EVARIST​O MENDES

Resumo : O presente artigo versa sobre a participação nas sociedades por quotas (SpQ) e nas sociedades anónimas (SA). Partindo da noção geral de socialidade, comum a todas as entidades de caráter associativo de direito privado, distingue, naquelas sociedades, a participação social em sentido subjetivo (posição global do sócio) e em sentido objetivo (quota social, ação participação social), bem como a titularidade e a transmissão desta com e sem eficácia em relação à sociedade, isto é, com e sem a correspondente socialidade ou qualidade de sócio, debruça-se sobre o conceito de quotas e ações com direitos e obrigações inerentes e analisa algumas situações sob a ótica das quotas e ações entendidas, por um lado, como posições sociais com certa expressão quantitativa (perspetiva monista da participação social) e como quotas-valores, unidades de valor ou quotas ideais de «compropriedade» com a «inerente» qualidade de sócio (perspetiva dualista).

Abstract : The paper deals with shares and membership interests in Portuguese companies, their nature, and some controversial issues.

Palavras-chaves : Participação social – Posição de sócio – Ações – Quotas – Comunhão conjugal - Transmissão

Keywords : Shares – Membership interests – Transfer of shares – Transmisssion of shares

Evaristo Mendes*

Participação social nas SpQ e SA. Monismo e dualismo

Introdução

Em sentido lato, a participação social (Mitgliedschaft [i] ) – tal como foi construída dogmaticamente pela doutrina germânica no último quartel do século XX, mormente por Marcus Lutter – é uma figura geral do direito associativo privado; presente nas entidades de caráter associativo (ou com socialidade), em contraposição às entidades de tipo fundacional ou institucional. Entre uma entidade desse género e os seus membros – fundadores, aderentes e/ou seus sucessores – estabelece-se uma relação jurídico-participativa, sendo a participação social (ou socialidade) a posição jurídica assumida por cada membro nessa relação: a posição de sócio, associado ou cooperador [ii] . Na Alemanha, a Mitgliedschaft aparece ainda correntemente identificada com a própria relação jurídico-associativa [iii] .

Em sentido mais restrito, a participação social ou partecipazione sociale – objeto de um tratamento de fundo, designadamente por Rivolta, em meados dos anos sessenta do século XX (embora com uma construção jurídica não consensual, centrada na componente patrimonial) – é uma figura do direito das sociedades. A análise a que se procede adiante centra-se nesta e incide, mais especificamente, sobre a mesma nas sociedades por quotas (SpQ) e anónimas (SA) [iv] .

Os membros integram a organização, fazem parte dela, tanto individualmente como enquanto titulares do órgão de base da mesma (a coletividade dos membros: sócios, cooperadores ou associados [v] ). Os respetivos direitos e vinculações refletem essa dupla faceta da sua posição ou condição jurídico-social.

A participação social tem uma estrutura complexa e, pelo menos tipicamente, um conteúdo ativo e passivo. Em termos breves, é constituída pelo conjunto de direitos e vinculações em que, legal e estatutariamente, alguém fica investido por ser membro de uma entidade de caráter associativo, ou seja, de que é titular enquanto sócio, cooperador ou associado [vi] .

Tal conteúdo varia, no entanto, sobretudo em função das grandes categorias de entidades de caráter associativo privadas existentes – associações, cooperativas e sociedades. E, dento das associações, ainda importa distinguir as de fim ideal (cultural, desportivo, assistencial, religioso, etc.) e as de fim económico interessado (maxime, associações profissionais e, sobretudo, ACE e AEIE).

A este respeito, assinala-se um dado de capital importância: genericamente, o valor líquido ou residual da sociedade – o valor que lhe é conferido essencialmente pelo respetivo património, tipicamente um património empresarial ou profissional, deduzido do passivo ou do passivo financeiro – «pertence» aos respetivos sócios; mas apenas pertence numa medida limitada aos cooperadores, e os associados, pelo menos individualmente, em vida da associação, não têm direito a ele, embora a qualidade de associado lhes faculte o acesso a benefícios ou vantagens corporativas. Isto tem ulteriores consequências, designadamente quanto à transmissibilidade da participação social [vii] . Para este efeito, os ACE e AEIE, são equiparáveis a sociedades [viii] .

Apesar de complexa, do seu conteúdo ativo e passivo e da heterogeneidade do mesmo, a participação social é considerada uma posição jurídica unitária, quer dizer, indissociável ou incindível: os direitos que a compõem, mesmo os de caráter patrimonial, não podem ser dela separados ou dissociados, designadamente por transmissão a terceiros. Ela não pode ser amputada de uma parte do seu conteúdo.A incindibilidade ou indissociabilidade tem a ver com o conteúdo da participação. Não se confunde com a divisibilidade ou indivisibilidade, que respeita à participação em si, embora haja autores que relacionam os conceitos [ix] . [x]

A participação social é, ainda, uma posição jurídica fundamental – ou direito tronco –, tipicamente duradoura e jurisgénica, que serve de base ou pressuposto ou da qual vão brotando direitos e vinculações concretos [xi] . Mas já se mostra controvertida a questão de saber se o aludido caráter unitário vai ao ponto da sua qualificação como direito subjetivo (complexo). A doutrina contemporânea dominante na Alemanha afirma esta sua natureza [xii] .

Tendo em conta o exposto, podemos concluir pelas noções gerais que se seguem. Participação social em sentido lato (socialidade ou Mitgliedschaft) é a posição jurídica que tem uma pessoa por pertencer a uma entidade de caráter associativo, ou seja, a posição jurídica que a mesma detém enquanto membro de uma entidade deste tipo, por ela assumida em virtude dessa qualidade. Noutros termos, é o conjunto unitário dos direitos e vinculações de que é titular uma pessoa por ser membro - ou enquanto membro - de uma entidade de caráter associativo, isto é, que para ela derivam dessa sua condição de membro e que são inseparáveis de tal condição [xiii] . Em sentido próximo, é o conjunto de direitos e vinculações inerentes à qualidade ou condição de membro de uma entidade de caráter associativo. Participação social em sentido estrito - ou participação societária - é a posição que detém uma pessoa por ser sócia de uma sociedade; ou, noutros termos, o conjunto unitário de direitos e obrigações de um sócio enquanto tal [xiv] .

Em termos um pouco mais descritivos, a participação social é, em geral, a posição jurídica fundamental e tipicamente duradoura, complexa e de conteúdo variável, mas unitária, em que fica investida uma pessoa que, cumprindo as regras de aquisição da qualidade de membro de uma entidade de caráter associativo (privada),se torna (voluntariamente) sócia, associada ou cooperadora da mesma (enquanto tal); integrando tal pessoa a respetiva superstrutura corporativa, a título individual e na qualidade de titular do órgão de base da mesma. A participação societária é posição jurídica fundamental e tipicamente duradoura, complexa e de conteúdo variável, mas unitária, em que fica investida uma pessoa que, cumprindo as regras de aquisição da qualidade de membro de uma sociedade, se torna (voluntariamente) sócia da mesma (enquanto tal); integrando tal pessoa a respetiva superstrutura corporativa, a título individual e na qualidade de titular do órgão de base da mesma .

Nas SpQ e SA, também existe uma posição jurídico-social com estas características. Importa, porém, distinguir: por um lado, as quotas e as ações, que, com a inerente qualidade de sócio, constituem participações sociais em maior ou menor medida objetivadas (quotas sociais, ações participações sociais) – podendo qualificar-se como participações sociais em sentido objetivo; por outro lado, a posição ocupada por cada sócio, ou posição global de sócio, em regra conferida pela titularidade ou contitularidade, com eficácia em relação à sociedade, de uma ou mais quotas ou ações, apelidável de posição social em sentido subjetivo.

Numa SpQ ou SA constituída de raiz, todo o sócio é um contribuinte de capital da sociedade: realiza uma contribuição de capital - entrada de capital -, ainda que esta possa ser mínima [xv] . Ou seja, não se limita a assumir a condição de membro da mesma e a dar o seu contributo pessoal, nesta qualidade, para o desenvolvimento da atividade social; faz nela um investimento em capital, mais especificamente, em capital de risco [xvi] . Pode, ainda, estatutariamente, ser obrigado a outras contribuições e a prestações de outra natureza [xvii] .

Como base nessa entrada - em ligação com o princípio da divisão do capital em quotas (art. 197.º, n.º 1) ou em ações (art. 271.º) e a imputação do valor dessa entrada a este -, é definida originariamente a sua posição de sócio, envolvendo, além daquele conteúdo passivo, um conjunto de direitos, detidos individualmente e na qualidade de titular do órgão de base da sociedade, sede do respetivo domínio (poder de a conformar, de desafetar valor em benefício dos próprios membros e de decidir acerca do seu destino) (cfr., nas SpQ, o art. 219.º, n.ºs 1 e 6). O CSC utiliza aqui, quanto às SpQ, os conceitos de quota – quota de capital (fração do capital) [xviii] e quota social (participação social), a que é atribuído um valor nominal, correspondente à quota de capital [xix] . No que toca às SA, usa o termo ação, podendo, quanto a ele, distinguir-se também a ação fração do capital e a ação participação social, com e sem valor nominal [xx] .

No entendimento corrente, a divisão do capital em quotas ou ações – neste segundo caso, uma divisão abstrata, independente da pessoa dos subscritores, e uniforme [xxi] - reporta-se ao capital nominal ou estatutário [xxii] , de que as quotas de capital e as ações são frações. A cada uma destas quotas de capital ou ações corresponde uma posição jurídico-social, em princípio aferida quantitativamente por elas [xxiii] , a quota social ou ação participação social (também apelidável de unidade elementar de participação social) – que, como se referiu, podemos designar como participação social em sentido objetivo [xxiv] , distinguindo-a da posição global do sócio seu titular, ou participação social em sentido subjetivo.

Sendo um sócio titular de mais que uma quota ou ação [xxv] , à semelhança do que sucede com o capital social, também a sua concreta posição de sócio (participação social em sentido subjetivo) se encontra dividida em quotas (quotas sociais) ou ações (unidades elementares e uniformes de participação social), posições jurídicas relativamente autónomas, cuja autonomia se revela, designadamente, na sua condição de objeto do tráfico jurídico, incluindo, no caso das ações, a sua mobiliarização, i. e., transformação em valores mobiliários, mediante «incorporação» em títulos circulantes (ações tituladas) ou inscrição em conta (ações escriturais) [xxvi] .

A lei alude diversas vezes aos direitos e obrigações inerentes às quotas e ações [xxvii] . Estes direitos e vinculações são aqueles que integram a posição de sócio [xxviii] . Entendendo as quotas e as ações como participações sociais em sentido objetivo (quotas sociais, ações participações sociais), tais direitos e vinculações (direito de voto, direito ao lucro, direito à quota de liquidação, etc., obrigações de entrada, etc.) são, assim, direitos integrantes ou componentes das mesmas; ou, no caso, de direitos patrimoniais concretos como o direito ao dividendo deliberado, direitos em certo sentido delas «derivados», direitos de crédito que nelas têm o seu fundamento.

Este não é, porém, o único sentido possível da expressão legal. O seu sentido literal é mesmo outro: o de que as quotas e ações são algo a que é «inerente» a qualidade de sócio, com o complexo de direitos e vinculações que caracterizam a posição de sócio ou condição de membro da corporação (status socii); sendo a participação social em sentido objetivo o todo formado pela quota ou ação e pela inerente posição jurídico-social.

O objeto último do presente estudo consiste em determinar o que são, realmente, essas quotas e ações (infra, II). Antes, porém, vamos analisar algumas situações que revelam ser, afinal, esta inerência tão só relativa ou tendencial (I).

Na verdade, existem diversas situações em que ocorre uma dissociação (temporária) entre a titularidade da quota e das ações, regida pelo direito patrimonial geral ou comum – incluindo o direito mobiliário, o direito da família e o direito sucessório –, e a qualidade de sócio, que se adquire e perde segundo as regras e pelos modos do direito societário [xxix] . Ocupamo-nos delas em seguida, advertindo que o tema se distingue da referida questão da unicidade ou incindibilidade da participação social, que respeita ao conteúdo da posição de sócio.

I

Titularidade de quotas e ações e qualidade de sócio

Começa-se pelas quotas (1.). Seguir-se-á um tratamento das ações, mais sumário, porque, em grande medida, vale para elas o que se expõe acerca das quotas (2.)

1. Casos de dissociação da titularidade das quotas e da qualidade de sócio

Tomando como referência as quotas, recorda-se que, tendo estas uma fundamental componente patrimonial - que projeta idealmente na esfera jurídica do titular uma fração do valor líquido da sociedade, suscetível de ser percebido através do exercício dos direitos sociais e realizado mediante alienação da quota -, elas são transmissíveis nos termos gerais de direito [xxx] , ou seja, mediante negócio translativo entre vivos, a título singular ou universal, por sucessão mortis causa, legal e testamentária, por força do regime de bens do casamento, etc. A qualidade de sócio, por sua vez, adquire-se, em geral, a título originário, mediante participação no ato constitutivo da sociedade ou num subsequente ato de aumento do capital [xxxi] . A título derivado, adquire-se, também em geral, mediante a aquisição da quota e um ato adicional, jurídico-societário, através do qual o adquirente, no exercício da sua liberdade económico-profissional com a implicada liberdade de associação, se faz reconhecer perante a sociedade como sócio ou, a instâncias do mesmo, é como tal reconhecido por ela; noutros termos, adquire-se mediante um tal ato jus-societário, fundado na aquisição, nos termos gerais, da quota. É, justamente, por as regras de aquisição serem diferentes que pode ocorrer a dissociação (espera-se que transitória) assinalada.

1.1 Comunhão conjugal

Assim, segundo o direito das sociedades, se A, casado sob um regime de comunhão de bens, no exercício da respetiva liberdade económico-profissional [xxxii] , outorga o contrato de sociedade, cofundando esta, participa num aumento do capital, aderindo à mesma, adquire mediante compra e venda uma quota e obtém o exigível consentimento da sociedade (cfr. o art. 228.º, n.º 2), etc., torna-se titular da quota e adquire a correspondente qualidade de sócio [xxxiii] . A titularidade da quota será, porém, em princípio, não singular, mas uma titularidade em comum com o respetivo cônjuge. Na verdade, sobre esta aquisição da quota e da correspondente qualidade de sócio pelo A, em conformidade com o direito societário e as regras gerais da liberdade profissional, intervém o regime de bens do casamento, segundo o qual haverá, via de regra, uma integração da quota, enquanto «bem patrimonial», na comunhão conjugal, ou seja, uma comunicação da sua titularidade ao respetivo cônjuge [xxxiv] .

Contudo, não compete, naturalmente, ao regime de bens do casamento dispor acerca da aquisição da qualidade de membro de uma corporação de direito mercantil, com o inerente estatuto jurídico, ativo e passivo; e a própria lei civil proclama que qualquer cônjuge pode exercer, individualmente ou associado, uma atividade ou profissão sem o consentimento e, como é bom de ver, sem interferência do outro (art. 1677.º-D do CC). Por isso, o cônjuge do A, apesar da comunicação da titularidade da quota, mantém-se estranho à sociedade: não participou em nenhum ato social tendente a tornar-se membro da mesma (de que se deduza essa intenção), não exerceu qualquer liberdade profissional e deve respeitar o exercício que dela fez e faz o A [xxxv] . É o que, com razão, se afigura resultar do art. 8.º, n.º 2, do CSC: tendo a quota vindo ao casal apenas pela mão de um dos cônjuges (A), só este se considera sócio [xxxvi] .

Cabe notar, contudo, que o artigo diz textualmente: «será considerado como sócio, nas relações com a sociedade»; o que suscita dúvidas de interpretação. Com efeito, por um lado, ser considerado como sócio não é necessariamente sinónimo de ser sócio; por outro lado, ao acrescentar-se «nas relações com a sociedade», sugere-se de algum modo que se pode ser sócio fora desta apesar de não se ser considerado como tal no âmbito dela - embora não se perceba muito bem o que será ser sócio para todos os efeitos menos para aqueles em que a qualidade realmente interessa, ou seja, para efeitos societários, em relação à sociedade e no âmbito da mesma.

Seja como for, há quem entenda que o cônjuge do sócio também é sócio (por ex., Raul Ventura e Rita Lobo Xavier), embora sem a administração da quota ou sem legitimidade para intervir no âmbito societário (por ex., João Labareda), quem defenda tratar-se de um mero associado à quota e haver uma simples comunicação do valor desta (por ex., Ferrer Correia e Pinto Furtado) e quem perfilhe teses intermédias, mormente no sentido de que o exercício pelo cônjuge considerado sócio dos poderes de disposição e de administração extraordinária da quota está sujeito ao consentimento do cônjuge meeiro, mesmo no que respeita à prática de atos societários, como o do consentimento na amortização voluntária da quota ou o do voto em deliberação de dissolução da sociedade (por ex., Rita Lobo Xavier) [xxxvii] .

Subjacente às duas posições contrapostas, como pano de fundo, está a ideia de que, se a quota é uma quota social, ou seja, uma posição de sócio com certa expressão quantitativa, o cônjuge ou é sócio (Raul Ventura et alii) ou é um mero associado à quota, não titular da mesma, havendo apenas a entrada do seu valor na comunhão conjugal, não dela própria (Ferrer Correia et alii). Tem interesse, portanto, saber se o ponto de que se parte é necessário ou se é possível conceber o fenómeno da participação social de outro modo.

1.2 Quotas próprias

A SpQ pode adquirir quotas próprias (art. 220.º), ou seja, quotas a ela respeitantes, criadas por ela própria ou pelos respetivos fundadores. Neste caso, ficam suspensos todos os direitos inerentes à quota [xxxviii] . Na verdade, por um lado, apesar de a aquisição ser atualmente uma operação sobre o capital próprio, à custa deste, a quota pode ter um valor de transação significativo; o que justifica a sua conservação pela sociedade. Todavia, por outro lado, carece de sentido que ela se torne um membro de si própria, designadamente, titular do respetivo órgão de base. A qualidade de sócio implica uma relação de pertença (a uma entidade de caráter associativo), que aqui não ocorre. Enquanto a sociedade for titular da quota, a correspondente qualidade de sócio mantém-se, portanto, em suspenso.

Importa, no entanto, observar que a conceção da quota como uma posição de sócio com certa expressão quantitativa leva logicamente a considerar a sociedade sócia de si mesma - ainda que com uma posição vazia de conteúdo - uma vez que já não se mostra viável dizer que a sociedade apenas adquire o valor da quota ou fica em situação semelhante à de um associado a esta. Só não será assim se se admitir que a quota é um quid diferente e que apenas a qualidade de sócio fica em suspenso.

1.3 Cessão de quotas

a) Suponhamos, agora, que A doa a quota a B, seu filho, sendo a cessão jurídico-societariamente livre, nos temos do art. 228.2, 2.ª parte. Segundo o direito patrimonial geral, a titularidade da quota passa para B pelo simples efeito do contrato [xxxix] . Todavia, para B se tornar sócio, com base nesta titularidade, é necessário um ato jurídico-societário através do qual este manifeste a sua vontade de pertencer à sociedade, assumindo a posição de membro correspondente à quota, no lugar do A. Este ato é, via de regra, a notificação da cessão a que alude o art. 228.º, n.º 3 [xl] .

Quer isto dizer que, enquanto a cessão não for notificada à sociedade em devidos termos – ou mais latamente não se tornar eficaz em relação a ela, segundo as regras do direito societário –, o A mantém a qualidade de sócio correspondente à quota em apreço, agora na titularidade de B. Podem as partes, inclusive, sem prejuízo das regras relativas ao RCBE [xli] , conservar a situação por um lapso de tempo mais ou menos prolongado. E A nem terá tipicamente uma posição de simples sócio fiduciário: em situações como a presente, a intenção será predefinir o destino da «propriedade» (quota) sem o disponente abdicar da posição de sócio (por ex., enquanto se mantiver ativo ou até falecer).

b) Via de regra, a eficácia da cessão de quotas em relação à sociedade depende, no entanto, do consentimento desta (art. 228.º, n.º 2), que pode ser prestado ainda a um projeto de cessão ou a uma cessão já realizada e, neste segundo caso, por razões várias, nem vir a ser pedido; sendo, ainda, suscetível de ser recusado, discricionariamente e sem mais (cfr. o art. 231.º, n.º 3), mantendo-se o negócio [xlii] . Tipicamente, está em causa um filtro ou barreira à entrada de novos sócios para a sociedade: esta tem legalmente o poder de admitir ou recusar a admissão de um terceiro como seu membro a quem um sócio existente ceda ou pretenda ceder, no todo ou em parte, a sua quota ou as suas quotas; detendo assim o controlo da respetiva composição pessoal.

Se for concluído um negócio de cessão da quota – maxime, uma compra e venda –, em geral, como no caso precedente, a titularidade desta passará para o cessionário imediatamente, por mero efeito do contrato. Contudo, abstraindo das situações em que a cessão se torna livre, nos termos dos arts. 230.º, n.º 4, e 231.º, nºs 2 e 3, o cessionário apenas adquire a qualidade de sócio se a sociedade lhe der o seu beneplácito. Por conseguinte, ocorrendo uma cessão não consentida, haverá uma dissociação entre a titularidade da quota, pertencente ao cessionário, e a qualidade de sócio que se mantém no cedente.

Se o consentimento tiver sido antecipadamente prestado, a um projeto de cessão, uma vez realizada esta, terá aplicação o art. 228.º, n.º 3, como no caso anterior. Também aqui se pode, portanto, verificar, embora com menor significado, a dissociação em apreço.

A solução legal de condicionar a eficácia da cessão em relação à sociedade ao consentimento desta não é perfeita, uma vez que, mantendo o cedente a qualidade de sócio mas encontrando-se ele vinculado pelo contrato de cessão, há uma forte possibilidade de passar a haver a influência de um estranho numa sociedade que tipicamente se quer de cunho personalista [xliii] . Para evitar ou minorar esse inconveniente, o art. 229.º, n.º 6, admite o estabelecimento de penalidades para o caso de a cessão ser realizada sem o prévio consentimento da sociedade. A este respeito, os pactos sociais com frequência preveem a amortização compulsiva e penalizante da quota por valor inferior ao real (por ex., o valor nominal); com ou sem adicional sujeição da cessão a preferência com eficácia real. Mas nada impede, por exemplo, que a «sanção» seja, alternativa ou cumulativamente, a suspensão da socialidade «inerente» à quota; ou seja, a perda da qualidade de sócio pelo cedente. Havendo deste modo uma mais radical, ainda que temporária, dissociação da qualidade de sócio e da titularidade da quota, semelhante à que encontrámos na aquisição de quotas próprias.

1.4 Transmissão de quotas com reserva de propriedade

Pode também a compra e venda da quota – quer se trate de uma cessão livre, quer ela esteja sujeita ao consentimento da sociedade – envolver um diferimento do preço, conter por isso uma cláusula de reserva de propriedade e, não obstante, ser notificada à corporação ou, inclusive, consentida pela mesma. Neste caso, a qualidade de sócio passa para o comprador, mas a quota mantém-se, em princípio temporariamente, na titularidade do vendedor.

Além disso, na prática, ocorre com alguma frequência a venda uno actu das quotas [xliv] de uma sociedade, igualmente com pagamento do preço diferido e mantendo os alienantes a titularidade das quotas com função de garantia (reserva de propriedade). Porém, a sociedade pode ser imediatamente «entregue» ao cessionário, assumindo este a posição de sócio, com base na expectativa (forte) de aquisição [xlv] das quotas. Encontramos, portanto, aqui uma peculiar dissociação entre a titularidade da quota e a qualidade de sócio.

1.5 Transmissão da quota mediante fusão

a) Admita-se, ainda, que a SpQ x é detentora, há ano e meio, de uma quota na SpQ y e que a primeira é incorporada na SA z, passando a quota, com o registo da fusão para esta, por hipótese uma sociedade concorrente com a SpQ y, e extinguindo-se a SpQ x [xlvi] . Admitindo que a transmissão da quota para a SA z está dependente do consentimento da SpQ y [xlvii] e este não foi antecipadamente prestado, com o registo da fusão a SA z passou a ser titular da quota, sem a correspondente qualidade de sócia. E, como a SpQ x se extinguiu, esta qualidade de sócio fica em suspenso. Vindo o consentimento a ser recusado, como será natural, dado a incorporante ser concorrente, a transmissão torna-se definitivamente ineficaz em relação à SpQ y; o que se revela problemático, porque, aplicando o disposto no art. 231.º, tendo em conta o n.º 3, a situação de titularidade da quota sem a correspondente socialidade pode manter-se durante ano e meio. O assunto deve resolver-se considerando que o regime da cessão está pensado para a cessão stricto sensu, isto é, para as transmissões por ato voluntário entre vivos a título singular; havendo que fazer uma interpretação adaptada do mesmo às transmissões universais entre vivos como a presente. Ou seja, requerendo a SA z o consentimento, a SpQ y apenas poderá recusá-lo eficazmente, evitando a aquisição da qualidade de sócio por ela, se lhe propuser a amortização ou aquisição da quota, sem ter de respeitar o disposto no art. 231.º, n.º 3.

b) Suponha-se também que a quota estava na titularidade da SpQ A, que se cindiu. Se a quota passa para a SpQ B, dissolvendo-se e extinguindo-se a A, a situação é semelhante à anterior. Tratando-se de uma operação de cisãosimples ou de cisão-fusão, passando tal quota para uma nova sociedade C ou para a incorporante D, a situação ainda apresenta semelhanças com a anterior, mas há uma importante diferença: a sociedade cindida mantém a qualidade de sócia enquanto o consentimento não for prestado ou não se der outro destino à participação.

1.6 Exclusão judicial de sócio

Se um sócio tiver um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, causando a esta um prejuízo relevante, pode ser excluído judicialmente (art. 242.º). Decretada a exclusão, o sócio em causa perde esta qualidade [xlviii] . Mas mantém a titularidade da quota, enquanto a sociedade não lhe der destino (art. 242.º, n.º 3). Embora o CSC não regule o assunto, deve admitir-se a própria suspensão preventiva (cautelar) da qualidade de sócio, antes, portanto, de haver uma sentença (transitada) de exclusão e de o sócio perder a quota.

1.7 Exoneração de sócio

Na sua configuração tradicional, ainda presente, designadamente, nas sociedades de pessoas (cfr., sobretudo, o art. 1002.º do CC e o art. 185.º do CSC), o direito de exoneração do sócio é um direito potestativo, diretamente dirigido a fazer cessar a qualidade de sócio e à concretização do direito patrimonial geral dos sócios a uma quota-parte do valor líquido da sociedade, i. e, à sua transformação num direito de crédito (pecuniário). O art. 240.º do CSC consagra um figurino diferente: o direito aí presente é um simples direito à exoneração - ou seja, um direito do sócio a que a sociedade o exonere, mediante amortização ou aquisição da quota (por si, outro sócio ou terceiro) – associado a um subsidiário direito potestativo de provocar a dissolução da sociedade, caso a sociedade não efetive a exoneração [xlix] .

Porém, nada impede que os estatutos configurem o direito em apreço como um direito potestativo, extinguindo-se a qualidade de sócio e ficando a quota à disposição da sociedade por efeito do negócio unilateral de exoneração, mas mantendo o exonerado a titularidade desta, até a sociedade lhe dar destino [l] .

1.8 Transmissão da quota por morte do sócio

Finalmente, temos o problemático caso das transmissões de quotas por morte [li] . Segundo as regras gerais do direito sucessório, falecendo um sócio, a quota integra a herança jacente [lii] . Com a aceitação da herança ou de eventual legado da quota, a mesma passa para a titularidade em comum dos sucessores (se forem mais que um) ou para as mãos do legatário.

Pelo direito societário, a transmissão da quota com eficácia em relação à sociedade pode ser livre ou estatutariamente vinculada. Neste segundo caso, cabe salientar as cláusulas estatutárias que, no interesse da sociedade ( maxime, para assegurar a homogeneidade da respetiva composição pessoal), fazem depender tal transmissão do consentimento desta, declaram as quotas intransmissíveis ou dispõem que a sociedade apenas continuará com os sócios sobrevivos (cláusulas de estabilização ou conservação) (cfr. o art. 225.º).

Sendo livre a transmissão - regra legal supletiva, nas SpQ comuns [liii] -, apesar do silêncio da lei, os herdeiros ou o legatário não se tornam automaticamente sócios: tal requer, em geral, a prova, perante a sociedade, da aquisição da quota [liv] e, ao menos em princípio, uma sua manifestação de vontade de se associarem, expressa ou tácita. Sendo assim, na ausência de norma específica reguladora da aquisição da qualidade de sócio no presente contexto, é de entender que eles podem fazer-se reconhecer como sócios em termos análogos aos aplicáveis ao adquirente entre vivos; ou seja, via de regra, notificando a sociedade da aquisição da quota, como expressamente se previa no Anteprojeto de Coimbra de LSQ [lv] , e requerendo a esta a promoção do registo da transmissão [lvi] . Enquanto tal não ocorrer (provisoriamente), a qualidade de sócio correspondente à quota em causa encontra-se suspensa.

Havendo restrições ou impedimentos à transmissão por morte, a primeira nota a salientar é esta: as cláusulas de consentimento respeitam, naturalmente, à aquisição da qualidade de sócio, como sucede na cessão, e as cláusulas de estabilização são expressas nesse sentido. Mas o mesmo acontece com as próprias cláusulas de intransmissibilidade: a lei apenas reconhece a estas últimas um efeito impeditivo da aquisição dessa qualidade; ou seja, está legalmente em causa apenas uma intransmissibilidade da quota com eficácia em relação à sociedade, não uma intransmissibilidade absoluta [lvii] .

Por conseguinte, falecendo um sócio, independentemente do destino da quota, o sentido natural (cláusulas de consentimento e de intransmissibilidade) ou até explícito das cláusulas (cláusulas de estabilização, que determinam a continuação da sociedade apenas com os sócios sobrevivos) é o de que os adquirentes da mesma não têm o direito (potestativo) de se fazer reconhecer como sócios, tornando a aquisição eficaz em relação à sociedade. O que é confirmado pelo art. 227.º, n.º 2, embora com uma limitação temporal (cfr. o art. 225.º, n.º 2). Dispõe-se nele: «Os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efetivar a amortização ou aquisição dela nos termos previstos nos artigos anteriores ou enquanto não decorrerem os prazos ali estabelecidos» [lviii] . Também aqui se verifica, portanto, uma provisória dissociação entre a titularidade da quota (que passa para os sucessores) e a qualidade de sócio (que, à semelhança do que sucede na aquisição de quotas próprias, fica suspensa).

A segunda nota é esta: no termo do prazo legal, a quota tanto pode manter-se nos sucessores, assumindo estes a qualidade de sócios (cfr. o art. 225.º, n.º 2, in fine [lix] ) , como ser-lhe dado outro destino, privando os sucessores da mesma, via de regra mediante o recebimento por eles de uma contrapartida compensatória. Esta posição jurídica carece, naturalmente, de ser protegida. Daí o disposto no corpo principal do art. 227.º, n.º 3, originário do Anteprojeto de Coimbra: «Durante a suspensão [prevista no n.º 2], os sucessores poderão, contudo, exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica».

Na versão definitiva do preceito, já contida no Projeto de Código das Sociedades de 1983 (art. 210.º, n.º 3), que teve na base um inédito Anteprojeto do Prof. Raul Ventura, acrescenta-se: «nomeadamente votar em deliberações sobre a alteração do contrato ou dissolução da sociedade». Ou seja, atendendo a este dado histórico e levando a lei à letra, como o direito de voto se liga naturalmente à qualidade de sócio, com a morte do sócio e a aceitação da herança ou de legado, teremos, sem mais, o encabeçamento da quota por «sócios rudimentares» ou «sócios de direito menor».

Isto suscita diversos problemas. Em primeiro lugar, significa uma relativa desconsideração pela autonomia estatutária, apesar de o tipo social em apreço se caracterizar pela sua maleabilidade: o pacto social diz que a quota não se transmite por morte e, portanto, não passa para os sucessores (cláusulas de intransmissibilidade simples), ou diz que ela não passa para os sucessores, continuando a sociedade apenas com os sócios sobrevivos (cláusulas de intransmissibilidade focadas na qualidade de sócio), ou determina que tal só ocorrerá se se verificar um facto positivo, o consentimento da sociedade (cláusulas de consentimento), o que pode ter um sentido forte, de impedir em absoluto a passagem da quota, afastando o regime sucessório, ou um sentido mais jurídico-societário, de impedir a sua passagem com a inerente qualidade de sócio, obstando à aquisição desta, mas a lei não se limita a optar por este segundo tipo de eficácia (apenas relativa), dispõe que, apesar disso, a quota passa para os sucessores com a inerente qualidade de sócio; apenas terá lugar uma provisória suspensão da generalidade dos direitos sociais. Em segundo lugar, os sucessores tornam-se membros da sociedade sem manifestarem qualquer intenção de se associarem; e até contra a sua vontade, inclusive nos casos do art. 226.º, em que o pacto lhes reconhece o direito de recusarem a entrada para a sociedade. Em terceiro lugar, o segmento da norma em apreço está em contradição, designadamente, com o disposto no art. 225.º, n.º 2, que expressamente supõe a quota não transmitida, pelo menos com eficácia face à sociedade, isto é, com a inerente qualidade de sócio. Em quarto lugar, o mecanismo defensivo do voto apenas será eficaz se à quota forem inerentes mais de 25% da totalidade dos votos existentes. Em quinto lugar, a solução cria uma dessintonia com o estabelecido para as sociedades anónimas [lx] . Compreende-se, assim, que o Prof. Ferrer Correia tenha defendido uma interpretação ab-rogante de tal segmento normativo [lxi] .

Na base do problema, estão a conceção da quota como sinónimo de posição de sócio com certa expressão quantitativa (quota social) e duas atitudes diferentes perante o fenómeno sucessório. Assim, para o Prof. Raul Ventura, a quota (posição de sócio) transmitir-se-ia por morte para os sucessores, de forma automática, isto é, sem necessidade de tornar a transmissão eficaz em relação à sociedade, mediante notificação ou ato equivalente; e, havendo cláusulas restritivas, a suspensão incidiria, não sobre a quota-posição de sócio, porque tal significaria ficar a mesma provisoriamente sem titular, mas apenas sobre os respetivos direitos e vinculações; não se justificando sequer uma suspensão total. Para o Prof. Ferrer Correia (e demais autores do Anteprojeto de Coimbra), sendo a transmissão livre, ela tornar-se-ia eficaz em relação à sociedade com a respetiva notificação a esta (ou o seu reconhecimento por ela); e, havendo restrições, estas impediriam provisoriamente a aquisição da qualidade de sócio pelos sucessores, pelo que a quota social ficaria provisoriamente sem titular. Os sucessores – potenciais sócios ou credores do valor da quota – deveriam ser protegidos, mas sem se tornarem sócios e, portanto, titulares da quota.

Ambas as posições merecem reparo. Com efeito, não há razão para impedir a quota de passar para os sucessores do sócio falecido segundo as regras do direito sucessório. Neste aspeto, entendemos que Raul Ventura tem razão.

Porém, sendo distintas as regras que regem a aquisição das quotas (problema de direito patrimonial geral) e a aquisição da qualidade de sócio (problema de direito societário), contra o defendido por este autor, a aquisição sucessória não é de considerar, sem mais, eficaz em relação à sociedade: depende pelo menos da notificação a esta se a transmissão for livre (ou do reconhecimento por ela baseado numa manifestação de vontade, expressa ou tácita, real ou presumida, dos sucessores de assumirem a posição de sócios); depende, ao menos provisoriamente, do consentimento da corporação se tal se encontrar estipulado no pacto social; e, em face das cláusulas de intransmissibilidade ou de conservação, tal eficácia seria insuscetível de ocorrer, mas, para evitar uma situação demasiado prolongada de suspensão da socialidade, estas cláusulas, como as de consentimento, perdem a sua eficácia bloqueadora uma vez decorrido certo prazo sem que a sociedade tenha dado outro destino à quota (cfr. o art. 225.º, n.º 2), capaz de satisfazer o interesse dos sucessores em receber o respetivo contravalor, legal ou estatutário, sendo este devido (cfr., ainda, o art. 225.º, n.ºs 3 e 5). Em qualquer caso, não se vê razão para, provisoriamente e por tempo limitado, deixar de admitir uma titularidade da quota desprovida do encabeçamento da correspondente qualidade de sócio. Como sucede quando há aquisição de quotas próprias pela sociedade. [lxii]

2. Casos de dissociação da titularidade das ações e da qualidade de sócio

Os fenómenos de dissociação assinalados a respeito das quotas também podem ocorrer com ações. Realçam-se alguns deles.

2.1 Comunhão conjugal

No que toca à entrada das ações na comunhão conjugal, o art. 8.º, n.º 2, tem aplicação, como nas SpQ. Todavia, por um lado, sobretudo tratando-se de ações escriturais cotadas em bolsa, as mesmas podem representar para o cônjuge adquirente um mero investimento, não se fazendo ele reconhecer como sócio, nem exercendo quaisquer direitos sociais. Por outro lado, via de regra, o respetivo registo individualizado determinará quem está (pelo menos formalmente) legitimado para delas dispor e para o exercício destes direitos [lxiii] ; e esse será, naturalmente, tal cônjuge, não o cônjuge meeiro. Tratando-se de ações tituladas (hoje, necessariamente nominativas), a legitimação social é também conferida, em geral, pelo registo [lxiv] . Em qualquer dos casos, a haver um problema de legitimidade quanto à disposição, via de regra, funcionará a regra de tutela do adquirente de boa fé (art. 58.º do CVM).

2.2 Ações próprias

A sociedade pode adquirir ações próprias. A situação mostra-se semelhante à das quotas. A corporação torna-se titular das mesmas, mas o conjunto dos direitos e vinculações que compõem a correspondente posição de sócio fica suspenso [art. 324.º, n.º 1, al. a)]; o que, materialmente, significa a titularidade das ações sem a correspondente qualidade de sócio; quer elas já sejam valores mobiliários, titulados ou escriturais, quer sejam simples participações sociais (em sentido objetivo) ou unidades de participação social. Apesar de estarmos, objetiva e abstratamente, perante participações sociais ou unidades de participação social, aqui, a qualidade de membro fica suspensa.

2.3 Transmissão de ações voluntária entre vivos

a) No que respeita à transmissão, para simplificar o discurso, vamos tomar por referência as ações tituladas nominativas, ou seja, as ações valores mobiliários mistos, cartulares, quanto à circulação, e registados, quanto ao exercício dos direitos e correspondente legitimação social. Sendo as ações livremente transmissíveis, com eficácia em relação à sociedade, como é regra implícita no sistema [lxv] , tem atualmente aplicação o disposto no art. 102.º do CVM, uma vez que, com a aprovação deste Código, foram revogadas as correspondentes normas do CSC (em especial, o art. 326.º). A situação mostra-se algo estranha, dado que é um diploma distinto do CSC que - através de um regime geral de circulação dos valores mobiliários - define os termos em que ocorre uma transmissão de ações com eficácia plena [lxvi] .

No que toca às transmissões voluntárias por ato entre vivos a título singular , além de um contrato translativo causal, para haver uma transmissão plenamente eficaz perante a sociedade - com aquisição da qualidade de sócio pelo transmissário e a correspondente legitimação para o exercício dos direitos sociais, bem como a legitimação da sociedade para exigir o cumprimento das obrigações sociais - é necessário: (i) apor nos títulos uma declaração de transmissão (nominativa) a favor do transmissário («endosso» nominativo); (ii) notificar a transmissão à sociedade e requerer o registo desta, exibindo os títulos com a pertinente declaração de transmissão; (iii) e registar a transmissão no competente registo da sociedade emitente (ou de intermediário financeiro que a represente) (art. 102.º, n.º 1, do CVM). Embora o CVM apenas aluda à legitimidade do alienante para requerer o registo (art. 102.º, n.º 4), o procedimento tradicional, mais generalizado e natural, correspondente à qualificação do título nominativo em causa como título de crédito [lxvii] , consistirá: (i) em entregar ao adquirente os títulos com a competente declaração de transmissão [tornando esta declaração eficaz e, portanto, fazendo passar a titularidade (formal) das ações para ele] [lxviii] ; (ii) na notificação da transmissão à sociedade por este adquirente (já titular das ações, com o inerente direito ao registo), acompanhada de requerimento do registo (que também vale como notificação) [lxix] e da exibição dos títulos, que comprovam a transmissão cartular [lxx] , [lxxi] (tornando esta oponível à sociedade, com a inerente aquisição da qualidade de sócio - cfr. o art. 102.º, n.º 7); a que se seguirá (iii) o registo (que torna a transmissão plenamente eficaz em relação à sociedade e cumpre uma função legitimadora do exercício dos direitos sociais, quer por parte do sócio, quer por parte da corporação).

Decorre daqui a possibilidade de haver transmissões cartulares não registadas, nem notificadas à sociedade. Em tais casos, o transmitente continuará a deter a qualidade de sócio correspondente às ações transacionadas (tornando-se porventura um sócio fiduciário), apesar de estas haverem passado para a titularidade do adquirente. Verifica-se, portanto, uma dissociação entre ambas as qualidades. Pode, inclusive, haver uma circulação cartular das ações, como verdadeiros valores mobiliários, à margem da sociedade, sem que os sucessivos titulares intermédios das mesmas se tornem sócios. O registo em apreço não integra o iter translativo em sentido estrito (cumpre uma função de legitimação social ou corporativa); não valendo quanto a ele o princípio do trato sucessivo.

Na Itália, existe um entendimento segundo o qual, sendo o registo meramente legitimador, mesmo sem ele as ações passam para o adquirente com a inerente qualidade de sócio [lxxii] . Consideramos mais correto, porém, que elas passem para o adquirente com o inerente direito à qualidade de sócio; qualidade que apenas se adquire quando o direito for exercido requerendo o registo (com implícita comunicação da transmissão e manifestação da vontade de se associar) ou, pelo menos, com a notificação (e prova) da transmissão.

b) A transmissibilidade das ações pode ser estatutariamente restringida (art. 328.º, n.º 2 do CSC). Mantendo-nos nas transmissões voluntárias entre vivos, a título singular, admitamos que o pacto social torna a eficácia da transmissão em relação à sociedade dependente do consentimento desta [cfr. o art. 328.º, n.º 2, al. a)], como a própria lei societária dispõe, de forma expressa, para a cessão de quotas em geral (citado art. 228.º, n.º 2).

Sendo realizada uma transmissão cartular das ações não consentida (ou uma transmissão meramente consensual, se ela for de admitir [lxxiii] ) - o que pode ocorrer porque, por hipótese, o consentimento não foi pedido ou ainda não o foi -, ela será (provisoriamente) ineficaz em relação à sociedade e, portanto, apesar da transferência das ações para o adquirente, a qualidade de sócio mantém-se no alienante. Mesmo sendo pedido o consentimento, a sociedade tem 60 dias para se pronunciar e, se o recusar, fica obrigada pela própria cláusula a fazer adquirir as ações [art. 329.º, n.º 3, als. a) e c)]. Mas, enquanto tal não sucede, as ações encontram-se na titularidade do adquirente e a qualidade social continua a ser encabeçada pelo alienante. [lxxiv]

c) Se as ações forem escriturais - ou seja, registadas em conta - e não se admitirem as transmissões solo consensu, estando em causa um registo de titularidade, a falta do consentimento, impedindo o registo, impedirá a própria transmissão [lxxv] . O assunto requer, no entanto, uma análise mais fina, articulando o regime procedimental do CVM com o naturalmente prioritário direito substantivo.

O ponto de partida deve ser - inter alia por razões de coerência sistemática (tenha-se presente o referido art. 228.º, n.º 2, do CSC) - o de que uma transmissão das ações não consentida é ineficaz em relação à sociedade, ou seja, não faz perder ao transmitente a qualidade de sócio, nem opera a correspondente aquisição desta pelo transmissário. Entendendo-se que o registo em conta é, além de legitimador, translativo – constitui o modo de circulação específico das ações escriturais (cfr. o art. 80.º, n.º 1, do CVM) -, como a cláusula de consentimento apenas afeta a eficácia social da transmissão (a sua eficácia em relação à sociedade), impedindo a aquisição da qualidade de sócio pelo adquirente, se ele for solicitado, em devidos termos [cfr. os arts. 66.º, n.º 2, al. a), e 67.º, n.º 1, do CVM], não poderá ser recusado, com fundamento na falta de consentimento; ou melhor, se for recusado, a recusa será ilícita e, sem prejuízo de outras consequências, designadamente indemnizatórias, pode ser proposta ação tendente à sua efetivação.

Isto afigura-se claro quando a entidade registadora seja um intermediário financeiro, o qual apenas terá de advertir o transmissário de que, apesar do registo, segundo o próprio teor deste [lxxvi] , a transmissão é inoponível à sociedade (mantendo o transmitente a qualidade de sócio, com os direitos inerentes e a correspondente legitimação registal); mas, em rigor, também deverá ser assim quando a entidade registadora é a própria sociedade [lxxvii] . A circunstância de as regras do CSC interferirem com o disposto no CVM – no caso, segundo o direito societário, apesar do registo (da transmissão), o transmissário nem sequer é sócio – apenas traduz uma prevalência da substância sobre a forma e revela, quanto às ações, a inadequação da regulação da sua transmissão e legitimação no CVM. Mostra-se, contudo, defensável a tese segundo a qual, uma vez efetuado o registo a favor do transmissário, o transmitente perderá a necessária legitimação escritural para o exercício dos direitos sociais; o que aproxima a situação da das ações próprias.

d) Acerca da transmissão por fusão e cisão, bem como da alienação com reserva de propriedade, valem observações semelhantes àquelas que se fizeram a respeito das quotas (supra, n.ºs 1.4 e 1.5). E o mesmo vale para a exclusão e exoneração (n.ºs 1.6 e 1.7), pelo que só nos ocupamos, em seguida, das transmissões por morte.

2.4 Transmissão de ações por morte

Tal como sucede com as quotas, falecendo um acionista, as ações, atendendo à sua substancial dimensão patrimonial, passam para os herdeiros ou eventuais legatários segundo as regras do direito sucessório, quer elas sejam livremente transmissíveis (com eficácia face à sociedade), quer a sua eficácia social - e, portanto, a aquisição da correspondente qualidade de sócio - esteja sujeita ao consentimento da sociedade. Isto vale tanto para as ações tituladas (na realidade, valores mobiliários mistos, compostos por um título circulante e um registo socialmente legitimador), como para as ações escriturais, apesar de, quanto a estas, faltarem no CVM regras semelhantes às que, a respeito das anteriores, constam do art. 102.º

Sendo as ações tituladas e livre a transmissão (não sujeita a restrições estatutárias, mormente ao beneplácito da sociedade), via de regra, para tornar a sua aquisição eficaz em relação à corporação, o cabeça-de-casal deverá lavrar nos títulos uma declaração de transmissão a favor dos beneficiários e requerer o competente registo legitimador [art. 102.º, n.º 3, al. b), e n.º 4, do CVM]. Enquanto tais formalidades não ocorrerem, as ações permanecem na esfera jurídica dos sucessores com o inerente direito à qualidade de sócio, mas esta qualidade não estará encabeçada. Se as ações forem escriturais, em princípio, também será o cabeça de casal a requerer o registo, à sociedade ou ao intermediário financeiro, consoante os casos [cfr. o art. 67.º, n.º 1, do CVM]; sendo, até lá, a situação semelhante.

Se a transmissão estiver sujeita ao consentimento da sociedade, embora as ações tenham associada a expectativa jurídica de aquisição da qualidade de sócio, não lhe é inerente o direito potestativo e incondicional de aquisição desta. Para os novos titulares das ações (sucessores) adquirirem tal qualidade, têm de o solicitar à sociedade e, em princípio, de obter o seu beneplácito. Até lá, as ações mantêm-se sem encabeçamento desta qualidade.

Requerido o consentimento, como no caso anterior da transmissão entre vivos, a sociedade tem 60 dias para se pronunciar e, se o recusar, fica obrigada pela própria cláusula a fazer adquirir as ações [art. 329.º, n.º 3, als. a) e c), do CSC] [lxxviii] . Mas enquanto a sociedade não se pronuncia, não consente ou não faz adquirir as ações, estas têm a qualidade de sócio em suspenso [lxxix] .

II

Quotas e ações. Monismo e dualismo da participação social nas SpQ e SA

3. Conceção monista, transmissão com e sem eficácia em relação à sociedade. Insuficiências

Em face do exposto, importa realçar dois conceitos correlacionados: o de titularidade e o de transmissão de quotas e ações com e sem eficácia em relação à sociedade, isto é, com e sem o correspondente encabeçamento ou aquisição da qualidade de sócio. No caso do art. 8.º, n.º 2, há uma titularidade em comum da quota ou das ações - uma comunicação das mesmas ao cônjuge que não participa no respetivo ato de aquisição, por força do regime de bens do casamento -, mas, segundo as regras do direito societário, apenas um dos cônjuges é sócio. Nas transmissões voluntárias por ato entre vivos a título singular não notificadas ou, se dependentes de consentimento, não consentidas, as quotas e ações passam em geral para o adquirente por efeito do contrato - ou, no caso das ações, pelo menos desde que observado o modo específico de transmissão atualmente previsto no CVM -, mas sem a correspondente qualidade de sócio, que se mantém no alienante (se o pacto social não determinar a sua suspensão). Se houver um contrato translativo com reserva de propriedade, a situação é, em certo sentido, a inversa: a titularidade da quota ou das ações mantém-se no alienante, mas a qualidade de sócio passa para o adquirente. Nas transmissões por morte, havendo cláusulas restritivas como a do consentimento ou, no caso das quotas, também de intransmissibilidade ou de estabilização, a consequência natural da aplicação das regras gerais (sucessórias) será a da provisória aquisição das participações sem encabeçamento da correspondente qualidade de sócio, como, quanto às quotas, se propunha no Anteprojeto de Coimbra. Solução semelhante pode ocorrer nas transmissões por fusão ou cisão da sociedade titular das quotas ou ações.

A exclusão judicial de sócio e a aquisição de quotas e ações próprias apresentam maior especificidade. Se um sócio é excluído judicialmente, conserva provisoriamente a quota sem a correspondente qualidade de sócio; a menos que se entenda que a quota fica sem titular, o que não se afigura boa solução. Se a sociedade adquire as próprias quotas ou ações, a titularidade é dela própria, mas a qualidade de sócio também fica em suspenso, a menos que se entenda que ela se torna sócia de si mesma [com uma posição social vazia, por força do art. 324.º, n.º 1, al. a), aplicável às SpQ por força do art. 220.º, n.º 4], o que se mostra radicalmente contrário à ideia de relação associativa e ao próprio senso comum.

Aqueles conceitos de titularidade e de transmissão com e sem eficácia face à sociedade permitem, assim, explicar, em boa medida, os fenómenos de dissociação assinalados; mas não totalmente [lxxx] . Acresce que, na subjacente conceção das quotas e ações como posições de sócio objetiva e quantitativamente definidas ou delimitadas, sendo a titularidade destas que confere a qualidade de sócio, os mesmos deixam subsistir importantes dificuldades construtivas; e estas refletem-se no regime legal ou na interpretação do mesmo.

Na verdade, partindo de tal conceção, no caso do art. 8.º, n.º 2, o cônjuge daquele através do qual a participação social vem ao casal, sendo titular em comum desta, será logicamente sócio [lxxxi] , mesmo contra a sua vontade e contra a vontade do consorte, como defende, designadamente, Raul Ventura; e, para tal não suceder, atendendo à lógica do direito das sociedades e da liberdade profissional, nega-se essa titularidade em comum, degradando a sua posição para a de mero associado à quota, ou seja, entendendo que apenas o valor da participação, não a participação em si, entra na comunhão conjugal, como defende Ferrer Correia.

No caso da morte de sócio de SpQ, havendo restrições impeditivas ou condicionadoras da aquisição da qualidade de sócio, a consequência lógica será a da provisória ausência de titular da participação social, como defendia Ferrer Correia e se pretendeu consagrar no Anteprojeto de Coimbra. Mas Raul Ventura entendia, também logicamente, que, não devendo a participação ficar sem titular e sendo sinónima de posição de sócio, ela passava para os sucessores com tal qualidade, havendo apenas uma limitação provisória dos direitos sociais; e, contrariando o disposto nos pactos sociais, fez refletir a sua conceção no atual art. 227.º, n.º 3, através da introdução do segmento final: «nomeadamente, votar…». Porém, em clara desarmonia sistemática, semelhante desconsideração pelos estatutos sociais - além de ser, em si mesma, dificilmente compreensível - já não vale para as ações.

No caso das quotas e ações próprias, mais uma vez coerente com a sua posição, Raul Ventura entendia que a sociedade se tornava sócia de si própria. Mas o que significa ser ela titular do próprio órgão de base, a coletividade social, fiscalizadora de si mesma, etc.? E, dada a suspensão dos direitos sociais (aqui, sem dúvida, na sua totalidade), é titular de uma posição de sócio sem qualquer conteúdo jurídico-social?

4. Construções alternativas da participação social. Perspetivas dualistas

Perante este quadro pouco satisfatório, importa verificar se é possível uma outra ótica de análise da participação social nas SpQ e SA, capaz de explicar os fenómenos de dissociação assinalados e que seja neutral, não condicionando concetualmente as soluções legais. As linhas que se seguem têm esse objetivo, apresentando uma perspetiva dualista da participação social [lxxxii] .

O ponto de partida é o que se se segue. Na corrente conceção monista das quotas e ações como participações sociais em sentido objetivo - posições de sócio com certa expressão quantitativa (medida de direitos e vinculações), quotas sociais ou unidades de participação social -, os chamados direitos inerentes, que aparecem em diversos textos da lei, societária e jusmobiliária [lxxxiii] , são, na realidade, direitos componentes ou integrantes da posição de sócio; ou, no caso dos direitos patrimoniais autónomos, dela «derivados», ainda que a fonte jurídica seja um negócio da sociedade.

Todavia, é possível dar a tal expressão um sentido mais próximo do seu significado natural. Vejamos.

Os direitos e vinculações inerentes em apreço são, sem dúvida, os direitos e vinculações sociais, próprios da condição ou posição de sócio. Nesta medida, pode dizer-se que é inerente às quotas e ações a qualidade de sócio (com o estatuto jurídico correspondente). A participação social, globalmente considerada, apesenta assim duas componentes: a quota ou as ações, por um lado, e a qualidade de sócio - que lhes é «inerente» [lxxxiv] -, por outro lado. Que quota ou ações são estas? Não sendo mera medida ou expressão quantitativa da posição de sócio, como entende a perspetiva monista [lxxxv] , o que são?

4.1 As quotas como quotas-valores e as ações como unidade de valor

a) Referiu-se acima que, nas SpQ e SA, o capital está dividido em quotas e ações, respetivamente (arts. 197.º, n.º 1, e 271.º). Na interpretação corrente do princípio, o capital em apreço será o capital nominal ou estatutário, e a cada quota de capital ou a cada ação fração de capital corresponde uma posição jurídico-social ou participação social em sentido objetivo: a quota social e a ação participação social ou unidade de participação social. Mas ao princípio pode ser dado um significado mais substancial, considerando que o capital aqui em causa é o próprio valor líquido da sociedade [lxxxvi] , não apenas a sua expressão nominal ou estatutária, e, consequentemente, que as quotas são quotas deste valor e que as ações são frações ou unidades de valor do mesmo.

Noutros termos, tendo a sociedade personalidade jurídica, é ela a dona dos respetivos património, empresa e negócio; mas, enquanto entidade instrumental de fim económico interessado lucrativo e enquanto produto da liberdade de iniciativa económica e profissional dos respetivos fundadores, aderentes e respetivos sucessores, com a implicada liberdade de investimento e associação e um princípio de apropriação por cada um dos resultados do seu trabalho e atividade [lxxxvii] , ela é objeto de atribuição jurídica, não em espécie, mas em valor, a estes. Cada um é titular, portanto, de uma quota-parte ou fração do seu valor [cfr., a respeito das quotas, sobretudo o art. 199.º, al. a)].

É certo que este valor respeita diretamente ao património social e à própria «firma» social; carecendo em geral de um ato de desafetação da corporação para passar para a esfera pessoal dos sócios, sob a forma de créditos contra ela. Mas, por um lado, a coletividade social tem o poder de dispor dele em benefício dos membros (ainda que se trate de um poder corporativamente regulado [lxxxviii] ) e os sócios, individualmente considerados, têm legalmente (ou por força dos estatutos), em certos casos, direito ao seu quinhão do mesmo (por ex., em caso de exoneração ou exclusão [lxxxix] ), bem como a exigir que lhes seja atribuída uma parcela do valor criado [xc] . Por outro lado, o tráfico das quotas e ações, mormente o tráfico de todas as quotas e ações de uma sociedade, uno actu, revela que eles são, pelo menos, os seus beneficiários últimos; sendo as participações vistas como uma forma de riqueza (mobiliária) representativa da riqueza consubstanciada na sociedade, com um atual valor de transação que reflete o valor desta, ou como um instrumento técnico de projeção nas esferas pessoais dos sócios deste valor. A própria sociedade pode adquirir quotas e ações, pagando o respetivo valor fracionário.

Pode, assim, dizer-se que, nas SpQ e SA, o valor líquido da sociedade pertence aos sócios, dividindo-se em quotas (quotas-valores) e ações (unidades de valor) [xci] , respetivamente, a que é inerente a qualidade de sócio com o conjunto de direitos e vinculações que lhe são próprios. Nas primeiras, o todo formado pela quota (quota-valor) e a correspondente qualidade de sócio (posição de sócio) identifica-se com a quota social ou participação social em sentido objetivo. Nas segundas, o todo formado pela ação (unidade de valor) e a correspondente qualidade de sócio (posição de sócio) constitui, também ele, uma participação social em sentido objetivo ou uma unidade (elementar) de valor e de participação social (UVPS).

Uma nota adicional: a quota-valor ou a ação-unidade de valor, em si mesmas, traduzem simples posições jurídicas «passivas» de beneficiário de uma fração do valor da sociedade. Na verdade, embora o seu valor de mercado seja suscetível de ser realizado mediante transmissão das mesmas (voluntária ou forçada), em face da corporação, aquele que seria o seu conteúdo jurídico natural encontra-se absorvido pela correspondente posição de sócio; a perceção real do valor dá-se através dos direitos patrimoniais que integram esta – o geral direito a uma quota-parte do valor líquido da sociedade, que se desdobra no direito ao lucro, enquanto direito a receber uma quota-parte dos lucros que a sociedade venha a distribuir (com o instrumental direito à distribuição periódica de lucros), no direito à quota de liquidação, no direito a receber uma quota-parte do valor das reservas e do valor de capital exuberante que venha a ser distribuído e no direito a uma fração do valor da sociedade em caso de exoneração, exclusão, amortização forçada de quotas e ações, etc. Apenas em casos especiais e fora das SpQ e SA a lei reconhece autonomia a tais direitos, separados da qualidade de sócio [xcii] .

b) Voltando aos casos de dissociação assinalados, aquilo que, nas situações contempladas no art. 8.º, n.º 2, entra na comunhão conjugal será a quota-valor ou a ação-unidade de valor [xciii] ; não a correspondente qualidade de sócio, encabeçada, com base nelas, apenas pelo cônjuge através do qual elas vieram ao casal (mediante ato social ou com eficácia social). No caso das quotas e ações próprias, aquilo que a sociedade adquire são quotas-valores ou ações-unidades de valor com a inerente socialidade suspensa (e, portanto, uma posição jurídica com valor de transação, mas vazia de conteúdo enquanto se mantiver na titularidade da sociedade). Nas transmissões por ato voluntário entre vivos a título singular ineficazes em relação à sociedade, o adquirente torna-se titular da quota-valor ou das ações-unidades de valor, a que é «inerente» a qualidade de sócio, mas esta permanece encabeçada no alienante. Nas transmissões com reserva de propriedade, a qualidade de sócio passa para o adquirente, mantendo o alienante a quota ou as ações. Nas transmissões vinculadas por morte, a quota-valor e as ações-unidades de valor passam, em virtude das regras sucessórias, para os sucessores, com a inerente qualidade de sócio suspensa. A solução do art. 227.º, n.º 3, 2.ª parte, é uma solução anómala; contrária ao sentido normal e razoável dos pactos sociais e em dessintonia com o que se verifica nas SA com ações vinculadas. Na exclusão judicial de sócio de SpQ (e SA), uma vez transitada em julgado a sentença de exclusão, o excluído mantém a respetiva quota-valor sem a inerente qualidade de sócio, até a sociedade lhe dar destino [xciv] ; se a sociedade não o fizer (atempadamente), a exclusão fica sem efeito, retomando o excluído a qualidade social (cfr. o art. 242.º, n.º 3). O mesmo vale, mutatis mutandis, para os restantes casos.

4.2 As quotas e as ações como quotas ideais de «compropriedade»

A perspetiva acabada de expor apresenta fraquezas. Pode, em especial, objetar-se-lhe que uma análise do regime legal revela que, em rigor, o valor da sociedade lhe pertence a ela, embora, por um lado, esteja na disponibilidade da coletividade dos sócios - que pode dispor do mesmo, em certos temos, a favor dos membros – e, por outro lado, os sócios tenham, individualmente, em certos casos, direito aos correspondentes quinhões. Tem interesse, por isso, encarar, ainda, uma outra perspetiva, de que nos ocupamos em seguida.

a) Afirmou-se a respeito da construção anterior que, tendo uma SpQ ou SA personalidade jurídica, é ela a dona dos respetivos património, empresa e negócio; mas, enquanto entidade instrumental de fim económico interessado lucrativo e enquanto produto da liberdade de iniciativa económica e profissional dos respetivos fundadores, aderentes e respetivos sucessores (cfr. os arts. 47.º, n.º 1, e 61.º, n.º 1, da CRP), com a implicada liberdade de investimento e associação e um princípio de apropriação por cada um dos resultados do seu trabalho e atividade, numa concebível perspetiva do fenómeno, ela será objeto de atribuição jurídica a estes, não em espécie, mas em valor. Pois bem, está em causa, agora, dando um passo mais, admitir a própria atribuição jurídica em espécie da corporação enquanto coisa produtiva, a favor da qual depõem, no essencial, os mesmos motivos: caráter instrumental da sociedade pessoa jurídica, fim lucrativo no sentido do art. 980.º do CC, ser ela, com a respetiva substância económico-patrimonial, fruto do exercício associado da liberdade económica e profissional dos fundadores, aderentes e respetivos sucessores, com o investimento nesta implicado e um também implicado princípio de apropriação privada dos resultados [xcv] ; a que pode acrescentar-se serem as sociedades em causa adequadas para a acumulação de capital e serem tipicamente estruturas jurídicas em que tal acontece.

A grande objeção será a de que um sujeito de direito não pode ser, ao mesmo tempo, objeto jurídico: este contrapõe-se àquele, como dispunha o Código de Seabra (art. 369.º). Este argumento não é, porém, decisivo. Com efeito, estando em causa uma pessoa jurídica de fim económico interessado e lucrativo, meramente instrumental para a realização de interesses transindividuais dos sócios, o facto de se tratar de um centro de atividade produtiva personificado, ou seja, legalmente qualificado como sujeito de direito, não obsta a que o mesmo centro de atividade produtiva (CAP), simultânea e paralelamente, seja qualificado como um «bem», uma res privata ou «coisa produtiva», capaz de proporcionar utilidades aos respetivos condomini. Com efeito, não se deteta nenhuma antinomia nisso.

Mais: a própria personificação do CAP confere a este uma unidade e identidade que o torna mais ágil e valioso como «coisa», designadamente enquanto objeto do tráfico jurídico, que se processa tecnicamente mediante a transmissão global das quotas e ações. Basta conferir o regime de transmissão de um EIRL com o de uma SuQ constituída mediante transformação simplificada daquele ou o de uma sucessiva SpQ ou SA, para se ver que é assim.

Aceitando-se esta visão das coisas, dir-se-á que as SpQ e SA – enquanto objeto de atribuição jurídica (res productiva), bem essencialmente incorpóreo, formalmente constituído, delimitado e registado – estão divididas em quotas ou frações ideais (ações) de que são titulares os seus fundadores, aderentes e respetivos sucessores, seus «condóminos», às quais é inerente a qualidade de sócio. Essas quotas ideais com a inerente qualidade de sócio formam as quotas sociais, participações sociais em sentido objetivo próprias das SpQ. Do mesmo modo, essas frações ideais e uniformes (ações), características das SA, com a inerente qualidade de sócio, formam as ações- unidades (elementares) de participação social ou participações sociais, em sentido objetivo.

Mas há um aspeto marcante desta forma de «propriedade» corporativa: devido à autonomia da sociedade enquanto CAP – reforçada pela personificação, mas existente mesmo nas sociedades não personificadas –, a «compropriedade» da sociedade representada pela titularidade das quotas ou ações é uma compropriedade «passiva», de certo modo vazia de conteúdo (embora com valor de transação), porque este é absorvido pela correspondente qualidade ou posição de sócio. Designadamente, são os sócios enquanto titulares do órgão de base da sociedade que exercem o efetivo domínio sobre ela (domínio interno, com o ulterior limite decorrente da existência de um órgão de administração), conformando-a estatutariamente, elegendo e destituindo os membros dos outros órgãos sociais [xcvi] , e decidindo acerca do seu destino e do seu valor, em benefício próprio.

b) Vendo a esta luz as identificadas situações de dissociação, no caso do art. 8.º, n.º 2, o cônjuge do sócio é titular em comum com este, por força do regime de bens do casamento, da quota ou das unidades elementares de «compropriedade» (ações) da SpQ ou SA, mas não tem a correspondente ou «inerente» qualidade de sócio. No caso das quotas e ações próprias, aquilo que a sociedade adquire são quotas ou unidades elementares de «compropriedade» com a inerente socialidade suspensa (e, portanto, uma posição jurídica com valor de transação, mas vazia de conteúdo enquanto se mantiver na sua titularidade). Nas transmissões por ato voluntário entre vivos a título singular ineficazes em relação à sociedade, o adquirente torna-se titular da quota ou das unidades elementares de «compropriedade» (ações) da SpQ ou SA, a que é inerente a qualidade de sócio, mas esta permanece encabeçada no alienante; e, nas transmissões com reserva de propriedade, sucede o inverso. Nas transmissões vinculadas por morte, a quota ou as unidades elementares de «compropriedade» (ações) da SpQ ou SA passam para os sucessores, com a inerente qualidade de sócio suspensa. A solução do art. 227.º, n.º 3, 2.ª parte, é, como se referiu a respeito da construção anterior, uma solução anómala; contrária ao sentido normal e razoável dos pactos sociais e em dessintonia com o que se verifica nas SA com ações vinculadas. Na exclusão judicial de sócio de SpQ (e SA), uma vez transitada em julgado a sentença de exclusão, o excluído mantém a respetiva quota de «compropriedade» sem a inerente qualidade de sócio, até a sociedade lhe dar destino; se a sociedade não o fizer (atempadamente), a exclusão fica sem efeito, retomando o excluído a qualidade social (cfr. o art. 242.º, n.º 3). O mesmo vale, mutatis mutandis, para os restantes casos.

III

Conclusão

Nas SpQ e SA, pressupondo uma entrada de capital, ainda que potencialmente simbólica, contra a mesma (e, na medida em que seja diferida, a correspondente obrigação de entrada), e pressupondo também a assunção da qualidade de sócio, a cada fundador é atribuída uma quota ou um lote de ações, a que é «inerente» aquela qualidade de sócio. A quota pode ver-se como uma quota de capital ou quota-valor e a ação como uma fração ou unidade de valor e, adicionalmente, como uma quota de compropriedade da própria sociedade enquanto capital (estrutura de acumulação de capital) ou bem jurídico - resultado da atividade empreendedora e do investimento dos fundadores. Através delas, o valor líquido fundamental da corporação projeta-se na esfera individual de cada um; podendo assim dizer-se que se trata de bens de segundo grau, uma forma de riqueza representativa (financeira) da riqueza real, tipicamente económico-produtiva consubstanciada na empresa social. Mas a ideia de quotas ideais de compropriedade vai além disto: através das quotas e das ações, a sociedade enquanto bem de investimento ( res productiva), com a respetiva substância económico-patrimonial, é atribuída juridicamente aos titulares, pertence-lhes, por quotas ou ações.

À titularidade conjunta das quotas ou ações deveria corresponder o poder de domínio, exploração e fruição, em benefício próprio, da estrutura criada. Devido à especial natureza do objeto jurídico em causa, tal não sucede, porém.

Com efeito, a sociedade não é um mero património ou acervo de bens ou um bem produtivo [xcvii] . É também uma organização com membros: os fundadores, além de ficarem titulares de quotas ou ações, passam a integrar tal organização, como seus membros (variáveis, mais ou menos fungíveis). Daí que - apesar da titularidade dessas quotas ou ações e do correspondente poder de disposição (alienação e oneração) nos termos gerais, que cabe aos fundadores enquanto empreendedores investidores - tal poder de domínio passa, pela própria natureza da sociedade enquanto organização social ou com membros (em contraposição às organizações de caráter fundacional ou institucional), para o interior desta, sendo detido por quem dela for membro, isto é, nesta fase fundacional, pelos mesmos fundadores, na qualidade de sócios.

Nesta ordem de ideias, a aquisição e perda da quota e das ações enquanto quotas de compropriedade e representativas de uma quota-parte do valor da sociedade, é, no essencial, um assunto de direito patrimonial geral (dominial e contratual, mobiliário, familiar e sucessório) [xcviii] . Mas a aquisição e perda social das mesmas, com eficácia em relação à sociedade, no plano desta, isto é, com a correspondente qualidade de sócio, é um assunto naturalmente pertencente ao direito das sociedades, legal e estatutário.

Daqui decorrem os assinalados fenómenos de dissociação (em regra provisória), total ou parcial, da titularidade das quotas e ações e da qualidade de sócio. Salienta-se, ainda, que, em face do exposto, a participação social nas SpQ e SA constitui um fenómeno complexo, importando, por um lado, distinguir a participação social em sentido objetivo (quotas sociais e ações participações sociais) e em sentido subjetivo (posição global do sócio), via de regra e no fundamental conferida pela titularidade ou contitularidade das quotas ou ações com eficácia em relação à sociedade. Por outro lado, tem pelo menos vantagens para a compreensão dos fenómenos assinalados e para evitar os constrangimentos apontados da perspetiva monista, reconhecer que a primeira apresenta uma estrutura dualista, sendo composta pela quota ou ação e pela inerente qualidade ou posição de sócio. Cabe, ainda, realçar que aquilo que é transmissível e, no caso da participação acionária, «mobiliarizável», são as quotas e as ações com o inerente direito à qualidade de sócio, de exercício livre ou condicionado (porventura, nalguns casos, tendo inerente uma simples expectativa de aquisição); não a posição de sócio sem si.

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* Professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola de Lisboa). O presente texto destina-se aos Estudos em Homenagem à Prof.ª Doutora Maria da Glória Garcia.

[i] Literalmente, também membership (ou membership interest), sociétariat, mas nem no espaço anglo-americano nem em França existe uma verdadeira teoria da participação social.

[ii] A vinculação ao fim comum próprio de tais entidades implica também a extensão da relação jurídica aos membros entre si, mesmo nas entidades personificadas, ainda que naturalmente rarefeita e num grau e intensidade variáveis.

[iii] Cfr., em geral, por ex., Lutter (1980), pp. 85 e ss., Habersack (1996), pp. 28 e ss., 52 e ss., Schmidt (2002), pp. pp. 547 ss., em especial, 549 e s., 552 e ss., (2011), pp. 113 e ss., 115 e s., e as demais indicações constantes de Mendes (1989), n.ºs 9 e ss., 54 e ss., 106 e ss.

[iv] Sobre o assunto, além de Rivolta (1965), pp. 1 e ss., 165 e ss., vejam-se, designadamente, entre nós, Abreu (2021), pp. 205 e ss., Antunes (2021), pp. 396 e ss., Cordeiro (2020), pp. 547e ss., Cunha (2019), pp. 287 e ss., 419 e ss., Martins/Ramos (2015), pp. 113 e ss., Vasconcelos (2006), em especial, pp. 7 e ss., 67 e ss., 367 e ss., 370 e ss. e, ainda, Mendes (1989), Costa/Mendes (2011), pp. 15 e ss., e Ventura (1984), pp. 7 e ss., e (1989), pp. 375 e ss.

[v] Órgão este, correntemente designado assembleia geral (de sócios, cooperadores ou associados).

[vi] Mais analiticamente, o conteúdo abrange direitos de vário tipo, simples poderes jurídicos ou faculdades, ónus, obrigações, sujeições, genéricas e específicas, etc.

[vii] Cfr., por ex., os arts. 167.º, n.º 2, 180.º e 181.º do CC (associações em geral) com os arts. 980.º (nos termos deste preceito, a sociedade é uma organização baseada em contribuições dos sócios e destinada à respetiva auto-valorização em benefício dos mesmos), 1018.º, 1021.º e 995.º do mesmo Código (sociedades em geral), bem como os arts. 156.º, 182.º, 225.º e ss., etc., do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a que se referem os artigos sem indicação da fonte, salvo se outra coisa resultar do contexto. Desenvolvidamente, na doutrina, cfr. Huber (1970), passim.

[viii] Cfr., por ex., os arts. 1.º, 17.º, 11.º e 14.º do DL 430/73.

[ix] Cfr., a respeito das quotas e ações, os arts. 221.º e 276.º, n.º 6, do CSC. Na doutrina, cfr., por ex., Abreu (2021), pp. 214 e ss., e as indicações constantes de Mendes (1989), n.ºs 10 e nota 17, 63, 78.10, 90, 92, 98 e ss. e notas 193 e 195.

[x] Note-se também que a possibilidade de alienação do direito ao dividendo deliberado, na qualidade de direito presente ou futuro, direito este incidente sobre uma parcela do valor da sociedade destacada por esta em benefício dos sócios, está fora do princípio. O mesmo sucede com direitos análogos, como o direito ao reembolso de prestações suplementares ou acessórias equiparáveis após a competente deliberação social (cfr. o art. 213.º do CSC)

[xi] Cfr., por ex., Mendes (1989), n.ºs 84, 87, 89 e ss., 129, e, ainda, 8 e ss., 15, 78.11 e ss., com mais indicações.

[xii] Cfr., por ex., Habersack (1996), pp. 42 e ss., 52 e ss., 59 e ss., e as demais referências constantes da nota 3. Veja-se, ainda, a nota 14.

[xiii] Cfr., por ex., Lutter (1980) e Habersack (1996), citados na nota 3, e as demais indicações constantes de Mendes (1989), n.ºs 1 e ss.

[xiv] Na literatura nacional, cfr., designadamente, Abreu (2021), pp. 205 e ss., e Antunes (2021), pp. 396 e ss. Vasconcelos (2006) considera o conceito geral de participação social uma «abstração sem correspondência na realidade», preferindo falar num direito social, como direito global do sócio (expressão que já se encontra em autores portugueses mais antigos) (pp. 8, 9, 12, 69, 237, etc.), e num correspondente estatuto jurídico do sócio (status socii) (pp. 13 e s., 490 e ss.; cfr., ainda, pp. 412 e ss.).

[xv] Vejam-se o art. 980.º do CC e os arts. 20.º, al. a), 202.º, n.º 1, 277.º, n.º 1, e 271.º do CSC; cfr., ainda, os arts. 219.º, n.ºs 1 e 3, e 276.º, n.º 3, desde Código.

[xvi] Utiliza-se a expressão capital de risco num sentido amplo.

[xvii] Cfr. os arts. 209.º a 213.º e 287.º do CSC. Nas sociedades profissionais, já se aludiu ao art. 11.º, n.º 3, da Lei das sociedades profissionais (L. 53/2015), que dispõe: «Os sócios profissionais ficam ainda obrigados, para além das respetivas entradas, a exercer em nome da sociedade de profissionais a atividade profissional que constitua o respetivo objeto principal».

[xviii] Cfr. os arts. 199.º, al. a), e 9.º, n.º 1, al. g), do CSC.

[xix] Cfr. os arts. 199.º, al. b), 219.º e ss. do CSC, incluindo o art. 237.º, bem como, designadamente, os arts. 25.º, n.º 1, e 250.º, n.º 1.

[xx] Cfr., além do art. 271.º, designadamente, os arts. 272.º, al. a), 276.º, 25.º, n.ºs 1 e 2, 298.º e ss., e, ainda, 242.º e ss., e 384.º do CSC.

[xxi] Cfr. o art. 276.º, n.º 4, do CSC.

[xxii] Cfr., nomeadamente, os arts. 9.º, n.º 1, al. f), e 276.º do CSC.

[xxiii] Cfr., designadamente, os arts. 219.º, n.º 6, 22.º, n.º 1, 250.º, n.º 1, e 384.º, n.º 1.

[xxiv] É este conceito de participação social que está em causa quando se diz que a participação social é sinónimo de parte social, nas SNC, de quota, nas SpQ, e de ação, nas SA: cfr., por ex., Abreu (2021), p. 217, Antunes (2021), p. 397, e as demais indicações constantes de Mendes (1989), n.ºs 2, 81 e ss.

[xxv] Sendo o capital de uma SA abstratamente dividido em frações iguais, via de regra de baixo valor (1 € ou menos, 5 €, por razões históricas; cfr. o art. 276.º, n.º 3), o normal é um acionista ser titular de mais que uma ação. Mas também na SpQ é possível a titularidade de mais que uma quota (cfr. o art. 219.º, n.ºs 2 e 4); inclusive de todas elas (cfr. o art. 270.º-A.2).

[xxvi] Cfr. os arts. 220.º e ss. e 328.º e s. do CSC, bem como os arts. 1.º, al. a), 46.º, n.º 1, 80.º e 102.º do CVM.

[xxvii] Cfr., nomeadamente, os arts. 219.º, n.º 6, 222.º, 227.º, n.º 2, 302.º, n.º 1, 303.º e 324.º, n.º 1, al. a), 341.º, 346.º, n.º 4, do CSC, e o art. 55.º do CVM, quanto às ações valores mobiliários.

[xxviii] Cfr., designadamente, os arts. 222.º, n.º 4, 302.º, n.º 1, 341.º e 346.º, n.º 4, do CSC, e o art. 55.º, n.º 3, do CVM.

[xxix] No caso das ações, pouco compreensivelmente, pelos modos constantes do CVM.

[xxx] Cfr. o art. 6.º da anterior LSQ de 1901 e o art. 52.º do Anteprojeto de Coimbra.

[xxxi] Abstrai-se dos casos especiais de fusão, cisão e análogos, para não complicar o discurso.

[xxxii] Cfr. os arts. 47.º, n.º 1, e 61.º, n.º 1, da CRP e o art. 1677.º-D do CC (que compreendem tanto o exercício individual como o exercício associado da atividade, neste caso com a implicada liberdade de associação).

[xxxiii] Quanto a esta, na fundação da sociedade, cfr., a respeito da SA, o art. 274.º

[xxxiv] Cfr., em geral, os arts. 1724.º e s. e o art. 1732.º do CC.

[xxxv] Esta conclusão ainda sai reforçada se se tratar de um sócio profissional, de uma sociedade profissional (cfr. os arts. 8.º, n.º 2, 11.º, n.º 3, e 36.º, n.º 1, al. b), e n.º 5, da Lei 53/2015).

[xxxvi] Se a isso se não opuserem as regras societárias de aquisição da qualidade de sócio, nada impede, no entanto, que os cônjuges acordem, supervenientemente, na assunção da qualidade de sócio por ambos ou por aquele que a não tinha. Vindo a comunhão conjugal a dissolver-se, há que ter em conta o art. 8.º, n.º 3, do CSC e o princípio que se extrai do art. 1731.º do CC. O tratamento deste e de outros temas conexos não cabe, porém, aqui.

[xxxvii] Acerca do tema, com maior desenvolvimento, vejam-se as indicações fornecidas por Mendes (1.04.2023), com realce para Xavier (1993).

[xxxviii] Art. 324.º, n.º 1, al. a), aplicável por força do art. 220.º, n.º 4, do CSC.

[xxxix] Cfr. o art. 408.º, n.º 1, e o art. 954.º do CC.

[xl] O normal será a notificação ser feita pelo cessionário, B; mas também pode ser feita pelo A, exibindo o competente documento contratual de que se pode inferir a vontade do cessionário de se tornar sócio. Tenha-se presente que a sociedade é uma entidade associativa de caráter voluntário e que a liberdade económica e profissional tem implicada a liberdade de associação, em especial, a vertente individual a que se refere o art. 46.º, n.º 3, da CRP. Isto também deve estar presente quando da interpretação do segmento final do art. 228.º, n.º 3.

[xli] Cfr., sobretudo, a Lei 89/2017.

[xlii] Diferentemente, as preferências estatutárias incidem sobre a quota, com a correspondente qualidade de sócio (melhor, o inerente direito à qualidade de sócio); o mesmo sucedendo com as cláusulas de amortização.

[xliii] Na verdade, o cedente poderá, inclusive, ficar numa situação de mero sócio fiduciário, sob a alçada ou não do RCBE.

[xliv] A situação ocorre sobretudo com sociedades anónimas, mas também existem casos com SpQ. Acerca do assunto, cfr. Mendes (2022), em especial, pp. 197 e s.

[xlv] Ou direito potestativo de aquisição, uma vez que basta pagar o preço.

[xlvi] Cfr. o art. 112.º do CSC.

[xlvii] Legalmente, por força do art. 228.º, n.º 2, do CSC ou por cláusula estatutária.

[xlviii] Trata-se da interpretação natural da lei e aquela que corresponde ao senso comum e aos interesses em jogo, embora, construindo a exclusão à imagem e semelhança da exoneração, regulada no art. 240.º, fosse possível defender que a sentença judicial não tem como efeito a exclusão, apenas habilitando a sociedade a produzir este efeito, mediante a subsequente amortização ou aquisição da quota, por si, outro sócio ou terceiro.

[xlix] Cfr. o art. 240.º, n.ºs 3 e 4. Note-se que a dissolução deveria ser judicial, como na versão inicial do CSC.

[l] Mais desenvolvidamente, com ulteriores situações congéneres, cfr. Mendes (2012), pp. 33 e ss., 37 e ss.

[li] Acerca do tema, cfr., desenvolvidamente, Mendes (2023), pp. 161 e ss., com mais indicações, incluindo Xavier (1993), e, ainda, Xavier (2022), pp. 275 e ss., Amaro (2022), pp. 162 e s. e nota 21, 171 e s., 182 e ss., 192 e s.

[lii] Neste caso, não se encontrando a herança encabeçada, também o não estão a titularidade da quota e a qualidade de sócio.

[liii] Regra implícita nos arts. 225.º e ss. No caso das SpQ profissionais, quanto aos sócios profissionais, a transmissão é vinculada: cfr. o art. 34.º, n.ºs 2 e 3, da Lei 53/2015.

[liv] Ou seja, a prova da qualidade de herdeiro ou legatário da quota, mormente exibindo certidão de habilitação de herdeiros, testamento ou documento de partilha.

[lv] Art. 53.º, n.º 1 (válido para todas as transmissões).

[lvi] Cfr. os arts. 228.º, n.º 3, e 242.º-A. Pode também haver um reconhecimento, expresso ou tácito, dos herdeiros como sócios pela sociedade, com base numa manifestação de vontade nesse sentido dos mesmos, que também pode ser tácita; o que sucede com frequência.

[lvii] Esta interpretação da lei não é necessária, mas é a mais conforme à ideia de que as restrições à transmissão atuam, na falta de manifestação inequívoca dos interessados noutro sentido (expressa no pacto), sobre aquilo que compete ao direito das sociedades naturalmente regular: a aquisição da qualidade de sócio. Problema semelhante ocorre a respeito das (raras) cláusulas de incedibilidade (não meramente temporária) de quotas (cfr. o art. 229.º, n.º 1). Com outra leitura acerca das cláusulas de intransmissibilidade, cfr., no entanto, Xavier (2022) e Amaro (2022), citados na nota 51.

[lviii] No caso vertente, o prazo é de 90 dias a contar do conhecimento da morte do sócio por algum gerente da sociedade.

[lix] Este preceito diz que a quota se considera transmitida, mas a situação não é exatamente essa. Na verdade, tendo a quota passado para os sucessores por força das regras do direito sucessório, só pode estar aqui em jogo a aquisição definitiva da mesma (a sua consolidação na titularidade dos sucessores), com o inerente direito potestativo de os titulares se fazerem reconhecer como sócios.

[lx] Na verdade, havendo designadamente uma cláusula de consentimento, esta deve conter, para o caso de recusa deste, a obrigação de a sociedade fazer adquirir as ações [art. 328.º, n.º 3, al. c)], mas a sociedade não tem que provisoriamente reconhecer os sucessores como sócios (cfr. infra, n.º 2.4).

[lxi] Cfr. o nosso referido estudo, onde se assinala também uma possível interpretação do preceito em análise no sentido de que o voto não pressupõe a qualidade de sócio (como sucede no usufruto e no penhor com voto), defendida, designadamente, por Xavier (1993).

[lxii] Pode, ainda, acrescentar-se que, desde que respeitada a justa composição de interesses imposta por lei, o regime é substancialmente supletivo.

[lxiii] Cfr., em geral, os arts. 80.º, 83.º e 78.º, e, ainda, 23.º-C, 55.º e 74.º, n.º 3, 66.º, n.º 2, al. a), e 67.º, n.º 1, do CVM.

[lxiv] Cfr. os arts. 104.º, n.º 2, e 55.º do CVM.

[lxv] A abstrata divisão do capital em ações (art. 271.º), via de regra representativas de pequenas frações uniformes deste e do valor da sociedade (cfr. o art. 276.º), destina-se, justamente, a conferir-lhes uma especial aptidão circulante, reforçada com a sua transformação em valores mobiliários. Cfr., ainda, o art. 328.º, n.ºs 1 e 2.

[lxvi] Daqui poderia extrair-se que no preceito se contêm as regras que definem quando existe uma transmissão eficaz perante a sociedade e, portanto, como se adquire, a título derivado, a qualidade de sócio, designadamente porque o preceito coincide substancialmente com o do revogado art. 326.º do CSC. Porém, o princípio deve ser o afirmado mais acima: a aquisição e perda desta é um problema de direito societário, a resolver pelas normas deste ou dentro do espírito do sistema (cfr. o art. 2.º do CSC). De resto, o problema já existia e subsiste também a respeito das ações participações, sem representação cartular nem escritural; e deve ter igual solução.

[lxvii] Estando em causa não apenas um título circulante, mas também legitimador, ainda que a legitimação se limite ao direito ao registo, esta qualificação também interessa à sociedade (cfr. o art. 56.º).

[lxviii] O modo cartular de transmissão em apreço faz presumir a existência de um negócio causal. Isto é tanto assim, que a lei nem alude a este negócio, exigido pelo caráter causalista do sistema.

[lxix] Tendo as ações passado para o adquirente, com o direito ao registo (e à socialidade), e sendo este que se encontra legitimado para o exercício o direito ao registo [cfr. o art. 55.º, n.º 1; a respeito das ações escriturais, cfr. os arts. 66.º, n.º 2, al. a), e 67.º, n.º 1], estando em causa, ainda, uma implícita manifestação de vontade de associação e podendo as ações ter um conteúdo passivo mais ou menos significativo, o natural será a legitimidade do adquirente, embora a lei também a atribua ao alienante, como se refere no texto (art. 102º, n.º 4).

[lxx] Além de comprovarem a transmissão, os títulos com a declaração de transmissão, cumprem uma função legitimadora quanto ao exercício do direito ao registo (cfr., além do art. 55.º, referido na nota anterior, o art. 56.º do CVM, a que se alude na nota 67) e a sua apresentação pode considerar-se uma exigência do princípio juscartular da incorporação (ou legitimação necessária).

[lxxi] A notificação, exprimindo a vontade de o adquirente se associar, não tem de ser expressa: normalmente, deduzir-se-á do requerimento do registo.

[lxxii] O panorama é, na realidade, muito variado, mas, globalmente, no sentido de favorecer a circulação das ações apesar das restrições estatutárias. Acerca do assunto, cfr. Mendes (1986), bem como, por ex., Santossuosso (1993), pp. 13 e ss., 136 e ss., 238 e ss., e De Luca (2007), pp. 175 e ss.

[lxxiii] Acerca do assunto, cfr. Mendes (2022a), com mais indicações.

[lxxiv] Na Itália, há quem entenda que o consentimento apenas condiciona o registo e, sendo este meramente legitimador, mesmo sem ele as ações passam para o adquirente com a inerente qualidade de sócio (cfr. supra, nota 72). De certo modo no extremo oposto, na Alemanha a orientação dominante é no sentido de que, apesar de o registo ser legitimador, a falta de consentimento tem como consequência a ineficácia absoluta da transmissão. Entre nós, Martins (2006) integra o registo no iter translativo, donde infere que, sem ele (e sem o consentimento a sociedade não será obrigada a registar, tendo mesmo o dever de não o fazer), nem haverá transmissão (pp. 246 e ss., 263 e ss., 550 e ss., 566 e ss.); cfr. também (2018), pp. 79 e ss. Para a posição dominante, referida no texto, cfr., no entanto, por ex., Abreu (2021), pp. 362, 367 e 368, com mais indicações.

[lxxv] Cfr., designadamente, Martins (2006), pp. 278 e ss., 567 e ss.

[lxxvi] Cfr. o art. 328.º, n.º 4, do CSC e, no CVM, os arts. 68.º, n.º 1, al. j), e 44.º, n.º 1, al. b), aplicável por força do proémio do anterior. Acerca das entidades registadoras, cfr. os arts. 61.º e ss. do CVM.

[lxxvii] Cfr., no entanto, Abreu (2021), p. 368, e, defendendo, para o caso paralelo (embora não igual) das SpQ, também uma solução diferente, cfr. Martins (2016), pp. 467 e s.

[lxxviii] Cfr. as condições de validade da cláusula impostas por este art. 329.º, n.º 3.

[lxxix] Tal como sucede nas transmissões entre vivos, a situação não se mostra inteiramente satisfatória. Cfr. também Martins (2018a), p. 629.

[lxxx] O conceito específico de titularidade e de transmissão eficaz em relação à sociedade aqui utilizado não se confunde com a mera oponibilidade – a eficácia é recíproca – e não exclui uma eficácia geral da titularidade e da transmissão, também perante a corporação: no caso do art. 8.º, n.º 2, porque a comunicação decorre do regime de bens do casamento, e, no caso das quotas, em geral, porque a transmissão se torna oponível a terceiros com o registo.

[lxxxi] Embora, como se observou, possa perguntar-se o que significa ser sócio para todos os efeitos menos para efeitos societários, no plano da sociedade.

[lxxxii] O tema encontra-se por nós tratado, a respeito das transmissões de controlo das sociedades em apreço, em «Compra e Venda de Sociedades» (2022), pp. 199 e ss., 205 e ss., 212 e s., e, quanto às transmissões por morte, em «Morte de sócio» (2023), pp. 186 e ss., 201 e ss.

[lxxxiii] Cfr., designadamente, os arts. 219.º, n.º 6, 222.º, 227.º, n.º 2, 303.º, 324.º, n.º 1, al. a), etc., do CSC e o art. 55.º, n.º 3, do CVM.

[lxxxiv] E, portanto, delas, em princípio, indissociável; mas só em princípio.

[lxxxv] Cfr., por ex., Correia (1968), p. 85.

[lxxxvi] Dada a possível existência de prestações suplementares realizadas (e prestações acessórias equiparáveis), em rigor, está apenas em causa o valor líquido fundamental da sociedade, que se obtém através da subtração, ao valor real do ativo (tipicamente, pelo menos no seu núcleo, empresarial), do valor do passivo adicionado do valor de tais prestações.

[lxxxvii] Acerca deste princípio de apropriação, cfr. Mendes (2017), pp. 878 e s., (2022b), pp. 227 e s., e Miranda/Medeiros (2017), p. 702.

[lxxxviii] Mormente, sujeito ao princípio da intangibilidade do capital social, pendente societate, e à prévia satisfação do passivo, na liquidação desta.

[lxxxix] Mais genericamente, amortização ou aquisição compulsiva de quotas e ações, aquisição e alienação potestativa das mesmas, etc.

[xc] Cfr. o art. 980.º do CC e os arts. 21.º, n.º 1, al. a), 317.º, n.º 1, e 294.º, n.º 1, do CSC.

[xci] Donde resulta um direito geral de cada sócio a uma quota-parte do valor da sociedade, aferida pelas quotas e ações de que é titular, que se concretiza, em caso de exoneração, num correspondente crédito contra a sociedade (ou pessoa indicada por esta), nos casos de privação forçada de quotas e ações, num crédito compensatório, que se manifesta no direito a receber uma quota-parte dos lucros que vierem a ser distribuídos (com o instrumental direito à sua distribuição periódica) e se concretiza nos créditos de dividendo, que aflora no direito à quota de liquidação, etc.

[xcii] Cfr., a respeito da SNC, o art. 183.º, n.ºs 4 e 5, e o art. 186.º, n.º 5, do CSC.

[xciii] Enquanto posições jurídicas a se, transacionáveis com e sem o «inerente» direito à qualidade de sócio; não o simples valor da participação social.

[xciv] Veja-se, ainda, a respeito das SNC, o art. 186.º do CSC.

[xcv] Embora, quanto à substância económico-patrimonial, na sua criação também tenha intervindo o órgão de administração, o elemento pessoal da empresa e até possíveis agentes externos, como distribuidores independentes, a atividade empreendedora autónoma, a iniciativa e o impulso criadores foram dos sócios fundadores (eventualmente completados com os dos aderentes e sucessores), que têm, em geral, o poder de designar e destituir os titulares do órgão de administração (muitas vezes uma auto-designação dos próprios sócios), via de regra o criador direto da empresa social.

[xcvi] O órgão de fiscalização, quando exista, é, naturalmente independente. O órgão de administração é um órgão subordinado nas SpQ (art. 259.º) e independente nas SA (arts. 363.º, n.º 3, e 405.º).

[xcvii] Note-se, porém, que nos fundos de investimento, os investidores, titulares do património em causa através das unidades de participação, também não possuem o efetivo domínio e gestão deste.

[xcviii] A aquisição também pode, no entanto, comportar a aplicação de normas societárias, para a prossecução de fins organizativo-funcionais: assim acontece com as preferências, legais e estatutárias, os direitos potestativos de amortização e aquisição, etc.