EVARIST​O MENDES

A validade e eficácia das cláusulas estatutárias restritivas

da livre transmissibilidade das ações

Cap. 3

(Apêndice de direito comparado)

(omissis)

D) DIREITO ITALIANO

Ascarelli1 (1952),p. 233 ss; Ascarelli 2 (1955), p. 359 ss; Ascarelli3 (1959), p. 579 ss; Angeloni (1961), p. 3 ss; Asquini (1961), p. 77 ss (= RiS, 725 ss); Bigiavi (1953), p. 3 ss; 19, 48 ss; Brunetti, II (1948), p. 75 ss, III, 138; Cottino1 (NDI XVII), p. 597 s, 606 ss; Cottino 2 (1966), p. 320 ss; De Gregorio (1973), p. 260 s; De Martini (1954), p. 422 ss (430 ss); De Ferra (1964), p. 3 ss, 179 ss (202 ss), 254 ss; Ferrara Jr. (1962), p. 321 s, 352, 380 ss; Ferri 1 (1971), p. 333 ss, 367 ss; Ferri2 (1976), p. 223 s, 604ss; Ferri3 (1980), p. 257; Franceschelli (1961), p. 437 ss; Frè (1972), p. 3 s, 245, 247 ss; Galgano, I (1977), p. 48 ss, VII (1984), 1 ss, 13, 131, 141, 144 ss; Gasperoni1 (1950), p. 131; Gasperoni2 (NDI II), p. 184 s, 190; Gatti (1970), p. 346 s; Graziani (1963), p. 178, 264, 269; Libertini (1966), p. 815, 903 ss; Manara (1902), p. 510 ss (523 s, 537 s, 553); Marghieri (1929), p. 68 s; Messineo1 (1966), p. 28, 30, 37, 43 ss; Messineo2 (1960), p. 18 ss, Messineo 3 (1962), p. 540 ss, 589 ss; Messineo4(1966), p. 144 ss; Mossa 1 (1950), p. 11, 16, 18 ss, 28 ss; Mossa2 (1957), p. 270 ss, 324 ss; Rivolta (1965), p. 6, 39 ss (77 ss), 239 ss, 314 ss; Rodotà (1961), p. 752 ss, 758, 764 s; Siola (1965), p. 479 ss; Spano (1965), p. 1044 ss (1052 ss, 1061 ss); Spatazza1 (1972), p. 138 ss, 151 ss, 351 ss, Spatazza2 (1972), p. 112 s, 186 ss; Visentini (EncD IV, 1979), p. 998 s; Vivante (1911), p. 271.

(Vid. Restrições I, 58 ss)

§ 1.º

Eficácia erga omnes das restrições estatutárias

A doutrina e a jurisprudência italianas dominantes afirmam a eficácia erga omnes das cláusulas restritivas da circulação das ações, embora com razões nem sempre coincidentes [i] . Em termos muito gerais, os contornos do problema refletem a dupla natureza da ação como participação social, regulada pelo direito societário e conformada pelos estatutos das sociedades, e como título de crédito, com o especial regime de circulação que caracteriza os títulos-valores, a que acresce a qualificação da mesma como posição contratual feita por alguns autores, o que nos coloca no campo da cessão do contrato.

1. Perspetivas contratualistas. O pensamento de Ascarelli

De entre os autores que se ocuparam do tema cumpre salientar, à cabeça, Ascarelli. No seu primeiro escrito sobre a matéria, o ilustre comercialistaparte da ideia de que a ação é um título de crédito e as restrições são relativas (diretamente) à circulação deste [ii] . Por isso, coloca a questão da eficácia das cláusulas de vinculação das ações ao nível da teoria dos títulos de crédito, segundo a qual o criador do título pode disciplinar a sua lei de circulação, “ seppure compatibilmente con la natura del titolo”.

1.1 Mais especificamente, a eficácia erga omnes é justificada deste modo:

- A ação não constitui um bem já “esistente in natura”, como o são as coisas a que se refere a doutrina pandectística quando aborda a questão da eficácia das proibições de alienar; é um título de crédito, que nasce só com o ato da sua criação pela sociedade; - “ora un titolo di credito deve la propria vita alla propria creazione ed è questa legge che ne regola la sucessiva circolazione in maniera obbligatoria per chiunque”; - daqui resulta que “il limite statutario alla circolazione delle azioni non possa venire assimilato ad un vincolo reale sulle azione stesse. Non si trata difatti di un vincolo che colpisce le azioni; si trata di una loro caratteristica intrinseca, di una qualità del bene nella sua originaria natura giuridica, independentemente da diritti dei quali può costituiri l’oggeto” [iii] .

O autor acaba por concluir que, admitida a vinculação, ela é eficaz erga omnes quando conste dos estatutos (que constituem o ato definidor da lei de circulação do bem em causa) [iv] . Do respetivo pensamento extrai-se uma ideia fundamental, depois retomada pela doutrina subsequente [v] : a vinculação tem natureza estatutária, é relativa à configuração originária do bem (ação); tem, portanto, uma natureza diferente dos pactos “de non alienando”, não constituindo objeção [vi] (5)procedente à sua eficácia real o facto de a constituição de vínculos reais não previstos por lei ser inoponível a terceiros. (…).

1.2 Num segundo escrito [vii] , Ascarelli reformula o seu pensamento, começando por enunciar assim a questão: porquê a eficácia real dos limites estatutários à circulação das ações? Noutros termos, porque pode o estatuto disciplinar (entenda-se, com eficácia que lhe é própria) a própria circulação das ações?

a) O ponto de partida para a resposta a esta questão é constituído pela ideia de que os limites à circulação das ações (previstos no art. 2355 do Codice civile) concernem, mais propriamente, aos limites à circulação das participações acionárias (dada a possibilidade, no direito italiano, da não emissão de títulos), à circulação da posição de acionista , haja ou não emissão de título; - e não à mera circulação do título. A justificação da sua eficácia real não pode, assim, encontrar-se na teoria dos títulos de crédito, mas no plano societário .

Porém, tal justificação também não pode simplesmente deduzir-se do art. 2355, argumentando com a “generale opponibilità erga omnes delle clausole validamente introdotte nello statuto”. A explicação está em que a posição de sócio (na sociedade anónima, como em qualquer sociedade) é uma posição contratual (no contrato de sociedade, contrato plurilateral com prestações correspetivas), ela é «assimilabile nella sua circrolazione piutostto al “contratto” che non al credito o alla cosa ed a questa analogia mi sembra - diz - possa ricondursi la riconsciuta opponibilità erga omnes (e cosi nei confronti dell’acquirente) dei limiti alla circolazione» (p. 377). “Perciò appunto in linea di principio la circolazione di detta posizione è possibile solo col consenso degli altri soci; perciò quando viene superata legalmente questa concezione (concependosi allora la stessa partecipazione sociale come res avente una esistenza autonoma) essa può poi tornare ad essere rivelante in forza della volontà delle parti che se esprime ... nello statuto (...)” (p. 378).

A ideia a reter é portanto esta: a posição de sócio é uma posição contratual, cuja cessão, em princípio, não é eficaz face aos demais sócios sem o consentimento destes; por isso “anche quando la partecipazione sociale viene considerata oggetivamente, escludendo perciò in via generale la necessità di consenso degli altri soci per la sua circolazione, è ammissibile che lo statuto torni poi a subordinare il trasferimento (o meglio l’efficacia di questo nei confronti della sociatà e cioè degli altri soci) a determinate condizioni” [viii] .

b) No que, em especial, se refere às cláusulas de preferência a favor dos sócios [deixando o autor de parte as cláusulas de preferência a favor da sociedade que, por causa do regime de aquisição de ações próprias (art. 2357), serão pouco praticáveis], escreve Ascarelli que elas não se limitam a disciplinar a relevância da transmissão de ações no confronto da sociedade e, portanto, a tutelar o interesse comum dos sócios: elas disciplinam também diretamente um direito dos sócios uti singuli. Duvida, por isso, da possibilidade de “ sancirle con l’efficacia reale propria delle clausole statutarie, e ció appunto perchè mi sembra - diz - che lo statuto non possa disciplinare i diritti di un socio uti singulus nei confronti di un altro socio” (p. 391s). A disciplina estatutária tem, com efeito, o seu fundamento no interesse comum dos sócios: é portanto, relativa à posição de um sócio face a todos os outros (à sociedade), não de um sócio face a outro determinado. Embora admitindo opinião diferente, o autor conclui que esta cláusula deve ser objeto de exame distinto, não lhe sendo, sem mais, aplicáveis as conclusões (cf. infra, § 2.º) relativas às outras cláusulas restritivas (p. 392).

c) Ascarelli salienta ainda que é a eficácia real das cláusulas estatutárias, tornando-as oponíveis ao adquirente das ações vinculadas, que lhes confere superioridade prática sobre os sindicatos de bloqueio (estes dirigidos ao alienante) e, portanto, confere utilidade prática e sentido útil ao art. 2355 em confronto com o art. 1379 [ix] .

1.3 Apreciação . Ainda que o pensamento de Ascarelli não seja muito claro, penso poder retirar dele (globalmente considerado) as seguintes ideias:

1ª Os estatutos publicados têm, quanto ao seu conteúdo verdadeiramente estatutário, eficácia erga omnes.

As cláusulas de vinculação da transmissão têm, segundo reconhecimento geral, natureza e eficácia estatutária, isto é são oponíveis erga omnes.

3ª A sua natureza estatutária decorre de disciplinarem uma situação jurídico-societária (cf. a questão da eficácia da cláusula de preferência).

4ª Mas no caso da cláusula de agrément, o fundamento dessa eficácia reside, mais especificamente, numa espécie de reposição voluntária do princípio geral relativo à cessão da posição contratual (art. 1406 do CCit; cf. o correspondente art. 424 do CC português). Isto é, sendo a questão relativa à circulação de uma posição social (de natureza contratual), o contrato de sociedade é competente para a definir (na medida em que o conteúdo dessa definição tenha natureza estatutária). E esta competência é confirmada no caso da cláusula em apreçopela ideia da reposição do princípio geral referido.

2. Outros autores. De Martini

Tal como acontecera com o seu escrito de 1931, o pensamento de Ascarelli acabado de expor (deixamos por agora a questão da eficácia da cláusula de preferência) encontrou largo eco, dentro e fora da Itália. A sua posição é, no fundamental, seguida, nomeadamente, por Spatazza [x] , De Martini [xi] , e De Gregorio [xii] .

2.1 Assim, De Martini, depois de afirmar que a eficácia real constitui um desvio ao princípio da eficácia meramente obrigacional dos limites contratuais de alienação (nº 5, p. 429), defende que a participação acionária é, como qualquer participação social, não um bem em sentido próprio, do qual o alienante possa dispor livremente (pelo menos, necessariamente), mas a posição que um sócio tem no contrato (plurilateral) de sociedade, isto é, uma posição contratual. A sua transmissão constitui, assim, uma cessão do contrato , uma sucessão na posição contratual do transmitente. E é por efeito (ou como corolário) da cessão da posição contraente no contrato de sociedade (da sucessão do cessionário na posição do cedente) que o cessionário sucede também na posição de sócio ou direito de participação que o cedente tem (na ou) perante a sociedade. Daí a conclusão: "[o]ra, se il cessionário della partecipazione sociale subentra nel contratto sociale, fra i cui patti è previsto il limite di cessionne della partecipazione stessa (...), è ovvio che anche ad esso cessionario il limite ... sia opponibile; ed in questo si sostanzia la c.d. efficacia reale del relativo patto statutario" (nº 6, p. 431s).

Para este autor, o fenómeno dominante, na transmissão da participação social, em geral, e da participação acionária, em particular, é, assim a modificação subjetiva do contrato de sociedade ( rectius, da relação contratual societária): o cessionário vem ocupar a posição contratual do cedente; e, como consequência, adquire o direito de participação emergente desse contrato. A eficácia real das cláusulas restritivas, que se traduz numa eficácia vinculada da transmissão da participação acionária, resulta da própria natureza do objeto do negócio translativo cuja lei de circulação é restringida: a participação acionária. Ou, por outras palavras, resulta do facto de essa transmissão consubstanciar uma modificação subjetiva do contrato de sociedade, que, justamente, afasta a possibilidade de uma sua modificação unilateral. Com efeito, o contrato de sociedade é visto como um contrato com prestações correspetivas (nº 7, p. 432), em que o “subentro” de um sujeito se dá, em regra (art. 1406 do Codice ), somente com o consentimento da outra parte ou, no contrato plurilateral, das outras partes (nº 7, p. 432). Esta subordinação da cessão ao consenso de todas as partes no contrato tem (em geral) como consequência a ineficácia absoluta da própria cessão, quando falte tal consenso, já que a lei, quando quis configurar uma simples ineficácia relativa (isto é, em relação ao contraente cedido, apenas) disse-o expressamente (nº 7, p. 432). Falta, na verdade, um pressuposto de eficácia: a legitimidade do disponente. Este não tem (por si só) poder de disposição (nº 7, p. 433). A aplicação dos princípios que regem a cessão do contrato em geral à cessão de posição contratual societária teria, assim, como consequências: que a posição de contraente no contrato de sociedade não seria cedível sem o consentimento dos demais (ou de quem os represente); e que a cessão não consentida seria absolutamente ineficaz. Haveria, no entanto, que ter em conta a possibilidade de um consentimento prévio à cessão da posição de sócio, expresso no próprio contrato de sociedade (cf. o art. 1407.1). Neste caso, a cessão seria eficaz inter partes e face a terceiros, mas a sua eficácia face à sociedade dependeria, como no caso dos créditos, de notificação (ou aceitação) desta. Até lá, tal cessão seria relativamente ineficaz. (nº 7, p. 433 s).

Todavia, ainda segundo De Martini, o regime comum da cessão do contrato não pode adaptar-se tão linearmente ao campo societário: é necessário coordená-lo com outros princípios (nº 7, p. 434 s). Na verdade, em matéria de sociedades (pelo menos, nas de responsabilidade limitada), oprincípio fundamental é o da disponibilidade pelo sócio da sua participação social (esta disponibilidade corresponde à natureza da relação societária). Este princípio tem como consequência que o consentimento antecipado está compreendido nos naturalia negotii da cessão de posição social. Tal significa que apenas a eficácia da cessão face à sociedade fica dependente de comunicação a esta. (Até lá, é o cedente considerado como sócio.) As cláusulas restritivas vêm limitar as consequências do princípio geral da livre disponibilidade da posição de contraente no contrato de sociedade, o que, neste aspeto, representa um retorno à regra da “não credibilidade sem o consentimento do contraente cedido” (ib). Isto é, a função do art. 2355 é a de consentir ao pacto social a remoção do princípio da livre disponibilidade da parte social (nº 11, p. 442).

3. De Ferra

Mais rigorosa me parece, porém, a posição de De Ferra, autor de uma importante monografia sobre o tema da transmissão da participação acionária [xiii] .

3.1 Tal como sucede com De Martini e Ascarelli, este autor vê a participação social como uma posição contratual (p. 3 s, 5 ss) e a posição de sócio como essencialmente idêntica em todos os tipos de sociedade (conceção unitária da participação social) [xiv] (p. 7 ss). Daqui deriva uma fundamentalidentidade do fenómeno circulatório em todos os casos: trata-se da cessão do contrato (p. 11 ss, p. 16 ss), em que a sociedade representa as partes cedidas (cap. II, p. 33), isto é, de um fenómeno sucessório, cuja natureza fundamental não é, aliás, alterada pela titulação acionária (incidindo esta apenas sobre o mecanismo de circulação de tal participação) (cap. II, p. 31 ss).

a) A circulação da participação acionária deve, portanto, em princípio, inserir-se no regime geral da cessão do contrato, cujo princípio geral é o de que a modificação subjetiva da relação contratual depende do consentimento do cedido (art. 1406; cf. p. 26). Este princípio é formulado para os contratos comutativos [xv] (13) (contratti di scambo), mais especificamente, para os contratos com prestações correspetivas, mas deve ser aplicado por analogia ao contrato de sociedade (p. 21 s), isto é, à circulação das participações sociais. Tal aplicação é, aliás, confirmada naqueles tipos legais de sociedade em que releva o “intuitus personae”, isto é, que correspondem essencialmente a associações de pessoas (p. 25).

O princípio é, porém, derrogado naqueles tipos (legais) societários em que a pessoa dos participantes aparece como (em certa medida, pelo menos) indiferente (cf. p. 1 s, e p. 25). Neles, o princípio é o da livre cedibilidade das participações sociais, porque a fungibilidade destas é conatural a tais tipos (cap. II, p. 33, cap. VI, p. 183). Um desses tipos é o da sociedade anónima, donde resulta uma importante peculiaridade da circulação da posição acionista (p. 30): o princípio geral da circulação da posição contratual não se aplica à circulação da participação acionária. Esta não está, em abstrato, sujeita ao consentimento do cedido. O legislador “ ha svincolato il trasferimento della qualità di parte dall’ assenso del ceduto tenendo conto della peculiarità del contrato" [xvi] (cap. VI, p. 183).

É certo que o art. 2355 consente uma atenuação desta derrogação, através da introdução no pacto social de cláusulas limitativas da circulação da participação acionária, mas tal atenuação tem um significado bem diferente de uma reposição do (ou retorno ao) princípio do art. 1406 (mesmo no caso da cláusula de agrément) (p. 202 ss). Na verdade, a sociedade anónima – ao contrário do contraente cedido, segundo o art. 1406 – não pode impedir a cessão, a substituição do cedente. Ela pode apenas subordiná-la à verificação de “ particolari condizioni” não relativas ao cedente; não pode condicionar a saída, mas apenas restringir a entrada de sócios (p. 203 s). Tais condições também não dizem respeito à aptidão da posição contratual para ser (em geral) objeto de negócios translativos (p. 203). As hipóteses em que o consentimento do contraente cedido é relevante são, portanto, limitadas. A lei não reconhece à autonomia privada o poder de aplicar o regime legalmente previsto para circulação do contrato (proibição de alienação sem o consentimento do cedido) quando o objeto da transmissão for a posição de parte num contrato de sociedade por ações (p. 204). O interesse tutelado pela norma do art. 2355 não é o interesse na imodificabilidade unilateral do contrato, mas apenas o interesse em que o novo sócio possua determinados requisitos. Ela não é, portanto, uma aplicação específica do princípio geral da incedibilidade do contrato por vontade de uma das partes.

Mas a inoponibilidade à sociedade da transmissão de ações vinculadas, quando ocorra a inobservância do processo estatuário restritivo, deduz-se com certeza de letra do art. 2355, sobretudo confrontando-o com o art. 1379 (p. 207 s, cf. p. 223), e também do antecedente histórico daquele preceito: o art. 686 do CO suíço, segundo o qual, “a sociedade pode recusar a inscrição no livro das ações por motivos previstos no estatuto” (p. 208). As cláusulas não têm, portanto, a sua eficácia limitada às relações entre a sociedade e o alienante (isto é, meramente relativa) (p. 207). O interesse social requer (pelo menos) a inoponibilidade da transmissão “irregular” à sociedade, nos termos vistos (cf., para a cláusula de preferência, a que se alude a seguir, p. 215, 217 s, 221).

b) No que, especificamente, se refere à cláusula de preferência , para o autor, ela não tem mais que a eficácia (jurídico-societária) reconhecida, em geral, a qualquer cláusula restritiva: a transmissão com violação de preferência é inoponível à sociedade. Não tem, portanto, verdadeira eficácia real, no sentido de conferir ao titular do direito de preferência um direito de “resgate”. Só a lei pode estabelecer limites à circulação com eficácia real. Tal poder não está dentro dos limites da autonomia privada (cf. p. 215 ss).

3.2 Apreciação. Algumas ideias são de destacar nesta exposição do pensamento de De Ferra. A primeira é a de que o contrato de sociedade não é um contrato comutativo, de que o contrato com prestações correspetivas é uma espécie, mas um contrato associativo. Assim, o regime de cessão do contrato, legalmente previsto para o contrato com prestações correspetivas, não se lhe pode aplicar a não ser por analogia. A segunda é a de que, no caso da sociedade anónima, tal analogia não existe e que, portanto, ao contrário do que defenderam Ascarelli e De Martini (bem como a restante doutrina que segue o pensamento destes autores), as cláusulas de vinculação não repõem, neste tipo de sociedade, o princípio geral da imodificabilidade unilateral do contrato. A terceira é a de que o interesse tutelado pela norma do art. 2355 requer, pelo menos, a inoponibilidade à sociedade da transmissão irregular.

Afastada, portanto, de vez, por Ascarelli, a objeção da mera ineficácia obrigacional dos pactos “de non alienando distinguindo as situações que se verificam em tais pactos e nas cláusulas estatuárias –, a eficácia erga omnes destas últimas não parece requerer ainda uma justificação positiva, do género daquela ensaiada por Ascarelli e De Martini. Ela terá suficiente justificação no interesse tutelado pelo art. 2355 (isto é, o interesse digno de tutela prosseguido pelas cláusulas) e tornar-se-á operante desde que verificado o pressuposto de publicidade (legal) dos estatutos. Tal interesse é, precisamente, o de atribuir à sociedade o controlo das entradas de novos sócios (ou respeita às posições relativas já detidas pelos sócios existentes), não o de impedir a saída de um sócio. A sociedade passa a deter, pelas cláusulas, um poder de controlo sobre a composição do seu elemento pessoal, em nome da natureza associativa do contrato que lhe dá origem. Mas a lei concebe a sociedade anónima como uma associação de capitais e a extensão estatuária da sua natureza associativa ao elemento pessoal é entendida pelos autores citados (e pela doutrina, em geral) como uma questão apenas relativa ao adquirente.

A justificação das cláusulas está, portanto, na natureza associativa do contrato de sociedade. Trata-se de uma reposição, na sociedade anónima, dessa natureza ao nível da composição pessoal da sociedade. Na verdade, a realização do interesse contratual de cada um dos sócios depende, em geral, de quem são os demais sócios, que concorrem para a formação da vontade coletiva e o desenvolvimento e integridade da empresa. Mas, na sociedade anónima (e esta ideia nem é especifica da sociedade anónima), ninguém tem o direito de contar com a pessoa de um determinado sócio, podendo este sair livremente, transmitindo as suas ações (ou, em geral, abster-se de participar na vida social). A reposição da ideia associativa ao nível do elemento pessoal tem, portanto, apenas a ver com a questão de saber se o adquirente de ações deve ser admitido como membro da associação. Daqui decorre, naturalmente, que a eficácia das cláusulas deve incidir na relação entre a sociedade e o adquirente e não na relação entre a sociedade e o alienante.

4. A participação acionária como direito. vinculação da cessão

Para quem considere que a participação acionária não deve ser identificada com uma posição contratual (embora sujeita a um regime especial), mas considerada como uma entidade objetiva, juridicamente autonomizada do contrato que constitui a sua fonte e sobre a qual recai um chamado direito de participação (um direito complexo e suscetível de ser “incorporado” num título) [xvii] ,a questão desloca-se da teoria da cessão do contrato para a cessão dos direitos.

Assim, Graziani [xviii] justifica a eficácia erga omnes das cláusulas de vinculação fazendo apelo ao instituído da proibição convencional da cessão de créditos (art. 1260, que o autor contrapõe ao art. 1379), embora adaptando o seu regime aos princípios do direito societário. O resultado seria o de que a cessão da participação acionária pode ser limitada (mas não excluída) e a eficácia desse limite face ao cessionário seria um efeito da publicidade dos estatutos, que este teria o ónus de consultar.

5. Outros autores

A generalidade da restante doutrina consultada, ou se limita a afirmar a eficácia erga omnes das cláusulas sem a justificar [xix] ,ou a fazê-la decorrer da sua natureza estatuária (que as faz participar da eficácia erga omnes das disposições estatuárias) e da publicidade legal de que beneficia [xx] , ou, ainda, diretamente da lei, contrapondo o art. 2355 ao art. 1379 [xxi] , [xxii] .

6. A ação como título de crédito. Posição de Messineo

Na literatura moderna, apenas um autor, Messineo [xxiii] ,nega a eficácia erga omnes das cláusulas de vinculação. Segundo ele, estas cláusulas teriam uma eficácia meramente pessoal, relativa apenas à pessoa do sócio alienante, isto é, um âmbito de eficácia de ordem meramente disciplinar.

Quanto à fundamentação desta afirmação, o pensamento fundamental é o que se segue. O autor parte, em primeiro lugar, da tese (defendida pela jurisprudência e pela doutrina dominante, como se verá no § 2.º) de que as cláusulas afetam a oponibilidade da transmissão das ações à sociedade , conferindo, portanto, a esta o poder de recusar a inscrição do transmissário como sócio. Em segundo lugar, parte da ideia de que o adquirente das ações é titular de um direito de propriedade, direito real oponível erga omnes. Daqui, tira o autor a conclusão de que as cláusulas, se tivessem eficácia real, modificariam o regime jurídico da propriedade mobiliária (transmitida ao adquirente), afetando o próprio conteúdo do direito de propriedade (do mesmo adquirente). E, como este regime é de ordem pública, tais cláusulas seriam ilícitas. (Deve entender-se, segundo creio, esta ilicitude como relativa às cláusulas enquanto tendo eficácia real.) Nem o art. 2355.3 alteraria esta conclusão, porque, dado o seu conteúdo vago e indeterminado, não poderia conferir a um privado autorização para modificar o regime da propriedade, o que, aliás, só lei expressa pode fazer. Na verdade, no que refere, especificamente, ao regime de transmissão da propriedade, seria sabido que o legislador, quando quis limitar a transmissibilidade dos bens, o disse claramente, como, por exemplo, no art. 1379 do CC.

6.1 A argumentação deste autor é, no entanto, de muito maior alcance, pelo que, dada a importância da questão em apreço, importa apresentá-la num quadro de ideias sistematicamente ordenado tendo em conta não apenas a obra que cito como referência do seu pensamento, mas também outra informação que tenho acerca do mesmo.

a) Natureza dos estatutos e âmbito da sua eficácia (p. 591 ss, 594). O ato constitutivo da sociedade (incluídos os estatutos) é, devido à sua natureza contratual, uma fonte normativa privada, interno-societária. A lei social é uma lei meramente privada, reguladora das relações entre a sociedade e os sócios. Tem, assim, um âmbito subjetivo de aplicação ou eficácia limitado, pessoal (ou relativo), como resulta da natureza da sua fonte; não se aplica a quem não é sócio. Face a terceiros, o pacto social é res inter alios ata, como decorre do princípio da eficácia meramente relativa dos contratos (art. 1372).

Deste âmbito subjetivo de eficácia restrito que têm os estatutos (devido ao seu caráter privado) decorre que a sociedade não pode invocar uma sua cláusula para impedir um terceiro, ainda não sócio, de se tornar sócio. Na verdade, a lex societatis é apenas relativa à conduta do sócio como tal, aos seus direitos e deveres, e não à aquisição por terceiros da qualidade de sócios: devido à sua natureza privada, não pode ter efeitos (danosos) para esses terceiros.

b) Natureza e regime de circulação das ações. A ação é um bem (coisa), legalmente circulável sem o concurso da sociedade, sobre o qual o acionista tem um direito de propriedade (e não um mero direito de crédito). Uma vez adquirida a ação por um válido negócio translativo, o adquirente torna-se seu proprietário, isto é, titular do mais “absoluto” dos direitos, eficaz erga omnes (p. 590 s).

O contrato de sociedade não pode afetar (impedir) com eficácia real a transmissão das ações porque se trataria de uma modificação convencional do regime de transmissão da propriedade (p. 593). E, uma vez operada a transmissão, relativamente à qual a sociedade é um terceiro, não se compreenderia que esta tivesse a faculdade – concedida pela sua própria lei interna, decorrente de uma convenção privada – de afetar o conteúdo do direito de propriedade do adquirente, isto é, de limitar o alcance do direito atribuído pela ação. Tal limitação só pode resultar da lei expressa. A lei, quando quis limitar a transmissibilidade dos bens, disse-o expressamente (cf., por exemplo, o art. 1379). Na verdade, oregime da propriedade (e da sua circulação) é de ordem pública, não tolerando a intromissão de um privado como a sociedade. (p. 590 s, 593 a 595).

c) Alcance do art. 2355.3 do CC. Mas, se o pacto social (e a lex societatis dele decorrente) não pode, em virtude do princípio da eficácia relativa dos contratos (art. 1372), afetar a posição jurídica de terceiros, nem, pelos princípios gerais, estabelecer limitações reais à transmissão das ações, nem modificar o regime da propriedade, pode uma sua cláusula restritiva da transmissibilidade ter eficácia real por força do art. 2355.3?

Em primeiro lugar, esta disposição refere-se apenas à possibilidade de pôr limites à “alienazione”, confirmando, portanto, a sua letra que se trata de um simples limite convencional ao poder de disposição do sócio alienante, de uma eficácia meramente pessoal, e relativa, como resulta do art. 1372 (p. 591 s; nota 59, p. 593).

Em segundo lugar, não é de aceitar que uma norma de conteúdo vago e indeterminado, como é a do art. 2355.3, tenha força para conferir eficácia real a uma norma convencional restritiva, dando-lhe eficácia contra terceiros e modificando o regime legal de circulação da propriedade e do próprio conteúdo do direito de propriedade. Se assim fosse, a lei social, de lei especial, transformar-se-ia inexplicavelmente em lei geral (p. 593 ss, 595; nota 59, p. 593).

d) Publicidade legal dos estatutos (p. 592 s; nota 59, p. 593). A publicidade legal dada ao ato constitutivo (e aos estatutos) dá a conhecer a terceiros o conteúdo desse ato (e dos estatutos), não podendo estes invocar sua ignorância. Mas esta publicidade não muda a natureza negocial do ato constitutivo e a eficácia meramente interno-societária (e, no caso das cláusulas restritivas, pelo art. 2355.3, tão só pessoal) dos estatutos. A publicidade dá apenas a conhecer a terceiros a existência e o conteúdo de um ordenamento de natureza privada e, portanto, com um âmbito de eficácia meramente relativo. Ela não pode transformar esse ordenamento privado num ordenamento com eficácia face a terceiros, no sentido de afetar o exercício dos direitos destes, isto é, transformar uma lei particular, privada, numa lei geral. Uma coisa é, na verdade, o âmbito subjetivo de eficácia dos estatutos, outra a sua cognoscibilidade.

6.2 Apreciação.

a) Em primeiro lugar, importa analisar o argumento de que o acionista é titular de um direito de propriedade e, portanto, a ação é uma “coisa”.

Como já disse, a ação foi inicialmente concebida como um direito a uma quota de liquidação do património resultante do exercício de um empresa (alheia) / empreendimento ou de um certo número de empresas / empreendimentos, contrapartida da realização de uma determinada entrada de capital, direito esse comprovado documentalmente. Tratava-se de um puro direito de caráter patrimonial e, portanto, do qual o acionista podia dispor livremente. Este facto converteu a ação num valor de mercado e foi essencialmente com base nesta sua característica que ela serviu às companhias precursoras da moderna sociedade anónima de instrumento de realização da sua função sócioeconómica. Com o triunfo da ideia da permanência da empresa e da fixidez ou estabilidade do capital que servia de base ao seu exercício, a ação passou a significar, essencialmente, um direito a participar, periodicamente, nos resultados desse exercício (direito ao lucro), sendo a medida do seu rendimento que passou a definir decisivamente o seu valor de mercado.

Outra consequência da evolução operada nas companhias majestáticas do séc. XVII e XVIII traduziu-se no aparecimento de uma nova categoria de acionistas, os acionistas principais, a quem foi reconhecido o direito de participarem nas deliberações da companhia, significando esta faculdade, essencialmente, um certo poder de controlo sobre o interesse patrimonial que nela detinham. O passo seguinte, nesta evolução, deu-se com a expansão no século XVIII da companhia como instrumento jurídico da empresa a novos setores da atividade económica e a criação de companhias com um número de membros restrito. Nestas, a noção de acionista veio praticamente a coincidir com a de membro da companhia ou “sócio”. O Code de commerce consagrou, legislativamente, os resultados desta evolução denominando a antiga companhia de sociedade anónima e integrando-a na teoria (geral) do contrato de sociedade. Acionista passou, portanto, legalmente, a ser sócio e a ter, pelo ato constitutivo da sociedade, essencialmente, uma posição jurídica caracterizada por um direito de participação, como associado, na formação da vontade da pessoa coletiva e na definição do interesse social, em vista da realização última do seu interesse patrimonial pessoal. Acionista é, portanto, agora, aquele que entra com bens ou serviços para a formação do património social (ou subscreve a promessa de realizar essa entrada, na parte em que ela possa ficar diferida), adquirindo como contrapartida do seu investimento (i) um direito de participar, juntamente com os demais investidores congéneres, na formação da vontade do ente que vai servir de instrumento para fazer frutificar o capital social (investido), (ii) um direito de participar, periodicamente, nos resultados da atividade desse ente – na proporção do seu interesse – como forma (arriscada) de remuneração do seu investimento, e, ainda, (iii) um direito de quinhoar no produto da eventual liquidação da sociedade. Admitindo que a subscrição de ações vale como declaração de vontade integradora do ato constitutivo da sociedade anónima e que este tem essencialmente natureza contratual (ou, pelo menos, tem uma natureza híbrida, contratual, por um lado, e constitutiva e organizativa da sociedade, por outro), o acionista detém uma posição contratual (ou contratual-organizativa), emergente desse ato.

Esta posição é constituída essencialmente por um complexo direito de participação de base essencialmente patrimonial (direito de participar nos lucros de exercício – e no lucro final) mas abrangendo também faculdades de natureza corporativa ou administrativa, instrumentais relativamente àquelas que constituem o seu conteúdo patrimonial, que lhe conferem, em certa medida, um caráter pessoal, ainda que este apareça tipicamente subordinado àquele. Mesmo quando o acionista entrou para a sociedade com a propriedade de bens, ele perde essa propriedade, e não a troca por um direito de copropriedade no património social, mas pelo referido direito de participação. A conceção defendida por autores mais antigos [xxiv] de que o acionista (como qualquer sócio) é coproprietário do fundo social não tem hoje defensores [xxv] (21 b) e não creio que estivesse na intenção de Messineo ressuscitá-la. Na verdade, o acionista não tem o condomínio do património social. A isso se opõe o facto de a titularidade desse património caber a uma pessoa jurídica distinta dos sócios, a sociedade. E, mesmo na falta deste dado, a posição de um sócio numa sociedade de capitais é bem diversa da de um coproprietário. Fica, portanto, a questão de saber se o referido direito de participação é um direito que confere ao seu titular o domínio sobre um bem autónomo, distinto do património social, isto é, se este tem um poder imediato sobre uma coisa, um poder de tirar dela utilidades sem necessidade de cooperação de outrem, se, no caso deste direito, se verifica “uma supremacia do querer do titular, graças à qual o mesmo pode por si só realizar o seu interesse” (Santoro-Passarelli). Ora, nos quadros atuais do pensamento jurídico-societário, esse bem não existe e, como aliás resulta do caráter associativo da relação contratual da qual o direito constitui o conteúdo (ou objeto imediato) principal, “cada sócio só pode satisfazer o interesse que está na base da sua participação em sociedade mediante a colaboração dos outros sócios”, pessoas determinadas (ainda que não necessariamente conhecidas pelos seus nomes, se há circulação de ações ao portador), que com ele estão numa relação jurídica específica, e não sujeitos “indiferenciados”, tendo apenas um dever de se abster de atos que criem obstáculos ao exercício do poder do titular sobre a coisa [xxvi] .

Creio, assim, poder concluir-se que o direito de participação não é um direito real. Mas pode conceber-se a “participação acionária” como constituindo ela própria o objeto de um direito de propriedade?

Convém, em primeiro lugar, referir que, para uma parte substancial da moderna doutrina italiana, tirando do enquadramento da sociedade anónima na teoria do contrato de sociedade (operada pelo Code de Commerce) um simples corolário, a participação acionária é vista como tendo a mesma estrutura e natureza de qualquer participação social (teoria unitária), ou seja, é vista como uma posição contratual [xxvii] , embora sujeita a um regime especial de circulação (especialidade esta, porém, que teria a ver com o tipo legal da sociedade anónima e não com uma diferente natureza e estrutura de participação em si) [xxviii] . A participação acionária teria, assim, um conteúdo ativo (o referido direito de participação) e um, eventual, conteúdo passivo (a obrigação de entrada, e porventura, obrigação de efetuar prestações acessórias). E, se é possível conceber a própria posição contratual (como as situações jurídicas em geral) como um bem (cf. Biondi, I beni, Torino 1956, p. 46 s), um bem móvel incorpóreo, autónomo, suscetível de ser objeto de um direito, é difícil reconhecer no conteúdo deste direito um direito de propriedade. Acresce ainda que estaremos perante uma relação contratual de caráter associativo, onde a satisfação do interesse contratual de cada um dos sujeitos não é assegurada por uma simples intervenção do aparelho sancionatório predisposto pela ordem jurídica.

É possível, no entanto, ver a participação acionária por outra perspetiva. Segundo esta, a participação acionária ou ação não tem natureza idêntica à de qualquer outra quota de participação social mas é uma entidade objetiva, criada legalmente. É ela o (principal) elemento caracterizador da sociedade anónima, remetendo para segundo plano as relações pessoais decorrentes do ato constitutivo [xxix] , sendo estas definidas em função dela. Com efeito, a sociedade anónima (e, mais geralmente, a sociedade por ações) surge, historicamente, como um instrumento jurídico que vem acrescer às sociedades (tradicionais), com a função socioeconómica de promover a captação de capitais em massa [xxx] para o desenvolvimento da atividade económica (empresarial), constituindo-se como alternativa eficaz ao aforro improdutivo e ao investimento imobiliário, e capaz de congregar poupanças dispersas. Para cumprir esta função, ela adotou uma técnica própria de divisão do capital social em ações, que constitui (o) princípio “universalmente” reconhecido como caracterizador deste tipo de sociedade [xxxi] . Esta técnica consiste em definir, abstratamente, (pequenas) unidades de capital de valor igual (frações do capital estatuário) constituído (ou conferindo?) cada uma delas uma unidade de direitos de participação (um complexo unitário de direitos e poderes ou uma unidade de socialidade). Estas unidades constituem entidades a se, objetivas, tituláveis e tipicamente tituladas, representando um valor de troca ou de mercado – sendo estas características que fazem da ação o instrumento através do qual a sociedade anónima realiza a sua função económica típica.

Assim, a outorga do ato constitutivo de uma sociedade anónima (e o seu reconhecimento normativo) significa, basicamente, a criação de uma pessoa jurídica e a definição da sua lei orgânica e programática fundamental, a criação de uma nova categoria de «bens», as ações, e o estabelecimento de uma relação contratual fundamental. O momento primordial, do ponto de vista da posição dos sócios, é o da subscrição das ações, diretamente com a assinatura do contrato de sociedade ou por ato (materialmente) separado. Essa subscrição significa a assunção pelo subscritor de uma obrigação contratual de realizar determinada entrada de capital em contrapartida da investidura pelo ato constitutivo da sociedade na titularidade dos novos bens. A aquisição da qualidade de sócio não é um simples efeito direto do contrato de sociedade mas uma consequência daquela investidura do cocontratante na titularidade das ações. A posição de sócio (que é diferente da posição concreta do sócio) não pode (sem mais) assimilar-se a uma posição contratual, querendo com isso significar a sua submissão de princípio ao regime do contrato, porque entre ela e o contrato (que constitui a sua fonte), interpõe-se uma entidade, essa sim, criação originária deste: a ação. A posição de sócio é, assim uma posição derivada, decorre da ação, ou, se se quiser é inerente à titularidade desta. A concreta posição do sócio, recondutível a uma posição contratual decorrente do contrato de sociedade e/ou na organização por este instituída e regulada, tira a sua existência e medida da titularidade, inicial ou adquirida, de um certo número de ações.

O legislador não considera irrelevante esta posição contratual, havendo casos em que a toma diretamente em consideração [xxxii] , mas o princípio organizativo superior em função do qual está concebido essencialmente o regime legal da sociedade anónima é a ação. É através desta que a sociedade anónima, de natureza capitalística, realiza a sua função socioeconómica típica, nela residindo, portanto, a própria razão de ser deste tipo legal de sociedade.

A posição global do sócio, de cada sócio, é uma posição complexa – englobando direitos (os que decorrem da ação) e, eventualmente, deveres contratualmente assumidos – que se define essencialmente a partir da ação, essa sim, de caráter objetivo, e, portanto, está em função desta e do seu regime jurídico. Esta natureza da ação ficará mais clara confrontando-a com a da quota, numa sociedade por quotas (para me cingir às sociedades de capitais [xxxiii] .

Numa sociedade por quotas, o capital é dividido pelos sócios, em funções das suas entradas, a cada sujeito correspondendo a sua quota. A quota exprime a posição concreta do sócio na sociedade. Aquele que outorga no contrato de sociedade é, por efeito direto do contrato, investido na posição contratual de sócio, medida pela sua entrada. É dessa posição contratual, isto é, da posição de sujeito da relação jurídico-societária, que deriva a sua quota (de participação). Enquanto, portanto, a ação é uma entidade originária, uniforme, abstratamente definida autónoma e objetiva (desligada da pessoa dos sócios), a quota é uma entidade, derivada, variável, concretamente definida em função do sujeito, embora legalmente concebida como naturalmente (mas não essencialmente) independente do sujeito concreto [xxxiv] . Esta diferença de natureza tem consequências importantes.

A ação é a unidade elementar de organização da sociedade anónima [xxxv] , é elemento essencial deste tipo de sociedade [xxxvi] , porque é o instrumento através do qual esta desempenha a sua função socioeconómica. E é uma entidade apta a circular, tendo mesmo os sócios, em princípio, o direito de exigir que lhes sejam entregues títulos circulantes representativos da mesma [xxxvii] .A posição (global) do sócio(a sua posição contratual ou organizativo-contratual) nãoé vista pelo legislador como objeto de transações. Ela forma-se, reduz-se, expande-se e extingue-se em função da titularidade das ações. São estas que são concebidas como objeto de negócios; e o legislador, devido ao papel que lhes cabe na sociedade anónima, dotou-as das características necessárias à sua transmissibilidade e considerou-as mesmo como “negociáveis”. A transmissibilidade é inerente à sua natureza, a sua existência só se explica por essa natureza transmissível. Os princípios da cessão da posição contratual não têm aqui cabimento, porque a posição de sócio não é objeto autónomo de transações, a aquisição da posição de sócio é um efeito da aquisição da ação. O princípio é o de que a qualidade de sócio é inerente à ação, segue o “título”, e este é um princípio caracterizador deste tipo social, em função do qual o regime legal foi definido. Daqui decorre que os outorgantes no contrato de sociedade não podem considerar tão relevante a pessoa dos sócios que as ações sejam declaradas intransmissíveis [xxxviii] . Isso significaria a subversão de um princípio organizatório fundamental da sociedade anónima, deixando de haver ações, e, portanto, sociedade anónima. É, pois, o próprio significado do princípio da divisão do capital social em ações que impede a validade de uma cláusula de intransmissibilidade (ou de efeito equivalente). Nas sociedades por quotas, pelo contrário, o regime da quota está em função da pessoa dos sócios, já que esta exprime a posição concreta do sócio na sociedade, não podendo ser representada por títulos. Daqui decorre que, embora ao legislador tenha, tipicamente, presumido a fungibilidade dos sócios e a transmissibilidade das quotas, esta transmissibilidade não é imposta por um princípio organizativo essencial deste tipo de sociedade, sendo compatível com este, no direito italiano, uma cláusula de intransmissibilidade (art. 2479 1º) [xxxix] .

O resultado, em síntese, é o seguinte. O legislador concebe as ações como entidades em si, uma categoria de bens a se, a cuja substância é inerente a qualidade de sócio, de modo que o regime de aquisição desta qualidade – e, portanto, de uma posição de sócio – decorre das regras de transmissão das ações (com eficácia face à sociedade). A posição do sócio é uma situação jurídica derivada, não constituindo objeto autónomo de transações. A verdadeira relação contratual que existe entre os sócios ou entre cada um destes e a sociedade é um fenómeno derivado da titularidade das ações (com eficácia face à sociedade): da aquisição desta deriva a aquisição de uma posição (elementar) de sócio ou o reforço da posição contratual do sócio que já existe.

Significa este facto de se ter individualizado na participação acionária, juridicamente, um bem a se, diferente de uma posição contratual, essencialmente transmissível, que estejamos perante uma “coisa” sobre a qual se tem o poder de domínio, sujeita ao regime geral da propriedade? Não creio. A ação é uma entidade puramente jurídico-societária, uma criação do direito. Na verdade, o seu suporte (que é o único ponto de referência possível do objeto de um direito sobre ela), é de certo modo uma abstração – a unidade ou fração de capital; e a sua substância é uma pura categoria jurídica – o direito de participação. Confirma esta ideia o facto de que o legislador a configurou como entidade naturalmente destinada a ser materializada num título que revela a sua existência e lhe confere um modo (especial) de circular. Mas também esta titulação, se bem que seja, na generalidade dos direitos, um direito do acionista, não é essencial para a sua existência; só determina a aplicação de regime dos títulos de crédito. Por isso o título não pode definir a sua natureza, configurando-a como uma coisa corpórea. Na verdade por trás das abstrações, está esta verdade elementar: a ação é um direito de participação, ou, com mais propriedade, uma unidade elementar de direitos de participação, atribuída originariamente a quem (subscreveu e/ou) entrou com uma unidade elementar de capital, autonomizada juridicamente da relação contratual (como se pode também autonomizar um direito de crédito) e submetida a um regime jurídico próprio, nomeadamente, de circulação, e em função de cuja titularidade se definem as posições (contratuais) dos sócios entre si e face à sociedade. Mas esta verdade é importante. Ela significa que a ação (diferentemente da participação social em geral) não é tida pelo legislador como uma posição contratual e não se lhe aplica, portanto, o regime de circulação do contrato, ainda que modificado. O seu regime subsidiário de transmissão é o dos direitos de crédito, como defendeu Graziani (cf. supra).

Isto não significa que o direito de participação seja um direito de crédito [xl] . Tal é pouco relevante, uma vez que o regime da cessão de crédito é o paradigma da cessão de direitos, e, além disso, o direito de participação tem uma estrutura semelhante à do direito de crédito, há nele uma espécie de “devedor cedido”. Assim, o regime de circulação da ação, integrando o regime geral da cessão de créditos com o regime especial do direito societário, será o seguinte. As partes outorgantes no contrato de sociedade, do qual vai resultar a criação da ação, podem definir o regime de circulação do direito que vão criar desde que a ação fique em condições de cumprir a função sócio-económica que a justifica e justifica a escolha do tipo “sociedade por ações”, isto é, desde que tenha uma “circulabilidade” efetiva. Podem, assim, restringir a sua natural aptidão para circular, criando um direito, não de caráter pessoal (porque mudariam a sua natureza legal), mas de certo modo pessoalizado. (E esta possibilidade é tanto mais justificada quanto é certo que a restrição é um instrumento de tutela da empresa, tornando possíveis iniciativas empresariais que poderiam perder-se por a ordem jurídica não fornecer um instrumento jurídico adequado; e foi precisamente como instrumento do desenvolvimento da atividade empresarial que a sociedade anónima foi concebida e criada. Acresce ainda que este tipo de sociedade é o único admitido nalguns setores de atividade.) A questão não respeita ao regime geral de circulação dos bens, mas é uma questão de direito societário. A ação tem uma função instrumental relativamente à função sócio-económica típica da sociedade anónima e que constitui, naturalmente, um limite à autonomia privada [xli] . Essa função configura-a como essencialmente transmissível. Mas a sua transmissibilidade não é um fim em si, nem tem uma justificação de direito comum, não é imperativa por um princípio geral relativo à circulação dos bens. A ação, com o seu regime de transmissibilidade, decorre do tipo de sociedade em causa, a sua transmissibilidade impõe-na este tipo porque é através dela que o tipo opera a sua função sócio-económica. É, portanto, uma imperatividade de direito societário. Na medida, portanto, em que o tipo seja respeitado, possa cumprir a sua função, as limitações são, no plano dos princípios, juridicamente indiferentes e podem ser tuteladas se corresponderem a um interesse digno de tutela. Convém, no entanto, salientar que esta questão da transmissibilidade não se resolve tendo em consideração apenas o plano dos princípios, a função da sociedade anónima. Ela pode, na verdade, desempenhar e desempenha efetivamente uma “outra” função que o legislador teve em conta ao definir o regime da sociedade anónima (e, como acontece no caso português na vigência da LSQ 1901, também da sociedade por quotas): a de dar ao acionista a possibilidade de “levantar o seu investimento” – cuja sorte, tipicamente, não controla – sem prejuízo da fixidez e intangibilidade do capital social; isto é, de lhe dar um equivalente ao direito de exoneração que constitui a manifestação específica, no domínio societário, do direito de denúncia reconhecido em matéria de relações contratuais duradouras. É ainda possível justificar a transmissibilidade e mesmo a (quase) livre transmissibilidade como instrumento de auto-composição de interesses no seio da sociedade anónima e de tutela das minorias, mas este ponto ainda não está suficientemente amadurecido para servir argumento [xlii] . (E pode, ainda mais geralmente, pôr-se a questão de saber se – quando a transmissibilidade é restringida num grau acentuado, mas compatível com os princípios fundamentais da sociedade anónima, de modo que o tipo concreto de sociedade fica bastante distanciado do tipo legal – o regime legal não deve ser “adaptado” para se obter uma solução equilíbrio [xliii] ).

Em todo o caso, estamos sempre no terreno da sociedade anónima e da autonomia contratual (ou estatuária) das partes no contrato de sociedade; a questão é a de saber se, em face dos princípios do direito societário, a criação de ações com uma lei de circulação restrita – pelo ato próprio da sua criação – é legítima (e se tal corresponde a um fenómeno de organização da sociedade, de modo a que as cláusulas que assim configuram as ações possam ser consideradas como tendo natureza estatuária – cf. infra). Uma vez admitida a possibilidade de criar ações com uma lei de circulação restrita, põe-se o problema da eficácia dessa circulação – dado o princípio (natural) legal da livre transmissibilidade. A regra da cessão de créditos (art. 1260) é a de que os factos restritivos, contemporâneos do nascimento do direito ou sucessivos, são eficazes face ao adquirente se este os conhecia ao tempo da cessão. Desta regra resulta que nada obsta à eficácia dos pactos face ao terceiro adquirente, sendo apenas oportuno tutelar a sua confiança na (geral) livre circulabilidade dos bens. A transposição pura e simples desta regra para o caso das ações significaria que as cláusulas restritivas seriam oponíveis ao adquirente das ações quando se provasse o seu conhecimento.

A referida regra refere-se, tanto à restrição resultante do próprio contrato constitutivo do crédito, isto é, à criação de um direito com uma originária lei de circulação limitada, como a um pacto posterior, modificativo dessa lei. E a respetiva razão de ser mostra-se evidente: o legislador parte do pressuposto de que, nos dois casos, o regime de circulação acordado não beneficia de publicidade legalmente reconhecida.

A situação é, porém, diferente no caso das ações, já que o ato constitutivo e os estatutos da sociedade são objeto de publicidade legal. Como se sabe, a submissão de um facto ao regime de publicidade comercial (através do registo respetivo) possui um efeito negativo e um efeito positivo para a entidade que tem o encargo de promover o respetivo registo: não pode invocar o facto face a terceiros se o não regista; e, se registou, beneficia, em geral, da circunstância de estes não poderem alegar a ignorância de tal facto. A publicidade legal dos estatutos tem, portanto, o mesmo efeito que teria o comprovado conhecimento efetivo desses estatutos por parte do adquirente das ações: uma cláusula restritiva da transmissibilidade destas é-lhe oponível. A única condição é que uma tal cláusula tenha, realmente, natureza estatuária (cf. infra).

Ainda não está, porém, completamente esgotado o argumento. Na verdade, a ação é tipicamente titulada, “materializando-se” num papel-valor sobre o qual, segundo teoria amplamente difundida, incide um direito real do titular e, como o direito incorporado segue o título, o direito de participação acionária estaria, afinal, sujeito ao regime da propriedade [xliv] .

Todavia, é bem de ver que o regime de propriedade de que aqui se fala não é outro que o dos títulos de crédito e, portanto, a questão que agora surge é a da compatibilidade das restrições com a natureza destes (cf., já assim, Ascarelli, supra). Estes são títulos destinados a circular, pelo que não faria sentido que se emitissem e não pudessem circular. Mas são também títulos meramente declarativos e causais, simples veículos de transmissão (e legitimação) de um direito cujas características são definidas antes da sua criação. Ora, nestas condições, a sua essência circulante não se traduz num princípio absoluto de livre transmissibilidade [xlv] .

Em conclusão. Messineo parte da ideia de que o endossado do título é seu titular e, portanto, titular do direito de participação que ele representa e, por isso, deve poder exercê-lo. Caso contrário, haveria uma modificação do regime da propriedade. Contudo, esta modificação não é uma modificação do direito de participação – que se mantém tal como foi criado, apenas acontecendo que, de acordo com a sua própria lei de circulação, a transmissão que dele foi feita é, em geral, válida e eficaz mas inoponível à sociedade. E, de qualquer forma, este direito não tem, como se viu, natureza real. Também não há uma modificação do regime dos títulos de crédito, porque a circulação do título dá-se, apenas acontecendo que produz efeitos limitados (a transmissão operada por via dele é inoponível à sociedade) porque, de acordo com a sua natureza causal, a sociedade pode opor ao seu adquirente uma exceção ex causa. E, se modificação houvesse, também não seria do regime da propriedade. Finalmente, não se vê que modificação possa ter havido no que se refere ao direito real sobre o título.

b) Pode, assim, afirmar-se que o verdadeiro nó da questão reside na ação como participação e não como valor mobiliário (título de crédito); e consiste em saber se existe alguma norma jussocietária que confira às cláusulas restritivas uma eficácia especial ou, na sua falta, se estas têm ou não natureza estatutária, respeitam à organização e funcionamento da sociedade, cumprindo uma função de ordenação desta, beneficiando de uma associada eficácia em relação a terceiros. Isto é assim porque a simples introdução formal nos estatutos de uma cláusula não beneficia necessariamente da eficácia erga omnes que a estes se reconheça. O fundamento da eficácia erga omnes das restrições (se existe) não se encontra simplesmente na publicidade legal que lhes está associada: esta publicidade só estende a terceiros a eficácia de uma cláusula estatutária (ou de outro facto legalmente sujeito a registo) e não a de um pacto privado inserido nos estatutos; quer dizer, é uma simples condição da eficácia erga omnes de algo que possa ter tal eficácia.

Como se viu acima, um pacto restritivo da livre circulação de um direito em que intervém o próprio criador deste pode ser eficaz face ao adquirente se este conhecia o facto. Como se disse também, uma cláusula restritiva pode representar um importante instrumento de organização da sociedade, atribuindo a esta um certo controlo sobre a composição do seu elemento pessoal ou afastando, em abstrato, categorias de pessoas incompatíveis com o seu espírito ou indesejáveis. A esta luz, deve ser considerada como uma disposição materialmente estatutária. Os estatutos beneficiam do efeito positivo da publicidade legal, logo a sociedade pode opor o conhecimento da cláusula a terceiros adquirentes das ações. Este conhecimento significa, como se viu, a eficácia da cláusula face a esses terceiros.

Assim, se o sentido desta cláusula é tornar inoponível à sociedade uma transmissão das ações - rectius, uma aquisição das mesmas que não se dê dentro do condicionalismo por ela previsto -, faltando tal condicionalismo, o transmissário não adquire o direito de participação com efeitos face à sociedade. E, confrontando o art. 2355.3 com o art.1379, bem pode confirmar-se esta ideia de uma oponibilidade da cláusula a terceiros (enquanto cláusula estatutária). A tese do âmbito subjetivo de eficácia da cláusula, meramente limitado à pessoa do alienante, porque os estatutos só regulariam as relações existentes entre os sócios (presentes e futuros) e não as próprias condições de constituição, modificação e extinção dessas relações não está demonstrada. Mas, mesmo defendendo essa tese, seria sempre possível conceber que a cláusula restritiva afetasse o poder de disposição do sócio alienante com eficácia face à sociedade, sendo este facto oponível ao adquirente pelo efeito positivo da publicidade legal dada aos estatutos [xlvi] .

A consequência seria ainda uma restrição do âmbito de eficácia da cláusula, mas âmbito objetivo de eficácia e não subjetivo. Na verdade, se o que é afetado é a faculdade de dispor, a cláusula só pode aplicar-se nos casos em que a transmissão resulte de um ato de disposição do sócio alienante, o que não ocorre nas transmissões legais.

Para terminar este ponto, resta observar, por um lado, que, no fim de contas, a posição de Messineo é uma versão da tese de que a sociedade anónima é uma sociedade necessariamente aberta; por outro lado, que o facto de a cláusula retirar à transmissão eficácia face à sociedade não significa que ela tenha um efeito danoso para o terceiro adquirente: ela impede-o simplesmente de obter um determinado resultado (facto que ele devia legalmente conhecer) [xlvii] . O autor parece pressupor que, primeiro, há a transmissão do direito de participação e, depois, a cláusula intervém para retirar eficácia à transmissão operada (com eficácia erga omnes) – e com a agravante de que tal seria conseguido por uma convenção privada, vindo diminuir o conteúdo do direito do novo titular. Todavia, esta perspetiva é contestável: a transmissão da posição de sócio com eficácia face à sociedade não chega a dar-se, em virtude da cláusula. E esta não é um pacto modificador do regime da propriedade: contém uma norma de configuração (originária) do próprio direito.

c) Finalmente, quanto ao argumento literal do art. 2355.3, confrontando este com o interesse tutelado pela norma, com o argumento sistemático (sentido desta norma, face ao art. 1379) e histórico (o legislador teve a intenção de consagrar a orientação jurisprudencial existente) [xlviii] e ainda com o facto de que a alienação pode bem significar, pelo menos, transmissão voluntária, conclui-se que pouco significado tem.


§ 2.º

Em que consiste a eficácia erga omnes das cláusulas? Como opera?

Qual o seu âmbito (em que situações se verifica essa eficácia)?

Centrando a análise nas cláusulas que condicionam a transmissão das ações nominativas ao consentimento da sociedade, a doutrina italiana dominante e a jurisprudência da Cassazione afirmam que as restrições estatutárias à transmissibilidade se inserem no processo translativo dessas ações (da correspondente posição de sócio), atribuindo à sociedade, no caso comum da sua transmissão por endosso, a faculdade de recusar a inscrição como sócio do adquirente do título (na linha do inspirador art. 686 do CO helvético, cf. «supra», § 1, De Ferra), negando-lhe, assim, a legitimação para o exercício dos direitos sociais; o que é suscetível de provocar o ulterior efeito de uma dissociação (no caso concreto) entre a titularidade das ações e tal legitimação [xlix] , [l] . As restrições são, assim, eficazes em relação a terceiros adquirentes, embora a eficácia seja limitada e esta eficácia limitada provoque aquele controvertido efeito da separação da titularidade e da legitimação (n.ºs 1 e ss). As cláusulas de preferência merecem, no entanto, uma referência especial (n.º 6). Para além das transmissões voluntárias por ato entre vivos, discute-se se e de que modo operam nas transmissões forçadas e por morte (n.ºs 7 e 8). Adicionalmente, alude-se também ao problema da sua aplicação à oneração das ações (n.º 9).

1. Transmissão das ações tituladas nominativas. Legitimação

As ações nominativas são consideradas pela doutrina dominante e pela jurisprudência italianas como títulos de crédito nominativos [li] (22) , tendo estes duas leis de circulação: a fixada no art. 2022 (transmissão por dupla anotação feita pelo emitente – podendo a anotação do nome do adquirente no título ser, no entanto, substituída pela emissão de novo título) e a transmissão por endosso, prevista no art. 2023. Esta segunda é a forma normal de transmissão das ações nominativas [lii] (23) pelo que é às ações nominativas circulando por endosso que a doutrina e a jurisprudência, normalmente, se referem, devendo este facto ser tido em conta na exposição que se segue.

Creio também que um título com esta lei de circulação é, essencialmente, um título à ordem (tal como o consideram a doutrina suíça e alemã), ainda que não confira ao seu adquirente a legitimação para o exercício dos direitos sociais, mas tão só a legitimação para o exercício do direito à inscrição como sócio (dita legitimação intermédia) [liii] .A transmissão da titularidade do direito (ou participação social) dá-se, com eficácia erga omnes, com a entrega do título endossado [liv] . Na verdade, o beneficiário de uma cadeia regular de endossos pode opor a sua titularidade à própria sociedade, exigindo desta a sua inscrição como sócio no registo respetivo (art. 2023.3, 2º período). É certo que a simples transmissão do título não confere ao seu endossado a legitimação para o exercício dos direitos sociais, mas confere-lhe o direito de exigir da sociedade a prática do ato de que depende a aquisição de tal legitimação. A transmissão do título tem, face à sociedade, uma mera eficácia obrigacional (e não real). Isto é assim porque a ação, apesar de endossável, é nominativa e não à ordem, apresentando-se, na realidade, composta por dois institutos jurídicos – o título (individual), circulando como título à ordem e com o efeito já referido face à sociedade, e o registo das ações, que tem o significado de instrumento de legitimação [lv] para o exercício dos direitos sociais.

A inscrição como sócio no registo da sociedade é considerada um instrumento de legitimação para o exercício de direitos sociais mas, pelo menos para uma parte da doutrina, não instrumento suficiente, sendo ainda necessária a apresentação do título [lvi] . Note-se, ainda, que, no direito italiano, a ação pode não ser titulada. Neste caso, a sua transmissão (com eficácia plena) dá-se por inscrição do adquirente no livro dos sócios (art. 5 do r.d. de 29.3.1942, n. 239).

2. Cláusulas de consentimento

Considerando, em primeiro lugar, a eficácia das cláusulas de agrément, as duas ideias básicas são: segundo o entendimento dominante (embora controvertido), elas atuam apenas sobre a aquisição da legitimação para o exercício dos direitos sociais pelo adquirente das ações, sendo válida e eficaz, inter partes e face a terceiros, a transmissão dessas ações sem observância das cláusulas; e o seu modo de operar consiste em tornar aquele ato de cooperação da sociedade que é a anotação da transmissão no livro dos sócios – ato normalmente devido [lvii] (cf. art. 2023.3, 2º período) – em ato não devido [lviii] [lix] .

O negócio de transmissão das ações vinculadas não consentido pela sociedade é, assim, meramente inoponível a esta, inserindo-se o “gradimento” “nella vicenda circolatoria delle azioni (…) soltanto allorchè la società stessa può intervenire con un atto di cooperazione (l´annotazione sul libro dei soci) per rendere efficace nei suoi confronti il trasferimento [lx] . Isto é, a eficácia da cláusula pressupõe a natureza nominativa da ação [lxi] . Se a legitimação para o exercício dos direitos sociais decorresse da mera posse do título (endossado, no caso de uma hipotética ação à ordem), a sociedade deixaria de ter intervenção na aquisição dessa legitimação e, portanto, a emissão do título determinaria a ineficácia da cláusula, como, de resto, sucede com as ações ao portador (cf. infra, § 3, 2).

Ocorrendo uma transmissão ineficaz face à sociedade, coloca-se a adicional questão de saber se quem mantém a inscrição como sócio pode exercer os direitos sociais (problema também discutido no direito suíço). Embora o assunto seja controvertido, há quem entenda ser melhor doutrina a de que, no caso de transmissão (por endosso) do título sem observância da cláusula restritiva, o antigo titular da ação não pode votar [lxii] . Mais latamente, o exercício dos direitos administrativos ficará, portanto, suspenso, enquanto durar a dissociação entre titularidade e legitimação (cf., na jurisprudência, a sentença de T. Ap. Milão 12.4.1960, cit. por Franceschelli, p. 438, n. 20).

Note-se que, se se considerar que a inscrição no livro dos sócios é apenas um dos elementos de legitimação (cf. supra 1, a tese de que a apresentação do título também é necessária para o exercício dos direitos sociais), também ocorrerá esta suspensão.

Problema grave é, no entanto, atualmente, o da (falta de) legitimação para o exercício dos direitos patrimoniais, requerendo, segundo alguma doutrina, intervenção legislativa [lxiii] .

Uma vez que o consentimento da sociedade é exterior à transmissão - apenas um ato relativo à atribuição da legitimação a quem é atualmente titular (adquirente) do título -, ele pode ocorrer em qualquer altura mesmo depois de ter sido recusado [lxiv] . E não é pressuposto da inscrição como sócio de um adquirente (endossado do título) que o seu transmitente (endossado) esteja ele próprio inscrito como tal. Neste quadro, a ação pode, naturalmente, circular à margem da sociedade, sem o seu consentimento, representando, apesar de vinculada, um importante valor de mercado [lxv] (como também sucede na Alemanha e na Suíça, neste caso, inclusive, um valor transacionável em bolsa; cf. também, a seguir, a posição de Ascarelli).

3. Posição de Ascarelli e De Ferra

Feita esta apresentação sumária do pensamento jurídico dominante, é importante, para a sua mais completa compreensão, uma breve análise do pensamento dos dois autores que me parecem dele mais representativos: Ascarelli e De Ferra.

3.1 Ascarelli , num primeiro escrito [lxvi] , já citado («supra», § 1), limita-se praticamente a aderir à doutrina da Cass. 31.1.1931, afirmando que, enquanto não se verificarem os pressupostos estatutários da transmissão das ações, a transmissão destas é inoponível à sociedade, que não é obrigada a reconhecer o adquirente como acionista, e concluindo que o consentimento da sociedade é, nesta medida, um pressuposto da eficácia real da transmissão, a qual pode, no entanto, ocorrer em qualquer altura.

Verdadeiramente significativo, porém, é um segundo escrito [lxvii] , a que também já se aludiu, onde o autor precisa e desenvolve a sua posição. Segundo ele, são o escopo da cláusula (nº 2, p. 360 ss) e o interesse tutelado pela norma do art. 2355 (p. 364 s (nº 3), 366, 371, e cf., ainda, infra, Ascarelli3) que justificam a circunscrição dos seus efeitos, isto é, que ela apenas atinja os efeitos da transmissão das ações em relação à sociedade. Na verdade, ela não tutela o interesse do sócio alienante, nem um qualquer interesse público, mas o interesse da sociedade. Ela tem o seu fundamento na autonomia estatuária (p. 364), estando em causa apenas dar à sociedade o controlo sobre a sua composição pessoal. Não constitui, portanto, um limite (diretamente) dirigido à liberdade de dispor do sócio (nº 9, p. 378, nº 3, p. 364). É certo que as partes podem condicionar a eficácia, entre elas, do negócio translativo à eficácia deste face à sociedade; mas as cláusulas estatuárias não podem regular a eficácia da transmissão das ações, a não ser em relação à sociedade. “Cio perchè lo statuto disciplina i rapporti sociali e perciò può disciplinare gli effetti del trasferimento nei confronti della società, non i rapporti tra un azionista e un terzo. L´interesse della società concerne l´effetto del trasferimento nei suoi confronti; non può concernere l´efficacia del negozio inter partes (…)” (p. 37 s).

Mais especificamente, por um lado, os limites à circulação das ações referem-se, pelo menos, à aquisição da legitimação pelo adquirente em relação à sociedade (nº 11, p. 379). Com efeito, para essa aquisição, é necessária, nos títulos nominativos, a cooperação do emitente, anotando a transmissão do título no livro respetivo, o que torna possível, no caso das ações nominativas (ou das ações não tituladas), o controlo, pela sociedade emitente, da observância dos limites, negando tal anotação e a consequente legitimação (p. 379 s). Esta possibilidade de controlo é, portanto, a chave da eficácia prática de tais limites [o que explica (em parte) ter o legislador previsto apenas a vinculação de ações nominativas, cf. infra, § 3]. Por outro lado, do facto de a cooperação da sociedade só ser relativa à legitimação e da circunstância de o escopo das cláusulas e o interesse tutelado circunscreverem a sua relevância jurídica às relações com a sociedade resulta que os limites se referem a tal legitimação (nº 12, p. 381).

Quem está inscrito no livro dos sócios mas endossou o título não pode, porém, exercer os direitos sociais (contra, Romano-Pavoni, Riv. Trim., p. 783). O exercício do direito de voto, nomeadamente, fica suspenso (cf. supra, 2, e nota 62).

Finalmente, do terceiro artigo deste autor [lxviii] extraem-se as seguintes conclusões justificativas da tese da eficácia das cláusulas limitada à legitimação. Em primeiro lugar, o art. 2355 “contrapõe-se” ao art. 1379, prevendo este a possibilidade da constituição de um vínculo por convenção entre o alienante e o adquirente de um bem, e prevendo aquele um vínculo estatutário dirigido à tutela do interesse social no confronto da transmissão da posição contratual de cada um dos sócios (p. 585). O interesse tutelado é só o da sociedade face ao adquirente (p. 589). Em segundo lugar, a dissociação entre a titularidade e a legitimação, em que a tese se baseia, não é um fenómeno singular, também ocorrendo nas hipóteses de contitularidade de uma ação (p. 586). Em terceiro lugar, uma cláusula de vinculação “ attiene diretamente alla possibilità di registrazione sui libri dell’emitente, registrazione che a sua volta attiene alla legittimazione ” (p. 587), o agrément é um pressuposto de tal registo (p. 593). Mais explicitamente, os limites estatutários à circulação das ações, substancialmente, substituem, à obrigação da sociedade de registar como sócio o adquirente do título pelo simples facto de ter havido uma (válida) aquisição, a de o fazer só quando observados tais limites (p. 593). Esta observância constitui um pressuposto estatutário do poder-dever dos administradores de registar o adquirente como sócio (p. 594) [lxix] . Em quarto lugar, esta solução torna possível conciliar as restrições com a sua circulação na bolsa (p. 587; como também sucede na Suíça). Em quinto lugar, ela é conforme ao princípio da conservação dos negócios jurídicos (p. 590). Finalmente, ela diminui o alcance restritivo da transmissibilidade das ações, que constitui o único meio de retirada do sócio nas sociedades anónimas (p. 592).

O autor esclarece, ainda, que, estando em causa um simples problema de legitimação, o adquirente do título é sócio, embora não legitimado (n.º 5, p. 586).

3.2 De Ferra [lxx] , depois de defender a eficácia erga omnes nos termos expostos e de rejeitar a ideia da aplicação a este caso dos efeitos da violação da regra da imodificabilidade subjetiva unilateral do contrato – que não se aplica aqui (porque decisiva não é a pessoa do alienante) (cf. p. 205 e supra , § 1) –, afirma que a regra é outra. O contrato entre o acionista e o adquirente do título produz o efeito, em relação à sociedade (terceiro em relação ao contrato), de a obrigar – dentro de determinadas condições – a reconhecer ao adquirente a qualidade de sócio. Trata-se de um caso em que o contrato produz efeitos em relação a terceiros (art. 1372, 2º), embora sendo necessário para o efeito um requisito formal: a anotação da transmissão (p. 205).

Quanto a este último aspeto, note-se, no entanto, como, aliás, já disse acima, que o contrato translativo, verdadeiramente, produz efeitos em relação à sociedade sem a verificação do requisito formal da inscrição no livro dos sócios: a sociedade é obrigada, perante o adquirente do título, a anotar a transmissão.

O art. 2355 vem limitar o alcance desta regra: é pacífico [lxxi] que, faltando o consentimento, a sociedade não fica sujeita ao efeito reflexo do negócio translativo: não é obrigada a anotar a transmissão no livro dos sócios, de que depende a legitimação do adquirente para o exercício dos direitos incorporados no título. Substancialmente, o legislador reconhece o poder de recusar a prática daquele ato normalmente devido que é a inscrição, no livro dos sócios, do adquirente do título, se não estão satisfeitas as “particolari condizioni” previstas no ato constitutivo (p. 206).

Sendo a participação acionária titulada - mais concretamente, tratando-se de uma ação nominativa, especialmente se transmitida por endosso -, a intervenção do devedor cartular (a sociedade) ocorre apenas quando o título (com os direitos incorporados) foi já transmitido, e dá-se com a inscrição do endossado no registo (livro dos sócios) por esse devedor; isto é, apenas para efeitos de legitimação do adquirente. O consentimento da sociedade - e, mais geralmente, a satisfação das condições estatuárias - é, pois, tão só um antecedente lógico necessário da inscrição no livro dos sócios, um mero pressuposto da legitimação do adquirente (p. 207, cf. p. 199).

4. Apreciação

Como se assinalou, no direito italiano, a ação nominativa, correntemente qualificada como título de crédito nominativo (de massa), circula como título à ordem (art. 2023) ou como título nominativo (art. 2022) e o respetivo portador «endossado» encontra-se cartularmente legitimado a requerer o registo como sócio (legitimação intermédia), mas o título não lhe confere a legitimação para o exercício dos direitos sociais (legitimação social ou final). Foi, na verdade, intenção do legislador italiano (como também acontece no direito suíço e alemão) considerar a legitimação social, no caso das ações nominativas, como uma questão interno-societária, como algo que está na esfera de competência da sociedade e, portanto, submetida ao ordenamento jurídico societário. As cláusulas restritivas não afetam, segundo os autores analisados, a própria circulação do título (e da situação jurídica que este “incorpora”). Elas atuam apenas sobre um efeito típico dessa circulação: o adquirente deixa de ter o direito - que sem elas possuiria - de exigir da sociedade a sua inscrição como sócio (afetam a legitimidade material intermédia); isto é, tornam a transmissão (apenas) inoponível à sociedade, deixando de lhe poder exigir a respetiva legitimação social. E, segundo a mesma doutrina, com esta inoponibilidade, o objetivo das cláusulas - pelo menos essencialmente de controlo das entradas de novos sócios - fica satisfeito. Elas são eficazes face aos terceiros adquirentes dos títulos deste modo e com este alcance.

Há, no entanto, questões importantes que esta construção deixa em aberto e que se prendem, decisivamente, com a própria eficácia das cláusulas, tendo havido emissão de títulos. Assim, é importante saber: se o dever geral de inscrever o adquirente do título - sobre o qual elas atuam - tem natureza jurídico-societária (ou tem essencialmente, pelo menos, esta natureza), se resulta da natureza transmissível da ação segundo o direito societário - estando em causa (sobretudo) o interesse de quem aliena -, ou, mais geralmente, se resulta dessa natureza tendo ainda em conta um princípio geral de livre circulação dos bens; ou se esse dever decorre da lei de circulação (e legitimação cartular) da ação como título de crédito. E, neste último caso, se tal lei de circulação juscartular é imperativa ou não e, se for, se as cláusulas são eficazes tendo havido emissão de títulos (mesmo tratando de ações nominativas).

Na verdade, para além de Messineo, cujo pensamento é analisado noutro lado (supra, § 1, e infra,§ 3), também Franceschelli [lxxii] argumenta que a inscrição do adquirente endossado do título é, para a sociedade, segundo a lei de circulação (e legitimação) da ação título de crédito (art. 2023. 3º), um ato devido e que este caráter devido o é de modo imperativo, porque é de interesse público que assim seja (p. 444). E daqui decorreria que, acolhendo a doutrina dominante, a cláusula de vinculação seria ineficaz, uma vez que as ações tivessem circulado (por endosso), já que o seu modo de operar (incidindo a vinculação sobre a inscrição de quem já é adquirente do título) seria bloqueado por lei imperativa.

Note-se, porém, que, para este autor, a eficácia erga omnes das cláusulas, mesmo quando haja emissão de títulos, não está em discussão. A objeção respeita apenas à construção criticada. Na verdade, Franceschelli considera que tais cláusulas introduzem, no processo translativo das ações, um novo pressuposto da sua transmissão, sem a verificação do qual o título não se transmite (e, portanto, o problema do art. 2023.3º não surge) [lxxiii] . O que ele contesta é que, defendendo-se que a cláusula não afeta a transmissão do título (mas incide sobre a inscrição como sócio), ela seja eficaz [lxxiv] .

Outra questão importante que a construção dominante levanta respeita aos seus efeitos, uma vez que origina, designadamente, um fenómeno - anómalo segundo os seus opositores - de dissociação da titularidade da ação (e da própria condição de sócio) e da legitimação social [lxxv] , porventura com suspensão pelo menos dos direitos administrativos enquanto a dissociação perdurar. A objeção afigura-se pertinente, podendo acrescentar-se que a construção confere à sociedade uma proteção fraca (como a análise do direito alemão revela) e, a entender-se que o adquirente das ações se torna sócio, causa estranheza que alguém tenha essa qualidade face a todos mas não em relação à sociedade (ou a tenha sem legitimação). Mas, como se observou, a solução também apresenta vantagens - procurando conciliar o caráter circulante das ações tituladas com o interesse social veiculado pelas limitações à transmissibilidade - que a construção contraposta não tem (como a análise do direito suíço também revela).

5. Posição de De Martini

Posição singular ocupa (se bem vejo), na literatura italiana, De Martini [lxxvi] .Como se disse acima (§ 1), para De Martini, a cláusula de agrément representa um retorno à regra da não cedibilidade do contrato sem o consenso do contraente cedido. Trata-se agora de abordar a questão: quais as consequências deste retorno?

Para o autor, a resposta é esta: a questão é de interpretação do contrato social - estando, portanto, dentro dos limites da autonomia privada definir se a consequência da cláusula há-se ser a mera inoponibilidade da cessão à sociedade ou a sua ineficácia absoluta (n.º 10, p. 440, n.º 11, p. 443, e n.º 13, p. 445). Na verdade, no que se refere à sociedade por ações (e também por quotas), a modificação subjetiva da relação contratual societária, pelo princípio da disponibilidade da ação (ou quota), não requer nunca a modificação formal do contrato (n.º 11, p. 441). Mas, tratando-se, no plano dos efeitos jurídicos, de uma verdadeira modificação (subjetiva) do contrato de sociedade, verifica-se um retorno à regra da cessão enunciada pelo art. 1406, podendo a derrogação do princípio da livre disponibilidade da parte social significar, tanto uma simples inoponibilidade da cessão à sociedade, como uma ineficácia absoluta, isto é, a atribuição ao consentimento da sociedade do sentido de um pressuposto de oponibilidade apenas ou de eficácia (n.º 11, p. 441 s).

Daqui decorre uma segunda questão: como se deve interpretar o contrato de sociedade contendo uma cláusula de vinculação das ações nominativas, quando ele seja omisso sobre o sentido ou alcance da sua eficácia? A resposta é esta: sendo a participação acionária tipicamente incorporada num título de crédito – a ação, com o seu regime de circulação próprio -, no silêncio do contrato, e quer se trate (no caso concreto) de participação titulada ou não, deve entender-se que a vinculação não produz a ineficácia absoluta da cessão, mas introduz nesta um simples pressuposto de oponibilidade, isto é, atua apenas sobre a legitimação (n.ºs 11 ss, p. 442 ss). É, portanto, a típica titulação da participação acionária (isto é, a natureza típica do objeto da cessão) que fornece o critério interpretativo. O título é, com efeito, essencialmente transmissível e, se transmitido por endosso (ou transfert não completado pela inscrição no registo), passa para a titularidade do endossado. A vinculação deverá, assim, entender-se como incidindo apenas nos efeitos face à sociedade de uma operada transmissão, isto é, na legitimação social. É uma mera condição de eficácia relativa. As partes podem, porém, mediante cláusula expressa, subordinar a eficácia da própria transmissão ao consentimento da sociedade (como é admitido pela sentença da Cassazione anotada e pela doutrina geral) (n.º 13, p. 445).

Em suma, o regime comum da cessão do contrato deve, em matéria de participação acionária, conjugar-se com dois dados. Em primeiro lugar, com o princípio da livre disponibilidade dessa participação, de que resulta que esse regime comum é excecional e só pode ser reposto por cláusula restritiva expressa; e podendo essa reposição significar, ou que o consentimento da cessão é um pressuposto da eficácia desta, ou que é um mero pressuposto da aquisição da legitimação social por parte do cessionário. Em segundo lugar, com a típica titulação dessa participação, de que resulta que, na falta de especificação pelas partes no contrato de sociedade dos efeitos de vinculação, tendo em conta os princípios de circulação dos títulos, tais efeitos devem entender-se como relativos apenas à legitimação.

6. Cláusulas de preferência

É altura de considerar, em especial, em que consiste a eficácia das cláusulas de preferência (ou de preempção).

6.1 Decidindo a propósito da transmissão de uma quota (de srl) com violação de uma cláusula estatutária de preferência, a Cassazione, por sentença de 16.10.1959, considerou legítima a recusa da sociedade em anotar tal transmissão (cf. Spatazza1, p. 378, e De Ferra, p. 218). Essa violação teria, assim, os mesmos efeitos que a violação de qualquer cláusula estatutária restritiva, consistentes em, segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, a sociedade poder recusar a legitimação do adquirente no seu confronto. Esta tese é defendida, na doutrina, nomeadamente, por De Ferra [lxxvii] : “ Mancando la observanza della quale lo statuto ha subordinato l´opponibilità dell´alienazione alla società (…) questa rifiuterà all`acquirente l´iscrizione nel libro dei soci” (p. 221).

A posição da jurisprudência, parece, no entanto, ser favorável a um reconhecimento a esta cláusula de verdadeira eficácia real, determinando a nulidade da transmissão irregular [lxxviii] e atribuindo ao(s) titular (es) do direito de preferência um direito de resgate em caso de transmissão com violação daquele direito. Tal eficácia real seria um efeito publicidade do ato constitutivo da sociedade [lxxix] .

Na doutrina, defendem este tipo de eficácia: Galgano (enquanto consentida pelo art. 2355.3º, a preferência entre sócios seria de considerar como uma preferência legal e, portanto, real); Ferri (com base na eficácia erga omnes das disposições estatutárias beneficiando de publicidade legal) [lxxx] ;e, sobretudo, Angeloni [lxxxi] ,baseando tal eficácia na publicidade legal dos estatutos (aplicando-se o art. 2193, segundo o qual os factos inscritos no registo das empresas são oponíveis a terceiros) e no facto de a cláusula ser permitida pelo art. 2355 (p. 3 s). Na verdade, diz este autor, “ se l´efficacia reale è propria del diritto di prelazione attribuito dalla legge, non si vede per quale ragione al diritto di prelazione debba negarsi l´efficacia reale, quando, invece di essere attribuito per legge, è attribuito in virtù di un contrato, che sia stato assoggettato alla publicità legale, predisposta allo scopo di renderlo noto e opponibile ai terzi ” (p. 5). Tal eficácia traduz-se num “diritto di riscatto”, num “ diritto di sostituirsi nell´acquisit all´acquirente inossrvante del patto ” (p. 6).

Contra está, porém, a maioria dos autores [lxxxii] . Assim, ilustrativamente, para De Ferra, a eficácia da cláusula tem como limites os da própria autonomia privada e não haveria dúvida de que “l’attribuzione del diritto di retratto esorbiti dai limiti dell’autonomia privata ”, já que “ è compito della legge (e dei privati sol quando la legge expressamente li abiliti) quello di stabilire limiti alla circolazione con efficacia reale ” (p. 216). Na mesma ordem de ideias, também não seria conforme aos princípios que a cláusula tivesse como efeito a invalidade do negócio translativo das ações (p. 216). Segundo ele, as consequências de violação da cláusula seriam, assim, apenas as que resultam da sua eficácia jurídico-societária (cf. supra, nota 77).

6.2 Apreciação. Como se viu acima (§ 1), para Ascarelli, é também duvidosa a eficácia real da cláusula (de preferência a favor dos sócios, única de que trata a doutrina consultada), mas com base nos interesses prosseguidos por uma cláusula com tal eficácia. Na verdade, a disciplina estatutária concerne apenas à organização jurídico-societária, tem o seu fundamento no interesse comum dos sócios, respeita, portanto, às relações dos sócios com a sociedade (ou com todos os demais). E uma cláusula de preferência com eficácia real não se limita a disciplinar a relevância da transmissão de ações no confronto da sociedade e, portanto, a tutelar o interesse comum dos sócios. Ela atribui diretamente um direito aos sócios uti singuli.

Na verdade, se se entende que a eficácia das cláusulas restritivas depende da sua natureza jurídico-societária - de terem uma natureza materialmente (e não apena formalmente) estatutária -, se ela tem nessa natureza o seu fundamento, também há de ter os seus limites definidos por essa natureza. A questão é, portanto, a de saber, em primeiro lugar, se a cláusula de preferência, pelos interesses que prossegue, tem ou não natureza estatutária. Este ponto deve ser respondido afirmativamente. Com efeito, a cláusula é predisposta no interesse comum dos sócios (para servir o interesse social em controlar a composição do seu elemento pessoal e, portanto, relativa à organização societária), ainda que também cada beneficiário tenha um interesse próprio em que a preferência seja observada [lxxxiii] .

Em segundo lugar, importa saber qual a relação que existe entre o interesse dos titulares do direito de preferência e o interesse social geral. Sobre este ponto, a Cassazione – a propósito da questão de saber se a cláusula poderia ser eliminada por modificação estatutária decidida por maioria e, portanto, se o direito poderia ser retirado aos seus titulares sem o seu consentimento – deu prevalência ao interesse social, não considerando tal direito como um direito individual dos sócios (sent. de 21.12.1960, cit. por Spatazza 1, p. 376, e Angeloni, p. 7, nº 2) [lxxxiv] .

Em terceiro lugar, surge a questão de saber se a eficácia real (e não meramente jurídico-societária) da cláusula não a torna num meio excessivo relativamente ao interesse tutelado. Na verdade, se o fundamento da cláusula está no direito e na organização societários, se a sua eficácia decorre dos estatutos como lei orgânica da sociedade, a sua violação pode determinar a invalidade ou ineficácia da transmissão "irregular" ou a mera inoponibilidade desta à sociedade, conforme as posições dos autores acima referidos; mas o seu efeito positivo de atribuir ao titular da preferência um direito de fazer suas as ações transmitidas não parece que decorra da sua referida natureza estatutária, não está compreendido na autonomia estatutária. Ele precisa de ser justificado com o regime comum do direito de preferência - considerando, em especial, o regime dos pactos de preferência - porque não é essencial [lxxxv] à realização do fim da cláusula, do ponto de vista do direito societário. A cláusula pode, na verdade, ter uma dupla natureza [lxxxvi] : jurídico-societária e de direito comum.

Importa, é certo, salientar que a cláusula estatutária não tem exatamente a mesma natureza do pacto de preferência, porque o vínculo que cria é relativo à natureza originária do bem (mesmo que tenha sido introduzido por modificação do contrato social), resulta da lei da sua configuração e, portanto, da sua circulação (oponível a terceiros pela respetiva publicidade legal). É, portanto, defensável a eficácia erga omnes da cláusula sem se reconhecer, em geral, tal eficácia ao pacto de preferência (pacto modificador da condição jurídica de um bem livre). Mas afigura-se que esta eficácia terá de se compreender dentro dos limites da autonomia estatutária, porque são os estatutos, precisamente, a «lei» de configuração e circulação do bem em causa.

Em conclusão, parece que, do ponto de vista do direito das sociedades, a violação da cláusula de preferência deve ter a mesma consequência da violação das restantes cláusulas que, segundo a doutrina dominante e a jurisprudência italianas, se traduz num obstáculo à aquisição da legitimação pelo adquirente, ou talvez melhor, numa exceção oponível pela sociedade a esse adquirente que a escusa de o reconhecer como sócio. Afigura-se, portanto, que a aludida posição de De Ferra. Vendo bem, a indicada jurisprudência italiana criou um novo caso, a juntar aos previstos na lei, de preferência real; ou, se se quiser, interpretou o art. 2355 no sentido de autorizar tal preferência. Mas isso significa atribuir a este preceito uma natureza que, em rigor, extravasa o direito societário.

6.3 Há, ainda, três pontos a considerar. O primeiro consiste na questão de saber se a cláusula de preferência é uma cláusula rígida, no sentido de que, verificada a sua violação, a sociedade não pode tomar conhecimento da transmissão havida (devendo negar ao adquirente a inscrição como sócio) sem violar os estatutos [lxxxvii] . A literatura italiana consultada é omissa sobre este ponto.

O segundo ponto consiste em saber se aquilo que se acaba de dizer para a cláusula de preferência vale também para a chamada cláusula de preempção , isto é, aquela em que o preço da aquisição preferente é pré-determinado, ou fixado mediante critérios objetivos pré-determinados. O problema não surge se a eficácia da cláusula é meramente jurídico-societária [lxxxviii] , mas é importante se se reconhecer que ela concede ao titular de preferência um verdadeiro direito com eficácia real, isto é, um direito de fazer sua a coisa, em caso de transmissão “irregular”, por um preço diferente do da aquisição havida. A doutrina italiana que defende a eficácia real do direito de preferência (estatutário) rejeita, implicitamente, a existência de um tal direito de “resgatar” as ações por um preço diferente do da transmissão havida [lxxxix] .

Finalmente, põe-se a questão de saber se a cláusula de preferência é aplicável às alienações a título gratuito. Uma verdadeira preferência real não pode, naturalmente, aplicar-se em tal caso [xc] . Tratando-se de uma cláusula de preempção, já a solução inversa se mostra defensável [xci] .

7. Eficácia das cláusulas restritivas e transmissão forçada das ações

7.1 Cláusulas de consentimento

No que se refere às cláusulas de agrément, para os defensores da tese minoritária de que a recusa de agrément incide diretamente sobre a validade (ou a eficácia in toto) da própria transmissão, tal cláusula (pelo menos a cláusula de agrément propriamente dita) não pode operar em sede de execução forçada [xcii] . Pelo contrário, para os representantes da tese de que as cláusulas só afetam a aquisição, pelo adquirente do título, da legitimação social, incidindo apenas sobre a anotação da transmissão, não há nenhum obstáculo à sua eficácia, no âmbito da execução forçada [xciii] . Na verdade, as cláusulas atuam fora do processo executivo, já que a possibilidade de recusar a inscrição do adquirente (ou a recusa estatutariamente obrigatória, no caso de cláusula de agrément rígida ou imprópria) é estranha a esse processo. Atuando sobre a aquisição da legitimação pelo adquirente do título, elas apenas restringem, praticamente, o círculo dos potenciais adquirentes. A sua eficácia não depende, assim, de texto expresso que a reconheça, não constituindo obstáculo o princípio do art. 2740 [xciv] . A questão merece algum desenvolvimento, pelo que se apresentam, em seguida, ainda que de forma sumária, as posições dos dois autores mais significativos (pelo menos, dentro da literatura a que se teve acesso) que sobre ela escreveram: Ascarelli e Bigiavi.

a) No seu primeiro artigo, já citado («supra», § 1) [xcv] , Ascarelli diz, em síntese, que, uma vez admitida a eficácia absoluta dos limites à circulação das ações, fica reconhecida a sua eficácia face aos credores particulares do sócio que queiram fazê-las vender em processo executivo.

Trata-se de uma consequência grave, mas fundamentada. Na verdade, cada um é livre de dispor dos seus bens. E, tal como é lícito a alguém entrar com o seu património para uma sociedade em nome coletivo (ou em comandita simples) – caso em que a sua participação social não pode ser feita vender pelos seus credores -, também o é entrar para uma sociedade anónima cujas ações não possam ser alienadas sem o consentimento da sociedade e, portanto, não possam ser feitas vender pelos seus credores pessoais com efeitos face à sociedade sem o consentimento desta. Contra este comportamento do seu devedor, os credores têm, como meio de conservação da garantia dos seus créditos, a ação pauliana (se se verificarem os seus pressupostos) [xcvi] . Fora deste caso, podem penhorar e até fazer vender as ações; mas o novo adquirente poderá não vir a ser reconhecido como acionista pela sociedade.

b) Esta posição foi criticada por Bigiavi, que formula assim a questão: pode uma recusa de agrément, mesmo se legítima, bloquear a eficácia da venda judicial? É possível que, por efeito de uma convenção privada, um bem seja praticamente subtraído à execução forçada? (p. 21).

Começando por afirmar que a generalidade da doutrina, nacional e estrangeira, uma vez admitida a validade da cláusula, tira, sem mais, a conclusão de que ela também é válida e eficaz no âmbito da execução forçada, o que não é forçoso (p. 27 s), além de ser uma conclusão gravosa para os credores do acionista, que nem sequer têm a garantia de poderem vir a satisfazer o seu crédito pela quota de liquidação em virtude do regime de duração da sociedade (p. 28 s), o ilustre comercialista analisa, em seguida, o pensamento de Ascarelli (p. 29 ss. Em primeiro lugar, quanto à afirmação de que “ ammessa l´efficacia assoluta dei limiti statutari… bisogna [?] riconoscere la loro efficacia anche nei confronti dei creditori particolari del socio che vogliono vendere le azioni in via esecutiva” , diz ser um argumento de simetria que não o persuade (e tenta justificar a sua afirmação com citações de outras passagens do texto de Ascarelli que, porém, se afiguram irrelevantes para o efeito). Em seguida, analisa e critica o argumento substancial de Ascarelli, afirmando que as situações são diversas nas sociedades de pessoas e na sociedade anónima, porque nesta (e só nesta) o credor pode “ risultar bloccato all´infinito”; e o próprio autor reconhece a gravidade da tese que defende, uma vez que considera oportuno, de jure condendo, tutelar mais eficazmente os credores particulares do sócio do que aquilo que resulta do art. 1235 c.c. (ant.) (impugnação pauliana) (p. 29 a 31).

Face a esta fraqueza de argumentos a favor da tese contestada (que este autor considera um indício a favor da que defende – p. 29), Bigiavi enuncia a sua: uma vez demonstrada a validade da cláusula relativamente às alienações voluntárias, “ bisogna – anche nell’assenza di un preciso testo di legge e ricorrendo magari ai soli principi generali – concludere nel senso che quella clausola non può bloccare le alienazioni giudiziali” , afirmando, em seu abono, ser a solução dominante na Alemanha (p. 32). E procura, de seguida (p. 33 ss), demonstrá-la, retomando o argumento com que criticou a posição de Ascarelli, mas agora, referido aos tipos sociais do novo CCit. Na verdade (afirma), sempre que a lei bloqueia ou permite que seja bloqueada a transmissão de uma participação social (o que acontece com a cláusula de agrément, que pode produzir um bloqueio indefinido das ações – p. 33, cf. p. 19), ela dita uma norma em virtude da qual a cláusula de bloqueio não vale ou não tem uma eficácia indefinida no âmbito do processo executivo (sociedades de pessoas, p. 33, e cooperativas, p. 34 s), ou tem uma eficácia diversa da que tem nas alienações voluntárias [srl (art. 2480), p. 35 ss (a sociedade pode tornar a venda judicial ineficaz se, dentro de 10 dias a seguir à sua conclusão, apresentar um outro adquirente oferecendo o mesmo preço)]. O autor conclui pela aplicação (analógica) do regime legalmente estabelecido para as srl (art. 2480) à sociedade anónima (p. 41 s)

c) No seu segundo escrito [xcvii] , Ascarelli, depois de criticar a argumentação de Bigiavi (p. 388 a 390), contrapõe à solução encontrada por este autor para os interesses em conflito que, segundo a sua doutrina, a cláusula tem uma eficácia limitada à aquisição da legitimação, podendo a ação ser vendida (tal como na solução defendida por Bigiavi) na execução forçada e tendo o adquirente não legitimado a faculdade de (re) transmitir as ações a quem o possa vir a ser [xcviii] . E completa a argumentação utilizada no primeiro escrito, escrevendo (p. 391): “ In sostanza ciò che si trova nel património del debitore è una partecipazione sociale con determinate caratteristiche; i creditori particolari possono espropriarla, ma espropriando appunto ciò che si trova nel património del debitore e il bene oggetto d´espropriazone non può “prurificarsi” in sede di esecuzione forzata senza una norma speciale (certo mancante nel caso), norma che, si noti, non equivarrebe affatto a sancire la espropriabilità dell´azione (che invece già sussiste), ma ad aumentare il valore in sede di esecuzione forzata (ciò che invero sarebe assai male giustificabile), a dare, attraverso l´esecuzione forzata, all´acquirente economicamente di più di quanto non si trovasse nel património dell´espropriato”.

7.2Apreciação

A tese da doutrina italiana dominante será indiscutível se a questão (assim a apresentam os autores cujo pensamento se expôs) for apenas uma questão técnica de oponibilidade erga omnes; pelo menos, se o fundamento da eficácia erga omnes das cláusulas residir napublicidade legal da cláusula estatuária (que me parece ser a ideia dominante na doutrina e jurisprudência italianas).

Esta visão das coisas merece, no entanto, um reparo. Na verdade, o argumento de que a eficácia erga omnes significa necessariamente eficácia face aos credores pessoais do acionista não colhe, porque, quando se fala em eficácia erga omnes, está a discutir-se uma questão de qualidade dessa eficácia: é esta meramente obrigacional ou erga omnes? E o que se procura (e fá-lo Ascarelli) é um fundamento para este segundo tipo de eficácia. Ficam ainda as seguintes questões: em que consiste, qual o conteúdo desta eficácia, sobre que incide (quais os efeitos da violação da cláusula)? Como opera a cláusula a sua eficácia? Qual o campo ou extensão dessa eficácia, em que situações é a cláusula dotada de eficácia erga omnes (âmbito de eficácia ou âmbito de aplicação da cláusula juridicamente eficaz)?

Assim, é possível uma cláusula ser eficaz erga omnes e ter um âmbito de eficácia (ou de aplicação juridicamente eficaz) restrito, isto é, não ser juridicamente eficaz em todas as situações a que poderia aplicar-se. Por outro lado, Ascarelli fala em eficácia da cláusula face aos credores pessoais do acionista. É, porém, de ver que, se a eficácia da cláusula incide sobre a aquisição da legitimação por parte do adquirente dos títulos, a questão é relativa à oponibilidade da cláusula a esse adquirente (sofrendo os credores apenas o efeito, natural, de uma ação vinculada ter um menor valor de mercado e um mercado mais restrito do que uma ação livre – por ser uma ação com essas características o bem que constitui a garantia do seu crédito). Mas a questão da eficácia da cláusula no âmbito do processo executivo não pode (retomando o argumento de Ascarelli) resolver-se simplisticamente com a equação erga omnes = oponibilidade ao adquirente dos títulos não “gradito”. É necessário distinguir as situações em que os títulos são adquiridos, nomeadamente: aquisição voluntária ou por «cessão» (em que há um adquirente voluntário e um contrato que serve de base à cessão), aquisição em processo executivo (em que pode porventura justificar-se uma especial consideração dos efeitos da eventual anulação da venda do ponto de vista processual, ou da confiança de quem adquire por ato do poder judicial) e aquisição por sucessão hereditária. A eficácia erga omnes não significa necessariamente eficácia nas três situações enunciadas, isto é, a qualquer adquirente, qualquer que seja o tipo da sua aquisição. O facto de se excluírem, por hipótese, as duas últimas do âmbito de eficácia da cláusula não significa que ela deixe de ter eficácia erga omnes. Aliás, o próprio Ascarelli (contra a sua primeira opinião) afasta a aplicação da cláusula às transmissões por morte (cf. infra, nº 8).

7.3 Cláusula de preferência

Vejamos a cláusula de preferência em especial. É válida e eficaz tal cláusula em processo executivo?

Sobre esta questão, apenas se teve acesso à opinião de De Ferra (p. 268 s). Segundo ele, trata-se de uma questão de solução simples: a obrigação de dar preferência, não constituindo (na ótica do autor, cf. supra) um vínculo de natureza real, não limita a disponibilidade das ações pelo “ufficio esecutivo” (p. 269). Posta assim a questão, “ il diritto di prelazione non pare esercitabile nell’esecuzione forzata; il che non esclude ovviamente che l’assegnatario del titolo rimanga vincolato a tutte le disposizioni statutarie, all’osservanza delle quali era tenuto il proprietario espropriato, e quindi, anche all’obligo di preferire il favorito dalla clausola statutaria ove intenda a sua volta alienare il titolo assegnatogli ” (p. 270). Confrontando este texto com a opinião do autor relativa ao conteúdo da eficácia da cláusula em exame e com a sua opinião acerca da aplicação das cláusulas de agrément no âmbito da execução forçada (supra), ele suscita, no entanto, dúvidas.

7.4 Conclusão

Tecnicamente, dado o conteúdo da eficácia das cláusulas restritivas e o seu modo de operar (segundo a doutrina dominante e a jurisprudência italianas apenas no caso das cláusulas de agrément, mas creio ser possível – com De Ferra – conceber um conteúdo e um modo de operar unitário de todos os tipos de cláusulas, do ponto de vista jurídico-societário), nada obsta à sua eficácia no âmbito do processo executivo. Mas a questão não é simplesmente esta: está a eficácia da cláusula em contradição com a transmissão em processo executivo? A questão é: embora compatível com essa transmissão (e, mesmo aqui, é necessário ter em conta a possibilidade de anulação da venda judicial), é a eficácia da cláusula conforme com os interesses em jogo na execução forçada das ações (interesse dos credores em realizarem o valor das ações, interesse do adquirente por ato judicial em ser tutelado na sua confiança, contra o interesse tutelado pela cláusula) ou, ponderados eles, deve ser excluída? A esta questão responde o argumento de Ascarelli transcrito do seu segundo artigo. Mas subsiste ainda a objeção de Bigiavi: é respeitado o critério legal de ponderação de interesses em casos análogos (demais sociedades)? Há analogia de situações?

No que se refere à cláusula de preferência, admitindo a sua verdadeira eficácia real, isto é, que o direito do titular da preferência é oponível ao adquirente “irregular” podendo fazer suas as ações (diritto di riscatto), em termos técnicos, o funcionamento da cláusula não interfere necessariamente com o processo executivo: efetuada a venda judicial (que pode ser na bolsa), o titular do direito de preferência pode fazê-lo valer contra o adquirente. Materialmente, a situação não é muito diferente da que ocorre no caso do parágrafo anterior, e situação idêntica se verifica noutros casos de preferência. É certo que, exercido o direito de preferência. É certo que, numa construção do fenómeno, exercido o direito de preferência, a venda judicial se torna ineficaz, que o adquirente das ações tem-nas a título precário, mas isso verifica-se em qualquer caso de preferência. E os interesses dos credores são respeitados.

8. Eficácia das cláusulas restritivas e transmissão mortis causa.

A literatura consultada nem sempre separa claramente duas questões distintas - (i) a da admissibilidade da aplicação das cláusulas restritivas às transmissões por morte do acionista (questão do âmbito possível das cláusulas ou da sua validade e eficácia no contexto em apreço) e (ii) a da interpretação de cláusula estatutária que seja omissa quanto a tais transmissões -, tornando-se, por vezes, difícil a interpretação do pensamento dos autores. Só se trata aqui da primeira [xcix] .É também de salientar que a literatura citada respeita às cláusulas de agrément , as mais importantes na Itália. Só no final se dirá algo da cláusula de preferência.

8.1 Cláusulas de consentimento. Doutrina favorável às mesmas

a) Admitem a aplicação (ou eficácia) das cláusulas de agrément às transmissões por morte, sem restrições (isto é, sem condicionar a sua eficácia à previsão pelos estatutos do destino a dar às ações): Ascarelli, no seu primeiro escrito [c] ; Frè [ci] ; e Candian [cii] , [ciii] .

Segundo Ascarelli, seria, no entanto, aconselhável a introdução no estatuto de cláusulas reguladoras das hipóteses de transmissão por morte, já que, em caso de recusa do agrément, se as partes não chegam a acordo, a sociedade deverá dissolver-se (!). Para Frè, a cláusula deveria ser configurada de modo a não causar prejuízo ao herdeiro que não preencha os requisitos de que depende a aquisição da qualidade de sócio ou que não seja aceite pela sociedade. O silêncio dos estatutos não determina, porém, a invalidade ou ineficácia da cláusula. Ao juiz competiria providenciar no sentido de conciliar o interesse dos herdeiros com a eficácia da cláusula. Um mecanismo estatutário especial para dar saída à situação resultante do não reconhecimento do herdeiro como sócio não seria, assim, condição de eficácia (ou validade) da cláusula restritiva. Para Candian (fazendo fé nos autores que o citam), deveria admitir-se a eficácia de uma cláusula de agrément puro e simples no âmbito das transmissões por morte, mas considerando-se que, neste caso, a cláusula contém um ónus implícito de aquisição das ações pela sociedade em caso de recusa. Esta posição é criticada por Spatazza e De Ferra [civ] , argumentando este último que se trata de uma solução arriscada, uma vez que a aquisição de ações próprias pela sociedade está sujeita a um (estrito) condicionalismo objetivo (art. 2357), o que pode tornar inutilizável o mecanismo implícito na cláusula.

b) Admitem a eficácia das cláusulas no âmbito das transmissões por morte, mas subordinam essa eficácia (ou validade) à previsão estatutária do destino a dar às ações no caso de o sucessor não haver de ser reconhecido como sócio, designadamente: Galgano [cv] , Bigiavi [cvi] e De Ferra [cvii] .

Para Galgano, será necessário que o estatuto regule as consequências da recusa de agrément dos herdeiros ou legatários do sócio defunto, prevendo o “riscatto e il rimborso” das ações ou a emissão de ações de fruição (godimento) a seu favor (cita também Gatti: 1973). Para Bigiavi, é, igualmente, necessário que os estatutos prevejam a sorte da ação para a cláusula ser eficaz (p. 45) (ou válida, p. 46) no âmbito da sucessão universal mortis causa [cviii] .

Segundo De Ferra, a cláusula de agrément pura e simples não pode afetar a circulação das ações mortis causa (p. 265 s), mas nada impede que a transmissão por morte se sujeite ao agrément quando esteja estatutariamente predisposto um mecanismo pelo qual o herdeiro ou legatário) “sgradito” possa, se quiser, realizar o valor do título (p. 267). O pensamento deste autor pode ser assim sintetizado: dados os interesses em causa (o da sociedade – em controlar a composição da comunidade dos sócios, também presente neste caso – e o dos herdeiros, em obterem, pelo menos, o valor económico das suas ações), dada a necessidade de as cláusulas não terem um efeito equivalente ao de uma (inadmissível) proibição da circulação das ações, e dada a ilicitude de uma cláusula (não prevista pela lei) de liquidação pura e simples das ações a favor dos herdeiros, a solução deverá ser a de admitir apenas uma cláusula que confira a estes a opção: ou por ficarem titulares não legitimados das ações, ou por realizar (querendo) o valor dos títulos. A justificação para esta condição de eficácia das cláusulas neste âmbito extrair-se-ia da diferença de situações que decorrem da transmissão entre vivos e da transmissão por morte. Naquela, a recusa de agrément pode impedir (no caso concreto) a circulação do título, mas o acionista, nesse caso, continua dono dele (podendo exercer os direitos a ele inerentes). No caso das transmissões por morte, a recusa de agrément implicaria necessariamente asuspensão do exercício dos direitos “sociais” (e, em certos casos, também dos direitos patrimoniais) incorporados no título, suspensão que pode durar indefinidamente, já que os herdeiros podem não encontrar adquirentes, ou, pelo menos, adquirentes “graditi”. Daqui resultaria que a recusa de agrément pura e simples traria efeitos mais gravosos do que os de uma (inadmissível) inalienabilidade das ações, em que há, pelo menos, um sujeito em estado de exercer os direitos – o sócio impossibilitado de sair da sociedade (p. 265 s).

Note-se que este argumento não me parece, totalmente, procedente. Na verdade, no caso das transmissões entre vivos, pode acontecer (e é caso normal segundo a doutrina dominante em que se inclui o próprio De Ferra – cf. «supra») que o título seja transmitido e que o adquirente ao título não adquira a legitimação, o que origina, segundo a melhor doutrina italiana – cf. supra -, uma suspensão do exercício dos direitos incorporados no título e esta situação pode, teoricamente, ter a mesma duração que a que ocorre nas transmissões por morte. Pode, todavia, argumentar-se que as situações, na prática, são normalmente diferentes, porque os herdeiros ficam titulares de ações, com ou sem mercado, enquanto o cessionário não dará o seu acordo à aquisição de títulos que não lhe conferem o exercício dos direitos correspondentes à posição de sócio e que não têm mercado (valor de troca). Além disso, os herdeiros têm direito a suceder no valor que as ações tinham no património do de cujus e esse valor não era apenas constituído pelo valor de renda e de troca das ações mas também pelo que resulta do direito de intervir na sociedade, da qual dependem aquele valor e a realização, eventual, do valor de liquidação das mesmas ações.

c) Quanto às razões justificativas da eficácia das cláusulas no âmbito das transmissões por morte, diz-se que elas são as mesmas que justificam, em geral, a eficácia das cláusulas, podendo os interesses que elas prosseguem ser frustradas por uma quebra da sua eficácia neste âmbito [cix] .

8.2 Doutrina contrária

Na literatura consultada, contra a eficácia das cláusulas restritivas no âmbito das transmissões por morte, pronunciam-se Spatazza [cx] , Messineo [cxi] e Ascarelli, no segundo escrito [cxii] . Para Spatazza, a doutrina dominante [cxiii] , com a qual concorda, seria no sentido de que “o herdeiro ou legatário de ações, não obstante a cláusula deagrément contida no estatuto, tem um verdadeiro e próprio direito subjetivo a ser considerado sócio”, sendo, portanto preferível a opinião de que tal cláusula não é aplicável neste contexto. Considera, todavia, que a sociedade pode evitar a legitimação social do herdeiro ou legatário de ações “ acquistando le proprie azioni con le modalità perviste dall´ art. 2357 c.c.”. Messineoutiliza sobretudo o argumento de letra da lei (art. 2355.3), que fala em alienazione e não em trasferimento (p. 50), não compreendendo, portanto, a hipótese das transmissões por morte (p. 52). [Segundo ele, nem o testador é alienante (p. 50 e nota 41, p. 51), pelo que a cláusula também não se aplica à sucessão testamentária]. Além deste argumento, entende também Messineo, que, neste caso, não há um atentado ao interesse social (p. 51). Ascarelli (revendo a sua posição anterior) utiliza igualmente o argumento da letra do art. 2355.3, que fala em alienação e não em transmissão (p. 387 e nota 19, p. 387 s ), o qual completa com este outro: em caso de transmissão por morte, “la clausola metterebe capo (…) ad una risoluzione del vincolo per morte del socio (o almeno alla impossibilità di individuare un azionista inscrivibile nei libri della società) che acquisterebbe in realtà una diversa e più grave portata di quella propria alla clausola per i trasferimenti inter vivos, dovuta appunto alla impossibilità della permanenza dell´azione con l´intestatario originario” (p. 387). Para além do argumento exegético, que De Ferra não considera relevante (p. 265), Ascarelli acentua, portanto, a diversidade de situações: nas transmissões por morte, a cláusula poderia traduzir-se numa “ risoluzione del vincolo del socio con riduzione del capitale sociale” (nota 19, p. 388). Como se viu acima, De Ferra também considera existir uma diversidade de situações, mas não justificadora de uma solução tão radical [cf. também os outros autores citados no n.º 8.1b)]. Quanto ao argumento da resolução do vínculo, é de notar que Ascarelli considera o transmissário não “gradito” do título como sócio, só não podendo exercer os direitos sociais [cxiv] , e , no texto que se transcreve, ele próprio admite que a situação pode ser apenas de impossibilidade de individualizar um acionista que possa ser inscrito. Ora esta situação, se bem que anómala, não implica necessariamente que a solução seja a ineficácia da cláusula neste caso. Há outras saídas cf. a doutrina citada[«supra», 8.1b)].

8.3 Cláusulas de preferência

Dos autores consultados, apenas De Ferra [cxv] se refere à possibilidade de aplicar a cláusula de preferência (melhor, de preempção) às transmissões por morte, pronunciando-se, aliás, em sentido negativo. Segundo ele, a cláusula de preferência operando automaticamente com a morte do sócio seria de excluir porque a cláusula daria uma determinada direção à “vicenda traslativa necessária ”, contra o que dispõe o art. 2.355, que só permite pôr obstáculos à circulação (p. 266). Por outras palavras, à liberdade do emitente de obstaculizar a alienação faltaria aqui o contrapeso lógico da liberdade do acionista de não alienar (p. 267).

8.4 Conclusão

A cláusula de preferência verdadeira e própria não pode, logicamente, aplicar-se às transmissões por morte, do mesmo modo que não se aplica às transmissões entre vivos a título gratuito (cf. supra). A cláusula de preempção é também inaplicável segundo o único autor que aborda a questão. Quanto às cláusulas de “gradimento”, como se observou, a doutrina está dividida, sendo difícil dizer, como faz Spatazza, que a doutrina dominante é no sentido da sua não aplicabilidade a este caso.

9. Eficácia das cláusulas e constituição de direitos «reais» menores sobre as ações vinculadas (penhor e usufruto)

9.1 Cláusulas de consentimento

Parece pacífico que as cláusulas de agrément são também eficazes nos casos de constituição de usufruto e de penhor [cxvi] . Importa, no entanto, considerar algumas questões.

A primeira é relativa à interpretação de tais cláusulas. A doutrina parece exigir uma referência expressa nos estatutos aos negócios constitutivos para que a cláusula se lhes apliqu [cxvii] . Na verdade, como observa Spatazza, as disposições estatutárias (regularmente publicadas) estão sujeitas a uma regra de interpretação objetiva e não à regra geral de interpretação dos contratos (art. 1362), não devendo a cláusula deixar dúvidas sobre o seu alcance. E, como afirma De Ferra (nota 3, p. 264), o termo «alienação» (usado na lei e comummente reproduzido nos estatutos) não é tão amplo que compreenda, por si, os negócios constitutivos.

A segunda questão prende-se com a utilidade e, portanto, a justificação da cláusula no caso de constituição de penhor e usufruto. Sobre este ponto, escreve De Ferra (p. 264) que a cláusula pode prever a necessidade de agrément no caso de constituição de um direito real sobre o título que, conforme ao art. 2352, importe a aquisição de direitos administrativos por parte do usufrutuário ou do credor pignoratício. A negação do agrément incide apenas sobre a aquisição da legitimação social por parte destes.

A terceira tem a ver apenas com o penhor e consiste em saber se a cláusula é oponível ao adquirente das ações em execução do penhor, devendo, ainda, distinguir-se duas situações: a de o credor pignoratício ter recebido o agrément da sociedade (ou satisfazer os requisitos estatutários de que depende o seu reconhecimento como sócio) e a de o não ter. A doutrina italiana não aborda, no entanto, este problema.

9.2 Cláusulas de preferência

No que se refere à cláusula de preferência na constituição de usufruto, ela é, tecnicamente, admissível. Mas já o mesmo não sucede, naturalmente, no caso da constituição de penhor, em que as qualidades de credor e de titular do direito de garantia têm que coincidir (De Ferra, p. 264 s).


§ 3.º

Condições especiais de eficácia das restrições

Restam, ainda, algumas questões. São as seguintes: a) É condição de eficácia das cláusulas restritivas que as ações não estejam admitidas à cotação na bolsa? É a sua eficácia restrita às transações realizadas fora da Bolsa? b) É condição de eficácia das cláusulas a não emissão de títulos ao portador? c) É condição de eficácia das cláusulas, no caso de terem sido emitidos títulos (ações nominativas), que estes contenham menção delas? d) É condição de eficácia das cláusulas a não emissão de títulos de crédito, incluindo os nominativos? A análise centra-se nas cláusulas de agrément, aquelas a que a doutrina consultada se refere.

1. Eficácia das cláusulas restritivas e mercado da bolsa

Acerca da relação das restrições com o mercado da bolsa de valores, três questões principais se levantaram: 1ª) As ações vinculadas podem ser admitidas à cotação na Bolsa (ou mais geralmente, ser nela transacionadas)? 2) Admitida à cotação uma ação vinculada, é eficaz a restrição da ação transacionada? Tal eficácia está sujeita a algum requisito especial? 3) Se a bolsa condiciona a admissibilidade das ações à cotação a um compromisso por parte da sociedade de não fazer uso das faculdades que a cláusula lhe dá, qual o valor jurídico de um tal compromisso? Interessa considerar, em especial, a segunda questão [cxviii] .

1.1 Tese da «incompatibilidade» das restrições com a transação das ações em bolsa

A tese da incompatibilidade da cláusula de agrément (propriamente dita) com a cotação das ações na bolsa é defendida, nomeadamente, por Spano [cxix] . Para este autor, os princípios de funcionamento da bolsa de valores, por um lado, são incompatíveis com as delongas de processos "aleatórios" requeridos pela cláusula de agrément. A sua função é, na verdade, tornar a transmissão das ações rápida e segura. Por outro lado, é necessário tutelar a confiança do adquirente (não especulador) de títulos admitidos à cotação oficial, para quem o reconhecimento da qualidade de sócio (e, portanto, da legitimação face à sociedade) é um efeito automático da apresentação do título. Há, na verdade, uma difundida e fundada presunção de que os títulos cotados na bolsa circulem livremente (que a publicidade legal é insuficiente para afastar), e nem sequer seria uma solução prática do problema a menção da cláusula no título, porque os títulos transacionados na bolsa só são entregues alguns dias depois da sua transação (p. 1057 a 1059). Acresce que não está aqui em causa uma incerteza acerca do valor efetivo do direito (que pertence à esfera de risco do adquirente), mas de uma incerteza acerca do comportamento do devedor cedido (sociedade). E, dado o mecanismo das transações na bolsa – sem contacto direto entre comprador e vendedor -, é impossível sustentar que as partes tenham contratado conhecendo a incerteza da posição cedida (p. 1058). Daqui resulta que, com o pedido (satisfeito) de admissão à cotação, a sociedade constrange, por um lado, os sócios a alienar as ações “ in incertam personam” sem possibilidade de evitar a eventualidade da falta de consentimento do adquirente) e, por outro, faz indiretamente apelo ao público dos investidores mas reservando-se a faculdade de lhe impedir o ingresso efetivo na sociedade (p. 1059). Este “comportamento malizioso (que implicitamente confirma a livre circulabilidade das ações) contrasta… col dovere di corretezza, il dovere di buona fede ed il rispetto dell´affidamento” que têm um alcance geral no direito italiano (p. 1059 s), gerador de responsabilidade civil face ao adquirente que não adquiriu o pleno status de sócio (p. 1060 s).

Como se vê, para este autor, a (alegada) incompatibilidade do mercado bolsista com a cláusula de agrément, ao contrário do que poderia resultar das premissas, não tem como consequência uma ineficácia das cláusulas uma vez admitidas as ações a esse mercado, mas apenas é geradora de responsabilidade civil.

1.2 Tese da compatibilidade

Diferente é a posição de De Ferra [cxx] , para quem, dado que a necessidade de consentimento não incide (salvo sujeição, pelas partes, do negócio a condição suspensiva) sobre os efeitos reais do negócio translativo (mas apenas sobre a aquisição da legitimação social) – “è ovvio” que a cláusula de agrément não é incompatível com a circulação da bolsa na falta de norma que explicitamente exclua das transações na bolsa as ações vinculadas ou disponha que tal cláusula não se aplica a essa circulação (p. 274). (Só neste caso a não admissão à cotação das ações vinculadas poderia funcionar como condição de eficácia.) O legislador italiano considerou, portanto, como remédio suficiente para eliminar as desvantagens da recusa de agrément a possibilidade de o adquirente “sgradito” poder revender os títulos (p. 275).

1.3 Conclusão

Na verdade, pode dizer-se que a admissão das ações vinculadas à cotação não afeta a eficácia das cláusulas de vinculação. É, no entanto, de salientar que, no projeto De Gregorio de reforma das sociedades de capitais, nos casos em que as cláusulas eram admitidas segundo o art. 6º, sendo as ações cotadas na bolsa, propunha-se (art. 40) como condição de eficácia das restrições (face ao adquirente dos títulos) que estas resultassem dos títulos. Exigia-se ainda que tais restrições constassem das “listini in borsa”, mas não se estabelecia qualquer consequência para o incumprimento desta obrigação (porventura porque se trata de um dever dirigido aos órgãos da bolsa e não de um ónus impendendo sobre a sociedade). A justificação é assim dada por Cottino [cxxi] : “La dottrina hà bensì affermato, a grande maggioranza, che le clausole limitative alla circolazione delle azzioni hanno efficacia reale, sono cioè opponibili erga omnes. È tuttavia giustificata esigenza de certezza che nel caso di titoli a vasto mercato la limitazione risulti, nell’interesse dei terzi acquirenti, nell’ambito in cui è valida, dai certificati”. E, quanto à objeção de Spano de que seria uma medida de publicidade inoperante nas transações na Bolsa, sem deixar de lhes reconhecer fundamento, não a crê decisiva, porque sempre se trata de uma publicidade da qual qualquer operador poderá facilmente dar-se conta [cxxii] .

Note-se que, no direito helvético, as restrições também não impedem a negociação em bolsa (...).

2. Eficácia das cláusulas restritivas e ações ao portador

As cláusulas de vinculação afetam a circulação da participação acionária. Não havendo emissão de títulos, ou sendo as ações nominativas, a circulação com eficácia plena da posição de sócio depende de uma cooperação da sociedade, o que garante – segundo a doutrina dominante (cf. «supra», §§ 1 e 2) – a eficácia (prática) de tais cláusulas [cxxiii] . Havendo a emissão de títulos ao portador - e dado que o emitente do título não pode mudar a natureza do título (Ascarelli2, p. 374) e pretender, ao mesmo tempo, que ele mantenha a sua identidade –, a aquisição, não só do título, mas também da legitimação social é independente de uma cooperação do emitente, é uma “legittimazione al portatore”, donde decorre que aquelas cláusulas serão desprovidas praticamente de eficácia. Com efeito, para serem eficazes, as cláusulas deveriam: ou afetar diretamente a eficácia real da transmissão dos títulos – e, como consequência, também a aquisição da legitimação; ou alterar os princípios da legitimação do portador do título, excluindo que a posse deste seja suficiente para fins de legitimação. Em qualquer dos casos, para a lei estatutária de circulação da participação acionária ser eficaz, a legitimação ao portador - característica destes títulos – teria que ser excluída [cxxiv] . Quer dizer, a eficácia daquela lei só seria conseguida desnaturando o título e, por isso, o legislador italiano só previu (art. 2355.3) a possibilidade de restringir a circulação da participação acionária sendo o título nominativo.

Esta solução mostra-se pacífica, no direito italiano. É de notar, no entanto, que, abstraindo de um concreto sistema jurídico e se as premissas forem diferentes, a conclusão não se impõe. Na verdade, tal como se admitem títulos de crédito nominativos, ou mesmo à ordem (confrontar o direito alemão), com circulação limitada – note-se que, no direito alemão e para uma parte importante da doutrina italiana, as restrições afetam a própria circulação do título –, também poderiam admitir-se títulos ao portador com essa característica. [Ou, inversamente, considerando-se da essência dos títulos ao portador a sua livre circulabilidade, tal deveria ser também reconhecido aos restantes títulos de crédito porque a “natural destinação à circulação” é uma característica geral dos títulos de crédito e não apenas dos títulos ao portador [cxxv] – e é esta ideia que, aliás, subjaz à teoria suíça da eficácia das cláusulas restritivas (das ações nominativas)]. Na verdade, parecem coisas distintas a “circulação por tradição”, a “legitimação por simples posse do título” e a “livre circulação do título”. Ou será que aquelas postulam esta?

Por outro lado, no que respeita às cláusulas de preferência, a admitir a assinalada eficácia real, não parece que o exercício do “diritto di riscatto” interfira com a lei de circulação e legitimação do título. O adquirente deste é adquirente e legitimado, mas está sujeito a ver a sua posição, eventualmente, “resolvida”, quer se trate do adquirente direto do primeiro sócio que não respeitou a preferência, quer de qualquer subadquirente.

Estas observações deixam, porém, de valer se a questão for colocada, não no âmbito dos títulos de crédito, mas no campo da sociedade anónima (e das ações participações), e se aceitar a posição de Mossa [cxxvi] , o qual - identificando o caráter nominativo com caráter pessoal da ação e contrapondo este ao caráter anónimo das ações ao portador - afirma que, ainda que uma cláusula restritiva de ações ao portador seja inserida nos estatutos, ela não tem sentido enquanto disposição de organização societária (de uma sociedade por ações), não tendo natureza estatutária e, portanto, eficácia erga omnes (p. 22 ss). O problema desloca-se assim, para outra sede. Já não se trata de partir da eficácia erga omnes da cláusula de vinculação de participações sociais tituladas por títulos ao portador e de saber se é compatível uma lei de circulação restrita da posição social com a natureza da ação ao portador – como título de crédito e, sendo, negativa a resposta, o que é que deve prevalecer. Para Mossa, a ação ao portador traduz a própria natureza da sociedade anónima, ela é uma ação anónima, não fazendo sentido (ao contrário do que se passa com a ação nominativa), dada esta sua natureza, uma regulação estatutária restritiva das relações entre a sociedade e o adquirente de tal ação. Por isso, uma tal cláusula restritiva só poderia valer como cláusula meramente contratual e não estatutária, dotada de eficácia apenas relativa.

3. Eficácia das cláusulas e sua menção nos títulos (princípio da literalidade dos títulos de crédito) [cxxvii]

3.1 A questão. Observações gerais

Especial importância apresenta a questão consistente em saber se, no caso de serem emitidos títulos, devido ao regime destes tal como resulta dos princípios relativos aos títulos de crédito combinados com o direito societário, a eficácia das cláusulas restritivas da circulação da participação acionária – que é uma eficácia erga omnes porque relativa a uma disposição de natureza estatutária legalmente publicitada – depende de uma condição especial (suplementar) atinente a esses títulos. Já se viu no número anterior que, segundo a doutrina italiana (interpretando a norma do art. 2355.3º, ou sem esta base de argumentação), uma cláusula destas poderá ser ineficaz devido à natureza (ao portador, anónima) do título. Aqui, parte-se da ideia (discutida no número seguinte) de que uma cláusula de vinculação é compatível com a natureza da ação nominativa (uma ação de caráter pessoal, no dizer de Mossa [cxxviii] , isto é, cuja natureza e teor revelam a relevância jurídico-societária do seu titular, relevância essa que tal cláusula concretiza); e a questão é a de saber se determinante é a natureza causal do título isto é, o facto de se tratar de um título ligado à causa da sua emissão e contendo, assim, per relationem, todas as normas fixadas no estatuto) ou se de alguma norma relativa ao regime dos títulos nominativos ou de direito societário decorre que a integração per relationem do teor literal do título é insuficiente. Em discussão está, portanto, o princípio da literalidade aplicado às ações nominativas: a literalidade é, nestes títulos, em toda a extensão do princípio, uma simples literalidade per relationem , como decorre da sua natureza causal, ou, nalguns casos, requer-se (como condição suplementar de eficácia face ao adquirente do título) uma reprodução (parcial) do estatuto no título? E, entre esses casos, contam-se as cláusulas restritivas em apreço?

Colocada, assim, rigorosamente, a questão, afigura-se desde já de rejeitar um argumento de Bigiavi a favor da insuficiência da literalidade per relationem. Segundo este autor, o argumento - utilizado pelos defensores da tese contrária à sua – de que o título é causal e, portanto, todo o conteúdo do pacto social publicado é oponível ao adquirente do título provaria demasiado, porque implicaria também, logicamente, a admissibilidade (rectius, a eficácia) de restrições à circulação das ações ao portador, que o legislador, pelo contrário rejeitou (art. 2355. 3º) [cxxix] . Mas, como se viu atrás, a questão das ações ao portador é diferente, havendo razões para excluir a sua vinculação estatutária apesar de se tratar de um título de crédito causal. E o legislador italiano, no art. 2355.3º, não estabelece tal condição para as ações ao portador; ele rejeita que as ações ao portador possam ser vinculadas [cxxx] .

Além disso, seria concebível (cf., supra, o direito espanhol) uma restrição afetando as ações ao portador mas tendo como condição suplementar de eficácia a sua menção no próprio título, que é o que aqui se discute para as ações nominativas.

Do mesmo modo, também parece poder arredar-se uma objeção de Ascarelli à tese da insuficiência da literalidade per relationem. Na verdade, escrevendo já no domínio do código civil italiano de 1942, este autor admite, com os defensores daquela tese, que o art. 2354.5 do CC impõe aos administradores a menção, no título, das cláusulas estatutárias restritivas, mas a sanção para o incumprimento desta norma seria, não a ineficácia das cláusulas, mas a responsabilidade dos administradores (mesmo perante o adquirente com tal falta prejudicado) [cxxxi] . E argumenta que, se a sanção fosse a da ineficácia das cláusulas, por um lado, dar-se-ia aos administradores o poder de modificar os estatutos com o simples facto da sua omissão e a disciplina dos direitos dos acionistas variaria com a eventual diversidade de redação dos títulos [cxxxii] ; por outro lado, não havendo emissão de títulos, as restrições seriam ineficazes [cxxxiii] . Ora, quanto a esta última ideia, é bem de ver, porém, que, dados os termos em que a questão se põe, ela não parece ter razão de ser. Na verdade, todos partem da ideia de que as restrições estatutárias afetam a circulação da participação acionária com eficácia erga omnes , o que vale, sem mais, para os casos em que não há emissão de títulos. Só no caso de ter lugar esta emissão é que a questão se coloca. Mas nem a primeira parte do argumento é (totalmente, pelo menos) procedente. Com efeito, afigura-se que, apesar de a restrição não operar no confronto do adquirente do título que não contenha menção dela, a partir do momento em que este se torna sócio fica sujeito ao ordenamento jurídico-societário, isto é, aos estatutos, sendo-lhe exigível a apresentação do título para ser completado. E, em todo o caso, a norma estatutária continuaria a vigorar. Apenas a sua eficácia face ao adquirente do título, porque depende de um ulterior requisito, poderia ser afetada.

3.2 Estado da questão. Argumentos

a) Feitas estas observações preliminares, importa salientar que a jurisprudência italiana, por mais de uma vez, negou ser a menção da restrição no título condição da sua oponibilidade ao adquirente, com base na ideia de que, sendo o título causal, para a sua integração vigora o princípio do reenvio, per relationem, para as disposições estatutárias regularmente publicadas e, portanto, oponíveis a terceiros, mesmo se destes ignoradas, segundo o disposto no art. 2193.2 do CC [cxxxiv] .

Quanto à doutrina, ela está dividida, embora pareça dominante a corrente favorável à eficácia da restrição sem menção no título [cxxxv] , com base nas ideias já referidas de que, por um lado, a ação é um título causal, não completo, mas integrado per relationem pelas normas do estatuto (ficando o princípio da literalidade por este modo satisfeito) e, por outro lado, a eficácia erga omnes das cláusulas decorre da sua inserção nos estatutos publicados que contêm a disciplina da participação social [cxxxvi] (101). Este argumento é desenvolvido por Dalmartello [cxxxvii] (102). Segundo ele, a própria natureza da ação nominativa – cujoregime de circulação seria (em grande medida) assimilável ao dos bens móveis registados, exigindo a intervenção da sociedade (isto é, exigindo o transfert) para a perfeição da sua transmissão – aseguraria ao terceiro, potencial adquirente, o conhecimento efetivo (que se visa com a menção no título) dos limites à sua circulação antes de a transmissão se tornar perfeita.

Esta posição é, no entanto, criticada por Bigiavi [cxxxviii] , com base em que, por um lado, o transfert é mera condição de aquisição da legitimação social de quem já adquiriu o título (o que é exato, como se viu, no direito italiano), por outro lado, a transmissão dos títulos nominativos se daria solo consensu (esta uma ideia, no entanto, contestada por uma parte da dutrina, embora minoritária) [cxxxix] . Fica, portanto, apenas a ideia de que a suficiência da publicidade dada aos estatutos é um corolário da natureza causal do título.

b) De entre os argumentos utilizados pelos defensores da tese contrária, ou seja, a tese favorável à necessidade da menção (ou transcrição) das restrições nos títulos, três deles têm especial significado por poderem ser transpostos, eventualmente, para um ordenamento jurídico diferente do italiano. O primeiro é de Messineo [cxl] . Segundo ele, é certo que um adquirente diligentíssimo do título tem a possibilidade de tomar conhecimento das restrições estatutárias não mencionadas no título e, segundo o art. 2193.2, tal possibilidade pode significar aqui (como acontece noutras situações), legalmente, um conhecimento efetivo. No entanto, no caso das cláusulas restritivas (e tendo em conta o sistema de publicidade de que são objeto), a sua tomada de conhecimentoper relationem seria para os terceiros um ónus de diligência excessivo [cxli] .

Os dois outros argumentos são de Bigiavi. Um deles é o de que o adquirente de boa-fé e portador endossado de um título nominativo se torna seu proprietário (erga omnes) mesmo quando haja adquirido a non domino; ora, seria inadmissível que outro tanto não sucedesse quando adquire de boa-fé um título com circulação limitada (p. 50 s). Quanto a ele, note-se, contudo, que as situações não são análogas, já que, no segundo caso, não está em causa (segundo a doutrina dominante) a aquisição do título mas a aquisição da legitimação [cxlii] (107); no primeiro caso, pelo contrário, a regra da aquisição a non domino é exclusivamente restrita a regular as relações entre o desapossado do título e o adquirente de boa-fé. É, portanto, necessário distinguir duas situações: a da aquisição do título – que poderá dar-se por um válido negócio translativo (ou por transmissão legal) ou pela regra da aquisição a non domino do adquirente cartularmente legitimado e de boa-fé – e a da aquisição da legitimação social, esta objeto da regulamentação de (eventual) cláusula restritiva legalmente publicada e, portanto, oponível a qualquer adquirente, qualquer que seja o título da sua aquisição (portanto, também ao adquirente a non domino).

O outro argumento é tirado do art. 2021, segundo o qual “il possessore di un titolo nominativo è legittimato all’esercizio del diritto in esso menzionato per effetto dell’intestazione a suo favore contenuta nel titolo e nel registro dell’emitente”. Deste artigo extrai-se, segundo Bigiavi, que deve resultar do título quem é legitimidado para dele dispor, donde conclui que, “a fortiori ”, tudo quanto respeita à “legittimazione a disporre” deve resultar do título para ser oponível a terceiro (p. 51 s). Assim, segundo este autor, em virtude da regra da legitimação pela dupla inscrição, tudo o que respeita ao exercício do direito cartular – incluindo o que respeita ao poder de disposição – deve resultar do teor literal do título, pelo que só uma expressa menção no título poderia desmentir uma presunção de equivalência entre inscrição e legitimação.

Note-se, porém, que o artigo parece dizer apenas quem é legitimado para o exercício do direito – é aquele que tem a seu favor uma dupla inscrição: no título e no registo do emitente –, sendo omisso sobre a questão de saber como se adquire a legitimação [cxliii] . E nem parece que se refira à legitimação para dispor: de contrário, a circulação (autónoma) do título por endosso (disposta no art. 2023) esbarraria com a necessidade de o endossante estar sempre inscrito no livro das ações. Mas, ainda que tal fosse verdade, deve ter-se presente que, segundo a doutrina dominante, as restrições não afetam a faculdade de dispor do título, mas a oponibilidade ao emitente de uma transmissão já operada e perfeita inter partes [cxliv] .

c) Um outro grupo de argumentos refere-se, mais especificamente, ao direito italiano, havendo sido formulados, ainda, por Messineo. O primeiro é baseado no art. 2354.5, que (inovando relativamente ao art. 165 do código comercial, utilizado por Ascarelli em 1931 para defender a tese contrária) dispõe que o documento da ação deve indicar os direitos e obrigações “ particolari” a esta inerentes. Este artigo mostra, de acordo com Messineo, que, para certos efeitos, a mera possibilidade de consultar os estatutos não é suficiente (uma vez que aqueles direitos e obrigações já resultam também dos estatutos publicados). Dentro dos casos suscetíveis de se enquadrarem na previsão daquela disposição estaria a cláusula de agrément, porque esta representa uma alteração do regime normal de circulação das ações (que, subentende-se, requer um regime especial de publicidade) e a criação de “particolari diritti e obblighi”, facto importante para a decisão de terceiros de adquirirem ou não as ações. Na verdade (continua o autor), como diz Bigiavi, se C não adquire eficazmente a ação de T sem o agrément da sociedade, T não pode alienar aC sem tal agrément. Trata-se, assim, de uma obrigação particular do sócio (subentende-se, obrigação de não alienar) porque é uma exceção à normal aptidão da ação para circular (p. 46).

Este argumento mereceu da doutrina italiana duas objeções. A primeira é de Ascarelli [cxlv] , que concorda com a afirmação de que o art. 2354.5 impõe uma menção das restrições no título mas a sua sanção seria, não a ineficácia das cláusulas face a terceiros, mas a responsabilidade dos administradores (cf. supra) [cxlvi] . A segunda é de De Ferra [cxlvii] . Segundo este autor, a função da norma é de tornar distinguíveis as várias categorias de ações (quando as haja), o que torna claro o seu alcance: só quando existe mais que uma categoria de ações tem lugar a sua aplicação. A norma diz, portanto, respeito à possível existência de categorias especiais de ações e, segundo uma parte da doutrina, as ações com circulação limitada não constituem uma categoria especial de ações [cxlviii] . Mas, mesmo considerando que a limitação da circulação das ações pode dar origem a uma categoria especial de ações no caso de haver ações vinculadas e ações de circulação livre [cxlix] (ou diferentes categorias de restrições para diferentes tipos de ações), só neste caso haverá necessidade de mencionar o vínculo no título, porque, aqui, mesmo um conhecimento efetivo dos estatutos por parte de terceiros é insuficiente para saberem se estão perante um título de circulação livre ou vinculada [cl] .

O segundo argumento de Messineo é tirado do art. 1341 do CC. A cláusula de agrément equivaleria a uma proibição de alienar para o sócio “originário” (ainda que indireta), constituindo uma restrição à sua liberdade contratual face a terceiros. Daqui resultaria que, para ser eficaz face a esse sócio – e, naturalmente, face a quantos vêm ocupar a sua posição no contrato de sociedade -, a cláusula (do contrato de sociedade) deveria ter a sua aprovação específica e por escrito. Na verdade, porém, cabe observar, este argumento valerá, quanto muito, contra a eficácia erga omnes das cláusulas, em geral; não para fazer depender essa eficácia da menção da cláusula no título. A menos que se considere que a aceitação de um título endossado contendo tal cláusula vale como aprovação específica e… por escrito.

3.3 Conclusão

Como decorre do exposto, torna-se difícil dizer qual a posição do direito italiano sobre este ponto, embora a orientação predominante pareça ser no sentido de que (em princípio) a menção nos títulos não é condição de eficácia das restrições. É necessário, no entanto, ter em conta o caso especial de haver títulos com diferentes leis de circulação, em que predominará, talvez, a opinião inversa, por virtude do art. 2354.5 do CC.

Importa, em todo o caso, salientar que o facto de o título ter natureza causal não colide em nada com semelhante reforço do princípio da literalidade. Na verdade, tal exigência não põe em questão a natureza causal do título: a oponibilidade a terceiros das restrições decorre dos próprios estatutos publicados, só que dependerá da ocorrência de um requisito suplementar, a menção no título da existência, fonte e, porventura, teor dessas restrições. E um tal reforço bem pode decorrer de uma adequada ponderação dos interesses em jogo, uma vez que a certeza e a celeridade do tráfico das ações (sem dúvida um valor importante do próprio ponto de vista societário, tendo em conta a função típica das ações no quadro societário) bem podem ser valores mais consideráveis do que o argumento (de lógica formal) de que, porque o título é causal, são automaticamente e sem mais oponíveis ao adquirente todas as exceções ex causa. Um bom exemplo do que acaba de dizer-se fornece-o, na verdade, o direito americano, onde a oponibilidade das restrições depende de notícia no documento da ação [cli] .

Note-se que o art. 328.4 do CSC também vai neste sentido.

4. Eficácia das cláusulas restritivas e emissão de títulos nominativos

A última questão relativa à eficácia das cláusulas restritivas da transmissibilidade das ações é esta: afetando tais cláusulas a circulação de participação acionária, são elas eficazes quando sejam emitidos títulos de crédito, ainda que nominativos, tanto mais que o direito italiano permite às sociedades anónimas não procederem a à sua emissão (não tendo, neste caso, os sócios direito a exigi-los)? Por outras palavras: uma lei (estatutária) de circulação restrita da participação acionária é compatível com a lei de circulação (e legitimação) das ações nominativas, considerando, em especial as que circulam por endosso?

Especificamente sobre esta questão (embora a propósito de uma outra diferente, a de saber em que consiste a eficácia das cláusulas de vinculação), pronunciou-se Franceschelli [clii] . Este autor admite a eficácia erga omnes das cláusulas restritivas, entendendo, porém, que tal eficácia, dado o regime legal de circulação (e legitimação) dos títulos nominativos (art. 2023 do CC), só é compatível com a incidência das cláusulas diretamente sobre transmissão, em si, títulos, condicionando-a à observância do processo estatutário restritivo. A sua objeção é, portanto, dirigida apenas ao entendimento da jurisprudência e da doutrina maioritária segundo o qual a restrição não afeta a transmissão do título mas apenas a aquisição da legitimação social pelo seu adquirente, mais propriamente, a anotação do adquirente no livro dos sócios de que depende a sua legitimação para o exercício dos direitos sociais. Os termos da questão, para ele são, portanto, estes: incidindo a cláusula restritiva a sua eficácia sobre a anotação (e não sobre a transmissão), é ela eficaz face ao adquirente do título, que, porque “proprietário” deste, tem, segundo o art. 2023.3º, o direito a ser conhecido pela sociedade como titular do direito nele incorporado e, portanto, a exigir da sociedade a prática do ato de que depende a sua legitimação para o exercer (isto é a sua inscrição no livro dos sócios)?

A sua resposta é negativa. Para ele, o regime do art. 2023.3º é imperativo (p. 440 s, 444), a anotação da transmissão (operada) é, para a sociedade, um ato devido. Daqui que, para ser eficaz (ou, mesmo, válida), uma cláusula restritiva só possa “riguardare il trasferimento in sè, ma non la sua annotazione sui registri dell´emitente” (p. 441).

Se percebi bem o pensamento deste autor, ele parte do pressuposto de que, segundo a tese da doutrina dominante, a transmissão do título se opera com eficácia plena, incluindo, portanto, face à sociedade emitente. E a sua objeção é a seguinte: se a transmissão do título e do direito incorporado se deu com eficácia erga omnes (sociedade incluída), então o transmissário tem o direito – que a própria lei expressamente lhe reconhece – de obter da sociedade a sua legitimação, isto é, o seu averbamento no livro dos sócios de que depende tal legitimação.

a) À primeira vista, parece estranha esta argumentação. Na verdade, porque é que – afetando a própria transmissão do título, tornando-o um título com circulação limitada (contra o que decorre da sua própria natureza [cliii] ) – a cláusula restritiva é válida e eficaz, isto é, é compatível com o regime dos títulos de crédito, e já não o é se respeitar apenas à aquisição da legitimação pelo (já) adquirente do título – quando é certo que, como observa Asquini [cliv] , o art. 2355 não impõe nenhuma limitação ao modo como a transmissão das ações nominativas pode ser estatutariamente condicionada?

Por outro lado, uma correção se impõe aos termos em que o autor põe a questão. Com efeito, a doutrina dominante, embora considerando que a cláusula atua sobre a anotação ao adquirente do título no livro dos sócios, não parte do pressuposto de que a transmissão do título – incorporando a posição de sócio – ocorre com eficácia plena. Pelo contrário, desde Ascarelli («supra»), defende que a transmissão que não observe o processo estatutário restritivo é ineficaz em relação à sociedade. A cláusula torna, portanto, segundo esta doutrina, essa transmissão inoponível ao emitente das ações. Mais explicitamente. A transmissão das ações – devido à natureza legal destas, quer como entidade jurídico-societárias, quer como títulos de crédito – opera tipicamente duas categorias de efeitos. Por um lado, o direito do adquirente é oponível erga omnes, de acordo com “o regime jurídico da propriedade e dos seus modos de adquirir” (para utilizar as palavras de Messineo [clv] , e compreendendo nessa relação jurídica universal a própria sociedade. Por outro lado, tendo o legislador objetivado a participação acionária, considerando-a como um bem livremente circulável e tendo ela sido incorporada num titulo de crédito, a transmissão produz um efeito específico face a um terceiro – a sociedade enquanto “contraente cedido” e “devedor cartular” (e não enquanto sujeito passivo daquela relação jurídica universal). A produção desse efeito – que constitui uma exceção ao princípio geral de que os contratos não produzem efeitos a terceiros e à regra da cessão do contrato, embora corresponda à regra da transmissão de direitos (daqueles que têm uma estrutura equivalente à de um direito de crédito) – traduz-se na aquisição da posição de sócio face à sociedade, com a consequente obrigação desta de o dotar do necessário instrumento da sua legitimação, isto é, a inscrição no livro dos sócios. Devido à sua fonte, esta obrigação tem uma dupla natureza. Por um lado, decorrendo da natureza típica da participação acionária, tem natureza jurídico-societária, de modo que, se aquela natureza típica da ação é, em concreto, estatutariamente modificada, desde que esta modificação seja válida, aquela obrigação pode deixar de existir (pelo menos com caráter absoluto) do ponto de vista jurídico-societário. Por outro lado, pelo facto de a ação ser um título de crédito, trata-se de uma obrigação cartular (art. 2023.3º). E o fulcro da discussão reside, precisamente, aqui.

Reequacionando agora a questão tendo em conta a observação que acaba de fazer-se, ela fica assim formulada: porque é que, se a cláusula afetar toda a eficácia (ou a validade) da transmissão ela é eficaz, enquanto, se afetar apenas a eficácia (específica) dessa transmissão face à sociedade o não é? Por outras palavras: porquê a sua eficácia se fonte da ineficácia absoluta e a sua ineficácia se fonte de mera inoponibilidade («rectius», ineficácia relativa)? Como deve ser entendida esta obrigação cartular? É ela imperativa? Sob que pressupostos? Qual a fonte dessa (possível) imperatividade?

Para Messineo (cf. «supra», nota 118), a anotação do adquirente é um ato devido, isto é, corresponde a um dever legal que não pode ser afastado por um ato da autonomia privada como o é o pacto social, tanto mais que o art. 2355.3º é uma norma delegante de conteúdo indeterminado. Esse dever decorre dos princípios gerais da circulação dos títulos de crédito nominativos, mais propriamente, da própria natureza circulante destes títulos. O direito do portador endossado do título nos termos do art. 2023, a que esse dever corresponde, é, portanto, um corolário do princípio da transmissibilidade do título e significa, para a sociedade, uma impossibilidade de paralisar a circulação do direito incorporado no mesmo. Por isso, Messineo defendeu ser inconciliável com a natureza (e o regime de circulação) dos títulos (mesmo nominativos) a cláusula de agrément discricionário (isto é, uma cláusula que colocaria nas mãos da sociedade a própria circulação do título, podendo paralisá-la através de sucessivas recusas e, portanto, anulá-la). Mas é significativo que, sendo Messineo o grande defensor da eficácia meramente relativa das cláusulas restritivas, nunca tenha usado para o efeito o argumento do art. 2023.3º [clvi] . Pelo contrário, nos seus escritos e, nomeadamente, do último resulta implicitamente que as restrições são, em geral compatíveis com o regime de circulação dos títulos de crédito (ou, pelo menos, não defende uma incompatibilidade geral) e, portanto, eficazes (se não proceder a argumentação produzida pelo autor no seu terceiro estudo e que se expõe «supra», § 1) apesar da norma do art. 2023.3º.

Voltando a Franceschelli, afigura-se evidente que, aceitando-se esta perspetiva de que a norma do art. 2023.3 é um corolário da transmissibilidade do título, mais estranha se torna a sua afirmação de que a cláusula é eficaz afetando a própria transmissão do título in toto e não o é afetando apenas a sua oponibilidade à sociedade.

b) Na realidade, a argumentação de Franceschelli tem o seu fundamento nos pressupostos de que parte. Com efeito, é entendimento comum o de que a titulação da participação acionária lhe confere um regime específico, o dos títulos de crédito. Segundo este, o portador endossado do título está legitimado e tem o direito de fazer valer o direito de participação que ele incorpora perante o emitente, isto é, no caso das ações nominativas, o direito a ser reconhecido como sócio e, consequentemente, a obter o instrumento de legitimação necessário para exercer os direitos inerentes a essa condição. Sendo a condição de sócio transmitida com o título – segundo é pressuposto pelo autor com eficácia erga omnes, incluindo a sociedade – apesar da cláusula restritiva, e dado que quem tem um direito deve ter os meios para o exercer, a norma do art. 2023.3 será imperativa, obrigando a sociedade a dotar o titular do direito do instrumento para o seu exercício, isto é, a inscrevê-lo no livro dos sócios. A situação é, portanto, diferente nos dois casos: de haver e de não haver transmissão do título. Não havendo transmissão dos títulos (admitindo, naturalmente, que a cláusula possa ter este efeito), está em causa apenas o princípio geral da livre circulação dos bens – que, porém, não é absoluto - e o da livre circulação dos títulos em especial, mas este princípio, ainda que decorra da natureza típica do bem em causa e do título, pode, em concreto, ser limitado pelo criador do bem e do título, como é geralmente admitido. O dogma circulante dos títulos de crédito não é absoluto e, não tendo este circulado (segundo a sua lei de circulação), não se desencadeiam os efeitos que constituem o regime específico (imperativo) dos títulos de crédito. Por isso a cláusula que obste à transmissão das ações não tem de se confrontar com o regime específico dos títulos de crédito. Diferente é a situação no caso de ter havido a transmissão do título com a posição de sócio a ele inerente. Aqui, o adquirente será sócio e, uma vez que a eficácia da transmissão não é afetada, a cláusula, para ser eficaz, tem que modificar a regra da legitimação cartular ativa, o direito que tem o portador endossado do título – perante a sociedade – de ser inscrito como sócio (art. 2023.3).

c) Dois tipos de objeções podem no entanto, fazer-se à posição de Franceschelli. A primeira é relativa aos pressupostos de que parte. Na verdade, se a aquisição do título é oponível à sociedade, o adquirente tem, naturalmente, o direito, que o art. 2023.3º lhe reconhece, a ser inscrito como sócio. Mas uma leitura substancial (e não meramente formal ou pontual) da literatura que defende a tese maioritária revela que a eficácia da cláusula, verdadeiramente, atua sobre a eficácia da transmissão: esta é inoponível à sociedade e, como consequência, esta não é obrigada a anotar uma transmissão que, juridicamente, desconhece. Quer dizer, a cláusula não incide diretamente sobre a anotação, mas sobre um pressuposto (material) dessa anotação, e portanto, falta um pressuposto de aplicação do art. 2033.3º.

A segunda é relativa ao modo como a restrição se introduz no regime dos títulos de crédito. É sabido que o “devedor cartular” o é dentro dos limites do direito cartular, podendo opor ao titular deste, além das exceções de forma, quaisquer exceções fundadas no contexto literal do próprio título [clvii] . Daqui decorre, sem mais, a eficácia da cláusula mencionada no título contra o titular deste apesar de cartularmente legitimado. E, entendendo-se que a literalidade per relationem é suficiente (cf. «supra», 3), a cláusula, pelo simples facto de constar dos estatutos publicados, confere igualmente à sociedade uma exceção ex titulo, que ela pode usar contra quem é, formalmente, detentor da legitimação cartular. A eficácia da cláusula não se dá, portanto, à custa de qualquer modificação do regime (imperativo) do título.

Para terminar, salientando a compatibilidade da ação nominativa com as restrições à sua circulação, relembra-se o pensamento de Mossa [clviii] de que, ao contrário da ação ao portador – que tem caráter anónimo –, a ação nominativa tem caráter pessoal, revelando, portanto, a sua própria natureza a relevância da pessoa do seu titular. As cláusulas restritivas em apreço são apenas uma concretização rigorosa deste seu caráter pessoal.


Índice

§ 1.º Eficácia erga omnes das restrições estatutárias - p. 1

1. Perspetivas contratualistas. O pensamento de Ascarelli – p. 2

2. Outros autores. De Martini – p. 4

3. De Ferr a – p. 6

4. A participação acionária como direito. vinculação da cessão - 8

5. Outros autores p. 9

6. A ação como título de crédito. Posição de Messineo – p. 9

§ 2.º Em que consiste a eficácia erga omnes das cláusulas? Como opera? Qual o seu âmbito (em que situações se verifica essa eficácia)? - p. 22

1. Transmissão das ações tituladas nominativas. Legitimação – p. 22

2. Cláusulas de consentimento – p. 23

3. Posições de Ascarelli e De Ferra – p. 25

4. Apreciação – p. 27

5. Posição de De Martini – p. 29

6. Cláusulas de preferência – p. 30

7 . Eficácia das cláusulas restritivas e transmissão forçada das ações – p. 33

7.1 Cláusulas de consentimento

7.2 Apreciação

7.3 Cláusula de preferência

7.4 Conclusão

8. Eficácia das cláusulas restritivas e transmissão mortis causa– p. 38

8.1 Cláusulas de consentimento. Doutrina favorável às mesmas

8.2 Doutrina contrária

8.3 Cláusulas de preferência

8.4 Conclusão

9. Eficácia das cláusulas e constituição de direitos «reais» menores sobre as ações vinculadas (penhor e usufruto) – p. 41

9.1 Cláusulas de consentimento

9.2 Cláusulas de preferência

§ 3.º Condições especiais de eficácia das restrições – p. 43

1. Eficácia das cláusulas restritivas e mercado da bolsa – p. 43

1.1 Tese da «incompatibilidade» das restrições com a transação das ações em bolsa

1.2 Tese da compatibilidade

1.3 Conclusão

2. Eficácia das cláusulas restritivas e ações ao portador – p. 45

3. Eficácia das cláusulas e sua menção nos títulos (princípio da literalidade dos títulos de crédito ) – p. 46

3.1 A questão. Observações gerais

3.2 Estado da questão. Argumentos

3.3 Conclusão

4. Eficácia das cláusulas restritivas e emissão de títulos nominativos – p. 52



[i] Cf. Spatazza1, nº 85, p. 353 (s), e doutrina e jurisprudência aí citadas, Cottino (G)1, p. 607, e Libertini, p. 815 (n. 167).

[ii] Ascarelli1, nºs 10 ss, p. 242 ss (comentando favoravelmente a sentença da Cass. de 31/1/1931).

[iii] Ascarelli1, p. 243 s; cf. Ascarelli2, p. 374, onde o autor volta ao primeiro escrito.

[iv] Ascarelli1, p. 244; cf. Ascarelli2, nota 17, p. 386.

[v] Cf. Frè, n. 6 ao art. 2355, p. 247 s (e lit. cit. na nota 1, p. 247), Gasperoni1, p. 131, Gasperoni2, p. 190, Bigiavi, nota 2, p .3; e, ainda, Visentini, p. 998 s, bem como, em Portugal, Vasco Xavier.

[vi] Formulada por F. Ferrara, Trattato di Diritto Civile Italiano, I, Roma 1921, p. 364.

[vii] Ascarelli2, nº 8 s, p. 374 ss, nº 18, p. 391 s (cláusula de preferência); cf. também Ascarelli3, p. 585.

[viii] Ascarelli3, p. 585. É de notar que a ideia segundo a qual o princípio é o de que a posição de sócio não pode ser transmitida com eficácia face à sociedade sem o consentimento dos demais sócios, de que a escolha do tipo social da sociedade anónima representa uma manifestação antecipada desse consentimento, devido à sua natureza transmissível (com eficácia face à sociedade), e de que é possível no ato constitutivo estabelecer limites a essa transmissibilidade das ações com eficácia face à sociedade (isto é, abrangendo a qualidade de sócio), fora já defendida por Manara, p. 508 ss (521 ss, 537, 554 s).

[ix] Cf. p. 367. Este argumento é também usado por De Ferra, infra.

[x] Spatazza1, nº 85, p. 354 = Spatazza2, p. 112 s (citando, no mesmo sentido, Scalfi).

[xi] De Martini, sobretudo nºs 6 s, p. 430 ss, (431 s), mas cf. o conjunto do artigo.

[xii] De Gregorio, p. 260.

[xiii] De Ferra, cap. I, p. 3 ss; cap. VI, em especial p. 202 ss.

[xiv] Sobre esta questão, vid. também, desenvolvidamente, Rivolta, La partecipazione sociale, Giuffrè 1965.

[xv] Utiliza-se aqui esta expressão para identificar aquela categoria geral de contratos que se contrapõe aos contratos associativos e não, obviamente, no seu sentido mais comum e, porventura, tecnicamente mais rigoroso de categoria de contratos não aleatórios.

[xvi] E não atendendo à típica titulação da participação acionária, como o demonstra o facto de a (alegada) “essencial circulabilidade dos títulos de crédito” coexistir com uma possível inalienabilidade estatutária da participação acionária titulada (face à sociedade) nas sociedades cooperativas (art. 2523) – p. 183 s.

[xvii] Esta perspetiva (pelo menos quando a participação é titulada) é corrente, mesmo na Itália.

[xviii] Cit. por Ascarelli3, p. 584 s, e Spatazza 1 e 2, p. 354 e 113, respetivamente.

[xix] Cf. designadamente, Ferrara Jr, p. 382; note-se, todavia, que este autor defende ser o fenómeno da cessão da posição acionária uma cessão do contrato (art. 1406), da qual o título, se existe, é o veículo necessário (e regendo-se este, na sua circulação, pelo regime dos títulos de crédito) – p. 352.

[xx] Cf., designadamente, Ferri1, p. 367, e infra, 6.2. Veja-se, ainda, Mossa1, p. 20 ss.

[xxi] Cf. Visentini, p. 998 (mas vid. também nota 5, supra).

[xxii] Para uma informação geral sobre as várias posições da doutrina italiana, vid. Spatazza1 e 2, p. 352 s e 112 s, respetivamente. Para a posição de Darmartello, cf. infra, § 3, 3.

[xxiii] Messineo3, p. 589 ss. Uma síntese do pensamento do autor pode ver-se em Raul Ventura, Cessão de Quotas, Lisboa 1967, p. 60.

[xxiv] Por exemplo, Manara, p. 512 s.

[xxv] Cf. Spatazza1, p. 151 ss; Rivolta, p. 39 ss.

[xxvi] Cf. Rivolta, p. 244.

[xxvii] Cf. Ferrara Jr., p. 352; Galgano, VII, p. 13, 141; e, ainda, De Ferra (cf. supra), Santini (cit. por Spatazza1; cf. p. 151 ss), bem como, em certa medida, Ascarelli e De Martini ( supra).

[xxviii] Cf., por todos, Rivolta, p. 6, 314 ss.

[xxix] Cf. Mossa 2, p. 270 s.

[xxx] Cf. Galgano, I, p. 48 ss (49 s).

[xxxi] Cf., por ex., CCit. art. 2325.2, Code de Commerce , art. 34, Lei francesa das sociedades de 1966, art. 73;AktG 1965, § l (2); C. Com. Port., art. 166, CSC, art. 271; CO suíço, art. 620. Sobre este princípio e o seu significado, vid., na lit. italiana, Galgano, I, p. 48 ss, VII, p. 1 ss, 131; cf. Ferrara Jr., p. 321 s, Ferri1, p. 333 ss, Frè, p. 3 s, Mossa2, p. 272 s, e Spatazza1, p. 138 ss.

[xxxii] Cf. Ferri 1, p. 337.

[xxxiii] Sobre este confronto, vid. Ferri1, p. 334 s. Cf. Frè, p. 4, Ferrara Jr., p. 322, e Graziani, p. 178.

[xxxiv] Refiro-me apenas ao direito italiano. No CSC, a unicidade da quota é apenas originária (cfr., sobretudo, o art. 219).

[xxxv] Cf. Ferri1, p. 344.

[xxxvi] A alteração da sua natureza significa, portanto, uma alteração (ilícita) do tipo de sociedade. Sobre a questão da tipicidade das sociedades, vid. La Lumia,La “atipicità” delle società commerciali, in Riv. Dir. Com. 1938, I, p. 217 ss, Graziani, «Sulla amissibilità delle cosidete “società” atipiche», Scritti, p. 463 ss,Ferri2, p. 223 s, e Von Steiger, Handelsrecht, p. 239 a 241 (e cf. 302 ss).

[xxxvii] Cf. Brunetti, p. 75 s (princípio implícito no Código Civil), Mossa 2, p. 277; no domínio do Codice di comm., Vivante, p. 271.

[xxxviii] Neste sentido, Ferri1, p. 336, Mossa1, p. 11, 28 ss, Mossa2, p. 324 ss. Concordam também com esta conclusão: Rivolta, p. 336 s (que, porém, não considera a transmissibilidade elemento caracterizador da ação, mas uma consequência do regime da sociedade anónima: típica não consideração da pessoa dos sócios; princípio maioritário; limitação da faculdade de exoneração a pouquíssimos casos (art. 2437) – p. 318); Bigiavi, p. 3 ss (p. 4 s, 6 (a intransmissibilidade absoluta anda incindivelmente ligada à faculdade de exoneração que, na sociedade anónima, só é admitida num âmbito limitadíssimo (art. 2437)); Ascarelli2, p. 393 [a transmissibilidade constitui a contrapartida do menor “poder” (de gestão e controlo) do acionista na sociedade anónima, sendo uma característica deste tipo de sociedade, elemento de equilíbrio do tipo]; Ferrara Jr., p. 380 s; Gasperoni2, p.190; Cottino1, p. 606 [cf. 607 (1): a função da ação é a de servir como “instrumento de mobilização da riqueza”, a ação deve ter a máxima circulabilidade, o acionista não pode ficar prisonnier de son titre]; Messineo4, p. 144 ss (natureza intrinsecamente circulante das ações), Messineo1, p. 28, 30, 37 (a aptidão para circular é característica essencial da ação), Messineo 3, p. 540 ss; De Ferra, p. 182, 227 e 236; Rodotà, p. 758 (nota 40); e a doutrina e jurisprudência citadas por Spatazza 1, p. 351. Cf., também Spano, p. 1044 ss (1049: a sociedade anónima é, por definição, aberta, trata-se de um instituto que nasceu como instrumento de mobilização da propriedade da empresa, para facilitar a sua circulação; e 1050: a identidade dos sócios, elemento irrelevante na sociedade anónima, não deve merecer tutela legislativa); bem como Manara, p. 523 s, 537 s, 553 [a constituição de uma sociedade anónima, pela natureza das ações, revela que os sócios deram (implicitamente) o seu consentimento à transmissibilidade da posição de sócio com eficácia face à sociedade]. Contra, Frè, p. 247, Graziani, p. 264 (mas admitindo o direito de exoneração), Ascarelli1, p. 236 s (cf. p. 242), mas na base de que a sociedade tem uma duração limitada.

[xxxix] Cf. Ferri1, p. 335; Brunetti, III, p. 138. [cf., no direito português anterior (LSQ 1901), neste sentido, Raul Ventura, Cessão de quotas, 1967, p. 19 ss, 22ss; no CSC, cf. os arts. 225 e 229.1]. Uma crítica (que creio, aliás, justa) da posição deste autor, mas com base na ideia de que a transmissibilidade, nas soc. por quotas, é ela própria um princípio informador essencial do regime jurídico e do tipo social tal como foi concebido pelo legislador – onde não existe, sobretudo, direito de exoneração – pode ver-se no estudo de A. Caeiro “A exclusão estatutária do direito de voto nas soc. por quotas”, em Estudos de direito comercial, I, Coimbra 1969 (ed. do CDC. FDC), p. 152 ss.

[xl] Vid., em especial, Rivolta, p. 247 ss; mas a doutrina e a jurisprudência dominantes “equiparam-no” a um direito de crédito. Cf. Rivolta, p. 39 ss (77 ss). Cf., sobre esta questão, também Spatazza1 , p. 151 ss (153 ss).

[xli] Mesmo no plano dos contratos em geral, a qualificação dos contratos (nominados) resulta da sua função sócio-económica típica, não podendo as partes, por exemplo, pretender que o seu contrato concreto seja uma compra e venda se a sua função sócio-económica não é a troca de um direito por dinheiro. Há, no entanto, uma diferença. No domínio societário, os tipos mistos, as sociedades atípicas, não são reconhecidos.

[xlii] Sobre ele, vid., no entanto, Hirsch, SAG, 1978, p. 65 (68 ss).

[xliii] Cf. Von Steiger, Handelsrecht, p. 241, p. 302 ss.

[xliv] No sentido de que a ação como título é objeto de propriedade, cf. Cottino1, p. 598. Menos categórico, mas ainda no sentido de que os títulos de crédito, sob certos aspetos, entram na órbita dos direitos reais, Brunetti, «Esecuzione su quota di società a responsabilità limitata», in Scritti giuridici in onore di A. Scialoja, Bolonha 1953, p. 145 ss (148).

[xlv] Cf., infra, § 3, e, supra, Ascarelli (nota 2); e, ainda, Ferri 2, p. 604 ss.

[xlvi] A tese de que a cláusula afeta o poder de disposição da participação social é defendida, nomeadamente, por Rivolta, p. 343 s, e Bigiavi, p. 52.

[xlvii] A literatura por consultada ou não aborda expressamente a questão do conteúdo e eficácia dos estatutos – pressupondo, porém, a sua eficácia erga omnes (cf. Ferri1, p. 367, e nota 2 da p. 367, citando Gatti, La iscrizione nel libro dei soci, Milão 1969, p. 106 ss; e, ainda, Bunte, p. 82) -, ou não é suficientemente esclarecedora: vid. Von Greyerz, p. 104 s (e 131); Patry, II, p. 48 ss. Sobre os efeitos da publicidade do registo, vid., por ex., Patry, Handelsrecht, p. 142 s.

[xlviii] Cf., por ex., Mosco, p. 1212 ss (embora a propósito de questão diferente).

[xlix] Cass., sentenças de 31.1.1931 (anotada favoravelmente por Ascarelli, in Riv. Dir. Comm. 1931, II, p. 487 ss = Ascarelli1, p. 233 ss), de 8.6.1954 (anotada favoravelmente, por Ascarelli3, p. 579 ss, e, quanto às conclusões, por De Martini, in Riv. Dir. Comm. 1954, II, p. 422 ss) e de 13.7.1957, cit. por Spatazza1, p. 363; Ascarelli2, p. 360 ss; De Ferra, p. 202 ss; Galgano, VII, p. 144 s; Gasperoni2, p. 190; Asquini, p. 79 ss; Libertini, p. 903 ss, 905; Frè, p. 248 s (embora a terminologia empregue possa dar lugar a dúvidas); Bigiavi, p. 19, n. 36. No mesmo sentido, cf. a literatura citada por Spatazza1, p. 364, e a nota à sentença do Tribunal de Apelação de Milão de 26.10.1982, BBTC (1983), p. 269 s.

Contra, considerando (de vário modo) que as cláusulas afetam diretamente (na sua validade ou eficácia) a própria transmissão, Ferri1, p. 367 ss, Franceschelli, p. 437 ss, Spano, p. 1052 ss, Ferrara Junior, p. 382, e Visentini, p. 998 s. Especialmente crítico, relativamente aos efeitos da dissociação em apreço, cf., ainda, Messineo2 p. 18 ss.

[l] Esta afirmação vale, em especial, para as cláusulas de agrément, em sentido lato e, segundo uma parte da doutrina (cf. infra), para as cláusulas de preferência.

[li] Vid ., por ex., Brunetti, p. 78 s; Gasparoni2, p. 184; Mossa 2, p. 273 ss. Para o seu significado como título de crédito causal, vid. Cottino1, p. 597.

[lii] Cf. Asquini, p. 78, Mossa1, p. 16.

[liii] A doutrina italiana é, porém, praticamente unânime em considerá-lo um título nominativo (cf., por ex., Gasperoni2, p. 185). Cf., em todo o caso, Mossa2, p. 274 (1).

[liv] Sobre o momento translativo da propriedade das ações nominativas, vid. Spatazza2, p. 86 ss.

[lv] Cf. Spatazza2, p. 98 ss, Asquini, p. 78 s, e Visentini, p. 997.

[lvi] Cf. Visentini, p. 997 s, e infra.

[lvii] Cf., por todos, Asquini, p. 78.

[lviii] Cf., por ex., De Ferra, p. 206 ss, Rodotà, p. 764 s, Asquini, p. 79, e, infra, no texto.

[lix] Na análise desta questão, prescinde-se da literatura especificamente relativa à situação criada pela lei nº 1745, de 29/12/1962. (E também não vou ocupar-me da questão da legitimação para o exercício dos direitos patrimoniais.) Sobre esta matéria, vid. Spatazza1, p. 368 ss, a literatura aí citada, e, sobretudo, Spano, p. 1061 ss (1074 ss). Cf. também, Ferri1, p. 375 s, Cottino2, p. 320 ss, e De Gregorio, p. 256 s.

[lx] Spatazza1, p. 363 (citando Cass., sent. de 13/07/1957). Cf. infra.

[lxi] Cf. Spano, p. 1073 s., e infra.

[lxii] Cf. Grassetti, in Riv. Dir. Comm., 1948, p. 46, 50 («Diritto di intervento e diritto di voto in caso di trasferimento di azioni mediante girata), cit. por Spatazza1, p. 365, e Ascarelli2, p. 384, De Ferra, p. 287 ss, e Messineo 2, p. 23 s.

Sobre a nulidade de uma alienação fiduciária das ações pelo endossado ao endossante (legitimado) para este exercer os direitos sociais (incluindo o direito de voto) no interesse daquele, vid. Ascarelli2, p. 384 s, e doutrina citada por Spatazza1, p. 365.

[lxiii] Cf. Cottino1, p. 607 s. Cf., supra, nota 58. No projeto de reforma De Gregorio, o art. 6 resolvia o problema distinguindo o momento corporativo e o patrimonial da participação. Cf., por ex., Cottino2, p. 326.

[lxiv] Cf. Ascarelli1, p. 245, Ascarelli2, p. 373, Ascarelli3, p. 594 s.

[lxv] Vid . Ascarelli3, p. 595; cf. Ascarelli2, p. 380 (nº 11), 383 s (nº 14).

[lxvi] Cf. Ascarelli1, nº 11, p. 244 s.

[lxvii] Cf. Ascarelli2, nºs 2 ss, p.360 ss (vid. uma síntese em Ascarelli3, nº 2, p. 580 s).

[lxviii] Cf. Ascarelli3, p. 585 ss.

[lxix] Daqui decorre a inaptidão das ações ao portador para serem objeto de restrições (p. 594) – cf., infra, § 3.

[lxx] P. 202 ss.

[lxxi] Cf., no entanto, infra, § 3, e, supra, § 1.

[lxxii] P. 440 ss.

[lxxiii] P. 441, 446.

[lxxiv] Para uma crítica, ainda que um tanto vaga (e sem mencionar nomes), cf. Asquini, p. 80 s.

[lxxv] Vid. , sobretudo, Messineo2 (todo o artigo é dedicado a esta questão); cf. Franceschelli, p. 437 ss.

[lxxvi] P. 440 ss.

[lxxvii] P. 217 e 221 s. No mesmo sentido, Graziani, p. 268, e Gatti, cit por Ferri1, p. 367 (nº 2). Contra, Ferri1, p. 367.

[lxxviii] Cf. Cottino1, citando, sobretudo, Cass. 10/10/1957, Spatazza1, p. 377 s, Angeloni, p. 6 s. Neste sentido, também, a mais recente jurisprudência da Cassazione: cf. Galgano, VII, p. 147, nota 42.

[lxxix] Cf. Spatazza1, p. 377 (com observação crítica relativamente ao alcance e significado atribuído pela Cassazione à chamada publicidade constitutiva); Angeloni, p. 7. Nota de atualização: Em decisões recentes, aCassazione tem-se inclinado para a eficácia societária erga omnes (real, hoc sensu), negando o direito de resgate (cf. a sentença n. 7003/2015, de 8 de abril, e a sentença n. 24559, de 2 de dezembro).

[lxxx] Ferri1, p. 367.

[lxxxi] Angeloni, p. 3 ss. Cf., ainda, Mossa1, p. 24 e 26.

[lxxxii] Cf. Spatazza1, p. 378 s, e a doutrina cit. por De Ferra, nota 80, p. 216; De Ferra, p. 216s.

[lxxxiii] Neste sentido, De Ferra, p. 215.

[lxxxiv] Contra, Angeloni, p. 7 (nota 2); e, também, De Ferra, p. 258, e Graziani, p. 269. No sentido do texto, vid. a sentença do Trib. de Apelação de Roma de 4/12/1979, Riv. Dir. Comm. (1980), p. 255 ss, com nota crítica de Ferri.

[lxxxv] Admito, no entanto, que se possa considerar, pelo menos, conveniente. Se tal se provar, a questão merece ser reanalisada.

[lxxxvi] Defende que a cláusula, apesar de inserida nos estatutos, não tem a natureza (e a função) de uma verdadeira disposição estatutária e, portanto, não deriva dela a sua eficácia, Ferri3, p. 257. Para este autor, como se diz no texto e é confirmado neste último local cit., a cláusula tira a sua eficácia do facto de estar (formalmente) inserida nos estatutos e beneficiar, portanto, da sua publicidade legal.

[lxxxvii] Este problema não surge (ou surge em moldes de certo modo diferentes) se o direito de preferência for real (isto é, se a cláusula tiver uma eficácia real de direito comum, mais que jurídico-societária) e se o efeito da violação da cláusula for a invalidade (ou ineficácia absoluta) da transmissão.

[lxxxviii] No sentido da possibilidade de o preço da "preferência” ser pré-determinado, De Ferra, p. 254 ss.

[lxxxix] Cf. Ferri1, p. 367, Angeloni, p. 6, Galgano, p. 146 s. Cf., ainda, a literatura citada por De Ferra, nº 66, p. 254.

[xc] Vid. Spatazza1, p. 381.

[xci] Cf. De Ferra, p. 254 s.

[xcii] Cf. Spatazza1, p. 362, citando (por todos) neste sentido, Candian, Intorno alla alienazione di azioni com clausola di gradimento , Milão 1954, p. 90 s (texto a que não se teve acesso), e De Ferra, p. 273 (constituiria derrogação do princípio do art. 2740).

[xciii] A favor da validade e eficácia da cláusula quando as ações são objeto de transmissão forçada, cf.: Spatazza1, p. 361 s; De Ferra, p. 270 ss; Ascarelli1, p. 245ss, Ascarelli 2, p. 388 ss (391); Frè, p. 249; e, no domínio do Ccom, além de Ascarelli1, vid. a lit. cit. por Bigiavi, nota 58, p. 27, e Marghieri, p.68 s. Contra, Bigiavi, p. 19 ss (em especial, 28 ss).

[xciv] Neste sentido, De Ferra, p. 270, 273 s.

[xcv] Ascarelli1, p. 245 ss.

[xcvi] Neste sentido, também Frè, p. 249, para quem a questão se confina à cláusula de agrément propriamente dita (atribuindo à sociedade um poder de recusa discricionário), não oferecendo dúvidas a sua eficácia no caso da cláusula de agrément imprópria.

[xcvii] Ascarelli2, p. 388 ss.

[xcviii] Para maiores desenvolvimentos, vid. p. 390.

[xcix] Sobre a questão da interpretação da cláusula, vid. Ascarelli1, p. 240; e Gasperoni, p. 190.

[c] Ascarelli1, p. 240 (mas cf., infra, Ascarelli 2).

[ci] Frè, p. 245 s.

[cii] Cit. por De Ferra, p. 267, e Spatazza 1, p. 361.

[ciii] Não permitindo uma conclusão segura, porque demasiado vago, mas admitindo a eficácia da cláusula, Gasperoni 2, p. 190.

[civ] Cf. De Ferra, p. 267, e Spatazza 1, p. 361.

[cv] Galgano, VII, p. 145.

[cvi] Bigiavi, p. 45 e nota 93, p. 45 s (pelo menos no que se refere à cláusula de “gradimento” imprópria).

[cvii] De Ferra, p. 265 ss.

[cviii] Ver texto.

[cix] Cf. Frè, p. 245, Galgano, VII, p.145.

[cx] Spatazza, p. 361.

[cxi] Messineo1, p. 50 ss.

[cxii] Ascarelli2, p. 387 s.

[cxiii] Cita Ascarelli2, Messineo1, Franceschelli (erradamente) e Bigiavi para a cláusula de agrément (propriamente dita).

[cxiv] Ascarelli3, p. 586.

[cxv] De Ferra, p. 266 s.

[cxvi] Ascarelli2, p. 387, De Ferra, p. 263 s; Spatazza 1, p. 360 (implicitamente).

[cxvii] Spatazza1, p. 360; De Ferra, p. 264, n. 3.

[cxviii] Sobre a primeira, vid., na Riv.Soc. 1961, p. 267 ss, a controvérsia de Siola e Mengoni, cit. por Spatazza 1, p. 358, bem como Spatazza1, p. 357 s, e Rodotà, p. 754 s. Cf. Alagna, p. 114 ss. Sobre a terceira, cf. Rodotà, p. 755, e Asquini2, p. 310, cit. por Spano, p. 1059, nº 58.

[cxix] P. 1057ss. Cf. também Franceschelli, p. 436.

[cxx] Cf., também, de Rodotà, p. 754 s, Asquini1, p. 80 s, e, sobretudo, Asquini2 (cit. por Spano, nota 51, p. 1057).

[cxxi] Cf. Cottino2, p. 336.

[cxxii] Cf. Cottino2, nota 37, p. 336.

[cxxiii] Cf., supra, § 2, Ascarelli2, p. 379 s, e Ascarelli3, p. 594.

[cxxiv] Cf. Ascarelli2, p. 379 s.

[cxxv] Cf. Messineo1, p. 30, 37, Messineo4 (especificamente, com referência às ações nominativas), p. 145 s, e, ainda, Franceschelli, sobretudo, p. 440 ss.

[cxxvi] Vid. Mossa1, p. 18 ss (cf. págs. ants.); cf. Mossa 2, p. 326 (n.11) e 276 s.

[cxxvii] A questão não se põe, naturalmente, para aquele setor minoritário da doutrina – por exemplo, Ferrara Jr., p. 351 – que, afirmando a natureza circulante do título, lhe nega a de título de crédito, por não ter, precisamente, os princípios que regem estes títulos, entre os quais, o da literalidade: o título não teria função simbolizadora do direito, mas apenas indicadora.

[cxxviii] Mossa1, p. 22.

[cxxix] Bigiavi, p. 51.

[cxxx] Cf. Ascarelli2, n. 17, p. 385.

[cxxxi] Ascarelli2, p. 386.

[cxxxii] P. 386, nota 17.

[cxxxiii] P. 386.

[cxxxiv] Vid. Spatazza1, p. 355.

[cxxxv] Da literatura consultada, integram-se nesta corrente: Ascarelli1 e 2, p. 247 e 385 s, respetivamente; Gasperoni 1, p. 131 s; Gatti, p. 346 s, nota 12 bis, e, com a precisão que será feita infra, no texto, De Ferra, p. 252 s (cf. 36 ss), e, parece, Spatazza1, p. 355 s. Contra, Bigiavi, p. 48 ss, e Messineo1, p. 43 ss. Para uma informação sobre a posição dos restantes autores, vid. Gatti, p. 346s.

[cxxxvi] Vid ., em particular, Ascarelli1, p. 247, Ascarelli 2, p. 385 s, nota 17. Cf. os autores citados na nota anterior.

[cxxxvii] «Limitazioni statutarie alla circolazione delle azioni», in Temi 1949, p. 93 (a que não tivemos acesso), cit. por Bigiavi (p. 49 s), que transcreve passagem.

[cxxxviii] Bigiavi, p. 50.

[cxxxix] Vid., por todos, Spatazza2, p. 86 ss.

[cxl] Messineo1, p. 44 s.

[cxli] Esta ideia estava já, de certa forma, no pensamento de Ascarelli, no seu primeiro escrito, numa perspetiva de direito a constituir. Cf., também, supra, a posição do projeto De Gregorio sobre a matéria, no caso, particularmente significativo, das ações transacionadas na bolsa, e as observações que sobre ele faz Cottino. Ascarelli veio, em Ascarelli2, a rever a sua posição, mas com argumentação que não me parece decisiva (p. 386, nota 17).

[cxlii] Cf. Ascarelli2, p. 385, n. 17.

[cxliii] Neste sentido, Gatti, nota 12 bis, p. 347.

[cxliv] No sentido desta última afirmação, De Ferra, p. 252, nota 63, que ainda utiliza outro argumento (doutrinal) contra a tese de Bigiavi. Cf., também, Spatazza1, p. 355 s.

[cxlv] Ascarelli2, p. 386.

[cxlvi] Cf., também, Spatazza1, p. 356, citando jurisprudência.

[cxlvii] De Ferra, p. 253, seguido por Gatti, p. 347 (nota 12 bis). No mesmo sentido, Spatazza1, p. 356.

[cxlviii] Neste sentido, Spatazza1, p. 356 (citando Mignoli).

[cxlix] Neste sentido, Visentini, p. 990 (criticando Mignoli: nota 35).

[cl] Exigindo tal menção neste caso, De Ferra, p. 253.

[cli] O § 176 da Personal Property Law (= § 15 do Stock Transfert Act) dispõe que “there shall be no restriction upon the transfert of shares” representadas por um stock certificate “by virtue of any by-law of such corporation, or otherwise, unless the… restriction is stated upon the certificate”. Sobre o alcance desta disposição, vid. Vaghts, Basic corporation law, Nova Iorque, 1979, p. 807.

[clii] Franceschelli, p. 437 ss.

[cliii] Cf. Messineo1, p. 30, 37 ss, e Messineo4, p. 145 ss (autor que Franceschelli considera ter tido o mérito de pôr em relevo o art. 2023, que serve de base à sua argumentação); e, supra, o direito suíço [omitido nesta publicação], onde a natureza da ação como título de crédito levou à criação de uma solução de compromissoentre a necessidade de garantir a sua livre circulação e o interesse da sociedade em controlar a sua identidade pessoal, mas assegurando essencialmente essa liberdade de circulação.

[cliv] Asquini, p. 81.

[clv] Messineo3, p. 590.

[clvi] Mesmo a alegada inconciliabilidade da cláusula deagrément (simples) com este preceito não é pacífica. Vid. Mosco, p. 1224 ss.

[clvii] Cf. Messineo4, nota 7, p. 147.

[clviii] Mossa1, p. 22.