EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes

Direito ao lucro e tutela das minorias

nas sociedades por quotas e anónimas fechadas. Apontamento [i]

Introdução

Na prática societária nacional (e não só), existem sociedades por quotas (SQ) – e também anónimas (SA), em parte resultantes da transformação de sociedades por quotas – de duração indefinida, com um número limitado de sócios, pessoas singulares ou, em parte, pessoas singulares detentoras de participações sociais minoritárias, cujos sócios minoritários estão arredados da gestão e da empresa social. Em muitos casos, tais sociedades constituíram-se como estruturas organizativas de efetiva colaboração na prossecução do fim comum das mesmas – a autovalorização, através do exercício de uma atividade económico-produtiva, em benefício de todos os sócios –, ocorrendo, via de regra, tal exercício, não apenas mediante o exercício das competências próprias da coletividade social, mas também ocupando os seus membros cargos remunerados de gerência ou administração, o que lhes permitia beneficiarem das vantagens financeiras e das oportunidades de valorização e realização profissional que uma sociedade tipicamente está em condições de proporcionar. Daí que não sentissem a necessidade de – em complemento da remuneração dos cargos, não raro acrescida de importantes «gratificações» ou prémios de boa gestão – distribuir lucros e, ainda menos, adotar uma política de dividendos, no quadro do planeamento estratégico da atividade.

Porém, em virtude de vicissitudes várias – incompatibilidades e desentendimentos entre sócios, incluindo de origem pessoal, que se projetam no funcionamento da sociedade, alteração da composição da coletividade de sócios e correspondente perda de homogeneidade da mesma decorrente da transmissão de participações sociais, mortis causa ou entre vivos, incluindo participações maioritárias, etc. –, muitas destas sociedades passam a funcionar com dois grupos: os maioritários, detentores do poder corporativo, conferido por uma maioria de capital, e titulares de cargos sociais remunerados, e os minoritários, sujeitos a tal poder e sem acesso a tais cargos. Ou seja, tornam-se, quanto a estes, meras estruturas de poder censitário. Mas continuam a não distribuir lucros; ou a não o fazer de forma séria.

Como se trata de organizações de cunho personalista, embora enxertado numa estrutura de poder capitalista, porque não têm política e prática de distribuição de lucros e dado que não é inerente à qualidade de sócio a titularidade de cargos sociais remunerados ou o direito a aceder aos mesmos, ficando os minoritários arredados da gestão, as respetivas participações sociais – abstratamente transmissíveis e com associados mecanismos legais destinados a ultrapassar eventuais bloqueios causados por filtros, legais e/ou estatutários, à entrada de novos sócios – não têm mercado. Apesar disso, o legislador não quis reconhecer aos sócios, nestes tipos sociais, um direito geral de exoneração por justa causa. O que se mostra especialmente gravoso quando, como é corrente, em virtude da sistemática garantia pessoal do passivo social por parte dos sócios, as sociedades em causa nem se distinguem, na prática, das sociedades em nome coletivo, onde tal direito existe.

Decorre daqui que, na realidade, os sócios minoritários estão prisioneiros na sociedade de um investimento que – sendo embora em capital de risco, sujeito a gestão alheia e cuja única forma de remuneração admitida é o lucro – nem é remunerado, porque não há distribuição de lucros, nem é suscetível de, efetivamente, ser liquidado. Se o sócio quiser, apesar de tudo, acompanhar tal investimento, conservando-se a par da gestão e exercendo os direitos sociais, a participação social – supostamente uma posição jurídica beneficiária – torna-se, em vez disso, um encargo. E, em muitos, casos, nem que queira, carecerá dos meios necessários para realizar tal acompanhamento.

Esta situação é uma anomalia: económica e jurídica. O Direito não pode ignorá-la ou ficar-lhe indiferente. O presente artigo procura dar um contributo para que a mesma seja superada. Dentro das coordenadas fundamentais do ordenamento societário relativo às sociedades por quotas (e anónimas equiparáveis), a solução passa pela afirmação de um direito à distribuição periódica de lucros, num montante razoável, capaz de conciliar o interesse da sociedade – na respetiva autovalorização num arco temporal tendencialmente ilimitado – e tal direito, inderrogável porque se trata de um direito de proteção das minorias. O fundamento jurídico do mesmo encontra-se, em boa medida, na própria lei: nas SQ, SA e SCA, falta um direito geral de exoneração, e, também por isso, o legislador reconheceu, na versão original do CSC, aos sócios o direito a receberem a sua quota-parte de metade dos lucros de exercício distribuíveis. Nesta sua configuração legal, tal direito apresenta uma acentuada rigidez, temperada na primeira alteração do Código, que o pacto social pode neutralizar. Porém, dado o seu caráter protecionista, mesmo que o pacto social retire aos sócios esse direito legal – de exercício anual e tendo por base de 50% do lucro de exercício distribuível – deve entender-se subsistente um mais flexível direito a uma efetiva e razoável participação periódica nos lucros.

Em alternativa a esse direito, concebe-se uma intervenção do ordenamento jurídico-societário, sobretudo, através do princípio ou dever de lealdade ou fidelidade ao fim comum; por via do qual se pode chegar a resultados análogos. Para quem não reconheça este princípio, com a extensão que atualmente tende a ser-lhe atribuída, o recurso ao art. 334 do CC, encarando o exercício abusivo do poder maioritário corporativo como uma expressão qualificada de abuso de direito, também poderá, em complemento do instituto das deliberações abusivas, ser uma via de solução.

Indo mais ao fundo do problema, a solução passa pelo reconhecimento aos minoritários de um direito de exoneração, fundado na justa causa específica da não distribuição razoável de lucros, ou seja, no próprio fim comum lucrativo da sociedade. Não tanto para ser exercido, mas para funcionar como mecanismo de pressão no sentido da distribuição, isto é, como instrumento regulador ou moderador do poder maioritário.

O plano gizado é o seguinte: 1. O direito ao lucro como componente da participação societária. Direito patrimonial fundamental; 2. Vertentes do direito ao lucro e seu significado. O problema da tutela das minorias; 3. Direito ao lucro de exercício e tutela das minorias; 4. Insuficiência da tutela; 5. Sociedades com garantias pessoais. Sociedades profissionais. Sociedades profissionais; 6. A exoneração como via de tutela; 7. SA cotadas; 8. Observações finais

O texto completo e definitivo pode consultar-se em:

https://www.revistadedireitocomercial.com/direito-ao-lucro-e-tutela-das-minorias

BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

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JURISPRUDÊNCIA

(consultável em www.dgsi.pt)

Acórdãos do STJ : STJ 9.05.1978 (Bruto da Costa), proc. 066911 (2 votos de vencido); STJ 23.07.1981 (Rodrigues Bastos), proc. 069362, BMJ 309 (1981), p. 368 e ss.; STJ 10.05.1983 (Victor Coelho), proc. 070786; STJ 7/06/1983 (Magalhães Baião), proc. 070769; STJ 31.05.1983 (Corte Real), BMJ 327 (1983), p. 675; STJ 01/18/1983 (Aquilino Ribeiro), BMJ 323 (1983), p. 398 e ss.; STJ 21.01.1986 (Moreira da Silva), BMJ 353 (1986), p. 479 e ss.; STJ 6.01.1987 (Aurélio Fernandes), proc. 073036; STJ 6.02.1987 (Coreia de Paiva), proc. 001498, BMJ 364 (1987), p. 714 e ss.; STJ 13.11.1990 (Brochado Brandão), proc. 079507; STJ 28.05.1992 (Roger Lopes), proc. 081893 (sumário); STJ 7.01.1993 (Raul Mateus), proc. 079811, BMJ 423 (1993), p. 539 e ss., RDES 1996, com anotação de Evaristo Mendes; STJ 07.06.1993 (Miguel Montenegro), proc. 083786; STJ 02/22/1994 (Oliveira Branquinho), proc. 085201; STJ 20.06.2000 (Afonso de Melo), proc. 00A348; STJ 12.10.2010 (Urbano Dias), proc. 191/07.OTBVRM.G1.S1, CJ-STJ, XVIII (2010)/III, p. 119 e ss.; STJ 16.12.2010 (Garcia Calejo), CJ-STJ, XVIII (2010)/III, p. 2261851/07.0TVVNF.P1.S1; STJ 10.05.2011 (Garcia Calejo), proc. 1179/08.9TBSTC.E1.S1; STJ 31.05.2012 (João Trindade), proc. 750/05.5TYVNG.

Acórdãos das Relações: TRP 11.01.1990 (António Lebre), proc. 0224135; TRC 6.03.1990 (F. Castanheira da Costa), 2.07.1991 (Herculano Namora) e 16.05.1995 (Pereira da Graça), RDES 1996, p. 269 e ss., com anotação de Evaristo Mendes; TRL 31.01.1991 (Cruz Broco), proc. 0004716; TRL 9.10.1997 (Ponce de Leão), proc. 0016362; TRP 21.05.1998 (Alves Velho), proc. 9830545 (sumário); TRP 27.06.2002 (Gonçalo Silvano), proc. 0230597; TRE 9.11.2006 (Sérgio Abrantes Mendes), proc. 1676/06-3; TRG 9.03.2010, CDP 37 (2012), p. 27ss, com anotação de P. Tarso Domingues; TRP 19.05.2010 (Soares de Oliveira), proc. 1851/07.0TJVNF.P1; TRC 21.12.2010 (Carlos Gil), proc. 210/09.5TBTCS.C1; TRP 12.09.2011 (Soares de Oliveira), proc. 650/09.0TYVNG.P1; TRC 19.02.2013 (Henrique Antunes), proc. 89/10.4TBTCS.C1; TRG 29.06.2017 (Conceição Bucho), proc. 4863/16.0T8VNF.G1; TRG 10.05.2018 (Maria Cristina Cerdeira), proc. 5396/15.7T8VNF.G2; TRG 7.06.2018 (Maria Amália Santos), proc. 3804/11.5TBBCL.G1; TRL 11.12.2019 (Pedro Brighton), proc. 10587/16.0 T8LSB.L1; TRL 26.05.2020 (Manuela Espadeira Lopes), proc. 5245/20.4T8SNT.A.L1-1; TRL 26.01.2021 (Fátima Reis Silva), proc. 15983/20.6T8LSB-A.L1-1; TRP 22.02.2021 (Eugénia Cunha), proc. 2532/16.0T8AVR.P2.



[i] O tema que nos propomos revisitar [anteriormente, cfr. Evaristo Mendes, «Lucros de Exercício», RDES 1996, p. 283 e ss., e «Direito ao lucro de exercício», in Estudos dedicados ao Prof. Doutor M. J. Almeida Costa, UCE, Lisboa, 2002, p. 487ss.], sem intenção de revisão da literatura e jurisprudência existentes, foca-se na proteção das minorias, perante o exercício do poder corporativo maioritário; no que respeita aos lucros sociais. O tema também mereceu a atenção do homenageado: cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, in A Participação Social 2, Coimbra (Almedina) 2006, p. 71 e ss., 162 e s., 320, 326 e 361. Importa realçar, contudo, que a sociedade deve, igualmente, ser protegida de minorias obstrutivas, desorganizadoras e denegritórias. A exclusão de sócios e o combate à litigância de má fé devem ser levados a sério. Cfr., por ex., nesta obra do homenageado, as páginas 352 e ss., 358 e ss.