vezes desequilibradas, em termos de poder, níveis de informação, capacidade financeira, etc. Em boa medida, elas são uma compensação para o reconhecimento de maior liberdade económica e uma espécie de sucedâneo para a «renúncia» a uma mais intensa tutela material (restritiva) de certas categorias de interesses, particularmente vulneráveis ou carecidos de tutela [lvii] : dos trabalhadores [lviii] , dos investidores [lix] , dos consumidores [lx] , etc. O próprio CSC revela preocupações desta índole (cfr., designadamente, os arts. 98 e ss. 132 e ss., 270-F, e, ainda, 28 e s., 232 e ss., 347, 397.2, 420, etc.) [lxi] ; e todo o moderno direito regulatório, de enquadramento da atividade económica privada, com as suas entidades independentes, vai neste sentido [lxii] .

Realça-se, aqui, um fundamental princípio de transparência, presente em diversas leis, a que se junta com frequência um princípio de devida consideração pelos interesses suscetíveis de serem afetados com determinado comportamento, negócio ou medida, prevenindo a sua lesão, pelas consequências não apenas injustas para quem sofre tal lesão, mas também deletérias ou corrosivas do sistema, em maior ou menor medida assente na confiança dos participantes no mesmo (por exemplo, investidores). Está em causa a salvaguarda de categorias de interesses (dos consumidores, dos investidores, etc.) através da imposição de deveres de comunicação e informação [lxiii] e de publicidade legal [lxiv] , não raro reforçados com adicionais deveres de adequação [lxv] , com a intervenção de entidades independentes (por ex., a CMVM) e com a ameaça de gravosas consequências, de índole negocial (nulidade ou ineficácia de negócios, declarações e cláusulas negociais) ou contraordenacional [lxvi] . A exigências procedimentais assinaladas inserem-se nesta linha. E, dada a presença de uma parte fraca no procedimento, com as características referidas, seria, mesmo, razoável, por exemplo, sancionar com coima o eventual exercício do direito quando não estejam verificados os respetivos pressupostos ou requisitos legais ou não sejam observadas regras de salvaguarda básicas como a de fazer avaliar as quotas e ações por ROC independente.

VI – Os termos da aquisição potestativa como problema constitucional

14 . Resulta do exposto que a falta de clareza da lei se mostra particularmente crítica para quem tem o ónus de impugnar uma ablação pura e simples.Além disso, dada a realidade sociológica dos minoritários, ao permitir-se a uma SQ ou SA que se designadamente se arroga cumprir o requisito dos 90% de capital a desapropriação ad nutum da participação destes, para eles não serem, na prática, arbitrária e injustamente privados da sua «precária» propriedade, torna-se necessário um procedimento ablativo justo, envolvendo pelo menos a aludida justificação factual do direito e a escolha do ROC por entidade independente (e idónea), com efetivo recebimento de uma compensação justa, interpretando a lei no sentido de que a aquisição só ocorre com a consignação do valor da compensação e/ou com o registo. Podendo, ainda, adicionar-se que - dada aquela realidade sociológica, sendo os minoritários tipicamente a parte fraca e, em muitos casos, não lhes compensando economicamente impugnar a aquisição ou a compensação -, em rigor, se torna necessário, para o efeito, um controlo «oficioso» da observância dos pressupostos e requisitos da aquisição, como o inferível da versão originária do preceito.

Acrescenta-se agora que só desse modo o Estado cumpre a sua função de garante do direito fundamental de propriedade aqui envolvido, já enfraquecido pela circunstância de poder ser retirado ao seu titular, sem necessidade de invocar causa justificativa, legal ou estatutária. Na verdade, um direito de «expropriação» ad nutum com um correspondente ónus de impugnação às escuras e correndo o impugnante o risco de suportar as custas não é compatível, designadamente, com a garantia constitucional da propriedade, nem com a ideia de Direito e o princípio da proporcionalidade implicados no Estado de Direito democrático (cfr. os arts. 62, 2 e 20 da CRP), nem com o princípio da eficiência implicado na liberdade de empresa e de investimento [arts. 61.1 e 80c)] [cfr. também os seus afloramentos nos arts. 81 c) e f), e 99b)], tendo em conta que os minoritários também são investidores. Noutros termos, o que se expôs nos números anteriores pode reescrever-se numa ótica constitucional, considerando a garantia da propriedade privada constante do artigo 62 da Lei fundamental, o princípio da eficiência, presente não apenas na justificação legal do direito de aquisição, mas também na não dificultação prospetiva do investimento em participações minoritárias, e, mais especificamente, o ónus de impugnação dos minoritários, à luz do princípio da proporcionalidade implicado no Estado de direito (art. 2 da CRP).

Na verdade, resulta, igualmente, do que antecede que o artigo 490 - embora qualificável como conformador da «propriedade corporativa» (com os limites apontados, «supra», n.º 6) - permite uma ablação (ou «expropriação por utilidade privada» [lxvii] ) da propriedade dos minoritários por uma SQ ou SA que preencha designadamente certo requisito de capital. Numa interpretação possível da lei, essa ablação pode realizar-se mediante simples declaração de vontade da «expropriante» (ablação ad nutum), (i) sem vinculação à formação de grupos societários embora essa seja a sua função primordial, (ii) sem a adquirente ter que invocar outro motivo ponderoso e, portanto, (iii) sem que intervenha aqui o princípio da proporcionalidade, quanto à justificação material da medida. Para este efeito, impõe-se expressamente um procedimento ablativo mínimo envolvendo certos prazos: comunicação à sociedade visada (não aos minoritários) de que o requisito do capital foi atingido, apresentação simultânea de oferta de aquisição voluntária, justificação da compensação oferecida mediante relatório de ROC independente devidamente publicitado e disponibilizado, consignação do valor da compensação e registo por depósito da aquisição.

Tratando-se de norma permissiva de uma tal ablação, seria de esperar que o legislador fosse rigoroso e claro na definição dos termos da mesma, assegurando aos minoritários, pelo menos, a não privação arbitrária da propriedade desse modo enfraquecida e o efetivo recebimento de justa compensação. Tal clareza não existe: como se observou («supra», n.º 11), o texto legal suscita numerosas dúvidas de interpretação que, em grande medida, redundam num prejuízo para tais minoritários - sobre quem impende, nos termos gerais, o ónus de impugnação e, porventura, de prova (cfr. o art. 341 do CC) -, beneficiando quem simplesmente declara a perda das quotas ou ações a seu favor de uma espécie de «presunção» de legitimidade para o fazer, nos termos em que o entenda fazer. Nesta medida, é pelo menos duvidoso que o regime instituído satisfaça a exigência constitucional de clareza jurídica de normas legais como as presentes [lxviii] .

Analisando as coisas mais de perto, há, no mínimo, determinadas interpretações da lei que se mostram não conformes à Constituição; ou, noutros termos, há, no mínimo, três exigências de procedimento não constantes do texto do artigo 490 necessárias para que o instituto da eliminação ad nutum dos minoritários seja conforme à Lei fundamental: i) a justificação da titularidade do direito invocado, mormente a demonstração do requisito do capital (perante a sociedade, na comunicação a que se refere o n.º 1, e/ou perante os minoritários); ii) a designação do ROC por entidade independente (sendo a solução que resulta de outros contextos do CSC a designação pela OROC); e iii) a consideração da consignação do valor da compensação devida e/ou do registo da aquisição como condição de eficácia desta, cabendo ao conservador controlar pelo menos a existência de tal consignação da compensação devida, nos termos do n.º 4. Numa apreciação mais rigorosa, tendo em conta sobretudo a possível presença na sociedade de minoritários a quem não compensa economicamente a impugnação judicial da aquisição ou do valor, acresce ainda a necessidade de um controlo acerca da verificação dessa justificação e da designação do ROC, inserido no procedimento ablativo.

Com efeito, só assim se verificam as condições para uma tutela efetiva do direito de «propriedade» dos minoritários - em si mesmo e quanto ao respetivo valor -, direito esse já enfraquecido pela possibilidade de desapropriação ad nutum, e se impede a aquisição das quotas ou ações sem o efetivo recebimento da compensação devida. Vejamos melhor.

14.1 Segundo o artigo 62 da CRP, «A todos é garantido o direito à propriedade privada (...) nos termos da Constituição» (n.º 1). «A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização» (n.º 2) [lxix] . As quotas e ações dos minoritários são uma forma de propriedade para os efeitos deste artigo 62 [lxx] . Trata-se de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias [lxxi] . O direito é constitucionalmente protegido em si - pelo menos contra a sua privação arbitrária ou ilegítima [por quem não está legalmente habilitado a fazê-lo ou o faz violando princípios fundamentais como o da lealdade societária e da proibição do abuso do direito (art. 62.1)] - e em valor, isto é, quanto à sua conversão forçada em dinheiro: desta não deve resultar uma perda ou transferência de valor do «expropriado» para o expropriante (art. 62.2). Note-se, ainda, que a não privação arbitrária do direito e esta garantia de valor também podem ver-se como uma decorrência do princípio da justiça e, quanto a esta garantia, como uma manifestação do direito à reparação de danos implicado no do Estado de direito [cfr. os arts. 1 e 2 da CRP [lxxii] ].

Em geral, uma das tarefas fundamentais do Estado implicadas no Estado de direito é a de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais: respeitando-os e fazendo-os respeitar [arts. 2, 9b) e 20 da CRP], por entidades públicas e privadas (cfr. art. 18.1) [lxxiii] . No caso da propriedade, isto é assim mormente num contexto ablativo, sobretudo se permitida a ablação ad nutum, sem necessidade de fundamento material (proporcional) específico, como sucede no caso vertente (numa possível interpretação da lei, aquela de que partimos). A tal ablação deve corresponder um procedimento justo - como, por implícita exigência constitucional acontece designadamente na expropriação por utilidade pública [lxxiv] e na nacionalização [lxxv] - e um efetivo (não apenas nominal ou irrealista) direito de ação com processo equitativo (cfr. o art. 20 da CRP) [lxxvi] .

É certo que o imperativo de assegurar a efetividade prática dos direitos fundamentais não apenas através de uma adequada tutela judicial mas também procedimental, mormente quando a capacidade de «autotutela» é insuficiente, se apresenta mais nítida em relação a outros direitos [lxxvii] . Contudo, o caso vertente mostra, justamente, a sua importância também a respeito da propriedade privada [lxxviii] .

No domínio económico, inclui-se, ainda, nas tarefas fundamentais do Estado a incumbência de promover a eficiência [princípio implicado na liberdade de empresa, reconhecida nos arts. 61.1 e 80c) e aflorado nos arts. 81c) e f), 93.1 b) e 99b) da CRP]. Este ponto de vista é importante porque uma adequada garantia da propriedade corporativa é necessária para a existência e subsistência no futuro de níveis de investimento desejáveis em participações minoritárias: dele resulta que uma tal garantia se compreende nas incumbências constitucionais do Estado, mormente do legislador. Noutros termos, tal eficiência, que se encontra na base da permissão de ablação ad nutum da propriedade dos minoritários, exige também uma proteção adequada dos direitos expropriados (no caso, já enfraquecidos por essa simples possibilidade de ablação ad nutum, o que torna especial críticos os termos do processo a observar): sem ela, ninguém investiria racionalmente em participações minoritárias ou fá-lo-ia a um preço muito baixo [lxxix] .

a) Mais especificamente, aquele fazer respeitar a propriedade dos minoritários implica, antes de mais e em geral, a colocação à disposição dos mesmos de um processo equitativo, através do qual eles possam obter o seu efetivo respeito (art. 20). Implícito está aqui não apenas um direito de ação, mas também, em princípio, um ónus de impugnar (proteção através dos tribunais). Todavia, este ónus está sob a alçada do princípio da proporcionalidade: designadamente, um ónus de impugnar às escuras - por falta de informação elementar acerca da verificação dos próprios pressupostos ou requisitos legais do direito potestativo de aquisição, agravada por um caráter lacunoso e ambíguo da lei - é desproporcionado; o direito de impugnação não pode envolver custos e riscos excessivos (de resto, evitáveis com diligências facilmente realizáveis) ou, inclusive, tornar-se puramente teórico ou nominal.

Quer dizer, se, em relação à possível impugnação do ato aquisitivo (ablativo) por abuso do direito ou violação do dever de lealdade entre sócios, se pode admitir a simples aplicação das regras gerais, quanto aos pressupostos ou requisitos legais do direito potestativo, mormente o requisito do capital, a sua tutela jurisdicional efetiva requer a imposição à sociedade adquirente do ónus (ou o dever) de justificar ou demonstrar o direito que se arroga, provando designadamente este requisito, o que ela de resto pode fazer sem esforço ou custo assinalável, dotando os minoritários da informação necessária para decidirem se impugnam ou não a aquisição por falta de tais pressupostos ou requisitos (acerca do valor da informação, neste contexto, cfr., aliás, o art. 20.2 da CRP). Sem esta exigência mínima não se encontra materialmente salvaguardado o direito de acesso à justiça e ao processo equitativo (art. 20 da CRP).

Acresce a necessidade de existir um prazo razoável para impugnar. Na verdade, um prazo demasiado curto também pode pôr em causa a efetividade deste direito instrumental [lxxx] .

No mesmo sentido vão as exigências do princípio da racionalidade e eficiência económica, sobretudo tendo em conta que esta se encontra na base do direito potestativo de aquisição e que tem que ser vista em todas as suas vertentes. Importa evitar que o instituto ganhe uma fama negativa, de permissão do arbítrio ou injustiça, dissuasora do investimento em participações minoritárias.

b) Mas - tendo em conta a assinalada realidade sociológica dos minoritários, que torna insuficiente para a respetiva salvaguarda o direito de impugnação judicial - salta, ainda, para primeiro plano a ideia de procedimento justo, como fundamento do dever de demonstrar os pressupostos do direito. Na verdade, no contexto ablativo em apreço, respeitar e fazer respeitar o direito de propriedade requer, igualmente, um procedimento apropriativo justo, tendo em conta designadamente também os minoritários que não dispõem de meios e/ou a quem não compensa impugnar (ou que nem sequer são conhecidos). O aludido ónus de impugnação - de quem já sofre uma ablação ad nutum - deve ser evitado na medida do possível e razoável, ou seja, se tal puder dar-se sem encargos excessivos para o adquirente ablativo. O próprio artigo 490 tem um afloramento disto quanto ao aspeto da conversão da propriedade em dinheiro, ao impor como requisito procedimental a avaliação das participações por ROC independente [lxxxi] .

Em boa medida, isto consegue-se impondo à exercente do direito potestativo a justificação deste. A correspondente transparência terá aqui um importante efeito regulador, reduzindo os casos em que se torna necessário recorrer ao tribunal. Todavia, pensando sobretudo nos aludidos minoritários com participações reduzidas (ou até desconhecidos), mas que podem ser numerosos, a quem não compensa a impugnação judicial, torna-se necessário, ainda, que alguém controle pelo menos se a demonstração do direito ocorreu.

Repisa-se este aspeto. É certo que, em regra, a defesa do «expropriado» - imprescindível para a existência de uma tutela efetiva da sua propriedade - será judicial. Porém, como se infere do exposto, em muitos casos, a tutela jurisdicional constitui uma garantia de tutela efetiva insuficiente contra privação arbitrária ou ilegítima, porque os minoritários não possuem meios, nem lhes compensa individualmente suportar os custos de um processo judicial (custos de resto agravados pelo aludido caráter lacunoso e ambíguo do texto legal). Torna-se necessário também, a montante, um procedimento justo, envolvendo a informação pertinente e um adicional controlo da verificação dos pressupostos ou requisitos do direito. A informação constitui o elemento nuclear do procedimento. A transparência a ela associada já terá em geral um importante efeito regulador. Atendendo à descrita situação de muitos minoritários (a parte fraca na matéria), um procedimento ablativo justo só se consegue, no entanto, se alguém efetuar por eles o controlo dos pressupostos em apreço.

Noutros termos, a privação ad nutum das quotas e ações, traduzindo a prevalência fundamental do interesse da sociedade dominante sobre os minoritários, deve ser acompanhada de procedimento que não resulte em ulteriores sacrifícios, designadamente num ónus de impugnar excessivo ou desproporcionado ou, inclusive, na permissão prática de uma privação arbitrária ou ilegítima das participações. O que se consegue, em boa medida, com a inclusão no procedimento de um implícito dever de demonstração do direito; sobretudo se lhe acrescer um controlo «oficioso» da sua verificação por entidade independente. Em última análise, aflora aqui também o princípio da proporcionalidade, implicado no Estado de Direito (art. 2 da CRP): deve poupar-se aos minoritários, na medida do possível (sem custos excessivos para a adquirente), o ónus de impugnação; e em especial um ónus de impugnação às escuras.

Após a Reforma de 2006, que aboliu a escritura pública de aquisição, o indicado controlo caberá naturalmente ao conservador. Apesar da intenção legal de lhe conferir na matéria um papel mera ou essencialmente burocrático, tal como lhe compete verificar, quando do registo, se ocorreu a consignação do valor das quotas ou ações nos termos do n.º 4 do artigo 490, também deverá verificar se a adquirente justifica o seu direito (assim como deverá verificar se ocorreu uma designação independente do ROC, cfr. a seguir). O texto da lei não o impõe, mas isso pode considerar-se uma exigência constitucional, uma vez que, sem ele, haverá situações em que quem exerce o direito não tem legitimidade para tal - ou ocorre uma privação arbitrária das quotas ou ações -, sem que plausivelmente alguém reaja, apesar de se considerar vítima de arbítrio ou injustiça.

14.2Estando em causa uma ablação ad nutum da propriedade dos minoritários, o centro nevrálgico da sua proteção reside, no entanto, na conversão forçada da «propriedade» das quotas e ações em valor, a que também se refere o artigo 62.2 da CRP. Quanto a este aspeto, importa ter presente, antes de tudo, a existência de um direitode índole societária a receber - em caso de perda forçada das quotas ou ações [lxxxii] - a correspondente quota-parte do valor da sociedade [art. 1021 CC e art. 105.2 CSC, para que remetem diversas outras disposições deste Código (arts. 231.2d), 235.1a), 240.5, etc.)]; direito este que integra a participação social e é suscetível de se qualificar como um direito fundamental, senão nos termos do artigo 16.1 da CRP, pelo menos como afloramento daquele artigo 62.2. É nele que se manifesta a garantia legal e constitucional do valor da propriedade corporativa dos minoritários; garantia que deve entender-se especialmente intensa porque, repete-se, o procedimento ablativo é ad nutum e de índole parassocial.

No mesmo sentido, apontam, por um lado, os princípios da justiça e do Estado de Direito (arts. 1 e 2 da CRP), com o implicado direito à reparação de danos (especificamente aflorado nos arts. 22 e 60.1), no caso por ato lícito; por outro lado, o aludido princípio da eficiência, com a implicada racionalidade económica, designadamente das decisões de investimento. Com efeito, como se assinalou, esta eficiência exige uma proteção adequada dos expropriados, quanto ao valor da sua propriedade. Na expressão de um autor [lxxxiii] , um dos pressupostos da racionalidade económica do sequeeze-out é a compensação justa; sem ela haveria destruição de riqueza, uma vez que a falta de confiança na propriedade futura incrementaria a taxa de desconto e portanto reduziria o valor atual dos rendimentos futuros. Em tal cenário, ninguém investiria em participações minoritárias ou fá-lo-ia a um preço muito baixo.

Mais concretamente, a garantia constitucional da propriedade, reforçada com o princípio da eficiência, envolve aqui: i) um procedimento ablativo com prefixação do valor legal das quotas e ações por um ROC independente e competente, cumprindo as regras jurídicas de avaliação aplicáveis e, dentro quadro jurídico pertinente, respeitando as leges artis; ii) o recebimento efetivo desse valor; e iii) a possibilidade de impugnação judicial do valor declarado, com repartição equitativa das custas do processo.

a) Para ser independente, o ROC não pode ter ligação aos contendores, mas deve, ainda, ser escolhido e designado por uma entidade independente, como decorre em geral do artigo 105.2 [lxxxiv] . Além disso, está implícita na missão confiada que o ROC, por um lado, não dever ser um mero revisor de contas, deve ser versado em avaliação de sociedades e participações sociais, por outro lado, deve respeitar as indicadas regras legais aplicáveis: o valor que ele tem que calcular não é um simples valor técnico, mas um valor legal, correspondente à fração do valor real da sociedade que cabe às quotas ou ações em causa, sem descontos de minoria e iliquidez [lxxxv] . Em princípio, valerão os critérios de repartição pelos sócios do valor da sociedade na liquidação e partilha do património social (art. 1018 do CC, por força do art. 1021.2). Mas, havendo critérios estatutários desfavoráveis aos minoritários, estes em princípio devem ser desconsiderados, porque não estamos em contexto corporativo. Como também decorre do artigo 105.2, a entidade mais bem colocada para escolher e designar um ROC com estas características é a OROC; ainda que, para cumprir a exigência de um procedimento justo, pudesse (ou possa) ser outra, desde que independente (por ex., o tribunal).

b) Embora com relevo secundário, atendendo sobretudo a que os minoritários são tipicamente a parte fraca, dispõem de meios limitados e pode não lhes compensar a impugnação judicial do valor, dentro do conceito de procedimento justo entra ainda um controlo quanto à efetiva determinação do valor por um ROC independente. Após a Reforma de 2006, quem está em condições de o fazer será o conservador. O relatório do ROC está sujeito a depósito no registo comercial (art. 490.2) e, apesar de o registo da aquisição também ser por depósito (art. 490.3), ao conservador cabe verificar se o valor da compensação foi objeto de consignação (art. 490.4), recusando o registo se tal não houver acontecido. Afigura-se ajustado que igual controlo se estenda ao aspeto em apreço. O relatório do ROC (ou o requerimento do respetivo depósito) deve mencionar o modo de designação deste e não deverá ser aceite para depósito sem ela ou com designação inapropriada. Em qualquer caso, na falta de um relatório elaborado por ROC designado por entidade independente, o registo da aquisição também deve ser recusado.

c) O recebimento efetivo da compensação é um aspeto crucial da garantia de valor dos minoritários. Devendo o conservador recusar o registo da aquisição sem a sua consignação em depósito, este aspeto encontra-se salvaguardado. Porém, tal só acontecerá plenamente se o efeito aquisitivo depender do registo (e, porventura, da consignação). A este deve, portanto, reconhecer-se um valor «constitutivo».

d) Embora o texto do artigo 490 o não diga, a impugnação judicial do valor declarado deve dar-se nos termos do artigo 1068 do CPC (cfr. o art. 1069) [lxxxvi] . Tendo em conta que, tipicamente, os minoritários são a parte fraca, possuem informação limitada acerca do valor da sociedade e para eles os custos de litigância assumem um significado muito superior ao que têm para a sociedade adquirente, justifica-se uma repartição equitativa das custas processuais [lxxxvii] . Beneficiando essa adquirente de um direito de ablação ad nutum, com conversão forçada da propriedade dos minoritários em valor, se tem esse benefício, mostra-se, inclusive, defensável, que também deverá, em princípio, suportar as custas da confirmação judicial desse valor (como acontece nos sistemas em que a aquisição só pode dar-se por via judicial ou arbitral – cfr. «supra», n.º 10) [lxxxviii] .

15. Resulta do exposto que, além de exigências de índole material ou substancial recondutíveis à regra do efetivo recebimento, pelos sócios minoritários, do pleno valor das suas quotas e ações, a garantia constitucional da sua propriedade (de investimento) requer, ainda, a observância de certas exigências procedimentais fundamentais, em que se salientam a demonstração de que os requisitos legais do direito potestativo exercido se verificam, a escolha e designação do ROC por entidade independente e o controlo da consignação em depósito do (maior) valor apurado por este, pelo conservador. Quanto a outras, de mais pormenor, pode discutir-se se o assinalado défice de procedimento gera inconstitucionalidade. Em todo o caso, é possível afirmar-se que elas se reconduzem, pelo menos, a uma ideia de plena conformidade da (interpretação da) lei com a Constituição [lxxxix] .

15.1 Assim, a plena conformação à Constituição do regime das aquisições potestativas do artigo 490 requer a integração no mesmo das seguintes regras:

i) A sociedade adquirente tem que, na proposta-declaração de aquisição, justificar o seu direito, demonstrando, diretamente e/ou por remissão para documento facilmente acessível (pode ser a comunicação feita à sociedade visada, nos termos do art. 490.1, se esta ficar disponível para consulta), que estão verificados os seus pressupostos, em especial a titularidade de 90% do capital; e que justificar a compensação a receber pelos minoritários, ainda que com auxílio do relatório do ROC, bem como demonstrar/declarar a independência deste;

ii) O ROC tem que ser nomeado por instância independente que assegure a sua independência e competência/experiência na matéria; sendo a solução natural e conforme ao sistema do CSC a sua designação pela OROC;

iii) De modo a tornar o ato aquisitivo minimamente certo, a adquirente tem que, na proposta de aquisição, especificar o prazo de duração desta e indicar que, no termo do prazo, se não houver aceitação, terá lugar a aquisição potestativa;

iv) O prazo concedido para a oferta tem que ter uma duração adequada para, em face da informação disponibilizada e de outra possível, o minoritário verificar se os pressupostos do direito contra ele exercido se encontram preenchidos e se a compensação é adequada;

v) Pelo menos em princípio, esta adequação requer que se imponha ao ROC e ao tribunal o cumprimento das regras de avaliação do 1021 CC, assegurando aos minoritários o pleno valor «pro quota» das suas quotas ou ações;

vi) A aquisição não deve poder consumar-se sem estar garantido o pagamento da compensação; o que, dentro do esquema gizado pelo legislador, significa considerar que a mesma só se efetiva com o registo e que este deve ser recusado se a requerente não demonstrar que o valor se encontra consignado em depósito, apesar de este ser apenas um registo por depósito;

vii) O registo não deve poder ser efetuado sem pelo menos haver um relatório de avaliação elaborado por ROC designado de forma independente;

viii) Numa eventual impugnação da aquisição, havendo dúvidas razoáveis acerca da interpretação da norma invocada pelos minoritários ou insuficiência/falta de clareza dos elementos de informação colocados à disposição dos mesmos, incluindo um não esclarecedor relatório do ROC, o impugnante não deve suportar as custas;

ix) Os minoritários têm à disposição o processo judicial de avaliação de participações do art. 1068 do CPC; e devem dispor de um prazo razoável para impugnar a aquisição ou a contrapartida oferecida, a contar da oferta, com possibilidade de obtenção prévia de de elementos pertinentes de informação; não sendo em geral suficiente o prazo de 30 dias;

x) A aquisição deve poder ser efetivamente impugnada, por vícios de procedimento - incluindo a não prestação da informação exigível, mormente acerca do requisito do capital, ou a falta do relatório do ROC -, abuso do direito e violação do princípio da lealdade.

15.2 Havendo pequenas participações dispersas, mesmo com estas garantias, é possível afirmar, ainda, que a falta de controlo «oficioso» dos pressupostos do direito e das condições de exercício - mormente a existência de uma avaliação competente e independente - torna o procedimento injusto, fazendo recair sobre os minoritários um ónus de impugnação desproporcionado e levando-os a suportar situações de injustiça porque não têm meios e/ou não lhes compensa economicamente reagir, mas fazendo-o com um sentimento de injustiça e de que o Estado não protege o que é seu, permitindo expropriações arbitrárias de consócios... O que é contrário a uma sã política societária e de investimento e à ideia de Direito. Apenas adotando uma atitude complacente pode prescindir-se deste controlo oficioso, considerando-o apenas um problema de política legislativa e de investimento, não um problema constitucional.

É possível também argumentar que, nas regras de procedimento apontadas, há algumas de mais pormenor, em especial no que respeita a este controlo, cuja ausência não justifica um juízo de inconstitucionalidade. E são porventura concebíveis regras alternativas para conseguir o resultado desejado da suficiência protetora da «propriedade» dos minoritários. No essencial, porém, o instituto das aquisições potestativas terá que respeitar o exposto para ser conforme à Constituição; e, quanto ao resto, uma interpretação exigente da lei é pelo menos a que se encontra mais em sintonia com os juízos de valor da Lei fundamental, presentes no direito de propriedade, no princípio da proporcionalidade implicado no Estado de direito e no princípio da eficiência. E é também aquela que se colhe no direito comparado (cfr. «supra», n.º 10).

VIIConclusão

Feito o enquadramento do tema das aquisições potestativas regulado no artigo 490 do CSC e realçada a importância do procedimento ablativo nele contemplado, importa, a terminar, enunciar a conclusão fundamental a que se chegou. É a que se segue.

As quotas e ações, mesmo se lhes corresponde uma participação minoritária, são uma forma de propriedade de investimento, ou seja, propriedade produtiva, inserida numa lógica de afetação eficiente de recursos à atividade produtiva em geral. Via de regra, a propriedade dos minoritários é útil e, inclusive, necessária à atividade produtiva. A inexistência, pelo menos no texto da lei, de um direito geral de exoneração nas SQ e SA, mesmo havendo justa causa, que tem na base sobretudo razões de índole financeira (proteção do património social afeto à atividade produtiva), ilustra-o bem. A própria exigência de justo motivo para a exclusão de sócios e de motivo pelo menos atendível, legal ou estatutário, para a amortização de quotas e ações, explica-se em parte pela necessidade de tutelar o investimento em participações minoritárias, criando condições para a existência, numa ótica de longo prazo, de capital, minoritário disponível para o investimento.

Contra este pano de fundo, subjacente ao direito potestativo de aquisição do artigo 490, exercitável ad nutum, está a ideia, por um lado, de que a propriedade dos minoritários deixou de ter utilidade produtiva porque as quotas podem mudar de mãos sem afetar o património social e sem agravar as necessidades financeiras da sociedade visada, por outro lado, de que, havendo uma SQ ou SA com pelo menos 90% do capital de outra – neste contexto específico, tendo em conta a atual composição do tecido produtivo, a forma predominante de exercício da liberdade de empresa e porventura a conveniência de estimular o tráfico de sociedades, bem como as ineficiências próprias da «propriedade indivisa» ou partilhada, incluindo a indivisão corporativa –, essa é, economicamente, a melhor solução. De facto, com a concentração do capital ganha-se eficiência e o capital dos minoritários – tendo deixado de representar uma afetação eficiente de recursos – pode deslocar-se com vantagem económica geral para outro lado, ainda que a deslocação tenha custos de transação, incluindo fiscais (estes de pelo menos duvidosa justificação se houver uma nova aplicação produtiva do valor recebido). Noutra ótica, deixou de haver um interesse comum produtivo na manutenção da participação dos minoritários na sociedade. E há um interesse económico relevante na sua possível eliminação, concentrando a «propriedade corporativa».

Porém, aquele pano de fundo é a regra, sendo esta solução ablativa a exceção e devendo ela conservar-se dentro de limites rigorosos. Caso contrário, deixará de haver uma afetação eficiente de recursos à atividade produtiva, porque existirá um desincentivo ao investimento de capital minoritário. É esta a razão económica – a par de razões de justiça – para o sistema tradicional da não privação da titularidade das quotas e ações a não ser ocorrendo justo motivo ou pertinente causa estatutária.

Em suma, estamos perante um conflito de direitos económicos stricto sensu, que o legislador do artigo 490 resolveu a favor da possibilidade de ablação ad nutum da propriedade dos minoritários. Mas, além de esta continuar a ser uma forma de propriedade, merecendo ser protegida como tal, tratando-se de uma propriedade desse modo enfraquecida em benefício da outra parte, e estando em causa uma propriedade produtiva ou de investimento produtivo, há razões adicionais, mormente de índole económica, para uma rigorosa proteção da mesma, tal como agora existe. A ablação ad nutum deve ficar efetivamente – não apenas teórica ou formalmente - confinada aos seus exatos termos legais, levando em conta a típica realidade sociológica dos minoritários e a assimetria de informação existente. A posição dos minoritários já sofreu um golpe profundo com tal ablação. Cabe ao legislador que a admitiu rodeá-la das cautelas necessárias para que os minoritários não sofram, à sombra da mesma, ulteriores e irrazoáveis sacrifícios.

Trata-se de um imperativo constitucional. Na verdade, a todo o direito fundamental – incluindo a propriedade, designadamente a dos minoritários – corresponde um dever constitucional de efetiva proteção contra a sua lesão por terceiros. Esta proteção é não apenas repressiva, reconhecendo ao titular um direito de ação, mas – ao menos em determinadas circunstâncias, como quando o direito é suscetível de ablação pelos terceiros e quem sofre a ablação está numa típica situação de vulnerabilidade – também preventiva, através de procedimento ablativo adequado. Se o legislador permite a ablação, tem, igualmente, um dever de regulação cuidada, através de procedimento adequado, para ablação não se tornar na prática excessiva, ir além dos limites que o próprio legislador considerou pertinentes [xc] .

Por outras palavras, estamos perante a exigência constitucional da efetividade dos direitos. Como imperativo mínimo, a todo o direito fundamental deve corresponder um direito de ação e real acesso a processo judicial equitativo. Mas há casos (envolvendo designadamente consumidores e trabalhadores, mas também pequenos investidores) em que isso não basta para assegurar a efetividade do direito fundamental, mormente porque o ónus de impugnação se mostra excessivo ou as hipóteses de a impugnação realmente ocorrer são meramente teóricas ou irrealistas. Sendo a efetividade exigida uma efetividade material, não é suficiente a disponibilidade de meios contenciosos de reação. Torna-se necessário, ainda, um procedimento que torne razoável o ónus de impugnação, melhorando as condições de um possível exercício do direito de ação, sobretudo no plano informativo, e que assegure uma preventiva proteção mínima, aliviando esse ónus e impedindo uma total ausência de proteção quando a impugnação é irrealista, sabendo-se de antemão que não ocorrerá.

É o que sucede no caso presente. O Estado, ao permitir ablação ad nutum – dando prevalência à liberdade de empresa por razões de eficiência – cria o adicional perigo de ofensa, de ablação ilegítima da propriedade dos minoritários, reprovável em si mesma e contrária a uma sã política de investimento e correspondente tutela dos minoritários. Para minorar esse perigo, torna-se necessário instituir um procedimento ablativo apropriado.

Dada a configuração e atento o caráter rarefeito do procedimento constante do texto do artigo 490, em especial após a Reforma de 2006, cabe, por via interpretativa, à luz da melhor conformidade da lei com a Constituição, fazer com que ele cumpra este requisito. No centro, estão exigências de procedimento relativas à compensação devida aos minoritários. Mas releva, ainda, a informação de que estes carecem para poderem decidir se lhes compensa contestar judicialmente a operação.

Em breves palavras, o texto do artigo 490 do CSC contém um procedimento de ablação ad nutum da titularidade de quotas e ações de sócios minoritários de caráter parassocial, atomístico e minimalista, insuficiente para impedir, na prática, uma ablação arbitrária, ilegítima ou injusta dessa titularidade, impondo aos minoritários, mesmo os detentores de pequenas participações sociais a quem não compensa economicamente a respetiva contestação judicial, um ónus de impugnação da aquisição sem a necessária informação destes acerca dos pressupostos do direito exercido, num contexto de adicional incerteza quanto ao resultado de eventual ação por falta de clareza da lei, não assegurando uma escolha independente do ROC avaliador das participações, não definindo com exatidão o ato aquisitivo e não garantindo o efetivo recebimento da compensação devida. Sendo tarefa fundamental do Estado de Direito assegurar a efetividade dos direitos fundamentais, não apenas em abstrato, mas nas condições concretas em que eles podem ser postos em causa, para tornar tal procedimento justo, compatível com a garantia constitucional da propriedade privada e o princípio da eficiência, torna-se necessária uma interpretação ajustada da lei, que, designadamente, contemple a integração do procedimento com um dever de justificação do direito exercido, com uma forma de designação independente do ROC e com o reconhecimento ao registo da aquisição de um caráter constitutivo, controlando o conservador, pelo menos, se o valor da compensação devida se encontra consignado em depósito e, numa interpretação mais rigorosa das exigências constitucionais, a verificação formal da existência daquela justificação do direito e a existência de um relatório de avaliação elaborado por ROC designado por entidade independente.


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[i] Professor convidado da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

[ii] Texto correspondente à comunicação feita no V Congresso DSR (Lisboa, 2018), cuja versão definitiva será publicada nas Atas deste Congresso.

[iii] Salvo se coisa diferente resultar do contexto, as referências a artigos sem indicação de fonte respeitam ao CSC.

[iv] Deixam-se de fora, portanto, as SCA e também a discutível modalidade aquisitiva em que os minoritários recebem, em vez de dinheiro, quotas ou ações da adquirente (n.º 2 do art. 490). Pode questionar-se se as SE e as SQ e SA profissionais também se encontram abrangidas pela disposição em apreço. Quanto às SuQ, cfr. «infra» (n.º 11). Além do direito de aquisição jus-societário em apreço, o ordenamento jurídico conhece também, para as sociedades abertas e no contexto das ofertas públicas de aquisição de valores mobiliários, um direito de aquisição jus-mobiliário, fora do âmbito do presente estudo. Acerca do mesmo, cfr., por todos e com mais indicações, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário, coord. de Coutinho de Abreu, vol. VII, Coimbra (Almedina) 2014, p. 169 e ss., e PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3.ª ed., Coimbra (Almedina) 2016, p. 767 e ss. (fazendo um confronto com o regime do art. 490 do CSC nas págs. 772 e ss.).

[v] O acórdão foi relatado por PAULO MOTA PINTO, encontra-se publicado, designadamente, no DR, II série, n.º 18, de 22.01.2003, e disponível também em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos (realçando-se nele, por um lado, a liberdade de empresa subjacente à opção do legislador, por outro lado, as características especiais da «propriedade corporativa», enquanto propriedade mediatizada pela organização societária, e o respetivo contexto normativo-societário, que inclui atos de privação das quotas e ações e de extinção da sociedade com liquidação por transmissão global do património para um sócio, e afirmando o caráter conformador, não restritivo, do preceito apreciado). Sobre ele, veja-se RUI PINTO DUARTE, «Constitucionalidade da Aquisição Potestativa de Acções Tendente ao Domínio Total – Anotação ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 491/02», Jurisprudência Constitucional 1 (2004), p. 43-49, e, para uma revisitação do tema, cfr. MARIANA EGÍDIO PEREIRA, «A Aquisição Tendente ao Domínio Total: Breves Reflexões sobre o Artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais», O Direito 140/IV (2008), p. 923-968, 940 e ss. Antes dele, vejam-se, designadamente, ENGRÁCIA ANTUNES, Aquisição Tendente ao Domínio Total. Da Sua Constitucionalidade, Coimbra Editora 2001, p. 104 e ss., e MENEZES CORDEIRO, «Da constitucionalidade das aquisições tendentes ao domínio total (…)», BMJ 480 (1998), p. 5-30, que retoma o tema em «Aquisições Tendentes ao Domínio Total: Constitucionalidade e Efectivação da Consignação em Depósito (Artigo 490º/3 e 4 do CSC)», O Direito» 137/ III (2005) p. 449-463, 453 e s. Na jurisprudência dos tribunais comuns, veja-se, sobretudo, o desenvolvido acórdão do TRL de 29.10.2002, CJ 2002/IV, p. 106-119, relatado por ABRANTES GERALDES., confirmado pelo acórdão do STJ de 10.04.2003, CJSTJ 2003/II, p. 26-28, de que foi relator MOITINHO DE ALMEIDA (considerando, designadamente, que o art. 490.3 prossegue o objetivo de assegurar a boa gestão das sociedades comerciais e de facilitar a integração das sociedades dominadas no grupo da sociedade dominante - tendo em conta que, como se salientou na Alemanha, a participação dos minoritários implica «significativos custos resultantes das disposições legais que protegem as minorias» e que, na prática, «as participações minoritárias são utilizadas abusivamente para perturbar a gestão da empresa ou obter concessões financeiras» -, estando em causa complexas questões económicas, pelo que, no controlo da proporcionalidade da medida, deve reconhecer-se ao legislador uma larga margem de apreciação). A posição do Supremo foi reafirmada no acórdão de 3.02.2005 (OLIVEIRA BARROS), disponível em www.dgsi.pt.

[vi] A este respeito, cabe assinalar algumas observações críticas e reservas feitas por alguns autores. Assim, no mencionado comentário ao acórdão do TC (cfr. a nota anterior), escreveu RUI PINTO DUARTE: «A leitura da protecção constitucional do direito de propriedade privada não pode ignorar as diversas formas que esta assume, nomeadamente as particularidades da “propriedade corporativa” – incluindo o referido princípio da suficiência da maioria. A preocupação quanto à constitucionalidade da regulação da ATDT não deve recair na sua possibilidade, mas sim na protecção conferida aos sócios minoritários, ou seja, nas regras de determinação da contrapartida da alienação e do pagamento da mesma. Provavelmente o TC virá, mais tarde ou mais cedo, a ter de se pronunciar sobre este outro problema – mais difícil ainda que aquele que foi objecto do acórdão anotado» (p. 49). ENGRÁCIA ANTUNES, por sua vez, em «O Artigo 490.º do CSC e a Lei Fundamental - "Propriedade Corporativa", Propriedade Privada, Igualdade de Tratamento», AAVV, Estudos em Comemoração dos Cinco Anos (1995-2000) da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora 2001, p. 147-246, por um lado, observa que, apesar de a contrapartida a receber pelos minoritários ser absolutamente crucial na economia da operação, ela não mereceu particular atenção pelo legislador (p. 177 e ss.), por outro lado, realça a grave lacuna que resulta de a sociedade que exerce o direito de aquisição não ter que comunicar o preenchimento do requisito legal dos 90% de capital aos sócios minoritários (p. 170 e s., nota 24); falha de informação igualmente notada por PAULO CÂMARA, Manual (2016), cit.,p. 775 (sobre o assunto, cfr., adiante, n.º 11). Também SOVERAL MARTINS exprime dúvidas acerca da constitucionalidade das soluções encontradas [cfr. «Transmissão de ações: entre o direito das sociedades e o direito do mercado de capitais», Congresso Comemorativo dos 30 anos do CSC, coord. de P. Tarso Domingues, Coimbra (Almedina) 2017, p. 137-158, 144]; e, embora COUTINHO DE ABREU e SOVERAL MARTINS admitam a constitucionalidade do direito de aquisição, com base na liberdade de iniciativa económico-empresarial do sócio maioritário, procedem a uma revisão crítica dos principais argumentos comummente invocados nesse sentido [cfr. CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 147 e ss., 143 e ss.]. PAULO OLAVO CUNHA, por sua vez, realça, neste contexto, a necessidade de uma contrapartida justa [Direito das Sociedades Comerciais, 6.ª ed., Coimbra (Almedina) 2016, p. 1066].

[vii] Cfr., por ex., ENGRÁCIA ANTUNES, Aquisição (2001), cit., p. 63 e ss., 70 e s., 77 e s., 110 e ss. e nota 220, e «O Artigo 490.º do CSC e a Lei Fundamental» (2001), cit., p. 202 e ss., 210 e ss., 213 e ss., 240 e ss., bem como o citado acórdão do TC n.º 491/02.

[viii] Em rigor, na empresa plurissocietária, as próprias sociedades envolvidas são componentes da empresa; o todo constituído por esta transcende a sociedade, com os respetivos sócios. Uma sociedade dependente não é em rigor titular da empresa, mas de um segmento da mesma. Porém, isto não põe em causa a ideia fundamental do texto.

[ix] Cfr., designadamente, o artigo 1112 do CC, bem como, a respeito do artigo em análise, EVARISTO MENDES, anotação ao artigo 61 da CRP, in Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª ed., Coimbra Editora 2010, p. 1215 (nota XXX ao art. 61) = 2.ª ed. revista, Lisboa (UCE) 2017, p. 879.

[x] Acerca desta conceção dominialista da sociedade, que a encara como possível objeto de atribuição jurídica aos respetivos fundadores, aderentes e seus sucessores e, deste modo, também objeto do t´rfico jurídico-negocial, apesar de ser também uma pessoa jurídica (qualidade que, de resto, reforça a sua unidade objetiva, mormente no tráfico jurídico), cfr. K. IWAI, apud EVARISTO MENDES, «Governança societária e justiça intergeracional», in Justiça entre Gerações, coord. de Jorge Pereira da Silva / Gonçalo de Almeida Ribeiro, Lisboa (UCE) 2017, p. 469-555, 544 e s. Note-se que, em termos substanciais, esta é também a conceção económico-financeira dominante, embora a mesma sofra contestação por parte de diversas outras correntes de pensamento. Cfr., ainda, EVARISTO MENDES, ibidem, p. 474 e ss., e em evaristo.mendes.eu (apêndice), p. 6 e ss.

[xi] Veja-se também o citado acórdão do TRL de 29.10.2002, p. 107 e ss., 112 e ss. Cfr., ainda, com uma análise crítica dos argumentos justificativos do instituto, colocando a chave da sua compreensão na liberdade de empresa, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 143 e ss., com mais indicações. Salientando o tópico da formação de grupos e a correspondente liberdade empresarial, cfr. ENGRÁCIA ANTUNES, Aquisição (2001), cit., p. 19 e ss., 115 e ss., 151 e s., «O Artigo 490.º do CSC e a Lei Fundamental» (2001), cit., p. 166 e ss., 244 e ss., e Os Grupos de Sociedades – Estrutura e Organização Jurídica da Empresa Plurissocietária , 2.ª ed., Coimbra (Almedina) 2002, p. 870 e ss. Cfr. também: o citado acórdão do STJ de 3.02.2005 (OLIVEIRA BARROS), disponível em www.dgsi.pt. (salientando, apoiado em Menezes Cordeiro, a convergência do «melhor interesse das empresas» e do «interesse geral do desenvolvimento económico», bem como, baseado em Gomes Canotilho e Calvão da Silva, a prevalência da posição dos sócios empresários sobre os meramente «proprietários»/investidores); RAUL VENTURA, «Oferta pública de aquisição», Estudos vários sobre sociedades anónimas, Coimbra (Almedina) 1992, p. 115-318, 168; MENEZES CORDEIRO, «Aquisições» (2005), cit., p. 452; ANA FILIPA ANTUNES, «O instituto da aquisição tendente ao domínio total (artigo 490º do CSC): um exemplo de uma “expropriação legal” dos direitos dos minoritários?», AAVV, Nos 20 anos do CSC, II, Coimbra Editora 2007, p. 203-253, 249 e ss., e MARIANA EGÍDIO PEREIRA, «A Aquisição Tendente ao Domínio Total» (2008), cit., p. 950 e s., 960, 965 e s.

[xii] As quotas e ações são pacificamente consideradas como uma forma de propriedade, designadamente para os efeitos do artigo 62 da CRP (cfr. «infra», n.º 14).

[xiii] Cfr. também M. NOGUEIRA DE BRITO,A justificação da propriedade privada, numa democracia constitucional, Coimbra (Almedina) 2007, p. 990 e s.

[xiv] Segundo alguns autores, a deliberação de atribuição do património social a um sócio terá, inclusive, que ser unânime [cfr. RAUL VENTURA, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Coimbra (Almedina) 1987, p. 276 e s, JOANA DIAS, in CSC Anotado, coord. de Menezes Cordeiro, 2.ª ed., Coimbra (Almedina) 2011, p. 546, e CAROLINA CUNHA, anotação 1 ao art. 148, in CSC em Comentário, coord. de Coutinho de Abreu, vol. II, Coimbra (Almedina) 2011, p. 638].

[xv] A este respeito, tenha-se presente que uma das funções do direito de subscrição preferencial de novas quotas e ações, que constitui um importante mecanismo de tutela das minorias do moderno direito societário, é a de permitir a todos os sócios beneficiarem das oportunidades de investimento proporcionadas pela sociedade, quando esta tem boas perspetivas de expansão e desenvolvimento.

[xvi] Cfr., por ex., UWE HÜFFER, Aktiengesetz Kommentar, 9.ª ed., Munique (Beck) 2010, anotação ao § 727a, n.º 4a, p. 1745, e H. G. KOPPENSTEINER, in Köllner Kommentar zum Aktiengesetz, Band 6, 3ª ed., Colónia/... (Carl Heymanns Verlag) 2004, p. 1281, n. 8 vor § 327a. Entre nós, com mais indicações, cfr. PAULO CÂMARA, Manual (2016), cit., nota 2290, p. 772.

[xvii] Importa, contudo, não perder de vista o que se observa «supra», n.º 6 (3.º §), e «infra», n.º 14.

[xviii] Sobre as questões interpretativas que este artigo suscita, cfr., por ex., ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades (2002), cit., p. 857 e ss., PAIS DE VASCONCELOS, «Constituição de grupo por domínio total superveniente - o tempo e o modo», DSR 8 (2012), p. 35-49, e COUTINHO DE ABREU, anotação ao artigo, em CSC em Comentário, vol. VII, coordenação do próprio, Coimbra (Almedina) 2014, p. 127 e ss., por um lado, e, por outro lado, RICARDO COSTA, CSC em Comentário, coord. de Coutinho de Abreu, vol. IV, 2.ª ed., Coimbra (Almedina) 2017, p. 310 e ss. (defendendo a constituição automática da relação de grupo quando se dá a aquisição da totalidade das participações), todos com mais indicações.

[xix] Cfr. os arts. 1412 e 1413.1 do CC, o art. 221.3 do CSC e o art. 929 CPC. Considerando, na linha do defendido na Alemanha, que, em face dos termos da lei e da ponderação que o legislador já terá feito, a aquisição potestativa, embora sindicável por abuso do direito, não fica sujeita «à análise, in concreto, da sua compatibilidade com o interesse social» e a tutela das minorias, cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, Grupos de Sociedades e Deveres de Lealdade, Coimbra (Almedina) 2012, p. 397 e s., e MARIA MIGUEL CARVALHO, «Aquisição tendente ao domínio total», Congresso Comemorativo dos 30 anos do CSC, coord. de P. Tarso Domingues, Coimbra (Almedina) 2017, p. 205-230, 211 e nota 28. Também nos EUA, mais precisamente no influente direito do Estado do Delaware, o squeeze-out, efetivável pela via da fusão, deixou se estar sujeito à prossecução de um objetivo comercial legítimo (legitimate business purpose). O caso marcante na matéria é Weinberger v. UOP, decidido pelo Supremo Tribunal do Delaware em 1983 (457 A.2d 701) [cfr., por ex., O'KELLY / THOMPSON, Corporations and other Business Corporations, 4ª ed., Nova Iorque (Aspen Pub.) 2003, p. 619 e ss., e MARC I. STEINBERG / EVALYN N. LINDAHL, «The New Law of Squeeze-Out Mergers», Washington U. L. Q. 62 (1984), p. 351-414]. Neste caso precisou-se, no entanto, que, na ausência de tal requisito, é necessária a observância de um procedimento justo ( fair dealing), envolvendo designadamente níveis de informação adequados, e o pagamento de uma justa contrapartida ( fair price), controlando o tribunal a sua verificação [cfr. também MARC I. STEINBERG / EVALYN N. LINDAHL, considerando tratar-se de uma decisão destinada essencialmente a facilitar as fusões (com a eliminação dos minoritários) e acentuando as exigências de «fairness» da operação, em especial o valor a pagar]. A respeito da Alemanha, país em que estas exigências também se verificam, sendo diretamente impostas por lei (cfr. «infra», n.º 10), vejam-se, por ex., BARBARA GRUNEWALD, «Die neue Squeeze-out-Regelung», ZIP 1/2002, p. 18-22, 21, bem como in Münchener Kommentar zum Aktiengesetz, Band 9/1, Munique (Beck / Franz Vahlen) 2004, a anotação ao § 727a, n.º 18, p. 12, e KOPPENSTEINER, KK-AktG (2004), cit., p. 1279, 1281 e s., 1289 e ss., Vorb. § 727a, n.ºs 5 e 8, § 727a, nºs 14 e ss., e p. 1295 e ss., anotação aos §§ 727b e ss. (observando, no entanto, que a possibilidade de excluir minoritários sem fundamento estatutário ou justo motivo é um corpo estranho no direito das sociedades de capital e, apesar de o procedimento ser corporativo, revela uma mudança para uma conceção patrimonial da sociedade anónima, em vez de jurídico-associativa - p. 1282, com indicações na nota 32). Na jurisprudência do tribunal constitucional, salientam-se os casos Feldmühle (de 7.08.1962), BverfGE 14, p. 263 e ss., Moto Meter (de 23.08.2000), ZIP 38/2000, p. 1670 e ss., e, incidindo em especial sobre o aspeto da compensação, DAT/Altana (de 27.04.1999), BVerfGE 100, p. 289 e ss. Acerca dos §§ 727a e ss. da AktG (squeeze-out direto), cfr. também a decisão de 30.05.2007 (1 BvR 390/04), disponível, por ex., na página do tribunal na Internet (www.bundesverfassungsgericht.de), realçando, na linha das relativas aos casos anteriores, o fim legítimo do instituto (em face dos «custos» implicados na presença dos minoritários na sociedade e da frequente utilização obstrutiva da respetiva posição com vista a obterem vantagens financeiras dos maioritários), o típico caráter de mero investimento de capital das participações minoritárias (fazendo sobressair a componente patrimonial, contemplada com a compensação devida), a sujeição da compensação ao controlo prévio por um revisor escolhido e nomeado judicialmente (assegurando em boa medida a sua adequação) e a possibilidade de impugnação judicial (que permite uma tutela efetiva dos minoritários).

[xx] Acerca deste, no contexto em apreço, cfr. COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, Grupos de Sociedades. Aquisições Tendentes ao Domínio Total , Coimbra (Almedina) 2003, p. 67 e ss., CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 150 e s., e as demais indicações constantes da nota 44. Na Alemanha, cfr., por ex., BARBARA GRUNEWALD, «Die neue Squeeze-out-Regelung» (2002), cit., p. 21, e MK-AktG (2004), cit.,anotação ao § 727a, nºs 19 e ss., p. 12 e ss.

[xxi] Cfr. também COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, Grupos (2003), cit., p. 48 e ss.

[xxii] Cfr. também COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, Grupos (2003), cit., p. 69 e ss.

[xxiii] Cfr. «infra», n.º 10, e «supra», nota 18.

[xxiv] Não é, pelo menos, um procedimento corporativo, como acontece, designadamente, na Alemanha (§§ 327a a f da AktG) (cfr., «infra», no texto); o que o torna muito mais desvantajoso para os minoritários, entregues cada um à sua sorte.

[xxv] Com efeito, neste país, os minoritários podem opor-se à perda das suas ações, rejeitando a oferta dos maioritários: cfr. o art. 513, § 2, do Code des Sociétés.

[xxvi] Para além do squeeze-out societário direto, nalguns países, como os EUA (cfr., nomeadamente, o § 262 da GCL do Delaware), a Alemanha [§ 62(5) da UmwG] e a Suíça (cfr. a seguir), admite-se também a eliminação dos minoritários no âmbito de uma operação de fusão (squeeze-out merger), tendo sido esta, aliás, a origem da figura, naquele primeiro país; e, na Alemanha, a mesma pode acontecer, para a formação de grupos, através da incorporação ou integração (Eingliederung) «maioritária» de uma sociedade dominada (§§ 320 e ss. da AktG) e, ainda, mediante a chamada dissolução translativa da sociedade [cfr. o § 179a da AktG]. Quanto à Suíça, cfr. os arts. 8 (2), 18(5), e 105 da Lei sobre a fusão, a cisão, a transformação e a transmissão de património de 3.10.2003 (abreviadamente, Fusionsgesetz), e, para uma breve análise, por ex., GEORG G. GOTSCHEV / CHRISTIAN STAUB, «Der Ausschluss von Minderheitsaktionären nach Art. 33 Börsengesetz und durch squeeze out merger gemäss Fusionsgesetz», GesKR 4 /2006, p. 265-285, 276 e ss., e HANS CASPAR VON DER CRONE / MATTHIAS TRAUTMANN, «Die Angemessenheit von Abfindungen und Prozesskostentragung bei Squeeze-Out-Fusionen», SZW / RSDA 2/2012, p. 163-176.

No CSC, depois de se dispor na al. a) do n.º 4 do artigo 97 que a fusão pode dar-se «Mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, ações ou quotas desta», estabelece o n.º 5: « Além das partes, ações ou quotas da sociedade incorporante ou da nova sociedade referidas no número anterior, podem ser atribuídas aos sócios da sociedade incorporada ou das sociedades fundidas quantias em dinheiro que não excedam 10% do valor nominal das participações que lhes forem atribuídas». Este preceito não pode ser, no entanto, interpretado no sentido de permitir a eliminação dos minoritários [cfr., além do teor do preceito realçado, o art.112 b), segundo o qual, com o registo da fusão, «Os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade», e o art. 116, que, a respeito da incorporação de uma sociedade por outra, detentora de pelo menos 90% das participações, apenas prevê um direito de exoneração dos minoritários].

[xxvii] O direito de aquisição potestativa encontra-se regulado nos §§ 327 a a f da AktG. Acerca da eliminação de minoritários no quadro de uma fusão (de grupos), referida na nota anterior, cfr., por ex., DANIEL WIDEMANN, Die Verschmelzung unter Ausschluss der Minderheitsaktionäre der übertragenden Aktiengesellschaft gemäß § 62 Abs. 5 UmwG, Baden-Baden (Nomos) 2016. Acerca de outras formas eliminatórias, cfr, por ex., quanto à Eingliederung, KOPPENSTEINER, KK-AktG (2004), cit., p. 1202, 1223 e ss., e Engrácia Antunes, Aquisição (2001), cit., p. 50 e ss., quanto à dissolução tranalativa, HÜFFER, AktG (2010), p. 939 e ss., e MARCEL GROMM , Die übertragende Auflösung nach Aktien- und GmbH-Recht , Hamburgo (Verlag Dr. Kovac) 2016.

[xxviii] A matéria encontra-se regulada numa lei de 2006, relativa à exclusão de sócios minoritários (GesAusG), §§ 1 a 6. Exige-se a detenção de pelo menos 90% do capital, numa Srl (GmbH) ou numa SA. O § 7 ocupa-se do squezze-out jusmobiliário.

[xxix] A matéria encontra-se regulada nos arts. 2:201a (sociedades «privadas» de responsabilidade limitada, correspondentes às SQ portuguesas) e 2:92a (sociedades anónimas) do CC. A aquisição de direito mobiliário encontra-se regulada no art. 2:359c.

[xxx] Nas sociedades «privadas», exige-se, ainda, que lhe correspondam pelo menos 95% dos votos (art. 2:201a).

[xxxi] A matéria encontra-se regulada na lei das sociedades por ações («privadas» e públicas) de 2005, cap. 22 (§§ 1 a 28).

[xxxii] Existem outras questões, incluindo as atinentes à formação da vontade da sociedade dominante: cfr., por ex., COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 151 e ss., ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos (2002), cit., p. 875 e s. e notas 1721 e ss., e ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, in CSC Anotado, coord. de Menezes Cordeiro, 2.ª ed., Coimbra (Almedina) 2011, p. 1255 e ss (mormente, notas 21, 23, 26 e ss. ao art. 490). Mais em geral, cfr., ainda, ANA FILIPA ANTUNES, «O instituto da aquisição tendente ao domínio total (2007), cit., p. 207, 220 e ss., e ANA RITA NASCIMENTO, «Direitos dos sócios na aquisição tendente ao domínio total: pressupostos e concretização», RDS III/4 (2011), p. 985-1025, 1004 e ss. As questões identificadas no texto basta, no entanto, para os fins do presente estudo.

[xxxiii] Cfr. sobre o assunto RICARDO COSTA, CSC em Comentário IV (2017), cit., p. 300 e ss., com indicações nas notas 27 e ss. Note-se que, para quem defenda, como este autor, que a SuQ (que designa como SQU) não constitui um tipo social distinto da SQ, nem sequer um subtipo - sendo a unipessoalidade uma simples « modalidade subjetiva da composição pessoal» desta ou um «modo de estar» da mesma, meramente contingente e eventual -, a questão nem chegará verdadeiramente a colocar-se.

[xxxiv] Sobre o assunto, com visão mais alargada do tema, cfr., ainda, a anotação de RICARDO COSTA ao artigo 270-C, in CSC em Comentário IV (2017), cit., p. 331 e ss. (entendendo, apesar do seu teor literal, que o n.º 2 deste preceito apenas proíbe a cascata de SuQ/SQU, detida por pessoa singular, não, por ex., que uma SQ ou SA seja sócia única de uma SuQ/SQU ou que uma SuQ/SQU de pessoa singular seja sócia única de uma SA, detendo esta outras SuQ/SQU e sendo o vértice de um grupo), 336 e ss., e as indicações aí fornecidas.

[xxxv] A tese de que a sociedade dominante pode ter a sede fora de Portugal foi acolhida no acórdão do TRL de 11.05.2017, relatado por TERESA ALBUQUERQUE e disponível em www.dgsi.pt., no qual, após citação de vários autores, designadamente Engrácia Antunes, acaba por ser perfilhada a interpretação «corretiva» da lei defendida por ANA FILIPA ANTUNES, «O instituto da aquisição tendente ao domínio total (2007), cit., p. 215 e ss. [invocando sobretudo a ratio legis (formação e expansão de grupos) e um argumento sistemático (artigo 481.2b))]. Lê-se no sumário do aresto: «Quando se tenha em vista a aplicação do disposto no art 490º do CSC, impõe-se proceder à interpretação correctiva do nº 2 do art 481º CSCom, de modo a concluir-se que basta que uma das sociedades em causa tenha conexão espacial com o território nacional, não sendo exigido que a sociedade dominante tenha sede em Portugal». Como se assinala no aresto, ENGRÁCIA ANTUNES também critica a autolimitação espacial do artigo 481.2, considerando-o de pelo menos duvidosa conformidade com o DUE e a CRP: cfr. «O âmbito de aplicação das sociedades coligadas», in Rui Moura Ramos et alii (org.), Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel Magalhães Colaço , II, Coimbra (Almedina) 2002, p. 95-116, 195 e ss., 116. Embora afaste o problema da constitucionalidade, defende RUI DIAS - Responsabilidade por exercício de influência sobre a administração de sociedades anónimas - Uma análise de direito material e de conflitos , Almedina (Coimbra) 2007, p. 285 e ss., e CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 37 e s. (com mais indicações) - que, em face do DUE (arts. 49, 54 e 18 do TFUE),a autolimitação espacialnão se aplica às «relações intersocietárias intraeuropeias, com a consequência de que as sociedades intervenientes estarão em relação de grupo, para efeitos da aplicação dos arts. 488.º e seguintes». Na mesma linha, cfr., ainda, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 151 e s. Vejam-se, no entanto, no sentido do texto da lei, entre outros, MARIANA EGÍDIO PEREIRA, «A Aquisição Tendente ao Domínio Total» (2008), cit., p. 933 e s., PAULO CÂMARA, Manual (2016), cit., p. 775, e MARIA MIGUEL CARVALHO, «Aquisição tendente ao domínio total» (2017), cit., p. 209. No sentido da não extensão, pode também invocar-se o acórdão Impacto Azul do TJUE (C‑186/12), comentado criticamente, designadamente, por RUI DIAS, em «A responsabilidade das sociedades-mãe estrangeiras no regime dos grupos: os cinzentos do acórdão Impacto Azul (TJUE, C-186/12, 20.6.2013», III Congresso DSR, Coimbra (Almedina) 2014, p. 411-424.

Não sendo este o lugar próprio para tomar posição fundamentada sobre o assunto, note-se, em todo o caso, que a regulação do assunto parece competir à lei pessoal da sociedade em causa (cfr. o art. 3 do CSC e o art. 33.2 do CC). Agradecem-se as observações que, sobre o assunto, nos foram transmitidas por Rui Pinto Duarte, após a leitura do projeto do presente estudo.

[xxxvi] Note-se que, na interpretação alargada da lei, aumentam as hipóteses de os minoritários virem a ser privados das suas quotas ou ações e, perante o exercício em concreto do direito potestativo, surge para eles a questão de saber se a sociedade que o faz é, pelo menos, uma sociedade «intraeuropeia». Não tendo a sociedade a sede em Portugal, tanto podem ver a posição dificultada pela controvérsia existente, mormente se pretenderem defender judicialmente a sua «propriedade», como, não beneficiando da assessoria jurídica sofisticada ao alcance de quem tipicamente exerce o direito, ver a sua confiança no texto da lei [cfr., além do art. 481.2, o art. 489.4a)] frustrada em eventual ação de impugnação.

[xxxvii] A questão é também discutida na Alemanha. A doutrina dominante defende que a titularidade pode ser apenas indireta: cfr. por ex., HÜFFER, AktG (2010), cit., anotação ao § 727a, n.º 15, p. 1749. Porém, no sentido de que quem exerce o direito deve deter pelo menos uma ação, por razões de clareza, cfr. BARBARA GRUNEWALD, MK-AktG (2004), cit., anotação ao § 727a, n.º 7, p. 9, com mais indicações.

[xxxviii] Na Alemanha, cfr., por ex., HÜFFER, AktG (2010), cit., anotação ao § 727a, n.ºs 7 e 12, p. 1746 e ss. Entre nós, cfr., designadamente, PAULO CÂMARA, Manual (2016), cit., p. 776, defendendo uma redução teleológica da norma, para circunscrever o direito de aquisição (e o correspondente direito de alienação) aos casos em que existe uma efetiva concentração do controlo.

[xxxix] Na Alemanha, as ações próprias (ou detidas por conta da sociedade) não contam, devendo abater-se ao capital social, mas a lei é clara sobre o assunto: cfr. o § 16 (2) da AktG, aplicável por força do § 727a (2), e, por ex., HÜFFER, AktG (2010), cit., anotação ao § 727a, n.º 14, p. 1748.

[xl] Sobre o assunto, cfr., designadamente, ENGRÁCIA ANTUNES, «O artigo 490.º do CSC e a Lei Fundamental» (2001), cit., p. 170 e s., COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 153, ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, CSC Anotado (2011), cit., p. 1255, nota 16, e ANA RITA NASCIMENTO, «Direitos dos sócios» (2011), p. 1005 e ss., com ulteriores indicações. Mais recuadamente, considerando exigível a forma escrita, por analogia com o art. 484.1, mas não a transmissão da comunicação recebida aos minoritários, cfr. RAUL VENTURA, «Oferta pública de aquisição» (1992), cit., p. 164. A ideia de exigência da forma escrita é igualmente defendida por outros autores, aplicando analogicamente aquela ou outras disposições do CSC (cfr., por ex., ENGRÁCIA ANTUNES, ANA RITA NASCIMENTO, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, ibidem); mas suscita a ulterior questão de saber se as normas que impõem forma especial são suscetíveis de aplicação analógica (sobre o assunto, analisando as posições em confronto e defendendo com argumentos convincentes a possibilidade dessa aplicação, cfr. RUI PINTO DUARTE, Tipicidade e atipicidade dos contratos, Coimbra (Almedina) 2000, p. 169 e ss.). Observando que a não comunicação da aquisição dos 90% aos sócios é uma grande lacuna do regime instituído - que designadamente ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA e RITA NASCIMENTO procuram resolver através do art. 64 (dever de lealdade dos administradores) (cfr., ainda, a observação de COUTINHO DE ABREU /SOVERAL MARTINS, p. 153) -, veja-se ENGRÁCIA ANTUNES, «O Artigo 490.º do CSC e a Lei Fundamental» (2001), cit., 170 e s., nota 24.

[xli] Considerando adequado que da oferta/proposta de aquisição (a que se junta a declaração de aquisição potestativa) deva constar a participação de que a dominante é, direta ou indiretamente, titular, cfr. COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 155, com mais indicações. Cfr. também RAUL VENTURA, «Oferta pública de aquisição» (1992), cit., p. 165 (considerando ser «natural» que na declaração de aquisição sejam «mencionados os factos que atribuem à sociedade dominante a faculdade de lançar a oferta»). Veja-se ainda, na nota anterior, a observação de ENGRÁCIA ANTUNES.

[xlii] Quanto às ações, importa referir que a declaração escrita no título a que se refere o artigo 102.1 do CVM faz parte do modus adquirendi jus-mobiliário das mesmas; não estamos, em rigor, perante uma exigência de forma. Ainda assim, considera-se pertinente a questão. Acerca da adicional questão de saber se podem ser feitas por anúncio público, relativamente a sócios minoritários que sejam desconhecidos, cfr. «supra», n.º 9.

[xliii] Como se observou, na Alemanha, o revisor é designado pelo tribunal [§ 327c (2) da AktG]. Acerca do conceito de independência, cfr., designadamente, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, Grupos (2003), cit., p. 18 e ss. (entendendo, no entanto, que a nomeação pertence à sociedade dominante - p. 23 e s.). Cfr. também o citado acórdão do TRL de 29.10.2002, p. 116, referindo, designadamente, RAUL VENTURA (este autor trata do art. 490 em «Oferta pública de aquisição», Estudos vários sobre sociedades anónimas, p. 115-318, em especial, nas págs. 161-171, sendo a citação da p. 166) e o Projeto de CS, em que a fixação do valor cabia simplesmente à dominante.

[xliv] Cfr. uma proposta de solução em ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, CSC Anotado (2011), cit., p. 1257 (nota 29), e COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 158.

[xlv] Cfr. também, designadamente, PAIS DE VASCONCELOS, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2.ª ed., Coimbra (Almedina) 2006, p. 245, ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, CSC Anotado (2011), cit., p. 1257 (nota 28), ANA RITA NASCIMENTO, «Direitos dos sócios» (2011), cit., p. 1012, e «infra», no texto (n.º 13). Em geral, sobre os problemas relativos à compensação, cfr., ainda, ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos (2002), cit., p. 882 e ss., e «O artigo 490.º do CSC e a Lei Fundamental» (2001), cit., p. 176 e ss., 249 e ss., COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 157 e ss., ANA FILIPA ANTUNES, «O instituto da aquisição tendente ao domínio total (2007), cit., p. 222 e ss., LILIANA SÁ, «A Contrapartida Patrimonial na Aquisição Tendente ao Domínio Total», Julgar 9 (2009), p. 157-172, 166 e ss. Indicando (apenas) que está em causa o valor real das ações, cfr. JOÃO LABAREDA, Das Acções das Sociedades Anónimas, Lisboa (AAFDL) 1988, p. 276, nota 1; cfr. também o mencionado acórdão do TRL de 29.10.2002, p. 116, citando RAUL VENTURA (ROA 41, p. 308), que, a respeito da figura da anexação da lei alemã, refere dever a indemnização levar em conta «a situação patrimonial e as possibilidades de rendimento da sociedade» na altura da assembleia geral sobre tal anexação [«Grupos de sociedades…» (conclusão), ROA 41 (1981), p. 305-362, 308].

[xlvi] Discutem o assunto, apresentando proposta diferente da adiante assinalada, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 163 e ss. (a aquisição dá-se antes do registo, na data indicada na oferta). Cfr. também, na mesma linha, MARIA MIGUEL CARVALHO, «Aquisição tendente ao domínio total» (2017), cit., p. 217 e s. e nota 59.

[xlvii] Cfr. ANA RITA NASCIMENTO, «Direitos dos sócios» (2011), cit., p. 1010.

[xlviii] Cfr. LILIANA SÁ, «A contrapartida» (2009), cit., p. 170 (afirmando, sem mais, que a aquisição se torna «válida» com o registo), e «infra», no texto (n.º 13). A respeito da aquisição potestativa jusmobiliária, sujeita a um exigente procedimento controlado pela CMVM (arts. 194 e s. do CVM), cfr. o art. 195.1 do CVM.

[xlix] Cfr. EVARISTO MENDES, «Deliberações que fixam o valor das participações sociais», AAVV, III Congresso DSR, Coimbra (Almedina) 2014, p. 67-108, 80 e ss., e, no contexto em apreço, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 166. Veja-se também o citado acórdão do TRL de 29.10.2002, p. 116, embora a apreciação do procedimento suscite dúvidas (na verdade, quanto a este, refere-se no aresto, como de resto, no acórdão do STJ de 10.04.2003, que o confirmou, que cabe aos minoritários provar que o requisito da independência do ROC não se verifica, sem se estabelecer qualquer exigência à sociedade que exerce o direito; ora, como se verá, esta independência é um requisito legal fundamental para que o procedimento ablativo da propriedade dos minoritários seja justo, cabendo à sociedade dominante alegar e demonstrar a sua verificação quando do exercício do direito; não há razão para o «presumir»).

[l] Sobre o assunto, cfr. COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 159 e s., e, na mesma linha, MARIA MIGUEL CARVALHO, «Aquisição tendente ao domínio total» (2017), cit., p. 217 e s. (a consignação pode dar-se até ao registo da aquisição, sendo esta suscetível de ocorrer sem ela, o que enfraquece a posição dos minoritários, designadamente em face da situação anterior à Reforma de 2006, mas a declaração de aquisição deve mencionar que a mesma será efetuada).

[li] Sobre o tema, com opiniões divergentes, cfr., designadamente, por um lado, COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS,CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 160 e ss. [= Grupos (2003), p. 29 e ss.], defendendo a necessidade de consignação judicial, por outro, o acórdão do STJ de 3.02.2005 (OLIVEIRA BARROS), disponível em www.dgsi.pt., MENEZES CORDEIRO, «Aquisições Tendentes ao Domínio Total» (2005), cit., p. 454 e ss., em especial, 459 e ss., ANA FILIPA ANTUNES, «O instituto da aquisição tendente ao domínio total (2007), cit., p. 229 e ss, MARIANA EGÍDIO PEREIRA, «A Aquisição Tendente ao Domínio Total» (2008), cit., p. 938 e s., J. CALVÃO DA SILVA, «Consignação em depósito e aquisição tendente ao domínio total de sociedade», RLJ 138 (2009) p. 350-383, 359 e ss. (em anotação ao ac. do TRP de 20.04.2004), ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA, CSC Anotado (2011), cit., p. 1257 (nota 31), ANA RITA NASCIMENTO, «Direitos dos sócios» (2011), cit., p. 1012 e ss., e MARIA MIGUEL CARVALHO, «Aquisição tendente ao domínio total» (2017), cit., p. 217. A jurisprudência das relações também é maioritariamente no sentido da dispensa da consignação judicial (cfr., designadamente, além do citado acórdão do TRP de 24.04.2004, o acórdão do mesmo tribunal de 8.01.2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Importa, no entanto, observar que, com a rarefação do procedimento resultante da Reforma de 2006, os atuais termos do problema não são exatamente aqueles sobre os quais os tribunais se pronunciaram.

[lii] Cfr. também COUTINHO DE ABREU / SOVERAL MARTINS, CSC em Comentário VII (2014), cit., p. 156 e s. e nota 98, e, a respeito da falta de independência do ROC, p. 158, com mais indicações [= Grupos (2003), p. 28 e s.]. Quanto a este último aspeto, o assunto também foi discutido, em termos que deixam dúvidas, no citado acórdão do TRL de 29.10.2002, p. 116 e ss.

[liii] Pelo menos quando a exercente do direito tenha de ser (ou seja) consócia dos minoritários, pode invocar-se aqui também o princípio societário da lealdade, na sua dimensão positiva, ou o mais lato princípio da boa fé, os quais não têm que, no presente contexto, se circunscrever à repressão do abuso do direito. Acerca daquele princípio societário, cfr., com mais indicações, por ex., COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, II - Das Sociedades, 5.ª ed., Coimbra (Almedina) 2015, p. 281 e ss., sobretudo, 286 e ss., e, noutros quadrantes, HOLGER FLEISCHER, «Mitgliedschaftliche Treuepflichten: Bestandsaufnahme und Zukunftsperspektive», GesRZ 46 (6/2017), p. 362-372, bem como, numa ótica de tutela das minorias, CHRISTIAN HOFMANN, Der Minderheitsschutz im Gesellschaftsrecht, Berlim/... (Walter de Gruyter) 2011, p. 25 e ss., mormente, 28 e ss.

[liv] No sentido de que o notário fiscalizava o condicionalismo da operação, cfr. RAUL VENTURA, «Oferta pública de aquisição» (1992), cit., p. 167. Cfr. também MARIA MIGUEL CARVALHO, «Aquisição tendente ao domínio total» (2017), cit., p. 218.

[lv] Recorda-se que a Reforma de 2006 suprimiu a exigência de escritura – deixando desse modo de haver um claro ato de aquisição e tendo esta passado a poder realizar-se sem o pagamento da compensação estar assegurado, a menos que se entenda dependente da consignação e/ou se considere o registo como «constitutivo» - e converteu o registo em mero registo por depósito, com a aparente intenção de o tornar uma mera formalidade burocrática, dispensando o conservador de um controlo material de legalidade. Deste modo, aboliu ou pretendeu abolir a falta de controlo do notário e do conservador.

[lvi] Note-se que, na privação pública da propriedade, também existem procedimentos legais exigentes, vinculados à existência e declaração administrativa de utilidade pública [cfr. o Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, ao abrigo do art. 62.2 da CRP, em cujo art. 2 se dispõe que «Compete às entidades expropriantes e demais intervenientes no procedimento e no processo expropriativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, observando, nomeadamente, os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé», sendo a declaração de utilidade pública regulada nos arts. 10 e ss., a que acrescem designadamente normas sobre a indemnização a pagar (arts. 23 e ss., 33 e ss.)] ou destinados a dar realização a políticas públicas democraticamente aprovadas [cfr. a Lei 62-A/2008, ao abrigo do o art. 83 da CRP, em que, designadamente se estabelece: «O decreto-lei referido no número anterior (através do qual a apropriação se dá) evidencia sempre o reconhecimento do interesse público subjacente ao acto de nacionalização, com a observância dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da concorrência» (art. 2.2); «No decreto-lei referido no artigo anterior devem constar todos os elementos e as condições das operações a realizar» (art. 3.1); «Para os efeitos previstos no artigo anterior [direito à indemnização], o Governo promove a realização de uma avaliação a efetuar, pelo menos, por duas entidades independentes, designadas por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças» (art. 5.1)]. É certo que, no caso, estamos perante restrições à propriedade em sentido próprio. Mas, quanto ao aspeto em apreço - verificação dos pressupostos legais da existência de legitimidade ablativa e justa indemnização -, há, em grande medida, uma analogia material das situações.

[lvii] Cfr. o que se observa na nota 17 acerca do direito do Delaware. Fora do domínio económico, cfr., por ex., a Lei 16/2007, relativa à interrupção voluntária da gravidez.

[lviii] Cfr., designadamente, os arts. 53 e ss. da CRP (mas note-se, neste caso, a proteção material, não apenas procedimental, constante do arts. 53 e 57) e arts. 338 e s., 351 e ss., 359 e ss. do Código do Trabalho.

[lix] Cfr, designadamente, os arts. 112 e ss., 194 e ss. do CVM.

[lx] Cfr., nomeadamente, os arts. 60, 81i) e 99e) da CRP e os arts. 8 e 9 da lei de defesa do consumidor (L. 24/96).

[lxi] O procedimento justo ocupa também um lugar de destaque no direito administrativo. Cfr., designadamente, o Código de Procedimento Administrativo [que, além das regras de procedimento (arts. 53 e ss.), comete à Administração Pública a missão de prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (art. 4), consagra no art. 5 um princípio de boa administração, segundo critérios de eficiência, economicidade e celeridade, e enuncia um vasto conjunto de outros princípios nos arts. 6 e ss. (proporcionalidade, justiça e razoabilidade, boa fé, etc.)] e o Código das Expropriações [cujo art. 2 dispõe que «Compete às entidades expropriantes e demais intervenientes no procedimento e no processo expropriativos prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados, observando, nomeadamente, os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé»; salientando-se, ainda, as regras relativas à declaração de utilidade pública (arts. 10 e ss.), à indemnização (arts. arts. 23 e ss.) e ao processo propriamente dito, em que se evidencia a fixação do valor desta indemnização (arts. 33 e ss.)], bem como SÉRVULO CORREIA, «Administrative Due or Fair Process: Different Paths in the Evolutionary Formation of a Global Principle and of a Global Right», in Gordon Antony et alii, Values in Global Administrative Law, Oxford/… (Hart Pub) 2011, p. 313-361.

[lxii] Cfr. em geral, sobre o assunto, embora sem alusão ao tema específico do procedimento, por ex., MARIA EDUARDA AZEVEDO, «A regulação económica», Temas de Direito da Economia, Coimbra (Almedina) 2013, p. 181 e ss., e MARISA APOLINÁRIO, O Estado Regulador: o novo papel do Estado, Coimbra (Almedina) 2015, p. 79 e ss., 189 e ss.

[lxiii] Cfr., por ex., os arts. 5 e ss. da lei das CCG (DL 446/85), os arts. 304, 312 e ss. do CVM.

[lxiv] Cfr. o CRCom e o próprio art. 490.2 e 3 do CSC.

[lxv] Cfr., ainda, por ex., os arts. 314 e ss. do CVM.

[lxvi] Cfr., por ex., os arts. 393 e 397 do CVM.

[lxvii] Cfr., por ex., JOÃO LABAREDA, Das Acções (1988), cit., p. 276, e C. PAZ-ARES, «Aproximación al estudio de los squeeze-outs en el derecho español», Actualidad Jurídica Uría & Menéndez, n.º 3/2002, p. 49-67, 51, n.º 1.3 e nota 5. O documento encontra-se disponível em http://www.uria.com/documentos/publicaciones/965/documento/art03.pdf?id=2003.2002.

[lxviii] Em geral, acerca da exigência de clareza das normas legais, contida no princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas (o qual, por sua vez, é um postulado dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, implicados no Estado de direito democrático e, no domínio económico, também no princípio da eficiência), cfr., com mais indicações, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 7.ª ed., Coimbra (Almedina) 2003, p. 258 [este princípio da determinabilidade reconduz-se a duas ideias fundamentais: a de exigência de clareza das normas legais, porque «de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através de interpretação, obter um sentido inequívoco capaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto»; e a de exigência de densidade suficiente da regulamentação legal, oferecendo «uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (…) (3) possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos»; - sobre este segundo aspeto, cfr. o texto a seguir], e «Métodos de proteção de direitos, liberdades e garantias», in Estudos sobre Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, 2004, p. 137-175, 149. Acerca das leis restritivas, cfr. também JORGE PEREIRA DA SILVA, in Jorge Miranda / Rui Medeiros, CPA, I, 2ª ed. revista, Lisboa (UCE) 2017, p. 263, 265 e s. (anotação ao art. 18). Recorda-se que, embora não se qualifique o artigo 490 como uma «lei» restritiva, ele contém pelo menos uma norma conformadora da propriedade com permissão ablativa, justificando esta contornos bem definidos.

[lxix] Note-se que, como observam GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada (2007), cit., p. 805 (nota X), embora seja possível defender que estas figuras da expropriação (e da nacionalização - art. 83) «não esgotam as formas de privação forçada da propriedade, nomeadamente as que sejam feitas a favor de terceiros (e não do Estado)», «a falta de uma explícita credencial constitucional não deixa de levantar dificuldades a algumas figuras, correntes do direito civil, de perda ou transmissão forçada do direito de propriedade» e o mesmo sucede com as aquisições potestativas em apreço. O que justifica pelo menos uma especial exigência quanto aos termos em que essa privação é autorizada.

[lxx] Cfr., por ex., o citado Acórdão do TC n.º 491/02, bem como: GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada (2007), cit., p. 800 e s. (notas I e II), e p. 802 (nota VI); RUI MEDEIROS, nota VII ao art. 62, in Jorge Miranda / Rui Medeiros, CPA (2017), cit., p. 901 e s.; e, ainda, MENEZES CORDEIRO, «A constituição patrimonial privada», in Estudos sobre a Constituição, III, org. de Jorge Miranda, Lisboa 1979, p. 365-437, 371 e s., 392 e ss.; ENGRÁCIA ANTUNES, Aquisição (2001), cit., p. 105 e 110; Mª LÚCIA AMARAL (PINTO CORREIA), Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador , Coimbra Editora 1998, p. 530 e 548; M. NOGUEIRA DE BRITO, A justificação da propriedade privada (2007), cit., p. 813, 902 e 907; MARIANA EGÍDIO PEREIRA, «A Aquisição Tendente ao Domínio Total» (2008), cit., p. 942; e RUI PINTO DUARTE, Curso de Direitos Reais, 3ª ed., Cascais (Principia) 2013, p. 363, com mais indicações.

[lxxi] Cfr., por ex., GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA,CRP Anotada (2007), cit., p. 800 (nota I), RUI MEDEIROS, CPA (2017), cit., p. 899, 905 e ss., anotações III, XI e ss. ao artigo 62, e Mª LÚCIA AMARAL, Responsabilidade do Estado (1998), cit., p. 530, 540 e ss. Mais em geral, sobre a propriedade como direito fundamental (não circunscrita à sua dimensão de valor), cfr. também M. NOGUEIRA DE BRITO, A justificação da propriedade privada (2007), cit., p. 841 e ss, 903 e ss, 972 e ss, 984 e ss.

[lxxii] Acerca do direito à reparação de danos, aflorado nos artigos 22 e 60.1 da CRP, cfr., por ex., RUI MEDEIROS, in Jorge Miranda /Rui Medeiros, CPA (2017), cit., p. 348, com mais indicações. Sobre o assunto, cfr., ainda, GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada (2007), cit., p. 808 (nota XVII), e p. 205 e s. (nota V ao art. 2).

[lxxiii] Acerca deste papel protetor do Estado, cfr., designadamente, GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada (2007), cit., p. 208 (nota IX ao art. 2), JORGE PEREIRA DA SILVA, Deveres do Estado de Proteção de Direitos Fundamentais, Lisboa (UCE) 2015, e in Jorge Miranda / Rui Medeiros, CPA (2017), cit., p. 252 e ss. (anotação ao art. 18), e Direitos Fundamentais, Lisboa (UCE) 2018, p. 195 e s., 354, 363 e ss. (aludindo também ao papel do procedimento como mecanismo de salvaguarda ou garantia de proteção efetiva).

[lxxiv] A respeito do artigo 62.2 da CRP, cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, Direitos Fundamentais (2018), cit., p. 195 e s. Em geral, acerca do papel protetor do procedimento justo no direito administrativo (designadamente através de um dever de fundamentação ou revelação das razões do ato), no quadro dos direitos fundamentais, cfr. SÉRVULO CORREIA, «Administrative Due or Fair Process» (2011), cit., p. 313-361. Explicitamente no sentido de que se trata de um direito fundamental, cfr. o artigo 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[lxxv] Cfr. «supra», nota 54. Note-se que a expropriação por utilidade pública é a única forma de ablação da propriedade que, juntamente com a apropriação pública do artigo 83 da CRP, o texto constitucional explicitamente prevê (art. 62.2) (veja-se a nota 67). Note-se também que, embora no caso vertente estejamos perante uma norma conformadora da propriedade, não uma norma restritiva em sentido técnico, e num domínio público, não privado, em ambos os casos há a permissão da ablação da propriedade, justificando esta um procedimento exigente, ainda que os concretos contornos possam variar de caso para caso.

[lxxvi] Sobre este direito a uma proteção jurisdicional adequada, cfr., designadamente, GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional (2003), cit., p. 491 e ss.

[lxxvii] Cfr., a respeito da proteção da vida intrauterina, RUI MEDEIROS / JORGE PEREIRA DA SILVA, anotação ao artigo 24 da CRP, in Jorge Miranda / Rui Medeiros, CPA (2017), cit., p. 367 e ss., sobretudo as notas X a XII, e, em geral, GOMES CANOTILHO, «Constituição e défice procedimental», in Estudos sobre Direitos Fundamentais, Coimbra Editora 2004, p. 69-84, máxime, p. 72, 75 e ss., 82 e s.

[lxxviii] No quadro da vinculação do legislador aos direitos fundamentais, que engloba deveres específicos de atuação, a respeito de diversos preceitos constitucionais, incluindo o artigo 62.2, JORGE PEREIRA DA SILVA especifica, designadamente, os seguintes: « Deveres de emanação de normas de organização, procedimento e processo , destinadas umas à criação de estruturas e condições institucionais adequadas ao seu pleno exercício, e dirigidas outras a garantir aos respetivos titulares a sua proteção jurídica efetiva, quer antecipadamente ainda em sede administrativa quer em sede jurisdicional» [Direitos Fundamentais (2018), p. 195 e s.; vejam-se, ainda, na primeira página, a alusão a um dever de conformação da propriedade, e, acerca dos deveres estaduais de proteção, as págs. 351, 363 e ss.]. Note-se que, noutros países que consagram um squezze-out direto, como o do artigo 490, existe um rigoroso procedimento ablativo – de índole corporativa, na Alemanha e na Áustria, judicial na Holanda e arbitral na Suécia (cfr. «supra», n.º 10) – e, quanto ao squeeze-out realizado através de fusão (ou dissolução translativa), existem igualmente regras de procedimento exigentes, reforçadas nos EUA (Delaware) com um entire fairness test (cfr. «supra», a nota 17). Dentro dos direitos económicos, acerca da criação de condições institucionais para a efetiva proteção da liberdade de empresa, cfr. também EVARISTO MENDES, anotação ao artigo 61 da CRP, in Jorge Miranda / Rui Medeiros, CPA (2010), cit., p. 1188 (nota VII) = CPA (2017), p. 859.

[lxxix] Cfr. PAZ ARES, «Aproximación» (2002), cit., p. 52 e s, n.º 1.4. Decorre do exposto que a mesma eficiência económica que permite justificar a ablação ad nutum impõe limites ao modo como esta se efetiva.

[lxxx] Cfr., por ex., JORGE PEREIRA DA SILVA, in Jorge Miranda / Rui Medeiros, CPA (2017), cit., p. 261 e s. (nota XXIX ao art. 18).

[lxxxi] Como já resulta de uma adequada interpretação da lei (cfr. «supra», n.º 13), esta independência deve estender-se ao modo de designação do ROC, como se verifica, por ex., na Alemanha. Neste país, no sentido de que a designação de um revisor independente é legalmente exigida não apenas para uma melhor informação dos minoritários, mas também para os libertar, na medida do possível, de um processo judicial de avaliação das participações (atenuando o seu ónus de impugnação), cfr. E. VETTER, «Squeeze-out in Deutschland», ZIP 41/2000, p. 1817-1824, 1822 [entre nós, acentuando a tutela preventiva dos minoritários e a criação de condições para contestar judicial a compensação, cfr. . LILIANA SÁ, «A contrapartida» (2009), cit., p. 170 es.]. Acerca da dimensão constitucional do problema, cfr. adiante. Note-se, ainda, que, no direito de aquisição potestativa jusmobiliário, além de requisitos mais apertados, há um exigente procedimento aquisitivo, controlado pela CMVM (cfr. os arts. 194 e s. do CVM). Sobre a exigência de procedimento justo no quadro dos direitos fundamentais, embora no âmbito do direito administrativo, recorda-se, ainda, SÉRVULO CORREIA, «Administrative Due or Fair Process» (2011), cit., p. 313-361. Acerca do mesmo como compensação para uma regulação liberal das sociedades e da relação maioria-minoria, cfr. o que se observa na nota 17 acerca do direito do Delaware.

[lxxxii] Ou de exercício de um direito de exoneração ou desinvestimento (cfr., sobretudo, o art. 240.5).

[lxxxiii] Cfr. PAZ ARES, «Aproximación» (2002), cit., p. 52 e s., n.º 1.4. Cfr., igualmente, BRETT A. MARGOLIN / SAMUEL J. KURSH, «The economics of Delaware fair value», Delaware J. C. L., 30 (2005), p. 413- 435.

[lxxxiv] Uma exigência deste género consta também do CVM, a respeito do squeeze-out jusmobiliário (cfr. os arts. 188.2 e 4/194.1). Acerca do significado de tal exigência, cfr. a observação de VETTER, na nota 79. Vejam-se, ainda, «supra», no n.º 10, as referências de direito comparado.

[lxxxv] Embora, entre os práticos da avaliação de empresas e os teóricos da economia da empresa, se encontre quem defenda a aplicação destes descontos, no caso em análise, o valor a determinar é um valor legal, não meramente técnico ou teórico, cuja determinação obedece a normas jurídicas; e destas decorre ser ele um valor fracionário, em princípio correspondente a uma quota-parte do valor da sociedade (que funciona como valor de base ou de referência), sem tais descontos - designadamente por força da regra da proporcionalidade contida no artigo 1018.2 do CC, para que remete o artigo 1021.2, em virtude do princípio da igualdade de tratamento dos sócios e em conformidade com a ideia princípio de que os sócios devem receber, no presente, exatamente o valor que lhes caberia se permanecessem na sociedade. Note-se, aliás, que, para a sócia maioritária interessada nas participações dos minoritários, as participações destes até poderão ter um valor (marginal) superior ao respetivo valor legal; o que, no entanto, também é de desconsiderar. Acerca do assunto, cfr. EVARISTO MENDES, «Exoneração de sócios», AAVV, II Congresso DSR, Coimbra (Almedina) 2012, p. 3-89, 20 e ss., «Deliberações que fixam o valor das participações sociais», AAVV, III Congresso DSR, Coimbra (Almedina) 2014, p. 67-108, 69 e ss., e «Valor das participações sociais. Valor legal e valor estatutário. Discrepância de valores», DSR 13 (2015), p. 107-152, 108 e ss., 122 e ss., com mais indicações, bem como, por ex., VETTER, «Squeeze-out» (2000), cit., p. 1821 e s., KOPPENSTEINER, KK-AktG (2004), cit., p. 1298, 820 e ss., 843 e ss. (aludindo aos princípios referidos e indicando também a existência, na Alemanha, de uma divergência entre a posição dos teóricos da empresa, por um lado, e a jurisprudência e literatura jurídica, por outro lado, estas contrárias à aplicação dos descontos - p. 844, § 305, n.º 95), e, nos EUA, BRETT A. MARGOLIN / SAMUEL J. KURSH, «The economics of Delaware fair value» (2005), cit., p. 413- 435 [distinguindo fair value («the value of a firm if management held all of its equity», isto é, na ausência de «managerial agency costs») de fair market value e demonstrando que a posição dos tribunais do Delaware, que reconhecem aos minoritários um valor pro rata do valor da sociedade (enquanto empresa ativa), sem descontos de minoria ou iliquidez (fair value), está de acordo com a teoria económica da corporação, mais especificamente, com a função económica da lei societária de redução do custo do capital das sociedades de capitais, aumentando deste modo a eficácia da forma societária, e constitui a maneira de fazer valer o contrato de sociedade].

Pode, ainda, acrescentar-se o seguinte: do princípio da divisão do capital em quotas e ações (arts. 197.1 e 271) resulta que o valor da sociedade (capital) pertence aos fundadores da sociedade, respetivos aderentes e seus sucessores em função das suas quotas ou ações, sendo este o fundamento último dos direitos patrimoniais dos sócios, incluindo o de receber uma correspondente compensação em caso de perda forçada da participação e quando a lei lhes reconhece um direito de exoneração ou desinvestimento; em termos jurídico-societários, para a sociedade, um euro de investimento vale o mesmo quanto a todos os investidores, como pode também inferir-se do mesmo princípio e, por ex., do art. 219.1 e 6; se, ocorrendo a exoneração de um sócio com fundamento legal, o valor a receber é necessariamente pelo menos o valor legal apurado nos termos do art. 1021 do CC (art. 240.8), por identidade ou maioria de razão haverá de acontecer o mesmo se um minoritário exercer o direito regulado no art. 490.5 e 6, e não faria sentido que o valor fosse menor se a saída do sócio for forçada, nos termos dos n.ºs 1 a 4; se na própria exclusão de sócio (ou na amortização de quotas ou ações), em que a perda da qualidade da participação se baseia em justa causa (ou causa material atendível), a regra é a do recebimento de um valor nesses termos (cfr. os arts. 241.2, 242.4 e 235.1), por identidade ou maioria de razão isso deverá suceder no caso em análise.

[lxxxvi] Cfr. também, designadamente, o citado acórdão do TRL de 29.10.2002, p. 116 e s., e o acórdão do mesmo tribunal de 12.11.2009 (ANA LUÍSA GERALDES), RDS I (2009), n.º 4, p. 1041-1052, disponível também em www.dgsi.pt.

[lxxxvii] Cfr. o que se disse a respeito do direito alemão e a nota a seguir, relativa ao ordenamento helvético.

[lxxxviii] O art. 105.3 da Lei helvética sobre a fusão - a qual pode envolver o afastamento dos minoritários, se verificado um requisito de capital de 90% (cfr. a nota 24) -, havendo contestação da operação por falta de adequação da compensação (ou dos direitos conservados por um sócio), dispõe: «Les frais de la procédure sont à la charge du sujet reprenant. Si des circonstances particulières le justifient, le juge peut mettre tout ou partie des frais à la charge du demandeur». Acerca dela, lê-se numa sentença do Tribunal Federal de 20.09.2011 [4A_96/2011, BGE 137 III, p. 577 e ss.], a respeito de uma fusão com eliminação de sócios minoritários: «Diese Regelung soll den ausgeschlossenen Gesellschaftern erlauben, eine Überprüfungsklage zu erheben, wenn sie legitime Gründe dazu haben, ohne dass sich die voraussichtlichen Prozesskosten prohibitiv auswirken (BGE 135 III 603 E. 2.1.2 S. 606 mit Hinweis)» (n.º 8.2). O Tribunal esclareceu, ainda, que esta regra apenas se aplica de forma restrita aos custos de eventual recurso. No resumo da decisão em francês, lê-se: «En particulier, elle n'entre pas en considération lorsqu'un demandeur a un propre intérêt financier important à l'action et qu'au stade de la procédure devant le Tribunal fédéral, il n'existe ainsi aucune disproportion entre le risque lié aux frais et les chances de succès sur le plan financier» (cfr. os n.ºs 8.3 e 8.4).

[lxxxix] Estamos aqui a considerar não apenas uma regra de interpretação da lei conforme à Constituição, rejeitando interpretações desconformes, mas, ainda, em caso de dúvida acerca de duas interpretações ambas conformes, a preferência por aquela que se mostra mais conforme, mais próxima dos juízos de valor constitucionais. No primeiro caso, a Constituição impõe-se, sem mais, ao intérprete. No segundo, estamos perante um cânone interpretativo, no fundo, recondutível ao elemento sistemático da interpretação: fazendo a Constituição parte do sistema jurídico em que a lei interpretanda se insere e sendo ela o repositório dos valores e princípios fundamentais do ordenamento jurídico, justifica-se atribuir-lhe, na operação de interpretação, um peso especial.

[xc] Pode discutir-se se a tal dever corresponde um direito a procedimento adequado. Isto mostra-se, no entanto, menos relevante.