EVARIST​O MENDES

Resumo: O presente texto ocupa-se, no quadro da titularidade indireta ou intermediada de ações cotadas, do exercício do direito de participar em reuniões de acionistas e de aí votar por parte do investidor final. A tese nele defendida é no sentido de que este exercício pode ser levado a cabo diretamente, não apenas mediante certificado de legitimação emitido ao abrigo do artigo 78.5 do CVM, mas também nos termos do artigo 23-C, nºs 1 a 4.

Abstract: The text deals with intermediated securities and argues that to enhance corporate governance the ultimate investor (ultimate beneficial owner) shall have the right to vote directly in general meetings of shareholders without requiring a certificate of legitimacy.

Palavras-chaves: Titularidade indireta de ações – Investidor final - Voto

Keywords: Intermediated securities – Ultimate Investor - Vote

O presente texto corresponde à apresentação que fiz do tema no VII Congresso DSR e destina-se a ser publicado nas respetivas atas. 30.06.20323

Evaristo Mendes

Ações cotadas. Exercício do direito de voto pelo investidor final

Sumário: I – Titularidade das ações e exercício dos direitos sociais pelo titular registado; II – Titularidade indireta ou mediatizada de ações; III – Exercício dos direitos sociais pelo titular indireto das ações (investidor final); IV – Observações finais. Implicações do regime instituído

Introdução

Uma das características fundamentais da sociedade anónima é a da divisão abstrata e uniforme do respetivo capital em ações (art. 271 do CSC). Via de regra, na respetiva constituição ou em aumentos onerosos do capital, em troca de certa entrada de capital, cada fundador ou participante no aumento recebe um conjunto de frações iguais, quotas ou partes alíquotas desse capital, com ou sem expressão nominal, designadas ações. A respetiva titularidade confere-lhe uma percentagem do valor líquido ou residual da sociedade, enquanto organização produtiva, destinada a autovalorizar-se em benefício dos fundadores, aderentes e respetivos sucessores. Ou seja, as ações são unidades elementares de valor, projetando na esfera jurídica pessoal do titular uma fração desse valor da sociedade[i]. Pode ir-se mais longe e encarar a sociedade – enquanto centro de atividade produtiva com certa substância económico-patrimonial e dotado de subjetividade jurídica (qualidade esta que agiliza a sua atuação no tráfico e a sua transação como objeto jurídico) – como uma res productiva, resultado da iniciativa empresarial e do investimento daquelas pessoas (via de regra, fundadores e participantes em aumentos de capital), e, portanto, objeto de atribuição jurídica a tais investidores; sendo as ações, ainda, quotas ideais de contitularidade ou «compropriedade» da mesma[ii].

Todavia, a sociedade é também uma organização social, com membros: os fundadores e os participantes nos aumentos do capital adquirem através do ato social em que intervêm a qualidade de sócios da mesma, passando a fazer parte dela, a título individual e na qualidade de titulares do respetivo órgão de base, a coletividade dos sócios; e outro tanto sucede com posteriores adquirentes derivados das ações, após a aquisição se tornar eficaz em relação à corporação. A tal qualidade corresponde um determinado estatuto jurídico – o status socii, envolvendo um conjunto unitário de direitos e vinculações, de índole patrimonial e administrativa, de informação e controlo.

A lei liga à titularidade das ações – com eficácia em relação à sociedade – a titularidade destes direitos e vinculações (cfr., por ex., o art. 303 do CSC). Noutros termos, associa-lhe a qualidade de sócio, com tal conjunto de direitos e vinculações. Nesta medida, também podemos dizer que as ações são unidades de valor (ou quotas ideais de compropriedade) e de participação social; ou participações sociais em sentido objetivo[iii].

Quando as ações são objeto de representação jusmobiliária, cartular ou escritural, passam a ter a adicional condição jurídica de valores mobiliários , instrumentos financeiros de investimento em capital de risco [cfr. os arts. 1 a) e 46.1 do CVM). No caso das ações admitidas à negociação em mercado regulamentado (abreviadamente, ações cotadas), a forma de representação é necessariamente escritural; ou, havendo títulos, eles são imobilizados e as ações são tratadas como valores mobiliários escriturais, sujeitos, como no caso anterior, a administração centralizada[iv].

As ações cotadas são, mais especificamente, ações registadas em conta junto de um intermediário financeiro autorizado. É este IF que funciona como entidade registadora, mantendo o chamado registoindividualizado das ações (por contraposição ao registo de emissão e a associados registos de controlo), também qualificado como registo de titularidade pelos partidários da respetiva natureza constitutiva[v], embora ele seja um registo meramente representativo de posições jurídicas preexistentes (declarativo, hoc sensu) e qualificador das mesmas como valores mobiliários[vi].

Tal significa que – embora esteja formalmente legitimado para o exercício dos direitos sociais quem se encontre registado como titular das ações (art. 55.1), presumindo-se a sua legitimidade material (art. 74.1), e o registo seja necessário para esse exercício (trata-se de um instrumento de legitimação necessária ou exclusiva) – a pessoa que se acha registada como acionista, se quiser exercer algum desses direitos, perante a sociedade, precisa, em geral, de requerer ao IF registador e obter dele um certificado comprovativo do registo (arts. 83 e 78.1 e 2 do CVM)[vii].

A emissão deste certificado envolve, porém, em geral, um bloqueio e a correspondente imobilização das ações durante o período de vigência do mesmo [art. 72, n.ºs 1 a) e 4, do CVM]; o que se entendeu ser um obstáculo ao efetivo exercício dos direitos sociais – mormente dos direitos de participar nas assembleias gerais da sociedade e de votar nas respetivas deliberações – sobretudo por parte dos acionistas institucionais. Por isso, sob o impulso da União Europeia, em especial, da chamada Diretiva dos acionistas I[viii], o CVM viria a ser alterado no sentido de permitir o exercíciodestes últimos direitos, com intervenção da entidade registadora, mas sem necessidade da emissão do certificado : sendo convocada uma reunião da AG, o acionista comunica ao IF que pretende exercer tais direitos e este informa o presidente da mesa dessa intenção[ix].

A política da União relativa à efetiva participação no exercício dos direitos sociais, mormente nos direitos assinalados, não se circunscreve, no entanto, aos acionistas registados do CVM. Com efeito, nas últimas décadas, os investidores institucionais internacionais assumiram um papel crescentemente importante em várias bolsas europeias, incluindo a portuguesa, e, numa grande parte dos casos (ou, mesmo, na grande maioria dos cassos), tais investidores (em menor medida os investidores não profissionais) não se encontram registados como titulares das ações. Ora, para a União Europeia, quanto ao exercício dos direitos em apreço, a posição de tais investidores, ditos finais, titulares mediatos ou indiretos das ações, que, nalguns ordenamentos jurídicos, são aliás reconhecidos como acionistas, deve ser substancialmente equiparada à dos acionistas registados[x].

Tal encontrou eco no CVM, num primeiro momento, com a previsão do atual n.º 6 do art. 23-C, introduzido em 2010 (art. 4 do DL 49/2010). Segundo ele, «Os acionistas de sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado que, a título profissional, detenham as ações em nome próprio mas por conta de clientes, podem votar em sentido diverso com as suas ações, desde que, em adição ao exigido nos n.ºs 3 e 4, apresentem ao presidente da mesa da assembleia geral, até ao fim do dia referido no n.º 1, com recurso a meios de prova suficientes e proporcionais: a) A identificação de cada cliente e o número de ações a votar por sua conta; b) As instruções de voto, específicas para cada ponto da ordem de trabalhos, dadas por cada cliente.» Há, assim, uma pelo menos aparente derrogação da regra da unidade do voto estabelecida no n.º 1 do art. 385 do CSC, acrescentando mais um caso às hipóteses previstas nos n.ºs 2 e 3[xi].

Esta solução deixou subsistir o problema do exercício diretodos direitos, pretendido por alguns investidores institucionais. Por isso, no final de 2021, foram acrescentados ao art. 78 do CVM os n.ºs 5 e 6, que dispõem: «Pode ser emitido certificado de legitimação para o exercício de direitos por pessoa distinta do titular quando se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: a) Seja pedido por quem tenha legitimidade para requerer o registo; b) Conste do certificado a sua data de emissão, a categoria dos valores mobiliários, a identificação do titular da conta e da pessoa legitimada, os direitos que esta última está legitimada a exercer e, se for o caso, o prazo em que o pode fazer; e
c) Se proceda ao bloqueio dos valores mobiliários em relação aos quais se emita o certificado» (n.º 5); «A entidade registadora não pode emitir certificado sobre os valores mobiliários do número anterior a favor do titular, salvo se nele constar a menção de que em relação a esses valores o titular não pode exercer os direitos abrangidos pelo certificado de legitimação» (n.º 6).

Como se observa, a emissão deste certificado envolve, porém, o bloqueio das ações, deixando por resolver, designadamente quanto aos investidores em apreço, o mesmo problema que, quanto aos acionistas registados, se pretendeu resolver através do art. 23-C (salvo o n.º 6). A tese defendida no presente texto é a de que a solução contida neste preceito deve aplicar-se analogicamente também aos investires finais, titulares indiretos das ações. Em face da referida equiparação material, a razão de ser é a mesma; e, a favor dela, pode, inclusive, invocar-se o n.º 4 do novo art. 21-G.

O plano compreende um primeiro título relativo à titularidade das ações e ao exercício dos direitos sociais em geral pelo respetivo titular registado (I), dois títulos dedicados à titularidade indireta e ao exercício dos direitos sociais, designadamente do direito de voto, pelo titular indireto (II e III), e um último compreendendo algumas observações finais (IV).

I

Titularidade das ações e exercício dos direitos sociais pelo titular registado

As ações cotadas das sociedades regidas pela lei nacional são ações escriturais , i.e., registadas em conta, sendo a entidade registadora um intermediário financeirosituado em Portugal e sujeito à lei portuguesa; ou, havendo títulos, eles são imobilizados e as ações são tratadas como valores mobiliários escriturais, sujeitos, como no caso anterior, a administração centralizada[xii] , [xiii] . Segundo entendimento generalizado, em face do CVM, é titular das ações – acionista – quem se encontra registado como tal; salvo situações anómalas em que o registo haja sido feito irregularmente (cfr. o art. 74)[xiv].

O registo é não apenas um instrumento de legitimação de quem se encontra registado como titular, mas também (à semelhança do que acontece, nos títulos de crédito, com o título) um instrumento de legitimação necessária ou exclusiva: condição necessária e suficiente do exercício dos direitos sociais [xv] . Todavia, por um lado, sendo a entidade registadora um IF, designadamente perante a sociedade, o registo carece de ser provado, através de um certificado comprovativo do mesmo emitido pela entidade registadora (arts. 83 e 78.1/2) [xvi] ou de comunicação, por esta, ao presidente da mesa (art. 23-C.4), o que relativiza a sua suficiência. Por outo lado, estima-se que um grande número de ações cotadas registadas em nome destes acionistas – investidos na respetiva titularidade jusmobiliária formal –, as detenham por conta de terceiros investidores : designadamente investidores institucionais internacionais. Significa isto que, a par da titularidade direta das ações, há também a titularidade indireta ou mediatizada das mesmas (cfr. infra, II); e a lei admite o próprio exercício direto dos direitos sociais por parte do titular mediato ou indireto (cfr. infra, tít. III).

Aqui, interessa-nos, em especial, o exercício do direito de participar nas reuniões da assembleia geral e de aí votar. A ele se dedicam as linhas que se seguem.

1. Exercício do direito de voto pelo titular das ações registado

Começa-se pelo exercício do direito por parte do acionista registado, em seu nome e por sua conta. O seu exercício pelo titular mediato será visto adiante (infra, III).

1.1 Sistema originário do CVM

Na sua versão inicial, o CVM não continha um regime especial para o exercício do direito em apreço. Aplicava-se, portanto, o prescrito acerca dos direitos sociais em geral. Ou seja, o titular das ações [xvii] podia conferir à própria entidade registadora o encargo ou a legitimidade para o seu exercício, podendo este ser livre ou vinculado (art. 83), ou solicitar-lhe a emissão de certificado comprovativo da sua qualidade de acionista registado – titular das ações com o direito inerente em apreço – e da correspondente legitimação escritural (cfr. os arts. 83 e 78, n.ºs 1 a 3); sendo, neste caso, o direito de participação nas reuniões da assembleia e de nelas votar exercido mediante a apresentação deste certificado (art. 83).

Cabe notar que, tratando-se de valores mobiliários escriturais, o instrumento de legitimação, designadamente para os efeitos dos arts. 55 e 56 (e também 58), é o registo. O certificado tem mero valor probatório acerca da existência e do teor deste.

1.2 Sistema atual

O exercício dos direitos sociais com base em certificados tem o inconveniente de envolver o bloqueio das ações durante o prazo de vigência do certificado [cfr. o art. 72.1a)], ficando a entidade registadora proibida de proceder à transferência das mesmas (art. 72.4). Para obviar a tal imobilização – vista designadamente pelos investidores institucionais, mesmo os detentores de participações significativas e até qualificadas, como um obstáculo à sua participação no exercício das competências da assembleia geral –, favorecendo o chamado ativismo acionista, em transposição da Diretiva 2007/36/CE, foi instituído um sistema especial de exercício do direito de participação nas reuniões da assembleia e de aí votar, constante do novo art. 23-C do CVM, acrescentado pelo DL 49/2010[xviii].

Após a redação que lhe foi conferida pela Lei 99-A/2021, o esquema é o seguinte: i) tem direito de aceder à reunião e de nela participar e votar quem estiver registado como titular de ações que confiram pelo menos 1 voto, numa data de referência – 0 h do 5.º dia de negociação anterior ao da reunião da AG (n.º 1); mesmo que já não seja titular das ações na data da reunião (n.ºs 2 e 7); ii) o acionista que pretenda exercer o direito declara ao IF registador, por escrito(podendo utilizar o correio eletrónico), que o quer fazer, até ao dia anterior à data de referência da legitimação (n.º 3); iii) o IF – até ao fim daquele 5.º dia – comunica ao presidente da mesa da AG (podendo usar correio eletrónico) que o acionista manifestou a sua intenção de participar na reunião e indica-lhe o número de ações de que este era titular na data de referência (n.º 4).

Por conseguinte, existe um procedimento especial de exercício do direito em apreço pelo acionista registado. Este exercício, por um lado, não depende da emissão de certificado comprovativo da legitimação: o procedimento envolve uma fase preliminar, de comprovação desta pela entidade registadora, diretamente perante a sociedade. Por outro lado, a legitimidade para o exercício é fixada na data de referência, podendo as ações ser transmitidas escrituralmente entre este momento e o do exercício do direito, sem perda da mesma (não há bloqueio).

II

Titularidade indireta ou mediatizada de ações

Como se assinalou, no que se refere às ações escriturais, apesar de o CVM estar estruturado em torno do acionista registado, estima-se que, à semelhança do que sucede noutros mercados bolsistas, também no mercado nacional grande parte das ações se encontrem registadas em nome de intermediários financeiros que as detêm por conta de terceiros investidores : designadamente investidores institucionais internacionais; podendo as ações registadas numa conta ser detidas por conta de dois ou mais destes investidores (contas jumbo ou globais), conforme o esquema adiante reproduzido[xix]. É deste fenómeno que nos ocupamos agora.

2. Titularidade indireta de ações

O que acaba de referir-se significa que, a par da titularidade direta das ações – titularidade jusmobiliária formal –, há também a titularidade indireta ou mediatizada das mesmas (titularidade económica ou substancial)[xx]. O próprio presidente da comissão que elaborou o Código o reconhece[xxi], embora, na conceção deste diploma legal, o fenómeno tenha sido desconsiderado ou ficado obnubilado[xxii]. [xxiii]

A construção do mercado único europeu veio, no entanto, alterar este estado de coisas. Por imposição das diretivas dos acionistas (Diretiva 2007/36/CE e Diretiva 2017/828, que alterou a anterior[xxiv]) – que mais apropriadamente deveriam ser designadas diretivas dos investidores em ações e têm como referência sobretudo os investidores institucionais, mormente transfronteiriços –, o legislador nacional viu-se obrigado a reconhecer e regular o fenómeno, o que fez, sobretudo, através do DL 49/2010, que transpôs a primeira dessas diretivas, e, mais recentemente, através da Lei 99-A/2021. Salienta-se, quanto ao primeiro, o n.º 6 do acrescentado art. 23-C; e, quanto a esta lei, o novo n.º 5 do art. 78 (preceitos cujo texto se reproduziu na Introdução; cfr. também infra , n.ºs 3.1 e 3.2).

Porém, em especial quanto ao exercício do direito de participar nas reuniões da assembleia geral e de aí votar, o legislador ainda ficou a meio caminho. O propósito do presente texto é, justamente, o de levar esse caminho mais adiante (infra, III, em especial, o n.º 4).

Para uma melhor perceção do que está em jogo, tendo em atenção possíveis leitores menos familiarizados com a matéria, reproduz-se a seguir um esquema simplificado da titularidade indireta, tomando como referência ações de uma sociedade anónima de direito português (X), com ações cotadas no mercado nacional, e um intermediário financeiro, também de direito português, que funciona como entidade registadora (IF). Os acionistas formais, registados como titulares das ações, são duas instituições de crédito (IC 1, SA de direito português, e IC 2, SA de direito francês); surgindo como investidores finais A (e, por seu intermédio, os acionistas da SA luxemburguesa dominante), B (com os respetivos participantes), D, E, F e, em certa medida, C, uma instituição de crédito detentora de ações por conta própria e por conta alheia[xxv].

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III

Exercício dos direitos sociais pelo titular indireto das ações (investidor final)

Em termos gerais, o exercício dos direitos inerentes às ações por parte do investidor final – titular económico ou indireto das mesmas – pode ser levado a cabo pelo próprio, diretamente, ou através do intermediário financeiro registado como titular das participações. Relata-se, em seguida, a evolução ocorrida na matéria (n.º 3) e analisa-se depois o problema do exercício do direito de participar nas reuniões da assembleia geral e de aí votar (n.º 4).

3. Exercício direto e exercício mediatizado

O exercício dos direitos começou por ser mediatizado (n.º 3.1). Presentemente, admite-se também o exercício direto (n.º 3.2).

3.1 Situação anterior à Lei 99-A/2021

Decorre do acima exposto que, no sistema inicial do CVM, não se previa o exercício dos direitos em apreço pelo investidor final, não registado como titular das ações junto de intermediário financeiro autorizado, integrante do sistema centralizado de valores mobiliários. Todavia, com a transposição da Diretiva de 2007, o art. 23-C, aditado pelo DL 49/2010, passou a dispor no respetivo n.º 6: Os acionistas de sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado que, a título profissional, detenham as ações em nome próprio mas por conta de clientes, podem votar em sentido diverso com as suas ações, desde que, em adição ao exigido nos n.ºs 3 e 4, apresentem ao presidente da mesa da assembleia geral, no mesmo prazo, com recurso a meios de prova suficientes e proporcionais: a) A identificação de cada cliente e o número de ações a votar por sua conta; b) As instruções de voto, específicas para cada ponto da ordem de trabalhos, dadas por cada cliente.»

Quer dizer, em conformidade com uma das opções prevista no art. 13 da Diretiva, passou a admitir-se expressamente, ou a reconhecer-se como legítimo, perante a sociedade, o exercício mediatizado do próprio direito de voto pelos investidores finais, através do intermediário financeiro registado como titular das ações, mas seu detentor por conta de outrem (a que pode acrescer, de permeio, uma cadeia de outros IF). Devendo o IF respeitar as instruções de cada um desses investidores, como, em geral, também se extrai do art. 306.3 e dos contratos típicos existentes[xxvi].

Suscitava-se, contudo, a questão de saber se, além deste exercício mediato, quanto ao direito em causa e a outros direitos sociais, designadamente direitos conexos como o de requerer a convocação da assembleia geral e de acrescentar assuntos à ordem de trabalhos, também era de admitir o exercício dos mesmos, diretamente, pelo investidor. Dado o aludido sistema de titularidade registal do CVM, a opinião porventura maioritária, era em sentido negativo[xxvii]. Em face desta abertura trazida pelo art. 23-C.6, tendo em conta, ainda, o art. 74, lido à luz do constante do preâmbulo do DL 486/99, que aprovou o Código[xxviii], bem como o sentido primordial da intermediação financeira e os respetivos custos, variáveis consoante a dimensão e complexidade do serviço prestado, havia quem defendesse a opinião contrária, chegando a mesma a ser acolhida na prática[xxix].

3.2 Situação presente

Tomando posição na controvérsia, através da Lei 99-A/2021, o legislador acrescentou ao art. 78 do CVM os n.ºs 5 e 6, que dispõem: «Pode ser emitido certificado de legitimação para o exercício de direitos por pessoa distinta do titular quando se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: a) Seja pedido por quem tenha legitimidade para requerer o registo; b) Conste do certificado a sua data de emissão, a categoria dos valores mobiliários, a identificação do titular da conta e da pessoa legitimada, os direitos que esta última está legitimada a exercer e, se for o caso, o prazo em que o pode fazer; e c) Se proceda ao bloqueio dos valores mobiliários em relação aos quais se emita o certificado.» (n.º 5); «A entidade registadora não pode emitir certificado sobre os valores mobiliários do número anterior a favor do titular, salvo se nele constar a menção de que em relação a esses valores o titular não pode exercer os direitos abrangidos pelo certificado de legitimação.» (n.º 6).

Admite-se, portanto, o exercício direto dos direitos sociais, em geral, por parte dos investidores finais, com base em certificado emitido a seu favor pela entidade registadora, a solicitação do titular registado. Uma vez que o sistema de base continua a ser o do registo, o certificado em apreço não se confunde como o mencionado certificado probatório, a que se refere o mesmo artigo nos primeiros números: trata-se, como o próprio teor do preceito o indica, de um certificado legitimador ou habilitante.

Na verdade, estando as ações registadas em nome de um IF que as detém por conta de um investidor final, este investidor final não se encontra escrituralmente legitimado para exercer os correspondentes direitos sociais; e, segundo entendimento bastante divulgado, nem é nem pode ser seu titular, já que a titularidade jurídica depende do registo em conta. Todavia, por um lado, isso não é assim em diversos países; por outro lado, ele é, pelo menos, o beneficiário ou «proprietário económico» das ações, o titular do interesse nas mesmas. Justifica-se, pois, sendo essa a sua vontade, (i) que os direitos, quando exercidos pelo titular fiduciário das ações, o sejam segundo as suas instruções,como decorre do art. 23-C.6 (e 306.3),e (ii) que lhe seja facultado o seu exercício direto (ou por pessoa por si designada, mormente procurador), mediante a emissão de um instrumento de legitimação, como agora se prevê no art. 78.5.

Vendo este preceito mais de perto, observa-se o que se segue. Pode ser emitido certificado de legitimação para o exercício de direitos por pessoa distinta do titular registado quando se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: a) seja o mesmo pedido por quem tenha legitimidade para requerer o registo; b) fique a constar dele a sua data de emissão, a identificação das ações, a identificação do titular da conta e da pessoa legitimada, os direitos que esta última está legitimada a exercer e, se for o caso, o prazo em que o pode fazer; e c) se proceda ao bloqueio dos valores mobiliários em relação aos quais se emita o certificado[xxx]. Embora a lei não seja clara sobre o assunto, a entidade com competência para emitir o certificado – a favor do investidor final, legitimando-o para o exercício dos direitos pretendido – é o IF registador, a pedido do IF que se encontra registado como titular (fiduciário) das ações , tal como sucede com o certificado probatório a que se refere o n.º 1 do art. 78. Emitido o certificado, o acionista registado fica privado do exercício dos direitos abrangidos (art. 78.6).

O certificado pode ser um instrumento de legitimação geral, para o exercício de todos os direitos inerentes às ações registas em conta, e destinado a vigorar durante certo prazoou por tempo indefinido; ou pode ter caráter limitado: a certas ações, determinados direitos e período de validade. Porém, como envolve o bloqueio das ações [arts. 78.5c), 68.1h) e 72.1 e 4], será mais natural a emissão de um certificado limitado, temporalmentee quanto ao objeto (direitos a exercer).

Acerca do tema, a CMVM emitiu o seguinte comunicado:

«Com o intuito de promover uma intervenção ativa dos acionistas na vida das sociedades , torna-se mais ágil e facilita-se o exercício dos seus direitos, em particular no contexto da participação e votação nas assembleias gerais:

1) Por um lado, [no âmbito do art. 23-C] deixa de ser exigido o envio de duas declarações de participação, exigindo-se apenas a sua comunicação ao intermediário financeiro ;

2) Por outro lado, com a previsão de certificados de legitimaçãoemitidos pelos intermediários financeiros, os beneficiários efetivos de ações das quais não são titulares face à lei portuguesa passam a poder exercer diretamente os direitos de voto, sem que daí resultem encargos adicionais de registo aos intermediários financeiros e sem afetar a segurança da circulação dos valores mobiliários.» [xxxi]

Subsiste, porém, a questão: no que respeita ao exercício do direito de participação nas reuniões da assembleia geral e de aí votar, esta é a única forma de exercício direto? Dela nos ocupamos a seguir.

4. Exercício direto do direito de voto

Tanto quanto sabemos, no meio universitário, o CVM tem sido interpretado no sentido de que o mencionado certificado legitimador é a (única) via de exercício direto do direito em apreço por parte dos investidores finais enquanto tais. Todavia, envolvendo a emissão dos certificados o bloqueio das ações [art. 78.5c)], como grande parte das ações cotadas é detida fiduciariamente por intermediários financeiros, por conta de tais investidores, mormente investidores institucionais, verifica-se que, no fim de contas, o problema a que se pretendeu dar resposta com o art. 23-C se mantém substancialmente por resolver.

Trata-se de um resultado nada satisfatório, injustificado e desnecessário. Com efeito, havendo um regime especial para o exercício do direito em causa, simples e seguro, instituído, justamente, para evitar o bloqueio das ações, sobretudo no interesse dos investidores profissionais, não se percebe porque há de ele circunscrever-se ao exercício levado a cabo pelos titulares registados das ações. Pelo contrário, atendendo à ratiodo regime em causa e aos interesses em jogo, podendo ele aplicar-se, mutatis mutandis mas sem dificuldades e sem inconvenientes visíveis, também aos investidores institucionais, as duas situações merecem igual tratamento.

Em reforço desta conclusão, valem, ainda, as considerações que se seguem. Em parcial contraste com o sistema originário do CVM – tendo em conta as diretivas dos acionistas I e II (2007/36/CE e 2017/828) e, após a sua transposição completa, operada pela Lei 99-A/2021, sobretudo o Código, em especial quanto ao exercício dos direitos de participar nas reuniões da AG e de votar nas respetivas deliberações –, a respeito da titularidade mediatizada ou indireta de ações, encontram-se no atual direito os seguintes princípios ou coordenadas gerais: i) quem tem o poder de decidir sobre o exercício dos direitos sociais, sobre o modo como eles serão exercidos e, designadamente, o sentido do voto é o investidor final [xxxii]; ii) o acionista registado e o investidor final devem ter um tratamento substancialmente igual ou equivalente; e deve promover-se o exercício direto e esclarecido dos direitos pelo investidor final, criando condições para que tal aconteça[xxxiii]; iii) devem, ainda, mais genericamente, criar-se condições para que os direitos sociais sejam efetivamente exercidos – mormente pelos investidores institucionais, capazes de o fazer de forma esclarecida e economicamente ponderada, com ou sem aconselhamento especializado –, combatendo a tradicional e, quanto aos detentores de participações significativas, indesejável apatia[xxxiv].

É possível, inclusive, encontrar um apoio direto para a solução propugnada no n.º 4 do art. 21-G. Com efeito, dispõe-se nele: «As disposições relativas ao exercício de direitos inerentes às ações admitidas à negociação em mercado regulamentado que se destinem aos acionistas são aplicáveis, com as devidas adaptações, aos investidores por conta de quem essas ações são detidas, sempre que estes exerçam diretamente esses direitos nos termos do presente artigo».

Teremos assim: i) tem direito de aceder a uma convocada reunião da assembleia e de nela participar e votar quem estiver registado como titular de ações que confiram pelo menos 1 voto, numa data de referência – 0 h do 5.º dia de negociação anterior ao da reunião da AG –, ou, tratando-se de titularidade por conta de investidor final (fiduciária), este investidor (titular indireto), por ele indicado nos termos a seguir (n.º 1); mesmo que já não seja titular, direto ou indireto, das ações na data da reunião (n.ºs 2 e 7); ii) o investidor final que pretenda exercer diretamente o direito solicita ao acionista registado que lhe proporcione tal exercício; iii) este acionista declara ao IF registador, por escrito(podendo utilizar o correio eletrónico), que detém as ações registadas em seu nome por conta de um investidor final (se ele ainda não tiver esta informação[xxxv]), identificando-o, e que este investidor quer ele próprio levar a cabo esse exercício , devendo proceder a essa declaração até ao dia anterior à data de referência da legitimação (n.º 3); iv) o IF registador – até ao fim daquele 5.º dia – comunica ao presidente da mesa da AG (podendo usar correio eletrónico) que, na data de referência, tinha registado determinado número de ações em nome de certo acionista, que este as detinha por conta de certo investidor final e que, através do mesmo acionista registado, este último manifestara a sua intenção de participar na reunião (n.º 4).

Aceitando-se esta interpretação, mais em geral, quanto às ações registadas em nome de certo IF mas por ele detidas por conta de um investidor final, concebem-se as seguintes modalidades de exercício do direito de participar nas reuniões das assembleias de acionistas das sociedades cotadas: i) exercício pelo acionista registado (ou fiduciário), segundo as instruções do investidor final (art. 23-C.6); ii) exercício pelo investidor final mediante procuração passada pelo acionista registado [xxxvi] ; ou por procurador indicado pelo investidor; iii) exercício pelo investidor final, servindo-se do certificado legitimadoremitido ao abrigo do art. 78.5; levado a cabo por ele, pessoalmente, ou através de procurador; iv) exercício pelo investidor final, nos termos do art. 23-C , n.ºs 1 a 4, com as devidas adaptações, como acaba de descrever-se.É de admitir, ainda, o exercício pelo investidor final enquanto acionista registado ad hoc , mediante a sua inscrição como titular temporário das ações, para esse efeito específico (legitimador), promovida pelo titular fiduciário[xxxvii].

IV

Observações finais.

Implicações do regime instituído

A assinalada evolução do CVM, no sentido do reconhecimento dos investidores finais como detentores de uma posição jurídica de titularidade indireta ou mediatizada de ações que lhes confere o «domínio» dos direitos sociais (arts. 23-C.6 e 306.3) e o próprio direito ao seu exercício direto, perante a sociedade (arts. 78.5 e, por analogia, 23-C, n.ºs 1 a 4), ultrapassando o véu do registo e da «propriedade» registada, em que assentava o sistema inicial do Código, justifica uma reflexão global, de fundo, sobre as ações enquanto participações sociais e enquanto valores mobiliários, sobre a natureza e o significado do registo e sobre o princípio da consensualidade na transmissão das mesmas ações. Não é este o momento para a ela proceder. Deixa-se, em todo o caso, um apontamento sobre o assunto (infra, n.º 6). Antes, porém, cabe dizer algo mais sobre o mencionado art. 74, relativo ao valor do registo em conta, acerca do qual existem opiniões desencontradas.

5. Valor do registo individualizado. Presunção

O art. 74 dispõe no n.º 1: «Salvo prova em contrário, o registo em conta individualizada de valores mobiliários escriturais faz presumir que o direito existe e que pertence ao titular da conta, nos termos dos respetivos registos». E no n.º 3 acrescenta-se: «Quando esteja em causa o cumprimento de deveres de informação, de publicidade ou de lançamento de oferta pública de aquisição, a presunção de titularidade resultante do registo pode ser ilidida, para esse efeito, perante a autoridade de supervisão ou por iniciativa desta». Na atual redação do n.º 1, esclarece-se que a presunção é ilidível e, na expressão «nos termos dos respetivos registos» eliminou-se o vocábulo «precisos» (inicialmente, era «nos precisos termos…»).

Se o acionista registado como tal detiver as ações por conta de um investidor (final), dispõe o n.º 7 do art. 21-E que, ainda que este investidor seja conhecido da sociedade, ele continua a poder exercer os direitos sociais. Todavia, como se observou, o verdadeiro «dono» deste exercício é o investidor, não o acionista registado, detentor das ações a título fiduciário (supra, n.ºs 3.2 e 4).

Têm interesse, igualmente, o art. 80 (transmissão), os arts. 55 (legitimação ativa) e 56 (legitimação passiva) e o art. 58 (aquisição a pessoa não legitimada). Dispõe o n.º 1 do art. 80 que – em geral, fora de mercado regulamentado, sistema de negociação multilateral ou organizado (cfr. o n.º 2) – os valores mobiliários escriturais se transmitem pelo registo na conta do adquirente. O n.º 1 do art. 55 estabelece: «Quem, em conformidade com o registo ou com o título, for titular de direitos relativos a valores mobiliários está legitimado para o exercício dos direitos que lhes são inerentes». O art. 56 tem a seguinte redação: «O emitente que, de boa fé, realize qualquer prestação a favor do titular legitimado pelo registo ou pelo título ou lhe reconheça qualquer direito fica liberado e isento de responsabilidade». E, por fim, o art. 58 determina no n.º 1: «Ao adquirente de um valor mobiliário que tenha procedido de boa fé não é oponível a falta de legitimidade do alienante, desde que a aquisição tenha sido efetuada de acordo com as regras de transmissão aplicáveis».

Por conseguinte, no art. 80.1, consagra-se um modo especial de transmissão dos valores mobiliários escriturais – a transmissão registada ou escriturada. É-lhes, pois, conferida, ou confere-se às posições jurídicas representadas cartularmente, em acréscimo à geral transmissibilidade (entre vivos emortis causa, voluntária ou forçada, a título singular e a título universal), a característica da negociabilidade.

No art. 58, tomando como referência uma possível desconformidadeentre a situação registal [os valores mobiliários encontram-se registados a favor do alienante e, portanto, este encontra-se escritural ou formalmente legitimado para o exercício do poder de dispor dos mesmos (art. 55.1), presumindo-se, até prova em contrário, a sua legitimidade material (art. 74.1)] e a situação substantiva (falta de legitimidade material ou efetivo poder de disposição, nos termos gerais, desse alienante), confere-se uma especial tutela ao adquirente quando ele haja adquirido os valores mobiliários por esse modo especial de circulação – i. e, haja sido registado como adquirente – desde que, no momento da transação, estivesse de boa fé, isto é, desconhecesse tal desconformidade (ou falta de legitimidade material).

Este artigo 58 pode e tem sido usado pelos partidários da tese segundo a qual o modo especial de circulação em apreço não exclui a transmissão nos termos gerais – a qual, tratando-se de objeto individualizado, se dá, em princípio, por mero efeito do contrato (tese consensualista) – para resolver um possível conflito de transmissões: entre uma transmissão de direito comum e uma posterior transmissão escritural. Entendemos, hoje, contudo, que a existência do modo especial de transmissão deve levar à prevalência da transmissão registada sobre a primeira, independentemente do conhecimento ou não da mesma pelo adquirente registado[xxxviii].

Para os partidários da tese do registo constitutivo – na realidade, este é constitutivo do valor mobiliário, ou seja, no caso das ações, confere-lhes esta qualidade e um correspondente estatuto jurídico, mas é meramente representativo de uma realidade preexistente (as ações, neste caso) e, portanto, declarativo, segundo os quadros conceptuais dos títulos de crédito –, o art. 80.1 (diferentemente do que sucede nas transmissões em mercado, reguladas no n.º 2) conteria o modo, exclusivo,de transmissão negocial entre vivos fora de mercado de valores mobiliários escriturais, só através do registo se dando o efeito translativo. O que, além de, no nosso entender, carecer de sustentação sólida[xxxix], se afigura em contradição com o mero valor presuntivo presente no art. 74.1, de resto, uma explicitação da regra do art. 55.1 (e relevante também para os arts. 56 e 58). Independentemente deste problema[xl], embora lhe não seja estranha, subsiste a questão geral de saber o que significa e que alcance tem, afinal, a presunção estabelecida no primeiro.

A tal respeito, lê-se no n.º 10 do preâmbulo do DL 486/99, que aprovou o CVM: «Em relação à presunção de titularidade resultante das contas de registo individualizado evitou-se consagrar em lei uma solução demasiado rígida. Assim se compreende o disposto no n.º 3 do artigo 74.º, que permite, em especial quando estejam em causa relações de natureza fiduciária, ilidir aquela presunção perante a autoridade de supervisão ou por iniciativa desta.»

O Prof. Ferreira de Almeida, por sua vez, escreve: «A justificação do artigo 74.º (…) reside precisamente na admissibilidade de prova contra o registo quando ele reflicta uma titularidade formal sob a qual subjazem relações fiduciárias. Um dos mais relevantes propósitos do preceito incide no exercício de poderes de supervisão, para os quais é permitido observar à transparência os registos e a titularidade sobre valores mobiliários»[xli].

Tem interesse também a posição de Amadeu Ferreira, a respeito do antecedente art. 64.6 do CodMVM[xlii]. O autor, por um lado, ligava ao registo apenas uma presunção ilidível ou manifestação de titularidade, não o encarando como um ato atributivo desta: a fonte da titularidade residiria na relação substantiva que lhe dera origem[xliii]. Por outro lado, admitia a elisão da presunção em caso de titularidade indireta[xliv].

Tecem-se em seguida algumas observações acerca do assunto; aludindo ao caráter legitimador do registo e distinguindo, por um lado, as situações de possíveis vícios do mesmo, procedimentais ou causais, e, por outro lado, as situações fiduciárias.

A ideia de um registo legitimador – envolvendo uma presunção elidível de que a situação registada existe e existe tal como dele consta, quanto ao objeto e quanto à titularidade –, por um lado, está em sintonia com a teoria geral dos títulos de crédito e com a substancial equivalência das formas representativas que conferem a certas posições jurídicas a condição de valores mobiliários: a posse do título (simples ou qualificada, consoante os casos) e o registo criam uma aparência de bom direito. Por outro lado, no caso do registo de valores mobiliários cotados – registados em intermediário financeiro regulado e integrado em sistema centralizado – tal valor jurídico justifica-se, ainda, por razões análogas às dos registos públicos, podendo a situação, no campo mercantil lato sensu , comparar-se, por ex., à dos direitos da propriedade industrial, acerca dos quais prescreve o CPI que o registo faz presumir a sua concessão regular a favor de quem se encontre registado como seu titular (cfr., designadamente, os arts. 4.2, 210, 259 e s.)[xlv].

Mesmo abstraindo de hipóteses especialmente anómalas, como a da incompetência da entidade registadora [cfr. o art. 77.1a)], pode, na verdade, haver uma desconformidade entre a situação registal e a situação substantiva . Por ex., o registo pode ter sido efetuado por erro ou lapso, humano ou informático, o titular registado pode ter sido forçado fisicamente a dar ordem de transferência ao IF, a seu favor ou de um terceiro, e a abster-se de voltar a trás sob ameaça, a ordem pode ter sido dada por representante sem poderes ou ter na base uma suposta doação que o beneficiário não aceitou nem pretende aceitar, o registo pode ter sido efetuado com base em documento translativo falso, etc., sejam ou não ostensivos os vícios[xlvi]. Nestes casos, o registo é suscetível de ser corrigido, anulado ou declarado nulo; mas, enquanto permanece a desconformidade, via de regra, cria a favor do beneficiário, direto ou subsequente, a aparência de bom direito, eventualmente consolidada através do disposto no art. 58.

Nas situações de titularidade fiduciária ou por conta, o registo não é inválido por este facto: apenas não reflete a situação substancial existente – seja porque dele consta o caráter meramente fiduciário do acionista registado, seja porque é essa a realidade, embora ele não a espelhe. Mostra-se também seguro que, estando em causa saber quem é titular de uma participação qualificada, para os efeitos informativos e de publicidade previstos nos arts. 16 e ss., para controlo da idoneidade dos titulares destas participações, mormente em entidades de interesse púbico[xlvii], para o dever de lançamento de OPA (arts. 187 e ss.), etc., importa atender ao fenómeno em apreço, donde decorre uma possível desconsideração da presunção de que as ações pertencem, real ou plenamente, ao titular registado[xlviii].

Antes da entrada em vigor da alteração do CVM operada pela Lei 99-A/2021, discutia-se, porém, se tal elisão também era admissível perante a sociedade, para o efeito do exercício de direitos sociais[xlix]. Esta Lei veio dar razão aos partidários da tese afirmativa (cfr. supra , n.º 3.1). Em sintonia com isso, o art. 74.1, além de explicitar o caráter elidível da presunção, deixou de dispor que o direito registado existe e pertence ao titular da conta nos precisostermos do registo.

6. Titularidade registada e titularidade não registada de ações

Resulta do exposto que, termos formais, o sistema do CVM continua a assentar no registo e na titularidade registal das ações. Pode, mesmo, argumentar-se que, exigindo o exercício dos direitos sociais pelo investidor final a intervenção legitimadora do titular registado – seja mediante a emissão de certificado, como se prevê no art. 78.5 e 6, seja nos termos do art. 23-C.1 a 4 –, as novas regras confirmam esta coordenada de fundo.

Todavia, em termos substanciais, há uma diferença assinalável entre a situação de partida e a situação atual. Na verdade, sob este ponto de vista, para o próprio funcionamento e o exercício do poder de influência no seio das sociedades – o aspeto dinâmico da «propriedade acionária» – o que realmente conta é a posição de investidor e não a de titular formal ou registado. Não só é ela eficaz em relação à sociedade – no sentido de que o seu titular tem o direito de se fazer reconhecer como tal pela corporação e de exercer os direitos corporativos, em seu nome e por sua conta –, mas, ainda, todo o sistema instituído, das diretivas, mormente da segunda, e dos diplomas que as transpõem, assenta no direito da sociedade a conhecer e a comunicar com tais investidores, obrigando os intermediários financeiros intervenientes a viabilizar tal exercício e esta comunicação.

À rigidez do sistema do registo («propriedade» estática) contrapõe-se um sistema flexível, em que o princípio da transparência, mormente no que toca ao conhecimento da titularidade da riqueza mobiliária, assenta sobretudo em deveres de informação e numa regulada intermediação financeira. E, neste novo contexto, por um lado, a titularidade fiduciária de ações requer a suplantação dos respetivos quadros tradicionais de natureza meramente obrigacional; por outro lado, o reconhecimento do princípio da consensualidade na transmissão de ações pode trazer um contributo positivo na afirmação de que a posição dos investidores finais também vai além de uma posição de índole obrigacional: eles podem, na verdade, ser vistos, ao menos em certos casos, como os verdadeiros titulares das ações (titulares jurídicos e não apenas económicos), ainda que não sejam seus titulares formais ou registados[l].

A construção do registo como constitutivo ou de titularidade – de que, na prática, quase só sobra a (mais afirmada que demonstrada) necessidade do mesmo para operar a transmissão por ato negocial entre vivos a título singular fora de mercado – mostra-se, na verdade, artificial e desfasada da realidade, tendo constituído no passado um obstáculo ao triunfo do bom direito e favorecendo o recurso a «malabarismos» para ultrapassar as dificuldades técnicas que cria (cfr. supra, nºs 3.1, 3.2 e 4). E também não será alheia à expressão distorcida da legitimaçãoconstante do arts. 55.1 e 56.

Na verdade, como se assinalou (supra, n.º 5), o conceito de legitimação, cartular ou escritural, tem a ver com a legitimidade formal, conferida pela posse do título, simples (títulos ao portador) ou qualificada (títulos nominativos e títulos à ordem), ou pelo registo: existindo ela, presume-se, até prova em contrário, a legitimidade material, o que permite a tutela da aparência, presente, designadamente, nos arts. 16 II e 43 III da LULL, 21 da LUCh, 56 e 58 do CVM[li]. O conceito tem, portanto, subjacente uma possível discrepância entre a legitimidade material – que, no caso dos valores mobiliários escriturais, pode faltar, designadamente, porque o registo foi ilegítimo ou irregular (cfr. supra, n.º 5) – e a legitimação em apreço (cartular ou escritural); e, tem associada uma tutela de quem desta beneficia, através daquela presunção, e de quem nela confia, segundo o disposto no art. 43 da LULL e no art. 56 do CVM.

Porém, os termos em que os arts. 55.1 e 56 estão redigidos parecem ter subjacente a ideia de que, no caso dos valores mobiliários escriturais, quem se encontra registado como seu titular o é efetivamente. Com efeito, a previsão, no primeiro, é: «quem, em conformidade com o registo…, for titular de direitos…»; e estabelece-se que, sendo um titular registado, se encontra legitimado para o exercício desses direitos. No segundo, tutela-se o emitente que de boa fé reconheça como bom, a esse «titular legitimado pelo registo», o exercício de direitos. Ou seja, literalmente, retira-se do art. 55.1: se alguém for efetivamente titular de um valor mobiliário escritural ou de um direito a ele relativo, e se for dado como tal pelo registo , tem a correspondente legitimidade para o seu exercício… [lii]

Em termos mais específicos, note-se também que, em face do art. 23-C.1 do CVM, pode haver uma dissociação entre a legitimidade e a legitimação para o exercício dos direitos sociais, de uma banda, e a titularidade das ações, da outra banda. Aquela não é prejudicada pela superveniente falta desta, e esta não implica aquela. O que, mais uma vez, relativiza o papel do registo.

Numa perspetiva mais geral, tendo como pano de fundo a hodierna coordenada geral da transparência – designadamente a respeitante à titularidade das participações, real e fiduciária –, a proteção e o empoderamento dos investidores como medida de suposta boa governança societária, bem como a funcionalidade e a proteção do mercado, pode dizer-se, a respeito das sociedades cotadas: i) que a sociedade tem direito ao conhecimento dos titulares, diretos e indiretos, das ações – os diretos, registados junto de IF registador de valores mobiliários, e os indiretos, detentores de contas junto de IF registado como titular; ii) que existe um dever de comunicação de participações qualificadas, diretas e indiretas, à sociedade, para divulgação pública, a que pode acrescer um dever de comunicação a entidades reguladoras para controlo de idoneidade; iii) que, em caso de titularidade indireta, no centro do sistema se encontra o investidor ou beneficiário último das ações, a quem se reconhece a poder de exercer, direta ou mediatamente, os direitos sociais, havendo sido criadas condições regulatórias para o seu exercício efetivo e esclarecido; e iv) que nem a transmissão das ações é afetada pelo exercício dos direitos sociais, podendo haver uma dissociação temporária entre legitimação, segundo o sistema de record date, e a titularidade, nem a perda da titularidade prejudica aquele exercício, só havendo na matéria um dever de comunicação à sociedade.

Quanto às sociedades anónimas não cotadas, realça-se o seguinte: i) no que toca às ações escriturais, afigura-se que, à titularidade fiduciária, de qualquer tipo, também se aplica o art. 78.5 e 6 do CVM; ii) tratando-se de ações tituladas nominativas – valores mobiliários mistos, com representação cartular e registal (escritural) e correspondente circulação cartular e legitimação final ou social registal (ou escritural), embora o legislador, em consonância com a ideia de valores circulantes, valorize sobretudo a primeira –, o registo das ações, organizado e mantido pela sociedade emitente ou por IF em seu nome, indica, em princípio, quem são os titulares das mesmas com eficácia em relação a si (sócios); e constitui, em regra (mas cfr, os arts. 104.3 e 102.7 do CVM e o art. 1062 do CPC), o instrumento legitimador, necessário e suficiente, quanto ao exercício dos direitos sociais (cfr. os arts. 104.2, 55.1 e 56); iii) havendo um distinto beneficiário efetivo, torna-se necessária a integração no registo desta informação, ou a manutenção de um adicional registo paralelo, nos termos do Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo (Lei 89/2015); iv) a transmissão das ações (cartular e, se ela for de admitir, como pensamos, consensual) é independente do registo, podendo haver (como nas sociedades cotadas) uma dissociação temporária entre a sua titularidade e a legitimação para o exercício dos direitos sociais; v) mas se um sócio realiza uma transmissão das mesmas (consensual ou cartular), mantendo-se registado como tal (e legitimado para o exercício dos direitos), porventura como sócio fiduciário, pode, à semelhança do previsto no art. 23-C.7 e em conformidade com as regras do RCBE, ter de comunicar o facto à sociedade.



[i] Mais latamente, as ações representam uma determinada fração do valor nominal (correspondente à cifra estatutária do capital social), do valor contabilístico, do valor económico-financeiro e do valor de mercado da sociedade. Acerca desta noção substancial do princípio da divisão do capital em ações, com ulteriores desenvolvimentos, cfr. Evaristo Mendes, «Deliberações dos sócios e intangibilidade do capital social. Algumas questões», in AAVV, IV Congresso DSR , Coimbra (Almedina) 2016, pp. 153-212, 159, «Aquisições potestativas no artigo 490 do CSC após a Reforma de 2006 e procedimento justo», in AAVV, V Congresso DSR, Coimbra (Almedina) 2018, pp. 343-400, 347 e ss., «Ações sem valor nominal», RDS XII (2020), 1-4, pp. 181-193, 183 e nota 3, e «Compra e venda de sociedades», in AAVV, VI Congresso DSR, Almedina, Coimbra, 2022, pp. 155-216, 198, 207 e ss.

[ii] Cfr. Evaristo Mendes, «Compra e venda de sociedades» (2022), pp. 199 e ss., 209 e ss., com mais indicações. Cfr. também, por ex., as referências contidas na Diretiva 2015/849/UE (em especial no texto inglês), em A. Soveral Martins, «A propósito do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo», ROA 79 (2019), pp. 495-515, 495 (título) e s., 504 e ss., 506 e s. (aludindo à Lei 83/2017), bem como Rui Pinto Duarte, «As alterações à Diretiva dos direitos dos acionistas (apresentação com algumas opiniões heréticas)», in O Novo Direito dos Valores Mobiliários , I Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros , coord. de Paulo Câmara, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 73-90, 74 e s., distinguindo, no entanto, os acionistas «comproprietários» da empresa social dos simples investidores ou fornecedores de capital, e Hugo Moredo Santos/Sandra Cardoso, «A revisão da Diretiva dos direitos dos acionistas», inO Novo Direito dos Valores Mobiliários, n.º 2, II Congresso sobre Valores Mobiliários e Mercados Financeiros , coord. de Paulo Câmara, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 29-54, 37. Os dois primeiros autores, em consonância com os quadros tradicionais, falam em propriedade «económica» da sociedade ou da empresa social.

[iii] Cfr., designadamente, Almeida Costa/Evaristo Mendes, «A transmissão de ações tituladas nominativas», in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes , vol. III, UCE, Lisboa, 2011, pp. 13-66, 15 e ss., e, por ex., A. Soveral Martins, «A qualidade de acionista. Acionista, não acionista, acionista assim-assim», RLJ 149 (2020), pp. 172-209, nota 1, p. 172.

[iv] Cfr. os arts. 61a), 62, 88 e ss., 99.2a), 105 e s. do Código dos Valores Mobiliários (CVM), a que se referem as posteriores citações de artigos sem indicação de fonte, salvo se o contrário resultar do texto ou do contexto.

[v] Cfr., por ex., Carlos Ferreira de Almeida, «Registo de valores mobiliários», in AAVV, DVM VI, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 51-138, 64 e s., 69, 72 e ss., 99 e ss., André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 405 e ss. (afirmando, designadamente, que, embora possa haver negócios causais que justificam a atualização do registo e vícios da mesma índole geradores de invalidade deste, não há titularidade nem transmissão sem registo – p. 413, 456), e «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», RDS IV (2012), pp. 517-548, bem como, em tom crítico, Evaristo Mendes, «Nota sobre o princípio da consensualidade na transmissão de ações valores mobiliários», CDP 70 (2020), pp. 32-51, 50 e notas 56 e s.

[vi] Cfr., a respeito dos títulos de crédito e valores mobiliários titulados em geral, incluindo ações, Evaristo Mendes, Títulos de Crédito , Apontamentos das aulas ministradas na FDL, no ano letivo de 1990/91, disponível em https://www.evaristomendes.eu/files/p_03_01.pdf , nºs 3, 133 e ss. Acerca da qualificação dos valores mobiliários, titulados e escriturais, como títulos de crédito causais (classificação próxima da referida no texto), cfr. também Ferreira de Almeida, «Registo de valores mobiliários» (2006), pp. 107 e ss., 115 e ss. Sem ir tão longe, mas acerca da equiparação dos valores mobiliários escriturais, cfr. Evaristo Mendes, (A) transmissibilidade das acções , tese UCP, Lisboa, 1989, I, disponível em https://www.evaristomendes.eu/files/p_01_18.pdf, n.ºs 134, 148, 25 e ss., 146 e s.

[vii] Cfr., por ex., Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários , 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, pp. 124 e 139.

[viii] Diretiva 2007/36/CE. Acerca da história e justificação desta, cfr., por ex., Pedro Maia, Voto eCorporate Governance– Um novo paradigma para a sociedade anónima, Almedina, Coimbra, 2019, pp. 548 e ss., 552, e nota 1784, p. 855, Menezes Cordeiro, «A Directriz 2007/36, de 12 de Julho (Accionistas de sociedades cotadas): Comentários à proposta de transposição», ROA68 (2008), pp. 503-553, Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários (2018), pp. 626 e ss., e André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», pp. 530 e ss., e acerca da sua transposição, em especial através do art. 23-C.6, 539 e ss. Vejam-se também Rui Pinto Duarte, «As alterações à Diretiva dos direitos dos acionistas (apresentação com algumas opiniões heréticas)» (2017), pp. 73 e ss., em tom crítico, Hugo Moredo Santos/Sandra Cardoso, «A revisão da Diretiva dos direitos dos acionistas» (2019), pp. 29 e ss., e a nota a seguir.

[ix] Cfr. o atual art. 23-C, introduzido pelo DL 49/2010, que transpôs a Diretiva 2007/36/CE, (e alterado pela Lei 99-A/20121), e, por ex., Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários(2018), pp. 129 e s., 627 e s. Antes da Diretiva, cfr. João Sousa Gião, «Notas sobre o anunciado fim do bloqueio de acções como requisito do exercício do direito de voto em sociedades cotadas», CadMVM, n.º 21 (2005), pp. 48-56, e Paula Costa e Silva, «O conceito de acionista e o sistema de record date », DVM VIII (2008), pp. 447-460, 448 e ss. [observando que - a menos que se atribuam efeitos constitutivos ao registo (posição que não parece ser a sua, embora não se ocupe expressamente do assunto) – o bloqueio legal associado à emissão do certificado comprovativo da legitimação registal não impede (no plano da realidade substantiva) a transmissão dos valores mobiliários bloqueados, embora a desfavoreça, diferentemente do que se encontrava projetado a nível europeu, com o sistema da record date ].

[x] Cfr. infra, n.º 4. Acerca da mudança de paradigma das sociedades cotadas, em cujo acionariado passaram a ocupar lugar central os investidores institucionais, que também se tornaram dominantes no mercado de capitais, veja-se, em especial, Pedro Maia, Voto eCorporate Governance – Um novo paradigma para a sociedade anónima (2019), pp. 550 e ss., 749 e ss., 841 e ss., 864 e ss., e 881 e ss. (conclusão).

[xi] Acerca do assunto, entendendo não haver verdadeira exceção à regra do art. 385.1 do CSC, mas indicando posições consonantes e divergentes, cfr. Coutinho de Abreu, anotação ao art. 385, in CSC em Comentário , coord. do próprio, vol. VI, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, pp. 141 e ss. Vejam-se também João Labareda, «Sobre os direitos de participação e de voto nas assembleias gerais das sociedades cotadas», DSR 5 (2011), pp. 89-127, 93 e ss. (Diretiva), 111 e ss., em especial, 114 e s., e André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto» (2012), pp. 539 e ss., e nota 66. Este último autor salienta, ainda, que nos casos de multi-intermediação, as instruções, vinculativas para o IF registado como acionista, podem vir de um beneficial owner, que não é diretamente seu cliente (pp. 540 e s.), e alude à informação a prestar pelo IF e ao papel do presidente da mesa (pp. 541 e ss.).

[xii] Além dos IF autorizados a exercer a sua atividade em Portugal (cfr. o art. 293, 295 e ss. do CVM), pode a entidade gestora do sistema centralizado reconhecer outros (art. 91.3 do CVM). Uma lista dos registados junto da CMVM pode encontrar-se em https://web3.cmvm.pt/sdi/ifs/app/pesquisa_nome.cfm?nome=&src=shp (consulta em 19.05.2023). No quadro da Euronext Lisbon, acerca das regras operacionais gerais de funcionamento dos sistemas centralizados de valores mobiliários e dos sistemas de liquidação geridos pela INTERBOLSA (agora, Euronext Securities Porto), cfr. o respetivo Regulamento n.º 2/2016, disponível em https://www.interbolsa.pt/wp-content/uploads/2019/03/RegulamentoIB.2016.02.PT_.pdf (consulta em 19.05.2023).

[xiii] Cfr. os arts. 61a), 62, 68, 88 e ss., 91.1b),99.2a), 105 e s. do CVM, bem como o Reg.CMVM 14/2000, designadamente, arts. 9 e 17. Acerca do sistema centralizado em apreço, com registos de «titularidade» em regra dispersos por vários IF, segundo as preferências individuais dos investidores, e administração centralizada ou coordenação por uma entidade gestora, cfr., por ex., Ferreira de Almeida, «Registo de valores mobiliários» (2006), p. 73, André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 405 e ss., Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários (2018), pp. 201 e ss., e Alexandre Brandão da Veiga, «Sistemas de controlo de valores no novo CVM», CadMVM, n.º 7 (2000), pp. 105-128, 115 e ss.

[xiv] Cfr., por ex., André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 405 e ss., com mais indicações. Acerca do art. 74, veja-se adiante, n.º 5. Se o acionista registado como tal detiver as ações por conta de um investidor (final), dispõe o art. 21-E.7 que, ainda que este investidor seja conhecido da sociedade, ele continua a poder exercer os direitos sociais. Sobre o possível exercício pelo investidor final cfr., no entanto, infra, n.ºs 3.2 e 4. Acerca de eventuais irregularidades ou vícios contaminadores do registo, cfr. Ferreira de Almeida, pp. 117 e ss., distinguindo os que o afetam diretamente (incluindo o erro, a incompetência, a ilegitimidade do requerente e a inadequação manifesta dos documentos de suporte, como se colhe no art. 77, pp. 118 e ss.) e os que decorrem da falta ou invalidade de negócios subjacentes (pp. 124 e ss.), e André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), p. 413.

[xv] Cfr. os arts. 55.1 e 74.1, 83 e 78.1/2 do CVM e o art. 31 do RegCMVM 14/2000.

[xvi] Cfr., por ex., o já citado Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários (2018), pp. 124 e 139 (falando numa intermediação no exercício dos direitos e na insuficiência, para o efeito, do registo).

[xvii] A eventual oneração destas, designadamente com penhor ou usufruto, não é aqui considerada.

[xviii] Acerca do assunto, cfr. o considerando 3 da Diretiva 2007/36/CE, e, por ex., Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários (2018), pp. 129 e s., 627 e s. Quanto ao papel central dos investidores institucionais (supra, nota 10), note-se também que a Diretiva de 2017 se lhes refere em 10 dos seus considerandos. Antes da Diretiva de 2007, cfr. Paula Costa e Silva, «O conceito de acionista e o sistema de record date» (2008), pp. 458 e s.

[xix] Cfr., em geral, Ferreira de Almeida, «Registo de valores mobiliários» (2006), pp. 61 e ss., e André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 437 e ss., «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto» (2012), pp. 518 e s., notas 5 a 7, referindo, designadamente, que os mercados americano, inglês e alemão assentam em modelos de titularidade indireta ou em que predomina a intervenção de empresas de investimento na cadeia de titularidade e que, em Portugal, também é seguro assumir que grande parte do investimento estrangeiro em ações cotadas (que em 2011 atingiu 47% do total) seguirá modelos de titularidade indireta, e p. 520, afirmando tratar-se em geral de contas omnibus, para aproveitar os benefícios e a flexibilidade operacional associados às práticas de securities pooling.

[xx] Sobre o fenómeno da titularidade indireta, mediata ou económica das ações cotadas - formalmente registadas em nome de um intermediário financeiro, mas que as detém por conta de outrem, em contas separadas por investidor final ou contas globais -, mormente por parte de investidores institucionais internacionais, além de outros autores citados nas notas anteriores, podem ver-se, a título de mero exemplo: André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 363 e ss. (designadamente, com referências de Direito comparado acerca dos sistemas de titularidade), 405 e ss., Elís Ferran, «Shareholder Engagement and Custody Chains», European Business Organization Law Review , 23 (2022), pp. 507-539, Louise Gullifer /Jennifer Payne (eds.), Intermediated Securities: Legal Problems and Practical Solutions , Hart Publishing, Oxford, 2009, e, com adicional referência ao possível papel da tecnologia Blockchain, Anne Lafarre / Christoph van der Elst, «Shareholder voice in complex intermediated proxy systems», The Standford Journal of Blockchain Law and Policy , 4(1), 2021, pp. 29-52.Cfr., ainda, Soveral Martins, «A qualidade de acionista. Acionista, não acionista, acionista assim-assim» (2020), pp. 195 e ss. (também com referência à Blockchein – 198 e ss.), e, mais latamente, Engrácia Antunes, «A titularidade por conta de participações sociais – breve apontamento», DSR 19 (2018), pp. 51-70.

Note-se que a importância do fenómeno levou a iniciativas de harmonização internacional, protagonizadas, nomeadamente, pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit), que promoveu uma conferência internacional sobre o mesmo: a Conferência de Genebra de 9.10.2009, Convention d’Unidroit sur les règles matérielles relatives aus titres intermédiés , cujo texto pode consultar-se em https://www.unidroit.org/french/conventions/2009intermediatedsecurities/convention.pdf. Veja-se também o respetivo guia de aplicação, Guide législatif d’UNIDROIT sur les titres intermédiés (ou Guide sur les titres intermédiés), aprovado em maio de 2017, e disponível em https://www.unidroit.org/wp-content/uploads/2021/06/LEGISLATIVE-GUIDE-French.pdf. No presente estudo, o foco reside no exercício dos direitos sociais, mas, como estes textos revelam, os valores mobiliários intermediados – de modo variável consoante o sistema ou tipo de intermediação em causa - suscitam outros problemas, como o da insolvência do intermediário, o da tutela do investidor final perante eventuais atos de disposição deste e o da tutela do adquirente de boa fé. Acerca da Convenção, assinalando embora a inexistência de perspetivas de sucesso, e de outras iniciativas, cfr., ainda, André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 400 e ss.

No plano das recentes iniciativas nacionais, cfr., por ex., no Reino Unido, o texto da Law Comission, Intermediated securities: who owns your shares? A Scoping Paper , 11.11.2020, disponível em https://s3-eu-west-2.amazonaws.com/lawcom-prod-storage-11jsxou24uy7q/uploads/2020/11/Law-Commission-Intermediated-Securities-Scoping-Paper-1.pdf .

[xxi] Cfr. Ferreira de Almeida, «Registo de valores mobiliários» (2006), pp. 60 e ss. Cfr. também André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 421 e ss., e «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto» (2012), pp. 518 e ss.

[xxii] Cfr., explicitamente, Ferreira de Almeida, «Registo de valores mobiliários» (2006), p. 76. Veja-se, em todo o caso, a respeito do art.74, a referência às relações de natureza fiduciária no n.º 10 do preâmbulo do DL 486/99, que aprovou o CVM (infra, n.º 5). Acerca dos argumentos a favor do sistema de titularidade direta, cfr., ainda, no mesmo autor e estudo, as pp. 68 e ss., e André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 392 e ss. Este autor reconhece a existência de uma tímida e parcelar regulação no CVM de situações típicas de titularidade intermediada: pp. 408, 409 e nota 1481, 421 e ss., 455 e ss.; mas distancia-se daquele (e do legislador histórico) quanto ao sentido do art. 74 (cfr. as pp. 458, 459, 462 e ss., e infra, no texto).

[xxiii] À titularidade indireta ou por conta de que estamos a tratar corresponde uma situação típica de titularidade fiduciária por parte de um intermediário financeiro, isto é, de uma entidade sujeita, tal como a entidade registadora, ao regime da intermediação financeira e à correspondente supervisão. Outras possíveis situações fiduciárias, designadamente, quando as ações se encontram formalmente encabeçadas (registadas) em nome de uma pessoa singular, de uma sociedade mercantil não financeira, etc., estão fora. No que respeita aos titulares de unidades de participação em fundos de investimento em ações, quem aparece como acionista registado é a coletividade dos mesmos – elipticamente sob a designação anónima Fundo X, Y ou Z –, legal e contratualmente representada (representação necessária) por uma dada entidade gestora, à qual é confiada a gestão unificada do património coletivo que constitui o fundo, no exclusivo interesse dessa coletividade (hétero-administração fiduciária). Quem exerce os direitos sociais, em nome, no interesse e por conta dos seus titulares em comum (fiduciariamente) é esta entidade; devendo ela observar, nomeadamente, o disposto nos arts. 81, 87 e ss. do Regime de Gestão de Ativos, aprovado pelo DL 23/2023 (cfr., ainda, os arts. 3-G a 3-I da Diretiva 2007/36, introduzidos pela Diretiva 2017/828). Cfr. também André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», que acrescenta estar o fenómeno em apreço expressamente reconhecido no regime legal das sociedades gestoras de patrimónios, pp. 520 e s.

[xxiv] Acerca desta e da respetiva transposição, cfr., entre nós, António G. Rolo, «As alterações à Diretiva dos direitos dos acionistas: novidades e perspetivas de transposição», RDS IX (2017), 3, pp. 557-585, José Ferreira Gomes / António G. Rolo, «Análise crítica da transposição da Directriz dos direitos dos acionistas II: em especial aproximação da sociedade aos acionistas e transações com partes relacionadas», RDS XI (2019), 3-4, pp. 701-733, e Hugo Moredo Santos/Sandra Cardoso, «A revisão da Diretiva dos direitos dos acionistas» (2019), pp. 29 e ss.

[xxv] Para outros exemplos, com indicação também dos diversos tipos de intermediação conhecidos, cfr., por ex., o Guide sur les titres intermédiés Unidroit (2017), pp. 5 e ss.

[xxvi] Cfr. também, mais geralmente, o art. 304.1 e, por ex., André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto» (2012), pp. 536 e ss., com mais indicações, assinalando que, no caso do direito de voto, caberá ao IF solicitar ao cliente as instruções em apreço (nota 63 e texto correspondente) e, mesmo na ausência delas, prosseguir diligentemente e de boa fé o seu interesse (p. 538).

[xxvii] Cfr., por ex., André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 456 e nota 1615, 462 e ss. e nota 1645, e, mais desenvolvidamente, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», pp. 534 e ss., com adicionais indicações, assinalando, no entanto, ser a solução oposta defensável de iure condendo e vir a mesma a ganhar terreno (p. 536, cfr. também a nota 47, in fine).

[xxviii] Cfr. supra, nota 14, e, sobretudo, infra, n.º 5.

[xxix] Entre os defensores desta posição, contavam-se Paulo Câmara e nós próprios, propondo nós uma interpretação complementadora do CVM num sentido análogo ao que viria a ser acolhido depois e consta atualmente do novo n.º 5 do art. 78 (cfr. a seguir, no texto).

[xxx] Acerca deste bloqueio, cfr., ainda, o art. 68.1 h) e o art. 72.1.

[xxxi] Comunicado da CMVM de 31.12.2021, disponível em https://www.cmvm.pt/pt/Comunicados/Comunicados/Pages/20211229t.aspx (última consulta: 5.05.2023). Acrescentou-se o realce.

[xxxii] Cfr. os arts. 13 da Diretiva de 2007, 23-C.6 e 306.3 do CVM, e, por ex., André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», p. 525, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», pp. 537 e s.

[xxxiii] Cfr. os considerandos 4, 5 e 11 da Diretiva de 2007, bem como o art. 13, os considerandos 4, 6, 8 e 9 (porventura também 13) da Diretiva de 2017, assim como os arts. 3-B e 3-C, acrescentados àquela, e os arts. 21-E (sobretudo, n.ºs 3, 4 e 7), 21-F, 21-G, 22-A, 23 e 78.5 do CVM.

[xxxiv] Acerca da apatia racional dos muito pequenos investires e da apatia indesejável dos investidores institucionais em geral, quanto ao acompanhamento e intervenção na vida das sociedades cotadas, importando eliminar os obstáculos de facto e jurídicos para a superação desta, cfr., por ex., Pedro Maia, Voto eCorporate Governance – Um novo paradigma para a sociedade anónima (2019), pp. 760 e ss., 784 e ss., 846 e ss., e Soveral Martins, «A qualidade de acionista. Acionista, não acionista, acionista assim-assim» (2020), pp. 188 e ss., ambos com mais indicações.

[xxxv] Designadamente por razões de transparência, segurança e celeridade de procedimentos, na conta de registo individualizado das ações, seria conveniente indicar que a titularidade das ações do IF registado é detida por conta de outrem, com eventual designação do ou dos beneficiários efetivos (investidores finais). Embora o CVM não o exija, tal é, naturalmente, possível e deveria constar do direito recomendatório existente, se não mesmo do competente regulamento da CMVM.

[xxxvi] Esta procuração apresenta naturais especificidades, uma vez que pode ser exigida (contratualmente) pelo cliente do IF e é passada no interesse dele. Cfr. também André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto» (2012), pp. 545 e ss. (observando, ainda, que o esquema permite uma outra modalidade de fracionamento dos votos que cabem às ações registadas em nome do IF).

[xxxvii] Acerca desta possibilidade, já usada antes da entrada em vigor da Lei 99-A/2021, cfr. André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto» (2012), pp. 544 e s., assinalando que este expediente, não regulado pela lei mas admissível, permite, na prática, chegar a um resultado análogo ao possibilitado por algumas legislações (EUA, Alemanha, Itália, etc.) que aceitam a desconsideração da realidade registal e a consequente legitimação do beneficial owner.

[xxxviii] Cfr. Evaristo Mendes, «Nota sobre o princípio da consensualidade na transmissão de ações valores mobiliários» (2020), pp. 41 e 49.

[xxxix] Cfr. Evaristo Mendes, «Nota sobre o princípio da consensualidade na transmissão de ações valores mobiliários» (2020), pp. 42 e ss.

[xl] Sobre ele, negando a aparente contradição (de facto, apenas aparente) e procurando uma interpretação articulada das normas em confronto, cfr., em especial, Alexandre Brandão da Veiga, Transmissão de Valores Mobiliários , Almedina, Coimbra, 2004, pp. 137 e ss.

[xli] Ferreira de Almeida, «Registo de valores mobiliários» (2006), pp. 104 e s.

[xlii] Amadeu Ferreira, Valores Mobiliários Escriturais, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 310 e ss.

[xliii] Pp. 311 e s.

[xliv] P. 314.

[xlv] Acerca da justificação da presunção, cfr. Evaristo Mendes, «Marcas: presunção do § 1º do artigo 74º do Código da Propriedade Industrial, matéria de facto e de direito, caducidade», RDE 12 (1986), pp. 301-320, 309, texto originariamente publicado na GRURInt, mas com defeito de tradução (não sujeita à revisão do autor) que compromete a sua correta inteligibilidade.

[xlvi] Cfr. o art. 77 e supra, nota 14.

[xlvii] Cfr., por ex., os arts. 2-Akk), 13-A e 13-B, 102 e ss. do RGIC (aprovado pelo DL 198/92), os arts. 29f), 108 e ss. do RGA (aprovado pelo DL 27/2023), e os arts. 6.1f), 162 e ss. do RJASR (aprovado pela Lei n.º 147/2015). Cfr., ainda, do BCE, Guia sobre procedimentos relativos a participações qualificadas (Março de 2023), disponível em https://www.bankingsupervision.europa.eu/ecb/pub/pdf/ssm.supervisory_guides230523_qualifyingholdingprocedure.pt.pdf, do BdP, o Aviso n.º 6/2021, DR, 2.ª Série, n.º 212, Parte E, de 02.11.2021, da ASF, a Norma n.º 3/2021 -R, de 13 de abril, relativa às participações qualificadas em empresas de seguros ou de resseguros e em sociedades gestoras de fundos de pensões (DR nº 85, II Série, Parte E, de 3.05. 2021), e, da CMVM, Orientações sobre a avaliação da adequação para o exercício de funções reguladas e de titulares de participações qualificadas , disponível em https://www.cmvm.pt/pt/Legislacao/ConsultasPublicas/CMVM/Documents/cons_pub_5_2022_Anexo%20A%20ao%20Documento%20de%20Consulta%20P%C3%BAblica.pdf, bem como, para uma lista das entidades sujeitas a este controlo, https://www.cmvm.pt/pt/Legislacao/temas/adequa%C3%A7%C3%A3o_idoneidade/Pages/Avalia%C3%A7%C3%A3o-de-adequa%C3%A7%C3%A3o-e-idoneidade.aspx (textos consultados em 28.06.2023).

[xlviii] Cfr., além de Ferreira de Almeida, citado na nota 39, André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), p. 468.

[xlix] Respondia negativamente, contrariando a posição de Ferreira de Almeida, André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 407, (408 e s), 413, 421 e ss, 455 e ss., 458, 462 e ss., argumentando como se segue. Assente que o registo é constitutivo, sendo em relação às contas de registo que funciona o sistema legal de controlo dos valores mobiliários escriturais, que a detenção por conta é querida e contratada pelas partes, fiduciante e fiduciário, e que as situações fiduciárias são hoje reconhecidas como um fenómeno normal, é no intermediário financeiro que radica o conteúdo formal do direito pleno e exclusivo sobre valores mobiliários. O investidor final não pode elidir a presunção do artigo em causa para fazer valer uma posição de titular dos valores mobiliários que ele não tem: a sua posição é meramente creditória. Pode exigir que os valores lhe sejam transmitidos, mas não reivindicar essa titularidade. Isto mesmo é confirmado pelo novo art. 23-C.6 do CVM: dele resulta que o exercício do direito de voto cabe ao titular registado, não se permitindo que os investidores elidam a presunção para participar eles próprios na assembleia geral. O art. 74.3 deve assim ser objeto de redução teleológica, no sentido de permitir a elisão da presunção em certas situações nas quais se justifica uma desconsideração da titularidade – os relativos aos deveres de comunicação de participação qualificada e de lançamento obrigatório de oferta pública. Cfr. também André Figueiredo, «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», 535 e s.

[l] Contra, por ex., André Figueiredo, O negócio fiduciário perante terceiros (2012), pp. 455 e ss., e «Titularidade indireta de ações e exercício de direitos de voto», p. 523, nota 19.

[li] No caso dos valores mobiliários escriturais, embora o registo seja particular, se alguém se consegue fazer registar ou tem conhecimento, pela entidade registadora (que supostamente agiu de forma diligente, com correção e cumpriu designadamente o disposto no art. 77), de ter sido registado como adquirente do valor mobiliário, confiando neste dado, beneficia de uma aparência de bom direito.

[lii] A fazer-se esta leitura literal, para além de um usopeculiarde conceitos há muito consolidados (dificilmente compreensível), o preceito teria, naturalmente, um alcance reduzido, deixando de fora as assinaladas situações de discrepância entre a situação registal e a substantiva.