EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes

Sociedades civis e sociedades irregulares

(A versão definitiva do presente texto encontra-se publicada in Católica Talks: Direito e Personalidade , coord. de Elsa Vaz Sequeira, UCP Editora, Lisboa, 2023, pp. 45-111)

Introdução

No final de 2021, o sector produtivo privado nacional tinha as seguintes entidades inscritas no ficheiro central das pessoas coletivas[i]: i) comerciantes singulares – 14 194;outros agentes económicos singulares, ditos empresários individuais – 11 444; ii) estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada (EIRL) – 825; iii) sociedades civis – 157; sociedades civis com personalidade jurídica – 2 127; sociedades irregulares – 33 290; iv) sociedades unipessoais – 224 978; v) sociedades por quotas (SpQ) – 415 964; vi) sociedades anónimas (SA) – 31 886; SAD – 85; societas europaea (SE ou SAE) – 3; vii) sociedades em nome coletivo (SNC) – 1 192; viii) sociedades em comandita (SC) – 73; ix) agrupamentos complementares de empresas (ACE) – 772; agrupamentos europeus de interesse económico (AEIE) – 24; x) cooperativas – 4 991 + 88 de 2.º grau; xi) representações permanentes – 4 561; sucursais financeiras exteriores – 22; xii) trusts – 54.

Decorre daqui a existência de um número reduzido de sociedades civis gerais ou simples - regidas pelos arts. 980.º a 1021.º do CC - registadas como tais no registo nacional das pessoas coletivas (RNPC); e o número tem-se mantido estável ao longo dos anos[ii]. Mas já é significativo e tem vindo a aumentar o número das sociedades civis formalmente dotadas de personalidade jurídica. Embora não se esclareça que sociedades são estas, pelo menos uma parte significativa será plausivelmente constituída pelas sociedades profissionais, de responsabilidade limitada ou ilimitada, reguladas pela Lei n.º 53/2015[iii], cujos sócios não hajam optado por uma sociedade de direito comercial[iv], mormente SpQ ou SA (cfr. o art. 4.º desta Lei), ou a quem não foi dada esta opção.

Quanto ao tema que nos ocupa, o realce vai, no entanto, para as chamadas sociedades irregulares, dado o seu número surpreendentemente alto. Também quanto a elas se desconhece com precisão que sociedades se encontram abrangidas. Em tese geral, poderão estar em causa: i) sociedades com objeto comercial ativadas (presentemente, ativas ou não) que não respeitaram integralmente o princípio da tipicidade e/ou o processo constitutivo das sociedades de direito mercantil previstos no CSC (e no CRCom) e em eventual legislação sectorial, mormente financeira e seguradora, nem se constituíram segundo os procedimentos especiais simplificados de constituição de SpQ e SA regidos pelo DL n.º 111/2005 e pelo DL n.º 125/2006[v]; ii) sociedades com objeto civil que, apesar de constituídas sob forma mercantil ( maxime, SpQ ou SA), não foram registadas no registo comercial; e, porventura, iii) sociedades com objeto civil cujos interessados não requereram a sua inscrição no RNPC.

No primeiro caso, ou seja, tratando-se do exercício de uma atividade mercantil, estaremos perante sociedades (comerciais) irregulares em sentido lato, com adicional invalidade ou não do respetivo título constitutivo. Mais rigorosamente, compreendem-se aqui: i) simples sociedades preliminares, a que a lei manda aplicar o regime da sociedade geral do CC (art. 36.º, n.º 2, do CSC); ii) sociedades de certo tipo em formação, via de regra SpQ ou SA em formação, devidamente formalizadas, mas não registadas, que se acham diretamente reguladas nos arts. 37.º a 40.º e, indiretamente, também no art. 19.º do CSC; e iii) sociedades irregulares em sentido estrito, com ou sem título constitutivo válido, cujo conceito e cujo regime importa determinar, dado o carácter lacunoso deste Código na matéria.

No segundo caso, i. e., se o objeto da sociedade for exclusivamente civil, para além das sociedades sob forma mercantil ativadas mas não registadas (via de regra, SpQ ou SA em formação ou que se tornaram irregulares), cabe também fazer ulteriores diferenciações. Assim, importa distinguir os casos em que o registo está em falta apesar de imposto por lei especial - como sucede com as profissões liberais reguladas (cfr. o art. 4.º da Lei n.º 53/2015) - daqueles em que tal imposição não existe. Na primeira hipótese, tal como se viu para as sociedades com objeto comercial, concebe-se, igualmente, a existência - num conceito lato de sociedades irregulares - de sociedades meramente preliminares, de sociedades em formação e de sociedades irregulares stricto sensu. Não existindo lei especial a impor o registo, haveria que apurar se a sujeição a este (ou o dever de registar) decorre do Regime do RNPC (DL n.º 129/98); e, sendo este o caso, que consequências tem a sua falta. A análise deste tópico requer, no entanto, desenvolvimentos que não cabem nos limites deste estudo, pelo que apenas se lhe faz uma breve referência.

As sociedades que nos propomos analisar - civis e irregulares em sentido lato, pelo menos em princípio também aquelas que se encontram reguladas nos assinalados arts. 980.º a 1021.º do CC e constam das estatísticas [vi] – são as chamadas sociedades externas. Nestas, a sociedade constitui, formal e/ou materialmente, um centro de atividade produtiva(CAP) tendencialmente estável, dotado de identidade própria, geográfica e/ou virtualmente localizado ou referenciado, legalmente publicitado e/ou surgindo como tal no tráfico jurídico (logo, envolvendo uma correspondente publicidade de facto). Nele pode surpreender-se, tipicamente, por um lado, uma superstrutura social ou corporativa, integrada pelos sócios – a título individual e na qualidade de titulares do órgão de base da sociedade, a coletividade social – ou, nas sociedades unipessoais, pelo sócio único, e uma maior ou menor diferenciação orgânica; por outro lado, uma infraestrutura produtiva (empresarial ou profissional) – encabeçada por um órgão de administração, que faz a ponte entre as duas dimensões –, via de regra autonomizável pelo menos quando reveste carácter empresarial[vii].

Contudo, na prática, a par destas sociedades externas ou manifestas, existem sociedades meramente internas, circunscritas às relações entre os sócios; que não intervêm como tais no mercado. E há naturais zonas de penumbra; podendo, ainda, porventura, dentro das sociedades internas em sentido lato, autonomizar-se uma categoria especial de sociedades qualificáveis como sociedades ocultas. Não raro, tais sociedades internas – que a lei não regula diretamente, dado que, na linha do CC italiano de 1942, o regime societário geral do CC está concebido para a sociedade ator produtivo, centro coletivo de interação comunicativa de mercado, e as sociedades de direito comercial, sujeitas ao CSC, são também sociedades externas – surgem reconduzidas à figura da associação em participação, regulada pelo DL n.º 231/81, mas, embora esta possa ser vista como uma modalidade de sociedade interna, o conceito não se esgota nela[viii].

Esta observação é importante, porque, frequentemente, os nossos tribunais qualificam como sociedades (comerciais) irregularese consideram nulo o respetivo título constitutivo, por falta de forma (e/ou por violação do princípio da tipicidade), sociedades com objeto comercial que, na realidade, são simples sociedades internas[ix]. Ora, sendo este o caso, mostra-se pelo menos discutível a sua qualificação como sociedades irregulares e a sujeição do respetivo contrato de sociedade às exigências de forma e de tipicidade do CSC. O problema requer, no entanto, uma análise mais fina, que aqui não pode ser feita[x].

O presente texto insere-se num conjunto de talks relativas à personalidade jurídica, singular e coletiva. Interessa, portanto, fazer pelo menos uma referência a este tópico; ou seja, aludir ao problema da natureza jurídica das sociedades civis, das sociedades preliminares, das sociedades em formação e das sociedades irregulares stricto sensu.

O plano do artigo é o seguinte: começa-se por um enquadramento legal geral do tema (I); segue-se uma breve análise de alguns aspetos do regime das sociedades civis e das sociedades irregulares (II); e termina-se com a questão da subjetividade jurídica destas (III). Quanto às sociedades irregulares, porém, para manter o texto dentro de limites razoáveis, pouco se vai além do respetivo enquadramento geral.

I

Enquadramento legal geral.

Sociedades preliminares e sociedades em formação

1. Constituição económica e Código Comercial

O art. 46.º da CRP dispõe que os cidadãos «têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações» (n.º 1), decorrendo deste direito, na sua vertente individual, que «ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela» (n.º 3). No art. 47.º, consagra-se a liberdade profissional, incluindo a liberdade de escolha e exercício de uma profissão autónoma, de carácter manual ou intelectual; e, no art. 61.º, n.º 1, garante-se a liberdade de empresa enquanto liberdade fundamental de natureza económica, nos seguintes termos: «A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidospela Constituição e pela leie tendo em conta o interesse geral.»

Tanto a liberdade profissional como a liberdade de empresa têm implicada a liberdade de associação, mormente a liberdade de constituir sociedades e de permanecer ou não nas mesmas. Todavia, esta liberdade não surge aqui no seu estado puro, que se encontra naquele artigo 46.º Ela aparece-nos enquanto vertente ou componente dessas outras liberdades; o que, no caso da liberdade de empresa, significa que a liberdade de constituir e conformar sociedades para o exercício da mesma se dá nos quadros definidos pela Constituição e pela lei, isto é, no quadro de um sistema produtivo legalmente conformado com observância do prescrito na Constituição[xi].

No atual direito, duas normas de ordenação económica e social sobressaem, a este respeito. Primeira: para o exercício das atividades mercantis, sob a forma de uma sociedade, é obrigatório constituir uma sociedade de direito comercial, legalmente típica e sujeita ao disposto no CSC e eventual legislação sectorial, designadamente quanto ao respetivo procedimento constitutivo (art. 1.º, n.ºs 1 a 3, do CSC). Segunda: para o exercício associado ou societário de uma profissão liberal regulada ou protegida, torna-se necessário constituir, ou uma sociedade de direito comercial – a que se aplica o CSC, em articulação com as normas especiais da Lei n.º 53/2015 e do estatuto da profissão em causa –, ou uma sociedade de direito civil, regida pelos arts. 980.º e ss. do CC, em conjugação com as regras especiais desta mesma lei e do estatuto profissional competente (cfr. o art. 4.º da Lei). Em qualquer caso, trata-se de sociedades formalmente instituídas e registadas, com controlo de legalidade dos respetivos requisitos constitutivos[xii].

O disposto no art. 4.º da LSP – relativa às profissões liberais protegidas, ou seja, a certas atividades produtivas civis –, enquanto norma geral atinente a estas profissões (civis), apresenta carácter relativamente inovador. Na verdade, a regra respeitante às atividades produtivas civis é a de que os interessados podem optarpor constituir uma sociedade de direito comercial, nos termos do CSC (art. 1.º, n.º 4, deste Código), ou uma sociedade geral, nos termos dos arts. 980.º a 1021.º do CC. Este art. 4.º da LSP reflete a evolução ocorrida nas últimas décadas no sector das profissões em causa, designadamente em Portugal e no espaço europeu, cujas organizações coletivas sofreram um processo de parcial empresarialização e passaram a ter uma relevante dimensão económica, do ponto de vista da instituição de um sistema socioeconómico ordenado e eficiente; ou seja, tal como sucede com as organizações empresariais, adquiriram uma clara relevância sistémica, distanciando-se do paradigma subjacente ao art. 47.º, n.º 1, da CRP, em que sobreleva a dimensão pessoal da liberdade.

Decorre do exposto a crucial necessidade de distinguir as atividades comerciais das atividades civis. Numa interpretação atualista do CCom, conforme à Constituição vigente, que, no âmbito das atividades económicas em sentido lato, distingue aquelas em que predomina a dimensão pessoal do agente – atividades profissionais autónomas, de carácter manual (designadamente, artesanal) e intelectual (incluindo profissões liberais protegidas) –, compreendidas no mencionado art. 47.º, n.º 1, daquelas em que a dimensão económica está em primeiro plano, assumindo uma pelo menos tendencial relevância sistémica, a que se refere o art. 61.º, n.º 1, e em sintonia com a ocorrida evolução da realidade económico-produtiva, são atividades mercantis: i) todas aquelas que correspondem a atos de comércio especialmente regulados no Código (compra e venda, operações de banca, seguros, etc.); ii) todas as atividades especificadas no art. 230.º do Código e, ainda, aquelas que legislação especial qualifica como mercantis, explícita ou implicitamente; iii) e, em geral, toda a atividade económico-produtiva que, sendo levada a cabo por uma empresa em sentido estrito – ou seja, por uma autónoma organização produtiva de mercado, que se interpõe entre um variável dono do negócio e o mercado, à qual é referida a oferta dos bens e/ou serviços em causa –, assume relevância sistémica, com exceção da atividade agrícola[xiii]. É civila atividade profissional autónoma, levada a cabo de forma individual ou coletiva, e, em geral, toda a atividade exercida diretamente pelo agente, com ou sem utilização de uma acessória organização de meios (necessariamente rudimentar), por vezes apelidada de pequena empresa (cfr. o art. 230.º, § 1.º, do CCom), salvo tratando-se de atividade correspondente a atos objetivos de comércio[xiv].

2. Regime societário geral e regimes especiais

Focando a análise na lei ordinária, importa apresentar, no presente número, um breve quadro do regime geral das sociedades, no essencial constante do CC e concebido para as sociedades com objeto civil. Ver-se-ão depois alguns regimes especiais, incluindo o da mencionada LSP. Deixa-se para o número seguinte o pertinente regime do CSC.

2.1 Código Civil e RRNPC

Principia-se pelo CC. Ver-se-ão depois outras disposições legais, mormente as constantes do Regime do Registo Nacional das Pessoas Coletivas (RRNPC).

2.1.1 Regime societário do Código Civil

À semelhança do que sucede no CC italiano, o CC, no art. 980.º, define o contrato de sociedade como «aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a [1] contribuir com bens ou serviços para o [2] exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, [3] a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade[xv]; e contém, a seguir, duas outras disposições legais relativas à forma e à alteração do mesmo[xvi]. Quanto à forma, prescreve-se no n.º 1 do art. 981.º que «o contrato de sociedade não está sujeito a forma especial, à exceção da que for exigida pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade»; e, no n.º 2, esclarece-se que «a inobservância da forma, quando esta for exigida, só anula todo o negócio se este não puder converter-se segundo o disposto no artigo 293.º, de modo que à sociedade fique o simples uso e fruição dos bens cuja transferência determina a forma especial , ou se o negócio não puder reduzir-se, nos termos do artigo 292.º, às demais participações»[xvii].

O restante regime jurídico – que também segue de perto o correspondente regime da sociedade simples do CC italiano [xviii] – versa, em primeiro lugar, sobre aquilo que a lei designa como relações entre sócios (arts. 983.º a 995.º), mas que, com mais propriedade, se reporta às relações internas da sociedade enquanto organização produtiva superiormente integrada por sócios (ou membros) – i. e., com socialidade -, dotada de procedimentos adequados à prossecução do fim comum lucrativo e pelo menos tipicamente carecida e provida de um património afeto ao exercício da atividade que constitui o seu objeto. Incluem-se aqui: i) a imposição de obrigações contributivas aos sócios, destinadas a dotá-la de pelo menos recursos mínimos capazes de, em maior ou menor medida, servir de suporte à atividade e que, tratando-se de entradas de capital, formam também um património (inicial) de garantia dos respetivos credores[xix]; ii) regras relativas à administração da sociedade - i. e., à gestão dinâmica, diligente e leal do seu património e do seu negócio [xx] - e à respetiva fiscalização por cada um dos sócios, com associados direitos à informação e à prestação de contas[xxi]; iii) normas atinentes à distribuição de lucros e perdas, isto é, à partilha do valor gerado pelo exercício da atividade social (e resultante da eventual valorização de ativos) e do risco incorrido[xxii]; iv) uma disposição respeitante ao uso de bens sociais por parte de um ou mais sócios, para fins estranhos ao negócio ou atividade da sociedade, ou seja, à utilização pelos sócios de elementos do património social em benefício próprio ou de terceiro[xxiii]; v) aproibição do exercício de atividade concorrentepor parte dos sócios[xxiv]; e, ainda, vi) uma disposição sobre a cessão da participação social (quota), embora tal cessão não se mostre um fenómeno meramente interno quando o cessionário seja um terceiro[xxv].

Em boa medida na mesma linha, a disciplina legal ocupa-se, ainda, das principais vicissitudes relativas aos sócios - morte, exoneração e exclusão (arts. 1001.º a 1006.º) -, regulando os respetivos termos, no pressuposto de que, em princípio, a sociedade perdurará com os restantes sócios (o que permite qualificá-la como uma organização de membros variáveis)[xxvi]. E trata também das regras respeitantes à consequente liquidação de participações sociais - isto é, ao apuramento e pagamento do valor destas, devido ao sócio que se exonera ou é excluído, aos seus sucessores e credores pessoais -, remetendo, em parte, para as regras de repartição entre os sócios do valor líquido da sociedade no âmbito da liquidação desta[xxvii].

Em segundo lugar, o regime legal respeita às relações externas, ou relações da sociedade com terceiros (arts. 996.º a 1000.º), mormente à atuação desta no tráfico jurídico e às relações que, enquanto organização produtiva, estabelece com esses terceiros, designadamente outros participantes no mercado. O conceito de terceiros é, no entanto, mais abrangente. Estão em causa: (i) terceiros que contratam com a sociedade – regulando-se quer a representação «orgânica» desta[xxviii], quer a garantia ou responsabilidadepatrimonial, da sociedade e, complementarmente, dos sócios, pelas obrigações assumidas[xxix]; (ii) terceiros que são vítimas de comportamento ilícito danoso de representantes, agentes ou mandatários da sociedade – considerando-se ela civilmente responsável nos mesmos termos em que um comitente responde pelos atos e omissões dos comissários e considerando os sócios subsidiariamente corresponsáveis[xxx]; (iii) e, ainda, terceiros que são titulares de créditos pessoais contra sócios. Nesta última hipótese, por um lado, exclui-se, para a efetivação do crédito, a execução do património social[xxxi], mas admite-se um subsidiário direito, contra a sociedade, ao valor da participação social do sócio devedor[xxxii]; por outro lado, exclui-se também, quando o titular do crédito sobre um sócio seja devedor da sociedade, que ele possa extinguir, por compensação, a sua dívida perante esta com o crédito que tem contra o sócio[xxxiii]. Do mesmo modo, afasta-se, ainda, a compensação quando um sócio seja titular de um crédito sobre terceiro e este terceiro seja titular de um crédito contra a sociedade[xxxiv].

Em terceiro lugar, a regulação legal incide sobre a dissoluçãoda sociedade (arts. 1007.º a 1009.º), voluntária ou forçada, incluindo a dissolução por declaração judicial da sua insolvência – e consequente liquidação em benefício dos credores (matéria, atualmente, regulada no CIRE) - e por desaparecimento da pluralidade de sócios, mas só passados seis meses, se a pluralidade não for reconstituída. E versa também sobre a liquidaçãoda sociedade dissolvida, envolvendo a satisfação do passivo – se necessário, efetivando a responsabilidade dos sócios pelo mesmo – e a ulterior partilha do ativo que restar entre sócios (arts. 1010.º a 1020.º).

2.1.2 Outras disposições legais. RRNPC

Apesar de, em sintonia com a noção de sociedade que se extrai do referido art. 980.º, estar aqui em causa a regulação da sociedade enquanto organização produtiva coletiva [xxxv] – não apenas na sua dimensão interna (relações entre sócios e, sobretudo, entre cada um deles e a sociedade), mas também na sua dimensão externa, em que sobressaem a respetiva atuação no tráfico jurídico (através de «representantes»), a garantia dos credores sociais e, dentro desta, a responsabilidade pessoal dos sócios, complementar da da sociedade –, à semelhança do que acontece no CC italiano, faltam no Código normas sobre a identificação (firma) e a localização geográfica (sede) da mesma, bem como sobre o seu objeto ( i.e., a atividade ou atividades a desenvolver, a que se alude nos arts. 990.º e 1007.º, al. c))[xxxvi]. Além disso, a regulação em apreço consta do livro dedicado ao direito das obrigações, inserida nos contratos em especial - mantendo-se o enquadramento que já constava do CC de 1867 [xxxvii] - conquanto, além da noção, apenas dois artigos respeitarem ao contrato de sociedade, sendo os restantes relativos à mesma enquanto organização produtiva de índole associativa e de fim lucrativo[xxxviii]. [xxxix]

A este respeito, há que ter em conta, no entanto, outros preceitos legais, do CC e não só. Na verdade, ainda dentro deste Código, dispõe o art. 157.º que o regime das pessoas coletivas, constante dos arts. 158.º e ss., se aplica às sociedades, quando a analogia das situações o justifique. Daqui pode retirar-se, designadamente, o seguinte: i) pelo menos se a sociedade cumprir regras de procedimento análogas às da constituição das associações, deve ser-lhe reconhecida personalidade jurídica [xl]; ii) a capacidade jurídicada sociedade compreende todos os direitos e obrigações que – não sendo inseparáveis da pessoa singular nem vedados por lei – se mostrem necessários ou convenientes à prossecução do seu fim lucrativo (art. 160.º), incluindo, segundo o art. 2033.º, n.º 2, al. b), a posição de herdeira e legatária (capacidade testamentária passiva[xli]).

Fora do CC, temos, atualmente, uma disciplina da firma social no RRNPC, aprovado pelo DL n.º 129/98[xlii]. Assim, em geral, a firma tanto pode ser uma firma nome como uma firma denominação (art. 42.º, n.º 1) e sobre a mesma pode incidir um direito privativo, desde que se trate de sociedade registada junto do RNPC (art. 42.º, n.º 2[xliii]). Embora as sociedades civis em apreço sejam suscetíveis de ser registadas junto desta entidade [art. 4.º, n.º 1, al. a)], contemplando o respetivo modelo de inscrição como campos obrigatórios a firma, a sede e o objeto, não é claro se as mesmas estão sujeitas a tal registo e, sendo este o caso, que consequências tem a falta do mesmo, para além da relativa ao direito sobre a firma[xliv].

Encontrando-se a sociedade registada, afigura-se justificada a sua qualificação como entidade dotada de personalidade jurídica– mesmo não observando o procedimento previsto no CC para as associações –, à semelhança do que acontece com as sociedades de direito comercial e as sociedades civis profissionais, referidas adiante. Quanto às demais sociedades – que nem observam um procedimento constitutivo análogo ao das associações, nem se acham inscritas no FCPC -, a respetiva subjetividade jurídica também pode deduzir-se do regime legal, mas o assunto merece análise mais circunstanciada (cfr. adiante, tít. III).

2.2 Lei das sociedades profissionais

Além das sociedades civis gerais ou simples, incluindo as formalmente constituídas e inscritas no RNPC, a que se aludiu anteriormente, e das sociedades de direito comercial, reguladas no CSC e contempladas adiante, há sociedades civis submetidas a regulação especial. É o que acontece com as sociedades profissionais, regidas pela Lei n.º 53/2015[xlv]. Uma sociedade profissional [xlvi] é a sociedade constituída nos termos desta Lei (ou do DUE) «para o exercício em comum de atividade profissional, responsabilizando-se contratual e disciplinarmente por esse exercício»[xlvii]; ficando os respetivos sócios profissionais (art. 3.º, al. e)) obrigados a exercer em nome da sociedade a respetiva atividade profissional (art. 11.º, n.º 3). Entende-se por tal exercício em comum a prestação de serviços profissionais «através de pessoa coletiva constituída nos termos da presente lei» (art. 2.º, n.º 2).

Os interessados podem optar por constituir uma sociedade de direito civil, sujeita ao assinalado regime do CC, ou uma sociedade de direito comercial, incluindo uma SuQ (mas não uma SAE), a que se aplica o CSC[xlviii]; devendo, em ambos os casos, o regime geral articular-se com o regime especial constante da presente Lei e do estatuto da profissão em causa. A firma tem de obedecer ao disposto no art. 20.º e a capacidade da sociedade compreende «os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu objeto social» [xlix] que sejam compatíveis com a sua natureza (art. 6.º, n.º 1). Se a opção for pela constituição de uma sociedade de direito civil, pode a sociedade albergar apenas sócios de responsabilidade ilimitada, como também acontece nas SNC, ou sócios de responsabilidade ilimitada e sócios de responsabilidade limitada (art. 997.º do CC), à semelhança das sociedades em comandita de direito comercial. Mas, em derrogação das regras gerais, o estatuto da profissão pode admitir, ainda, sociedades civis de responsabilidade limitada, como sucede, por ex., com o Estatuto da Ordem dos Advogados[l]. A responsabilidade civil da sociedade rege-se pela legislação civil ou comercial subsidiariamente aplicável (art. 15.º)[li].

O processo constitutivo envolve: i) a submissão do projeto de contrato de sociedade (ou negócio unilateral, se esta for uma SuQ) à associação pública competente (ordem dos advogados, médicos, etc.), acompanhado de certificado de admissibilidade da firma, para controlo de legalidade[lii]; ii) a celebração do contrato de sociedade - após a aprovação do projeto -, nos termos da lei civil ou comercial aplicável[liii]; iii) o registo do contrato[liv]; iv) e a inscrição da sociedade na associação pública pertinente, que emite a respetiva cédula profissional[lv]. Só após o registo definitivo a sociedade adquire personalidade jurídica e apenas com esta inscrição na associação pública respetiva pode iniciar licitamente a atividade[lvi].

Se, antes de concluído ou formalizado o contrato de sociedade (ou o negócio constitutivo de SuQ), tiverem sido celebrados negócios jurídicos em nome da sociedade a constituir (para a qual já se obteve, por ex., o certificado de admissibilidade da firma) ou se já tiver havido o exercício associado da profissão, no quadro de uma sociedade preliminar ou irregular[lvii], podem os fundadores, no contrato de sociedade, especificar – designadamente em anexo – os direitos e vinculações sociais existentes que entendam dever ser assumidos pela sociedade. Tal como se dispõe no CSC [art. 19.º, n.º 1, al. c)], com o registo definitivo, a sociedade assume automaticamente, ope legis, tais direitos e vinculações (art. 5.º, n.º 3); mas não a correspondente responsabilidade disciplinar (art. 18.º, n.º 5).

Pode também ocorrer a conclusão de negócios, em nome da sociedade já constituída – isto é, cujo contrato de sociedade já foi celebrado –, mas antes do registo . Neste caso, dispõe o art. 5.º, n.º 2, de forma algo simplista, que, com o registo, a sociedade assume, sem mais, os direitos e obrigações deles derivados. Como se verá, o correspondente regime desta sociedade em formação – a qual, nos termos do art. 18.º, n.º 6, já é responsável disciplinarmente – mostra-se, no CSC, bastante mais complexo (cfr. os arts. 19.º e 37.º e 40.º).

2.3 Outros textos legais

A respeito das sociedades gerais ou simples e do exercício societário de atividades económico-produtivas civis, interessam, ainda, outros diplomas e disposições legais. Assim, segundo o CIRE, confirmando o disposto no art. 1007.º do CC, como qualquer outra sociedade externa, também as sociedades civis gerais ou simples estão sujeitas à insolvência, determinando esta a sua dissolução e consequente recuperação ou liquidação em benefício dos credores, no âmbito do competente processo judicial[lviii]. Mais em geral, nos termos do CPC, têm personalidade judiciária, ativa e passiva[lix]. E decorre do CSC que podem ser transformadas em sociedades de direito comercial[lx].

As sociedades em causa possuem, ainda, capacidade delitual, para além daquela que resulta do art. 998.º do CC. O art. 14.º, n.º 5, do Código Penal admite, inclusive, uma responsabilidade penaldas mesmas. No que respeita à capacidade tributária, a situação apresenta-se mais diferenciada. Em geral, os lucros gerados são tributados, mas vigora a regra da transparência fiscal[lxi]. Uma das questões mais pertinentes que se podem, ainda, colocar respeita à capacidade registal, isto é, à possibilidade ou não de uma sociedade civil simples ou geral, não registada, poder figurar no registo predial (ou registos análogos) como titular de situações jurídicas registadas. A lei não é, no entanto, clara acerca do assunto[lxii]. Admitindo-se o registo, por razões atinentes aos seus próprios fins, mormente de segurança e clareza jurídicas, coloca-se a adicional questão de saber se ele deve compreender a especificação dos sócios, com a consequente necessidade de atualização sempre que saia ou entre algum destes.

Via de regra, os interessados em exercer uma atividade produtiva civil sob forma societária podem constituir, para o efeito, uma sociedade geral ou simples, nos termos dos arts. 980.º e ss. do CC, ou, tratando-se de profissões protegidas, uma sociedade civil nos assinalados termos da LSP, deste Código e, se for o caso, do estatuto profissional competente. Todavia, dispõe o art. 3.º do DL n.º 54/2004: «as sociedades de administradores da insolvência devem assumir a natureza de sociedades civis sob a forma comercial». Quer dizer, na medida em que esta atividade de administrador da insolvência seja de qualificar como civil[lxiii], a lei impõe, ainda assim, a constituição de uma sociedade de direito comercial; sendo, portanto, «irregular» uma sociedade civil simples.

No caso das sociedades que exploram farmácias, pode haver uma sociedade profissional de farmacêuticos; mas envolvendo a atividade desenvolvida a comercialização de medicamentos, a lei qualifica a sociedade como comercial, impondo a observância do CSC[lxiv]. Noutros casos, a lei não faz tal exigência, mas estimula essa opção por uma sociedade de direito comercial, fazendo depender da mesma a aquisição de certo estatuto favorável. É o que sucede, no domínio da agricultura e da agro-pecuária (bem como de atividades acessórias e complementares), com as sociedades de agricultura de grupo (SAG) – na sua essência, sociedades profissionais (democráticas) de agricultores, sujeitas a reconhecimento administrativo – e com outras entidades societárias congéneres[lxv]; as quais devem revestir a forma de sociedades por quotas [lxvi] .

É o que sucede também no campo da atividade artesanal - atividade com reconhecido valor cultural e social, em que a intervenção pessoal constitui fator predominante e, via de regra, o produto final é de fabrico individualizado e genuíno -, a que se aplica o Estatuto do artesão e da Unidade Produtiva Artesanal (UPA)[lxvii]. Este instituiu um registo especial, o Registo Nacional do Artesanato, compreendendo artesãos e UPAs, e regula um sistema de reconhecimento dos mesmos, sendo o registo e este reconhecimento necessários para se poder beneficiar de qualquer apoio e benefício atribuído pelo Estado ao artesanato, designadamente do programa de apoio regulado no DL n.º 122/2015[lxviii]. As UPAs societárias devem revestir a forma de «sociedades comerciais», incluindo SuQ, salientando a lei que haverá de tratar-se de unidades económicas «legalmente constituídas e devidamente registadas»[lxix].

3. Código das Sociedades Comerciais

Como se assinalou ( supra, n.º 1), o CSC contém uma norma de ordenação económica geral, no art. 1.º, n.ºs 1 a 3, segundo a qual, para o exercício das atividades mercantis, sob a forma de uma sociedade, é obrigatório constituir uma sociedade de direito comercial, legalmente típica e sujeita ao disposto neste Código e eventual legislação especial, designadamente quanto ao respetivo procedimento constitutivo. Concretamente, dispõe o n.º 3: «As sociedades que tenham por objeto a prática de atos de comércio devem adotar um dos tipos referidos no número anterior»; subentendendo-se que deverão, ainda, constituir-se com observância do disposto no Código – ou seja, em geral, mediante contrato escrito [lxx], pelo menos com as assinaturas presencialmente reconhecidas (art. 7.º)[lxxi], e registo, envolvendo este um controlo dos requisitos constitutivos do tipo escolhido (controlo de legalidade) [lxxii] –, como se dispunha no art. 107.º do CCom, ou, em alternativa, quanto às SpQ e SA, com observância do disposto num dos regimes de constituição simplificada das mesmas, constantes do DL n.º 111/2005 e do DL n.º 125/2006. Os tipos legais são os seguintes: SNC e SCS, por um lado, SpQ (incluindo SuQ), SA (incluindo sociedades anónimas cotadas, parcialmente reguladas também no CVM) e SCA.

Alguma legislação especial contém ulteriores restrições. Assim, por ex., o exercício das atividades financeira e seguradora deve, em regra, ser levado a cabo sob a forma de sociedade anónima (em atividades menos centrais ou com menor relevância sistémica, também sociedades por quotas), dependendo o acesso à atividade, ainda, de autorização dada pela autoridade reguladora competente[lxxiii]; e, para a atividade desportiva, sobretudo profissional, que é, no essencial, uma atividade de exploração de espetáculos públicos (cfr. o art. 230.º, 4.º, do CCom), prevêem-se os tipos modificados da SAD e da SDuQ[lxxiv].

No n.º 4 do mesmo artigo 1.º do CSC, dispõe-se, quanto às demais atividades produtivas – i. e., atividades não mercantis –, que a constituição de uma sociedade de direito comercial é facultativa. Como se assinalou, esta regra deve, no entanto, ser articulada com possíveis leis especiais, designadamente, com o disposto na LSP ( supra, n.º 2.2).

Decorre daqui que, se uma atividade comercial for exercida através de uma sociedade geral, não correspondente a um dos tipos sociais referidos, e/ou cujo processo constitutivo não tenha respeitado integralmente o prescrito no CSC, a sociedade em causa – para além de poder carecer de título constitutivo válido – é, em sentido lato, uma sociedade irregular. Em caso de inobservância da forma devida, ela está, mesmo, sujeita, ainda que em termos mitigados, a uma ação de liquidação direta por iniciativa do Ministério Público, sem dependência de uma prévia ação de declaração de nulidade (arts. 172.º e s.).

Torna-se, portanto, necessário distinguir, no âmbito das atividades produtivas – i. e., atividades tendentes à criação de valor ou riqueza, envolvendo genericamente a produção e extração de bens, a prestação de serviços e a intermediação nas trocas –, as atividades comerciais das atividades civis. Ocupámo-nos deste ponto mais acima (n.º 1). Em seguida, vamos ver as disposições do CSC que tratam da mencionada sociedade irregular.

3.1 Sociedades irregulares em sentido lato

Dispõe-se no art. 174.º, n.º 1, al. e), que os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes ou administradores, etc., bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da prática do ato em relação aos atos praticados em nome de sociedade irregular por falta de forma ou de registo. Encontramos aqui um conceito alargado de sociedade irregular[lxxv], compreendendo sobretudo: i) as sociedades ativadas que, tendo objeto mercantil (exclusivo ou não), carecem da forma devida e/ou de registo; e ii) as sociedades, igualmente ativadas, que, embora possuam um objeto exclusivamente civil, se encontram devidamente constituídas sob forma mercantil, mas não estão registadas, quer a adoção das formas mercantis seja obrigatória, quer não[lxxvi]. Em qualquer dos casos, a sociedade pode ser tão só provisória ou revestir carácter «definitivo».

Este é, no entanto, o único local no Código em que o conceito – sociedade irregular – é usado. O que significa carecer o mesmo de ser precisado, designadamente diferenciando as situações meramente provisórias das restantes.

3.2 Disposições do CSC relativas às sociedades irregulares em sentido lato

Vejamos, para já, o que resulta da lei, considerando os seguintes aspetos: repercussões na sociedade da eventual nulidade do respetivo título constitutivo (n.º 3.2.1); existência de um projeto de constituição de uma sociedade de direito mercantil e início da atividade – operacional e/ou preparatória – antes de celebrado o contrato de sociedade definitivo (n.º 3.2.2); e constituição de uma SpQ, SA ou SCA em devida forma, início da atividade antes do registo e efeitos do registo (n.º 3.2.3).

3.2.1 Existência de sociedade apesar da nulidade do pacto social

Não sendo adotados os procedimentos especiais simplificados de constituição de SpQ e SA (porque, no caso concreto, a lei não o permite ou por vontade dos interessados), recorda-se que, enquanto no art. 981.º do CC a regra é a da liberdade de forma, nos termos do art. 7.º, n.º 1, do CSC o contrato de sociedade deve ser reduzido a escrito e as assinaturas dos seus subscritores devem ser reconhecidas presencialmente , salvo, em qualquer dos casos, se forma mais solene for exigida para a transmissão dos bens com que os sócios entram para a sociedade, devendo, então, o contrato revestir essa forma. Se esta exigência não for respeitada, o negócio é nulo, nos termos gerais[lxxvii]. Porém, dispõe o n.º 1 do art. 52.º que a declaração de nulidade do contrato de sociedade determina a entrada desta em liquidação, com a consequente aplicação das regras gerais dos arts. 146.º e ss., em articulação com o regime especial do art. 165.º E, nos números seguintes, esclarece-se que, via de regra, nem a eficácia dos negócios jurídicos concluídos anteriormente em nome da sociedade é afetada (n.º 2), nem, ressalvados os casos de incapacidade (n.º 5), os sócios são eximidos do dever de realizar ou completar as suas entradasnem tão-pouco ficam exonerados da responsabilidade pessoal e solidáriaperante terceiros que, segundo a lei, eventualmente lhes incumba (n.º 4).

Quer dizer, a declaração de nulidade do título constitutivo apenas tem efeitos ex nunc, incidindo sobre uma sociedade que a lei reconhece como existente e provocando, na realidade, a sua dissolução[lxxviii], que a faz passar à condição jurídica de sociedade em liquidação.

Paralelamente, estabelece o art. 172.º do CSC, designadamente, que, se o contrato de sociedade não tiver sido celebrado na forma legal, deve o Ministério Público requerer, sem dependência de ação declarativa, a liquidação judicial da sociedade, se a liquidação não tiver sido iniciada pelos sócios ou não estiver terminada no prazo legal. E o art. 173.º continua: «1. Antes de tomar as providências determinadas no artigo anterior, deve o Ministério Público notificar por ofício a sociedade ou os sócios para, em prazo razoável, regularizarem a situação. 2. A situação das sociedades pode ainda ser regularizada até ao trânsito em julgado da sentença proferida na ação proposta pelo Ministério Público.»

Em tese geral, esta regularização pode ter lugar, sobretudo: i) através do processo de transformaçãoda sociedade irregular existente numa regular sociedade de direito comercial (mormente, SpQ ou SA), sem dissolução da sociedade transformada, nos termos do art. 130.º, n.ºs 2 a 4 e 6 (aplicáveis diretamente ou por analogia), respeitando, designadamente, o disposto no art. 131.º[lxxix]; ii) através da constituição de uma nova sociedade regular, trespassando para ela o negócio da já existente, nos termos gerais, ou, mais simplificadamente, declarando no contrato constitutivo da nova sociedade que a mesma assume, no todo ou em parte, os negócios e as situações jurídicas da sociedade preexistente, elencando estes em anexo. Nestes últimos casos, via de regra, a sociedade preexistente (agora vazia) extingue-se.

3.2.2 Sociedade projetada e início antecipado da atividade. Sociedade preliminar versussociedade irregular

Existindo um projeto de constituição de uma sociedade de direito mercantil e o início antecipado da atividade, isto é, a realização de atos preparatórios e, porventura, a celebração de negócios próprios da atividade escolhida, antes de celebrado o contrato de sociedade definitivo, há que atender ao art. 36.º, n.º 2, do CSC. Dispõe-se nele: «Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua atividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições das sociedades civis.»

O preceito suscita diversas interrogações, em parte relativas ao seu âmbito de aplicação e à forma do acordo, em parte respeitantes ao seu conteúdo precetivo e, ainda, a outros aspetos de índole mais geral. Na impossibilidade de aprofundamento do assunto, salienta-se o que se segue.

A norma aplica-se apenas quando haja uma situação societária preliminar – logo, provisória – de uma projetada sociedade de direito comercial, estando os fundadores a preparar a celebração do contrato definitivo (através da via clássica ou de um dos procedimentos simplificados referidos). O próprio texto da lei o indica: se for acordada a constituição de uma sociedade comercial (definitiva), e, com base no acordo, verbal ou escrito, houver o exercício em comum da atividade escolhida, ainda antes de a sociedade projetada ser constituída, aplica-se, às relações societárias relativas a este exercício, o regime das sociedades civis. Ou seja, por razões de ordem pragmática, flexibilizando a diretriz do art. 1.º, n.ºs 1 a 3, tolera-se tal situação e confere-se-lhe um regime jurídico que se considera apropriado – o regime societário geral; não o regime especial do CSC, diferenciado consoante os tipos legais. Podemos dizer que há aqui uma sociedade preliminar [lxxx].

Se o projeto em apreço nunca existiu, querendo os interessados desenvolver informalmente e/ou sem a devida publicidade legal uma atividade mercantil de forma associada (tendo consciência ou não de que deveriam constituir uma sociedade de direito comercial), se o projeto existiu mas foi abandonado, porque se concluiu pela inviabilidade, desnecessidade ou inconveniência do exercício da atividade nos termos legais, ou se já passou um prazo razoável sem que se tenha constituído a sociedade projetada, a situação já não pode considerar-se jurídico-politicamente tolerável: viola direta e irremediavelmente aquela diretriz de ordenação ou regulação económica, que, como se assinalou, já constava da própria ordem económica liberal (art. 107.º do CCom; cfr. supra, 3). Ou seja, neste caso, a sociedade não é uma sociedade preliminar, que o legislador vê com complacência, mas uma sociedade irregular em sentido estrito, sem título jurídico válido (por falta de forma, violação do princípio da tipicidade, etc.), e, portanto, diferentemente do que acontece naquele caso, sujeita a uma possível ação de nulidade dissolutória (arts. 41.º, n.º 1, 52.º e 165.º) ou a uma ação de liquidação, nos termos dos arts. 172.º e 173.º (cfr. supra, n.º 3.2.1) [lxxxi] .

Fora do campo societário (em sentido estrito), decorre do art. 13.º do CCom – e, quanto à atividade empresarial mercantil, também do art. 230.º – que, além das sociedades comerciais (n.º 2.º), quem exerce profissionalmente uma atividade comercial é comerciante (n.º 1.º), ficando sujeito ao estatuto jurídico correspondente (arts. 18.º e ss.). Retira-se daqui que as sociedades em causa são comerciantes, pelo menos se dotadas de subjetividade jurídica (cfr. infra, III), ou sê-lo-ão os respetivos sócios, caso assim não se entenda [lxxxii] . Estão, ainda, sujeitas à insolvência (art. 2.º, n.º 1, al. e), do CIRE)[lxxxiii]; e, em relação à contabilidade e ao relato financeiro, dada a natureza da atividade, também devem considerar-se sujeitas ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC) [lxxxiv] , podendo a inobservância deste levar à qualificação de uma eventual insolvência como culposa (art. 186.º, n.º 2, al. h),do CIRE). Além disso, mesmo que se defenda uma interpretação restritiva da competência dos juízos do comércio prevista no art. 128.º, n.º 1, da LOSJ, colocando de fora as sociedades civis puras, tal não se justifica no caso vertente, em que, de algum modo, ainda está em causa regular a existência, o funcionamento e a participação no tráfico jurídico de uma sociedade com objeto comercial[lxxxv]. [lxxxvi]

3.2.3 SpQ, SA ou SCA em devida forma, início da atividade antes do registo e efeitos deste. Sociedade em formaçãoversus sociedade irregular

Uma vez celebrado o contrato de sociedade definitivo – por ex., de constituição de uma SpQ ou SA –, já temos uma sociedade correspondente ao tipo social visado pelos sócios fundadores[lxxxvii], regida, em princípio, nas relações internas, pelas disposições legais e contratuais próprias desse tipo (art. 37.º, n.º 1, do CSC), mas com duas exceções maiores – a transmissão por ato entre vivos das participações sociais requer o consentimento unânime dos sócios que nele não participem [lxxxviii] e o contrato de sociedade também só pode ser modificado por unanimidade (art. 37.º, n.º 2), à semelhança do que sucede nas sociedades de pessoas e nos contratos em geral[lxxxix].

Todavia, como em boa medida já resulta destas exceções, a sociedade em causa apenas se torna uma sociedade definitiva ou perfeita – com as características próprias do tipo ou modelo regulatório em causa (designadamente, nos tipos sociais em apreço, com o capital social dividido em quotas ou ações e responsabilidade limitada – arts. 197.º e 271.º) e formalmente dotada de personalidade jurídica, com a capacidade jurídica «plena» própria das pessoas coletivas [xc] – após o registo, precedido pelo menos de um controlo de legalidade por parte do conservador[xci]. Com efeito, dispõe o art. 5.º do CSC, relativo às sociedades de direito comercial em geral: «As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras.» [xcii] Norma semelhante existe, como se assinalou, para as sociedades profissionais (art. 5.º, n.º 1, da LSP). Antes do registo, podemos designá-la sociedade em formação [xciii].

Quanto às relações externas destas sociedades em formação (pré-sociedades do tipo considerado), falta no CSC uma norma geral explícita semelhante à que existe para as relações internas. No local próprio – arts. 37.º a 40.º –, apenas se dispõe acerca da responsabilidade decorrente dos negócios concluídos nesta fase; faltando uma norma mais geral relativa à sua atuação no tráfico jurídico. No que respeita às SpQ e SA em formação, que aqui nos interessam especialmente, estabelece o art. 40.º, n.º 1:«Pelos negócios realizados em nome de uma sociedade por quotas, anónima ou em comandita por ações, no período compreendido entre a celebração do contrato de sociedade e o seu registo definitivo,[I]respondem ilimitada e solidariamente todos os queno negócioagirem em representação dela, bem como os sócios que tais negócios autorizarem, sendo que [II] os restantes sócios respondem até às importâncias das entradas a que se obrigaram, acrescidas das importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas.»

O art. 40.º, n.º 1, deve, no entanto, articular-se com o determinado no art. 19.º (epigrafado «Assunção pela sociedade de negócios anteriores ao registo»). Realça-se o que se segue.

Em primeiro lugar, com o registo definitivo do contrato, a sociedade ( maxime, SpQ e SA) – dotada de personalidade jurídica, nos termos do art. 5.º, e de capacidade geral conforme o art. 6.º – assume de pleno direito (isto é, automaticamente): i) os direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos relativos à sua fundação especificados no contrato[xciv]; bem como os direitos e obrigações emergentes de negócios jurídicos concluídos antes do ato de constituição – mormente se o início da atividade social remonta a este tempo (em que não existia uma SpQ ou SA, nem sequer em formação, mas apenas uma sociedade geral, preliminar ou atípica) – e que neste sejam especificadose expressamente ratificados[xcv]; ii) os direitos e obrigações resultantes da exploração normal de um estabelecimento que constitua objeto de uma entrada em espécie ou que tenha sido adquirido por conta da sociedade, no cumprimento de estipulação do contrato social[xcvi]; iii) e os direitos e obrigações decorrentes de negócios jurídicos celebrados pelos gerentes ou administradores ao abrigo de autorização dada por todos os sócios no ato de constituição [xcvii]. Neste último caso, não exigindo a lei a especificação dos negócios, afigura-se que a autorização pode ser geral[xcviii]; mas não basta uma autorização de todos os sócios – é preciso, ainda, que ela conste do contrato de sociedade, beneficiando da correspondente publicidade legal.

Em segundo lugar, tendo sido realizados em nome da sociedade, após a celebração [xcix] mas antes de registado o contrato, outros negócios jurídicos, os correspondentes direitos e obrigações não são, sem mais, imputados à mesma. Todavia – após o registo, quando já existe uma SpQ ou SA definitiva –, eles podem ser por ela assumidos mediante decisão da administração, decisão esta que deve ser comunicada à contraparte nos 90 dias posteriores ao registo[c] , [ci] .

Em terceiro lugar, a assunção pela sociedade dos negócios indicados – ope legis ou por deliberação social –, por um lado, «libera as pessoas indicadas no artigo 40.º da responsabilidade aí prevista, a não ser que por lei estas continuem responsáveis[cii]». Por outro lado, retrotrai os seus efeitos à data da respetiva celebração[ciii]. Como se observou, na LSP, existe uma norma semelhante ao art. 19.º do CSC, mas mais lacónica (art. 5.º, n.º 3).

Tal como se observou a respeito do art. 36.º, n.º 2, relativo às sociedades preliminares, também este quadro legal – mormente o relativo às SpQ e SA em formação ativadas – suscita diversas questões. Na impossibilidade de desenvolver o tema - que, aliás, perdeu grande parte do interesse prático que já teve, com a instituição dos processos simplificados de criação de SpQ e SA (DL n.º 111/2005 e DL n.º 125/2006) e a redução da exigência de forma do contrato de sociedade operada na Reforma de 2006 -, regista-se o que se segue.

A primeira questão consiste em saber se – havendo uma atuação jurídico-negocial em nome de uma SpQ ou SA (ou SCA) quando ainda em formação [civ] – pelas obrigações contraídas, além das pessoas indicadas no art. 40.º, n.º 1, agentes e sócios, também responde o património social (surgindo este, com o registo, já onerado pelo passivo constituído nesta fase); ou se, para impedir que a sociedade registada surja no tráfico jurídico já com o património diminuído, apenas respondem pessoalmente tais pessoas. Quanto a ela, a resposta é, no presente, dominantemente, no sentido desta responsabilidade do património social; podendo tal interpretação considerar-se, atualmente, confirmada pelo CIRE[cv].

A solução justifica-se se e na medida em que a SpQ e a SA em formação constituam um centro de atividade produtiva já legalmente reconhecido como tal, autorizado a atuar no tráfico jurídico; e encontra algum apoio na parte final do art. 40.º, n.º 1[cvi]. Ora esse reconhecimento e autorização extraem-se do art. 19.º; e deste também pode extrair-se a existência de um correspondente centro de imputação jurídica. Note-se, contudo, que tal responsabilidade apenas existirá em relação à atividade autorizada nos termos deste preceito, isto é, à permitida no próprio contrato de sociedade e à que o legislador considera economicamente justificada (casos previstos no n.º 1 do art. 19.º)[cvii]. Nos demais casos, há uma atuação ultra vires cujos efeitos apenas poderão ser assumidos, após o registo, pela SpQ ou SA já devidamente constituída, nos termos do art. 19.º, n.º 2. [cviii]

A segunda questão selecionada relaciona-se com esta e consiste em saber se a SpQ ou SA em formação (ativada) constitui um CAP dotado de personalidade jurídica, ou seja, se é não apenas um centro de atividade patrimonialmente autónomo, mas também um cento de imputação jurídica. Diferentemente do que sucedeu no passado, atualmente parece prevalecer a tese da subjetividade jurídica das sociedades em formação[cix]. E o sujeito jurídico é o mesmo que existirá após o registo, ainda que submetido a regimes jurídicos diferenciados. Na verdade, há uma substancial identidade – de facto e jurídica – entre a SpQ e a SA em formação, tal como acaba de ser caracterizada, e a posterior sociedade registada: trata-se da mesma sociedade em diferentes estádios. O próprio art. 19.º, n.º 1, o confirma, ao dispor que, com o registo, a SpQ ou SA «assume» – sem mais e inelutavelmente – os direitos e vinculações relativos à mesma quando ainda em formação, mormente à atividade por ela desenvolvida. Apenas relativamente à atividade que porventura haja sido desenvolvida fora do quadro definido neste preceito (ultra vires)se torna necessário um ato de assunção dos mesmos pela sociedade registada, nos termos gerais ou nos termos especiais dos nºs 2 e 3 do mesmo artigo 19.º, destinados a favorecer tal assunção.

De grande relevância é, ainda, a questão relativa à condição e ao enquadramento jurídicos das sociedades em apreço. Como decorre do exposto mais acima, em sentido lato, trata-se de sociedades irregulares. Em sentido estrito, a designação que se lhes ajusta é, no entanto, como se antecipou, a de sociedades em formação; importando distingui-las das SpQ e SA irregulares por falta de registo, para as quais há que encontrar um regime jurídico apropriado (cfr. infra,II). A própria lei é clara no sentido de que – nos arts. 37.º a 40.º (e também 19.º) – só se ocupa das sociedades «no período compreendido entre a celebração do contrato de sociedade e o seu registo definitivo»; ou seja, de uma situação transitória, estando a correr normalmente o processo tendente ao registo.

Tal como se viu a respeito das sociedades preliminares, também aqui haverá uma sociedade irregular – e não uma «regular» sociedade em formação [cx] – quando os interessados houverem constituído a mesma sem a intenção de a registar, quando tiverem abandonado o projeto de a registar, quando o registo se revelar inviável e a sociedade se mantenha ativa e quando já haja decorrido um prazo razoável para promover o registo[cxi].

Note-se, ainda, por um lado, que, quanto às sociedades em formação em apreço, pelo menos no caso de a atividade social ser mercantil, valem as observações atinentes sociedades preliminares, a respeito da qualidade de comerciante, da aplicação do SNC e da competência dos juízos de comércio (supra,3.2.2, in fine); por outro lado, que, nas SA (e SCA) em formação, o poder de dispor do valor das entradas em dinheiro realizadas (depositada em IC), designadamente, para cumprimento de compromissos assumidos, está sujeito ao prescrito no art. 277.º, n.º 5[cxii].

II

Sociedades civis e sociedades irregulares stricto sensu.

Alguns aspetos do seu regime jurídico

4. Sociedades civis

Procedeu-se acima a uma descrição sumária do regime legal geral das sociedades civis, ou de direito civil, constante dos arts. 980.º a 1021.º do CC ( supra, n.º 2). Interessa analisar, em seguida, alguns aspetos desse regime, tendo presente que, como decorre dessa descrição e se vai ver melhor, pode, em breve síntese, afirmar-se que a sociedade civil (externa), mesmo a sociedade simples não registada e desprovida de forma especial, que o legislador tomou como referência (tipo social subjacente), é (i) um centro de atividade económico-produtiva (CAP) e jurisgénica - ou unidade de ação económico-jurisgénica – pelo menos relativamente estável e organizado (apto para atuar no tráfico jurídico), instituído ao abrigo da liberdade profissional ou da liberdade de iniciativa económica privada (liberdade de empresa), integrado pelos respetivos fundadores, aderentes e/ou sucessores (sócios), e destinado a autovalorizar-se em seu benefício, a que corresponde legalmente um (ii) centro de imputação jurídica, constituído pelo próprio CAP - se a este for reconhecida a adicional qualidade da subjetividade ou personalidade jurídica - ou pelos sócios enquanto tais (formando uma comunidade de membros variáveis), caso em que estaremos perante um CAP apenas patrimonialmente autónomo.

A atividade social pode, nos casos mais simples, ser levada a cabo, diretamente, pelos próprios sócios, via de regra, na dupla qualidade de sócios e gerentes ou administradores (este figurino de um CAP coletivo indiferenciado é o que mais se ajusta à letra do art. 980.º do CC); mas pode também assentar numa mais ou menos significativa organização de meios ( maxime, empresa), encabeçada pelos sócios enquanto gerentes ou administradores ou por quem eles coloquem à sua frente, ou seja, no limite, ser apenas determinada por eles (CAP mais ou menos diferenciado)[cxiii]. Em qualquer dos casos, estamos perante um CAP transindividual, com uma esfera de atuação própria, distinta das esferas individuais dos sócios (e de quem mais o integre), dominado por um princípio de separação da atividade social e de correspondente separação ou autonomia patrimonial, adicionalmente subjetivado ou não. Os sócios têm a dupla condição de membros e (coletivamente) titulares do direito de domínio do mesmo - que se manifesta na composição da respetiva superstrutura social e orgânica e na posição de sócio - e de terceiros, que se revela, por ex., na posição credora decorrente de uma deliberação de distribuição de dividendos ou de parte num contrato celebrado com a sociedade.

4.1Forma do contrato, conteúdo mínimo e publicidade

O CAP societário, sumariamente retratado, funda-se num contrato (art. 980.º do CC), expressão da autonomia privada implicada nas mencionadas liberdades, profissional e de empresa[cxiv]. O contrato de sociedade não está, via de regra, sujeito a forma especial; podendo, portanto, ser meramente verbal e decorrer de comportamentos que indiretamente o revelam[cxv].

Pode, em todo o caso, afirmar-se que, se o contrato (ainda que voluntariamente) reveste a forma escrita e contém os dados fundamentais de identificação e caracterização da sociedade enquanto CAP - isto é, além dos fundadores[cxvi], a firma, a sede e o objeto, porventura acrescidos de alguma regulamentação da sua organização e funcionamento -, apesar de ainda não haver a assinalada analogia com as associações ou com as sociedades profissionais e de direito comercial capaz de justificar o reconhecimento à sociedade de personalidade jurídica plena, usando a expressão de Menezes Cordeiro [cxvii] (cfr. supra, nºs 2.1 e 2.2), já haverá - com a concomitante manifestação de vontade, expressa ou tácita, de participar como tal no tráfico jurídico, porventura já concretizada (dando publicidade ao CAP, ainda que de facto) - uma considerável aproximação a essas entidades formalmente personificadas; ou seja, utilizando, por ex., a linguagem da jurisprudência espanhola[cxviii], já poderá admitir-se algum grau de personificação (ou subjetividade jurídica)[cxix]. E a forma também não é irrelevante para a atuação da sociedade no tráfico jurídico (cfr. infra, n.º 4.3).

4.2 A sociedade civil como organização coletiva de membros variáveis. Cessão de quotas

As antigas sociedades de pessoas, do CC de 1867 e do CCom, eram, na respetiva configuração legal, sociedades estreitamente dependentes da pessoa dos sócios, podendo qualquer um, sem mais, pôr-lhes termo a todo tempo, dissolvendo-se por morte de um sócio, etc.[cxx]. O atual regime, na linha do CC italiano, configura-as claramente como organizações coletivas de membros variáveis, admitindo, de forma expressa, a cessão das participações – ausente do código transalpino - e substituindo uma série de antigas causas de dissolução (morte, insolvência ou incapacitação de um sócio, vontade de sair, etc.) por causas de cessação apenas da participação do sócio em causa[cxxi]. Admite, mesmo, que, vindo a sociedade a ficar com um único sócio, ela apenas se dissolve (automaticamente) passados seis meses, se a situação se mantiver [art. 1007.º, al.d)]; e, ocorrendo a dissolução, a situação ainda pode reverter-se (art. 1019.º)[cxxii].

Acerca daquela cessão, dispõe o art. 995.º do atual CC, sob a epígrafe cessão de quotas: «1. Nenhum sócio pode ceder a terceiro a sua quota sem consentimento de todos os outros. 2. A cessão de quotas está sujeita à forma exigida para a transmissão dos bens da sociedade.» Como se verá adiante, tal como sucede com a epígrafe da secção II (relações entre sócios) e com os arts. 989.º e 990.º (que exigem o consentimento unânime dos consócios para um deles poder usar dos bens sociais ou exercer uma atividade concorrente), o preceito fornece algum apoio para a tese da falta de personalidadeou subjetividade jurídica da sociedade[cxxiii]; mas tal inferência não é necessária (cfr. infra, III).

4.3 Atuação no tráfico jurídico. CAP diferenciado e CAP de exercício direto

Como se notou, a sociedade está legalmente configurada como um centro de atividade económico-produtiva (CAP) ou ator produtivo coletivo, de membros variáveis e juridicamente autónomo, com uma esfera de ação própria, separada das esferas pessoais destes (e de quem mais o integra), podendo, inclusive, subsistir transitoriamente com um único membro ( i. e., apesar da perda do seu carácter coletivo). Encontra-se como tal reconhecida e regulada[cxxiv]. Em abstrato, o CAP pode reduzir-se – ou reduzir-se substancialmente – à coletividade dos sócios (episodicamente, a um único), que levam a cabo, em comum e diretamente, o exercício da atividade social, utilizando ou não auxiliares. Mas este exercício não tem de ser direto: nada impede que se constitua para o efeito uma autónoma organização de meios ou fatores produtivos (empresa), tendo à frente, tendencialmente, todos ou alguns dos sócios (mas podendo também ter terceiros), organização esta que em alguma medida se interpõe entre eles e os restantes participantes no mercado. Neste caso, teremos um CAP pelo menos relativamente diferenciado, composto por uma superstrutura social e orgânica e uma infraestrutura empresarial (ou patrimonial-empresarial).

A regulação legal em apreço – no essencial constante dos arts. 980.º a 1021.º do CC – centra-se na superstrutura. Mas ocupa-se também do património social, potencialmente empresarial, que confere substância e valor ao CAP – quanto à sua formação (através das entradas dos sócios), administração, responsabilidade por dívidas e liquidação -, e, ainda, deste valor, a respeito da participação dos sócios nos lucros e nas perdas e do valor de liquidação das quotas. Donde resulta formarem as duas dimensões um todo, comummente encarado como unitário, ainda que dissociável: uma sociedade pode, designadamente, constituir-se sem património inicial (pelo menos de garantia)[cxxv], alienar o negócio (infraestrutura produtiva), com vista à liquidação ou a uma simples mudança de atividade, bem como cessar a atividade e liquidar o património, sem se extinguir.

O foco na superstrutura ocorre, em especial, com as regras respeitantes à atuação do CAP societário no tráfico jurídico-negocial e no domínio processual. Com efeito, determina o n.º 1 do art. 996.º: «a sociedade é representada em juízo e fora dele pelos seus administradores , [i] nos termos do contrato ou [ii] de harmonia com as regras fixadas no artigo 985.º»[cxxvi] , [cxxvii]

Olhando mais de perto estas disposições legais, verifica-se que, segundo o regime legal supletivo, i) é inerente à qualidade de sócio a qualidade de administrador e representante («orgânico») da sociedade; ii) tal como sucede com os poderes de administração ou gestão interna, todos os sócios têm igual poder para a representar; iii) e, pertencendo a representação a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos administradores tem o direito de se opor ao ato que outro pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição. Trata-se, portanto, de um sistema de representação legal individual ou disjunto mitigado.

O contrato de sociedade pode, contudo, afastar ou modificar estas regras. Designadamente, pode: i) derrogar a regra de que são inerentes à qualidade de sócio as qualidades de administrador e/ou representante, sendo estas conferidas de outro modo, a sócios e/ou a terceiros, mormente através de eleição; ii) circunscrever a regra da inerência a um ou mais sócios apenas, ficando os demais arredados da administração e/ou sem poderes de representação; iii) estabelecer um sistema de representação conjunto, envolvendo todos ou alguns dos sócios. Neste último caso, entende-se, em caso de dúvida, que a sociedade se vincula pela maioria. Estando em causa a definição dos poderes de representação da sociedade, as estipulações em apreço são oponíveis a terceiros. Quanto a esta eficácia, importa, no entanto, fazer distinções.

Não estando a sociedade sujeita a registo[cxxviii], o que antecede vale para a regulação da matéria no contrato de sociedade original. Os terceiros que contratam com a sociedade têm o ónus de verificar se quem se apresenta como representante da mesma detém poderes para o ato. O disposto no contrato de sociedade é-lhes, em princípio, oponível mesmo que eles o ignorem. Os interesses dos sócios – designadamente tendo em conta a sua responsabilidade pelo passivo social – prevalecem sobre os de agilização do tráfico das sociedades em apreço e de tutela dos terceiros[cxxix]. Pode, no entanto, justificar-se uma interpretação restritiva da lei, no sentido de que, se não existe um contrato de sociedade escrito, com data anterior à transação questionada, uma regulamentação deste tipo só será oponível aos terceiros que a conheciam (ou deviam conhecer)[cxxx].

Se a regulação em apreço tiver resultado de uma alteração do contrato social, deve a mesma ser convenientemente publicitada (de facto). Se for o caso, ela também será oponível aos terceiros que contratem com a sociedade. Caso contrário, a oponibilidade depende da prova de que estes a conheciam (art. 996.º, n.º 2).

Quando a sociedade estiver sujeita a registo – e este envolver o sistema de representação social –, as disposições do pacto social apenas são oponíveis aos terceiros se registadas, com anterioridade relativamente à transação discutida; e são-no quer respeitem ao contrato originário, quer a uma versão alterada do mesmo (cfr. o art. 996.º, n.º 2)[cxxxi]. Acerca do regime em apreço, torna-se, portanto, crucial saber se, por lei especial ou, porventura, em face do RRNPC, as sociedades civis estão sujeitas a registo, envolvendo este o sistema de representação[cxxxii].

Diferentemente do que sucede no CC italiano (art. 2266 II), o CC não dispõe expressamente que o objeto socialdelimita o âmbito objetivo dos poderes de representação. Tal regra pode, no entanto, quanto às SNC, retirar-se do art. 192.º, n.º 2, do CSC[cxxxiii]; e, a ser assim, ela também valerá aqui, por identidade ou maioria de razão.

Decorre do exposto que a segurança e a fluidez do tráfico jurídico em que participam sociedades civis em geral – não registadas – se mostra bastante limitada e, mesmo, problemática, dado que quem entra em contacto com as mesmas não tem uma maneira fácil e segura de saber quem são os seus administradores com poderes para a representarem, como se vinculam e dentro de que limites; sendo o problema ainda agravado caso o contrato de sociedade não revista a forma escrita. O panorama apenas será diferente quando tais dados constem de um registo público, fiável e de fácil acesso. Como se verá a seguir, sendo a sociedade uma organização baseada no crédito dos sócios, mas, ao mesmo tempo, uma organização de membros variáveis, problema semelhante existe quanto à identificação destes.

4.4 Património social. Autonomia patrimonial

Mostra-se consensual que a atividade das sociedades civis, mesmo quando estas se considerem desprovidas de personalidade jurídica, é exercida num quadro patrimonial autónomo, separado das esferas jurídicas individuais dos sócios[cxxxiv]: tem na base um património específico – composto tendencialmente por situações jurídicas ativas e passivas e sendo o ativo tipicamente formado a partir, quer das contribuições dos sócios, em bens e/ou serviços, quer do seu crédito pessoal [cxxxv] – afeto a essa atividade e à realização do fim último lucrativo[cxxxvi], e os respetivos efeitos jurídico-patrimoniais reconduzem-se a ele. Neste sentido, pode dizer-se que a sociedade, além de ser um centro de atividade (CAP) – uma unidade «coletiva» de comunicação e ação (jurisgénica) -, é um centro de imputação jurídica (a que se reconduzem os efeitos do contrato de sociedade e da atividade), possui uma esfera jurídico-patrimonial própria (CAP personificado ou dotado de subjetividade jurídica), ou, pelo menos, envolve um correspondente sistema de imputação especial (coletiva), e tem afeto um património, distinto dos patrimónios pessoais dos sócios (CAP patrimonialmente autónomo)[cxxxvii].

Noutros termos, as sociedades civis, em geral, são, pelo menos, CAPs autónomos (compreendendo uma esfera de atuação separada da esfera individual dos sócios) dotados de autonomia patrimonial (envolvendo um património autónomo, de facto e juridicamente afeto à atividade e à realização do fim de que esta é instrumental, protegido como tal). A garantia dos seus credores é constituída, antes de mais, pelos elementos ativos do património social[cxxxviii], e encontra-se protegida: i) pela regra implícita de que este património só poderá ser diminuído em benefício dos sócios mediante uma distribuição de lucros (se os houver) ou reservas de lucros; ii) pelas regras sobre compensação de créditos do art. 1000.º; e iii) pelas regras segundo as quais os credores pessoais dos sócios, por um lado, não podem executar bens sociais, apenas lhes sendo facultado exigir da sociedade o valor de liquidação das respetivas participações sociais, se necessário ( i. e., se não se puderem fazer pagar através de outos bens dos sócios devedores) (art. 999.º), e, por outro lado, numa hipotética liquidação da sociedade, só têm direito ao que eventualmente caiba aos sócios devedores[cxxxix]; regras estas que concretizam a mencionada afetação jurídica.

Todavia – como se sabe – esta autonomia não é perfeita ou completa. Na verdade, por um lado, ela encontra-se, de algum modo (indiretamente), enfraquecida, porque os credores pessoais, em caso de necessidade, podem tornar-se, eles próprios, credores da sociedade numa medida correspondente ao valor da participação do sócio devedor (ainda que não concorram com os demais na eventual liquidação da sociedade)[cxl]. Por outro lado, a garantia patrimonial dos credores sociais encontra-se legalmente reforçada com a complementar garantia dos patrimónios pessoais dos sócios – pelo menos de alguns (art. 997.º, n.º 2) – nos termos dos arts. 997.º e 998.º, n.º 2 (o que, indiretamente, faz com que a atividade social também assente, em maior ou menor medida, no crédito e solvabilidade pessoais dos mesmos sócios); e, embora os sócios possam invocar o benefício da prévia excussão do património social, são, entre si, devedores solidários[cxli].

Quanto a esta garantia complementar (e inerente crédito pessoal), existe, contudo, um senão: sendo a sociedade uma organização de membros variáveis, na falta de um registo público, fiável e de fácil acesso, donde constem os sócios que a forem sucessivamente compondo, pode tornar-se difícil e inseguro, para quem entra ou põe a hipótese de entrar numa relação negocial com a sociedade, saber quem são, afinal, os seus garantes; dificuldade que ainda aumentará se o contrato de sociedade não revestir forma escrita. E, a respeito da garantia do património social, a falta de contas depositadas num tal registo também é de molde a dificultar o tráfico jurídico em que a sociedade participa.

Em termos mais gerais, coloca-se, ainda, outra questão: a autonomia patrimonial que caracteriza o regime das sociedades – incluindo as sociedades civis gerais, em apreço – é expressão ou consequência da subjetividade jurídica da sociedade[cxlii]? Ou existe sem esta? Em face dos mesmos dados normativos, a opinião mais tradicional pendia para a negação da subjetividade jurídica[cxliii]. Hoje em dia, porém, nota-se uma tendência para afirmar esta subjetividade, deduzindo-a dos textos legais[cxliv]. Ocupamo-nos deste ponto adiante, no título III.

4.5 Prestação de contas

O art. 988.º - sob a epígrafe fiscalização dos sócios – atribui, no respetivo n.º 1, aos sócios, individualmente considerados, por um lado, o direito a obter dos administradores as informações de que necessitem acerca dos negócios da sociedade, incluindo o direito de consulta dos pertinentes documentos (direito à informação); por outro lado, o direito a exigir a prestação de contas. O primeiro, como se compreende, é exercitável a todo o tempo. Quanto ao segundo, dispõe-se no n.º 2 que, salvo diferente regulação no pacto social, os mesmos administradores da sociedade deverão prestar contas da sua gestão no fim de cada ano civil ou no termo da sociedade se a duração desta for inferior a um ano.

Se, em virtude do disposto no pacto social, a administração for conjunta e nem todos os sócios forem administradores, o natural é que o façam, também conjuntamente, em reunião da assembleia convocada para o efeito ou remetendo os pertinentes documentos aos demais sócios. No sistema legal supletivo da administração disjunta (art. 985.º), pode entender-se que cada administrador (via de regra, sócio administrador) deverá prestar contas da sua administração. Mas, mesmo que à sociedade não seja aplicável o SNC[cxlv], isso não exclui a obrigação legal de elaboração (pelos administradores) e aprovação (pelos sócios) de contas – balanço e/ou demonstração de resultados – relativas a ela própria[cxlvi]; ao menos para efeitos de apuramento do lucro distribuível (e eventuais perdas) e do lucro tributável[cxlvii]. Donde se infere que, à semelhança do que sucede nas sociedades comerciais, incluindo as de pessoas, via de regra, os administradores cumprirão o seu dever de prestação das contas – também para com os sócios - submetendo à coletividade social uma proposta de aprovação das mesmas. Nas sociedades bipessoais, sendo apenas um sócio administrador, tal proposta será, naturalmente, submetida à aprovação do outro sócio, em reunião de ambos ou não. Sendo ambos administradores, haverá uma prestação recíproca de contas, com vista ao apuramento do resultado do exercício ou, estando a sociedade em liquidação, do resultado final.

Se os administradores, ou algum deles, não prestarem contas, motu proprio, qualquer sócio poderá exigir essa prestação. E este direito é efetivável coercivamente mediante o processo especial regulado nos arts. 941.º e ss. do CPC. O mesmo deve entender-se se as contas forem rejeitadas (ou não forem aprovadas), pela coletividade social ou, nas sociedades bipessoais, pelo sócio em causa[cxlviii].

Se os administradores prestarem contas, submetendo à coletividade dos sócios uma proposta de aprovação das mesmas, e se estas forem a aprovadas, mas não por todos os sócios, pode colocar-se a questão de saber como poderão os sócios discordantes reagir. Aplicando as regras gerais - que se extraem quer do regime das associações (cfr. o art. 157.º do CC) quer do CSC (o principal e mais desenvolvido diploma legal do direito associativo privado) -, uma deliberação regularmente tomada será vinculativa para todos os sócios, mesmo os que hajam votado contra. Sendo assim, a reação dos sócios discordantes terá de passar pela impugnação da deliberação de aprovação, com fundamento na insuficiência ou não veracidade das contas[cxlix]. O recurso ao processo especial de prestação de contas – enquanto processo dirigido a forçar esta prestação - não se afigura adequado[cl].

5. Sociedades irregulares

No âmbito das sociedades irregulares, importa distinguir as sociedades irregulares gerais ou simples (ex-sociedades preliminares ou não) (n.º 5.1) e as SpQ e SA irregulares (n.º 5.2), via de regra originárias sociedades em formação. Como decorre do exposto, subjacente ao conceito está sobretudo a norma de ordenação económica do art. 1.º, n.ºs 1 a 3, do CSC, segundo a qual, com ressalva do que se observou a respeito das sociedades preliminares e em formação (n.ºs 3.2.2 e 3.2.3), todo o exercício societário de uma atividade mercantil deve ser levado a cabo através de uma sociedade de direito comercial, legalmente típica e registada (formal e publicamente instituída); embora também se concebam SpQ e SA com objeto civil que perduram («irregularmente») no tráfico jurídico como sociedades não registadas após terem perdido o inicial carácter provisório.

5.1 Sociedades irregulares gerais ou simples

As sociedades irregulares gerais ou simples são sociedades com objeto mercantil, sem tipo legal definido, não registadas e, frequentemente, com um título constitutivo que não observa a forma prescrita no art. 7.º do CSC, podendo até ser tácito, com ressalva das sociedades preliminares a que se refere o art. 36.º, n.º 2, deste Código[cli]. O grosso das mais de 33 mil sociedades irregulares constantes dos dados estatísticos referidos no início deste estudo plausivelmente terão esta condição.

A primeira grande questão que as mesmas suscitam é a de saber que regime legal se lhes aplica; consistindo a segunda em saber se esse regime se aplica em toda a sua extensão. Quanto à primeira, diversas razões levam à conclusão de que tais sociedades são regidas pelos arts. 980.º a 1021.º do CC; e, quanto à segunda, a diretriz geral será a de que tais artigos se aplicarão na medida em que tal seja compatível com a indicada norma de ordenação económica. Com efeito, o regime constante destes artigos mostra-se ambivalente: por um lado, é o regime concebido para regular as sociedades civis em geral; por outro lado, constitui o direito societário geral, i. e., é direito privado comum, que o art. 2.º do CSC manda aplicar a título subsidiário. Na falta de disposições especialmente aplicáveis às sociedades em apreço no CSC, salvo regras fragmentárias, ele tem, pois, enquanto direito privado comum, uma natural vocação para se aplicar. E ao mesmo resultado se chega ou aplicando analogicamente aquele art. 36.º, n.º 2, ou considerando que as sociedades em causa caem no campo de aplicação do CSC, embora só tenham neste uma regulação fragmentária, intervindo o regime em apreço a título subsidiário (art. 2.º do CSC)[clii].

Analisam-se, em seguida, alguns aspetos especialmente relevantes. Mas pode, em termos mais gerais, observar-se, ainda, o seguinte: i) as sociedades em apreço, tendo um objeto comercial, devem considerar-se sujeitas ao estatuto do comerciante , salvo, porventura, na parte em que este lhes seja favorável, bem como ao SNC e aos juízos de comércio[cliii]; ii) mesmo sendo, por isso, obrigadas a adotar uma firma [cliv] e ainda que tenham obtido o competente certificado de admissibilidade, não possuem um direito privativo sobre ela, porque este depende do registo[clv]; iii) o respetivo título constitutivo énulopor violação do princípio da tipicidade ou numerus clausus das sociedades com objeto mercantil (art. 1.º, n.º 3) [clvi] e, pelo menos num grande número de casos, sê-lo-á também por vício de forma[clvii]; podendo e devendo o MP propor ação de liquidação da sociedade, após promover sem sucesso a sua regularização (arts. 172.º e 173.º) e podendo qualquer interessado propor ação de nulidade, nos termos gerais (cfr. o art. 286.º do CC), com efeitos dissolutórios e sujeição da liquidação a regras especiais[clviii], embora, por analogia com o disposto no art. 173.º (tendo implícito um princípio de conservação das sociedades, enquanto unidades produtivas), a sociedade possa requerer ao tribunal prazo para se regularizar e a regularização seja possível até ao trânsito em julgado da decisão proferida na ação[clix]. [clx]

5.1.1 Vinculação da sociedade

No que respeita à atuação da sociedade no tráfico jurídico-negocial, mais especificamente à sua representação «orgânica», faltando, indevidamente, o registo – donde deveria constar o sistema de representação em apreço –, da aplicação do art. 996.º não pode retirar-se a oponibilidade a terceiros – pelo menos, se de boa fé – de eventuais cláusulas originárias do contrato de sociedade derrogatórias do regime legal do CC[clxi]. As cláusulas em apreço devem, para o efeito, considerar-se sujeitas a registo.

5.1.2 Garantia patrimonial dos credores sociais

Quanto à responsabilidade pelo passivo social, à plena garantia do ativo social[clxii], acresce a responsabilidade dos sócios,nos termos gerais[clxiii]. Via de regra, cada sócio responde pelo passivo social existente, até à data em que haja cessado – com eficácia em relação a terceiros – a sua qualidade de sócio (mesmo se o passivo é, no todo ou em parte, anterior à aquisição desta – art. 997.º, n.º 4)[clxiv]. Todavia, devendo, para este efeito, o facto determinante da perda desta qualidade considerar-se sujeito a registo[clxv], faltando este, o ex-sócio (ou os seus sucessores) ou não poderá, em princípio, invocá-la[clxvi], ou apenas o poderá fazer, opondo a um determinado credor social que a dívida é posterior a tal perda, provando o efetivo conhecimento da mesma por parte desse credor[clxvii].

Estando em causa uma sociedade irregular, designadamente para pressionar a sua regularização[clxviii], mas também por razões de ordem prática e de proteção dos terceiros que contratam com a sociedade (o tráfico mercantil quer-se fluido e seguro e estes podem nem saber quem são os sócios e não ter informação acerca da existência e consistência do património social), mostra-se defensável uma adicional responsabilidade de quem atua em nome da sociedade (responsabilidade do agente) e dos respetivos gerentes ou administradores , designados e porventura de facto, presuntivos responsáveis pela existência da sociedade irregular no mercado, como sucede no art. 40.º, n.º 1, e no art. 4.º, n.º 2. A razão de ser é semelhante.

5.1.3 Prestação de contas

Um tema largamente tratado na jurisprudência existente acerca das sociedades irregulares (simples) é o da obrigação de prestação de contas por parte de quem as gere. Mais especificamente, a grande questão consiste em saber se um sócio pode, no exercício do direito que lhe cabe segundo o art. 988.º do CC (aplicável diretamente ou por analogia), lançar mão do processo especial regulado nos arts. 941.º e ss. do CPC ou se, pelo menos quando seja invocada a nulidade do contrato de sociedade, essa prestação de contas terá de ocorrer no âmbito da liquidação da sociedade[clxix].

A resposta tem sido dominantemente no primeiro sentido; e surge parcialmente fundamentada numa suposta validade desse contrato[clxx]. O assunto requer desenvolvimentos que aqui não podem fazer-se. Em termos muito gerais, importa realçar que, havendo uma sociedade com objeto mercantil atípica (geral) e/ou sem contrato dotado da forma prevista no art. 7.º do CSC, não meramente preliminar mas irregular em sentido estrito, o contrato é nulo; embora, como se referiu, a declaração de nulidade apenas tenha efeitos dissolutórios da sociedade realmente existente[clxxi]. Porém, numa grande parte dos casos submetidos à apreciação dos tribunais, a sociedade em causa era meramente interna; e, portanto, via de regra, o problema da validade não se colocava[clxxii].

Também numa parte dos casos, estava em causa uma sociedade constituída, entre duas pessoas, para a realização de certo empreendimento, tendo-se já esgotado o objeto da mesma; e o problema circunscrevia-se, portanto, à prestação de contas final, por um sócio (administrador ou que colheu os resultados da atividade exercida), requerida pelo outro.

5.2 SpQ e SA irregulares

As SpQ e SA irregulares (resultantes da conversão de SpQ e SA em formação em sociedades irregulares, por abandono voluntário do projeto de constituir uma sociedade registada, porque o registo foi negado ou se tornou impossível, ou já constituídas sem intenção de registar) – hoje em dia, tal como as correspondentes sociedades em formação, plausivelmente pouco numerosas, dada a existência dos aludidos processos simplificados de constituição das mesmas – justificam também um apontamento. Em termos gerais, importa, antes de tudo, saber: que regime legal se lhes aplica? O regime societário geral, constante dos arts. 980.º a 1021.º do CC, com as devidas adaptações e tendo em conta que uma eventual participação da sociedade no tráfico como SpQ ou SA apresenta carácter enganoso? Primeiramente e na medida do possível, o regime do CSC?

Uma resposta cabal – que implicaria, ainda, distinguir as sociedades com título formalmente válido, aqui tidas diretamente em vista, das que o não têm, que podem reconduzir-se ao mencionado art. 36.º, n.º 2, mas envolvem o uso enganoso do tipo - exigiria um estudo que aqui não pode ser feito. Em todo o caso, sob reserva de melhor reflexão, poderá dizer-se que, à semelhança do que sucede com as sociedades em formação, nas relações internas, será aplicável, em princípio, o disposto no contrato e no CSC, salvo o que pressupuser o registo da sociedade (e das participações sociais), com as duas grandes exceções constantes do art. 37.º: quer a transmissão das participações sociais, quer a alteração do pacto social requerem o consentimento unânime dos sócios. A estas acresce, no entanto, pelo menos um outro desvio importante ao regime legal dos tipos sociais em apreço: às causas legais de exoneraçãodeve acrescentar-se a irregularidade da sociedade, especialmente relevante, sobretudo, para quem se oponha à perduração de uma inicial sociedade em formação como sociedade irregular[clxxiii]. E a irregularidade deve considerar-se também justa causa de dissolução, dado estar em causa, um problema não apenas relativo ao funcionamento da sociedade e aos possíveis sócios discordantes, mas também regulatório[clxxiv].

No que respeita às relações externas,apesar do silêncio da lei, é possível defender, a respeito das SpQ e SA em formação, a aplicação à representação do regime legal do tipo. Embora com dúvidas, entendemos que tal solução não é de acolher aqui: a irregularidade da sociedade justifica uma prevalência dos interesses de segurança e fluidez do tráfico mercantil e dos terceiros que contratam com a sociedade de algum modo às cegas; ou seja, reclama a aplicação do regime semelhante ao das sociedades irregulares gerais ou simples. E também não se justificam as restrições à capacidade da sociedade que se identificaram a respeito das sociedades em formação.

A responsabilidade pelo passivo social não apresenta especialidades de monta, em confronto com o que se viu a respeito das sociedades irregulares gerais[clxxv], embora a responsabilidade dos gerentes e administradores, distintos dos sócios, tenda a assumir aqui um lugar mais relevante. Assim, à plena garantia do ativo social[clxxvi], que aqui não pode sofrer contestação mesmo para quem entenda que ela (praticamente) não existe nas SpQ e SA em formação, acresce a responsabilidade dos sócios,nos termos gerais[clxxvii]. Via de regra, cada sócio responde pelo passivo social existente, até à data em que haja cessado – com eficácia em relação a terceiros – a sua qualidade de sócio (mesmo se anterior à aquisição desta – art. 997.º, n.º 4, do CC)[clxxviii]. Todavia, devendo, para este efeito, o facto determinante da perda desta qualidade considerar-se sujeito a registo[clxxix], pelo menos quando às SpQ irregulares[clxxx], faltando este, o ex-sócio (ou os seus sucessores) ou não poderá, em princípio, invocá-la[clxxxi], ou apenas o poderá fazer - opondo a um determinado credor social que a dívida é posterior a tal perda – se provar o efetivo conhecimento da mesma por parte desse credor[clxxxii].

Note-se, ainda, que, estando em causa uma sociedade irregular, designadamente para pressionar a sua regularização[clxxxiii], também aqui se justifica uma adicional responsabilidade de quem atua em nome da sociedade (responsabilidade do agente) e dos respetivos gerentes ou administradores, designados e porventura de facto, como sucede nas SpQ e SA em formação (art. 40.º, n.º 1) e nas sociedades estrangeiras que, sendo obrigadas a isso, não têm em Portugal representação permanente registada (art. 4.º, n.º 2). A razão de ser é semelhante.

6. Regularização de sociedades irregulares. Transformação

Tal como sucede com as sociedades civis (externas) em geral, as sociedades irregulares - simples ou SpQ e SA irregulares - constituem CAPs coletivos presentes no mercado, integrando o tecido produtivo nacional. Logo, apesar da irregularidade, a lei favorece a sua subsistência, dando aos interessados a oportunidade de regularizarem a situação. O art. 173.º exprime bem esta ideia.

A regularização pode dar-se de diversas maneiras[clxxxiv]. Designadamente, estando em causa uma sociedade irregular simples (ou geral), podem os sócios constituir uma sociedadeem devida forma – maxime, uma SpQ ou SA – e transferir para a mesma o negócio já existente, esvaziando, dissolvendo e liquidando a sociedade preexistente. Mas podem também assegurar a subsistência e continuidade do próprio CAP societário já existente, alterando apenas a sua forma jurídica, ou seja, podem socorrer-se, para o efeito, da figura da transformação, como, para a sociedade civil em geral, se prevê no art. 130.º, n.º 2, do CSC[clxxxv].

Tratando-se de uma SpQ ou SA irregular, que os interessados pretendam manter como tal, não haverá mudança de forma. Como, porém, se trata de passar de uma SpQ ou SA irregular – dotada de um regime jurídico substancialmente distinto do dos tipos regulares, aliás mal definido, como se viu –, para uma correspondente sociedade regular, serão de observar também pelo menos algumas regras do CSC aplicáveis à transformação; mormente, o art. 131.º, n.º 1, al. b). Uma vez que não estamos perante uma (regular) SpQ ou SA em formação, de carácter provisório ou transitório, o art. 19.º não se aplica. Mormente, não se aplica o efeito liberatório previsto no n.º 3. A prática de ativar a sociedade antes do registo, deixando-a perdurar assim longo tempo, e de a registar quando o negócio dá sinais de não estar a correr bem, para obter esse efeito, que ocorreu com alguma frequência no passado, não tem cobertura legal[clxxxvi].

III

Sociedades civis, sociedades irregulares e personalidade jurídica

7. Sociedades civis

Decorre do exposto [clxxxvii] que as sociedades civis reguladas no CC (sociedades de direito civil) são, pelo menos no essencial, sociedades externas, que atuam ou se destinam a atuar no tráfico jurídico. De fora, ficam as sociedades meramente internas, que não surgem, enquanto atores produtivos coletivos, neste tráfico. É sobre essas sociedades externas que incide a questão da respetiva personalidade jurídica, de que agora nos ocupamos. Ainda assim, como também já se observou, importa nelas fazer distinções. A primeira, é entre sociedades gerais ou simples e sociedades de direito especial. A esta última categoria pertencem as sociedades de direito civil profissionais - reguladas especialmente na LSP (Lei n.º 53/2015), juntamente com as sociedades profissionais de direito comercial, a que se aplica, em geral, o CSC[clxxxviii]. Segundo esta Lei, tais sociedades profissionais de direito civil adquirem personalidade jurídica com a inscrição definitiva do respetivo contrato de sociedade no RNPC; enquanto as sociedades profissionais de direito comercial adquirem tal personalidade nos termos em que a adquirem as sociedades de direito comercial em geral (com objeto comercial e/ou civil), i. e., com o registo definitivo do respetivo título constitutivo no registo comercial[clxxxix].

No que respeita às sociedades civis gerais, o panorama ainda se mostra, no entanto, diferenciado, comportando tal categoria: i) sociedades constituídas mediante escritura pública e nesta devidamente caracterizadas, em termos análogos aos legalmente previstos para as associações a que a lei formalmente reconhece personalidade jurídica[cxc]; ii) sociedades registadas no RNPC e como tal pelo menos sumariamente caracterizadas e dotadas de firma distintiva legalmente protegida através de direito privativo[cxci]; iii) sociedades constituídas por mero escrito particular ou informalmente [cxcii] e, porventura, sociedades apenas existentes de facto, sem que os respetivos membros tenham plena consciência disso[cxciii]. Quanto às primeiras, constituídas mediante procedimento formal e público, pode ser-lhes reconhecida personalidade jurídica, nos termos dos arts. 157.º, parte final, e 158.º do CC[cxciv]. Quanto às segundas, é também possível entender que elas adquirem personalidade jurídica com o registo, aplicando a coordenada geral do ordenamento jurídico constante, designadamente, do art. 5.º da LSP e do art. 5.º do CSC[cxcv].

Sobra a terceira espécie de sociedades civis[cxcvi]. São elas sujeitos de direito ( i. e., dotadas de subjetividade jurídica)? E qualificáveis como pessoas jurídicas (ou pessoas coletivas)? Na ausência de um formal reconhecimento jurídico como tais, deduz-se tal qualificação do respetivo regime jurídico?

Como se notou acima, em face da disciplina constante do CC, as opiniões são desencontradas. Nota-se, contudo, uma atual tendência para lhes reconhecer subjetividade jurídica [cxcvii], à semelhança do que sucede, por ex., no direito espanhol [cxcviii] e - apesar do texto societário do BGB ainda vigente - no atual direito alemão[cxcix], bem como, não obstante a atitude do legislador do CC de 1942, com boa parte dos autores italianos[cc]; enquanto, também a título de exemplo, o direito francês - por razões de ordenação económica igualmente presentes, inter alia, na propriedade industrial[cci]- evoluiu no sentido de só reconhecer personalidade (ou subjetividade) jurídica às sociedades registadas[ccii]. Saber se subjetividade jurídica é o mesmo que personalidade jurídica, ou se esta é uma forma qualificada de subjetividade, depende do conceito que se tenha de pessoa jurídica (coletiva)[cciii]; deixando-se aqui de lado este problema, com ressalva da pequena referência que se lhe faz adiante.

A favor da subjetividade jurídica, pode aduzir-se, designadamente, o que se segue. Embora o legislador nacional não tenha reproduzido o disposto no art. 2266 I do CC italiano – segundo o qual a sociedade adquire direitos e assume obrigações por meio dos sócios que detêm a respetiva representação e está em juízo na pessoa dos mesmos –, uma tal regra pode considerar-se implícita no regime legal existente[cciv] , [ccv] ; o que depõe a favor de tal subjetividade jurídica – i. e., da sua suscetibilidade de ser titular de direitos e vinculações no âmbito alargado do exercício das atividades produtivas (ainda que não se trate de uma pessoa jurídica stricto sensu ou plena). Com efeito, a sociedade surge neste regime como uma organização que, partindo das contribuições dos sócios, tem por objeto o exercício de certa atividade (atividade social ou da sociedade[ccvi]) - comportando tal exercício a eventual formação de uma vontade social ou coletiva por maioria [ccvii] -, com vista a gerar um excedente de valor[ccviii]. Este valor é gerado no património social e destina-se a ser atribuído , no todo ou em parte, pendente societate, a cada um dos sócios, mediante uma deliberação maioritária destes, transferindo-o para a sua esfera jurídica individual[ccix].

A lei fala em duração e em negócios da sociedade [ccx], bem como na sua representação, em juízo e fora dele, nos seus representantes e em deliberações dos sócios acerca dessa representação[ccxi]. Está em causa a sua representação «orgânica», que envolve também a constituição de representantes voluntários, nos termos gerais, e nada indica que ela se circunscreva às relações com terceiros não sócios, podendo, portanto, a sociedade celebrar negócios com os seus sócios, enquanto terceiros. A sociedade é titular do património social, com os respetivos bens[ccxii], é credora,perante sócios e terceiros[ccxiii], e tem os seus credores, também sócios e terceiros[ccxiv], sendo ela que, através dos elementos ativos desse património (incluindo a empresa, se a houver), primacialmente, responde pelas dívidas sociais, sejam estas osdébitos decorrentes da atividade negocial exercida[ccxv], sejam os derivados de atos ou omissões ilícitos[ccxvi]. Os sócios surgem aqui como meros garantes do passivo social (respondendo por dívida alheia) [ccxvii] e podendo alguns nem o ser[ccxviii]. Tem, ainda, capacidade testamentária passiva[ccxix]; não possuindo a correspondente capacidade ativa, porque esta é inseparável da pessoa humana.

Um credor pessoal de um sócio pode ser titular de um direito à liquidação do valor da participação deste - correspondente a uma quota-parte do valor desta, apenas do seu valor -, contra a sociedade[ccxx], e igual direito à liquidação podem ter os sócios e os herdeiros destes[ccxxi]. A sociedade está sujeita a dissolução e extinção [ccxxii] e ao direito potestativo de exoneração dos sócios[ccxxiii]; e é titular do direito potestativo de exclusão de sócios, nos termos do art. 1003.º, exercendo-o, em geral, através de deliberação maioritária dos demais sócios[ccxxiv]. Está, ainda, sujeita à insolvência[ccxxv]. Na liquidação de participações sociais, atende-se, antes de mais, ao estado da sociedade numa data relevante[ccxxvi]. Havendo perdas decorrentes da atividade social, elas consideram-se perdas suas[ccxxvii]. A esfera de atividade da sociedade não só é distinta da de cada um dos sócios, como a estes nem sequer é permitido o exercício de atividade concorrente[ccxxviii]. Embora, na falta de registo, careça de um direito privativo, a sociedade terá uma firma identificativa, que, inclusive, pode ter sido (originariamente) certificada[ccxxix]. Acresce que a mesma é suscetível de transformação, designadamente, numa personificada SNC, SpQ ou SA[ccxxx], o que revela a substancial identidade das mesmas, apesar de apresentarem características e estarem submetidas a regimes jurídicos distintos.

O regime jurídico em apreço pode ter outra leitura: não no sentido de que a sociedade é essencialmente (ou se reconduz a) uma comunhão de mão comum, instituída por contrato e objeto de administração unitária, porque tal representa uma visão reducionista e desfocada da realidade regulada (as sociedades em apreço nem sequer são estruturas adequadas de acumulação de capital)[ccxxxi], mas de que é um CAP coletivo patrimonialmente autónomo, uma unidade de ação económico-jurisgénica convenientemente identificada como tal[ccxxxii], destinada à atuação no tráfico jurídico e a ocupar um lugar no tecido produtivo nacional, etc., a que corresponde um acervo de direitos e vinculações que, na falta de subjetividade jurídica do mesma, serão formalmente encabeçados por quem, em cada momento, for sócio. Isso terá naturais implicações, mormente nos registos de bens e direitos integrantes do património social, mas concebe-se bem tal construção jurídica. E, a favor, podem ainda invocar-se leis que contrapõem as sociedades em causa às pessoas coletivas, incluindo sociedades personificadas, nalguns casos referindo-as até como sociedades sem personalidade jurídica[ccxxxiii].

Todavia, como se deduz do exposto, a lei comporta, igualmente, uma visão da sociedade como CAP personificado ou juridicamente subjetivado; e ela afigura-se, mesmo, a mais natural. Ou seja - tendo em conta, ainda, que a sociedade é uma organização de membros variáveis, capaz de subsistir, inclusive, sem uma pluralidade dos mesmos [ccxxxiv] -, o mais natural é ver nos textos, mormente da lei societária, um afloramento ou manifestação da ideia de que a ela é, não apenas um centro de atividade (unidade de ação) produtiva (com um património afeto proporcionado pelos sócios e finalisticamente vinculado), mas também um correspondente centro de imputação jurídica, um CAP dotado de subjetividade jurídica (sujeito de direito)[ccxxxv], titular do respetivo direito à firma[ccxxxvi], dos direitos e vinculações que compõem o património social, dos direitos de conformação da coletividade social, etc. Dado que no regime jurídico se colhe uma organização produtiva coletiva de membros variáveis, potencialmente diferenciada, que pode até subsistir só com um sócio, com administração e representação confiável a terceiros, com um princípio maioritário regendo em grande medida o funcionamento da coletividade social, capaz de atuar no tráfico jurídico e compatível com a possibilidade de ter negócios com os sócios enquanto terceiros, tendo os sócios (não necessariamente todos) mera responsabilidade de garantia, por dívidas alheias – da sociedade entidade distinta dos sócios individualmente considerados, embora a alienidade seja relativa porque os sócios são elemento componente da sociedade (não mero substrato) –, afigura-se que a subjetividade jurídica exprime melhor a síntese desse regime do que a mera autonomia patrimonial.

Note-se, contudo, que, em pequenas sociedades com dois sócios, de exercício direto da atividade, sem colaboradores ou com colaboração pouco significativa, dotadas de um património diminuto e realizando uma repartição informal de lucros ao longo do ano, ainda que por conta de lucros a apurar em contas periódicas, pelo menos para efeitos fiscais, haverá uma tendencial identificação prática da sociedade com os sócios enquanto tais (formando um CAP coletivo); e o património social aparecerá mais como um património coletivo, dos mesmos enquanto sócios. Neste caso, é possível dizer-se que a ideia da sociedade como CAP patrimonialmente autónomo exprime melhor o que ela realmente é. Mas, dado que o património social poderá ter uma expressão mínima, ainda aqui a essência do fenómeno reside na sociedade enquanto centro de atividade e não nele.

Contra a tese da subjetividade jurídica, e a favor da visão da sociedade como comunhão de mão comum, invocam-se, ainda, alguns preceitos do CC. Em primeiro lugar, os arts. 995.º, n.º 1, 989.º e 990.º, que se referem à exigência de consentimento dos consócios para a cessão da participação, para o uso de bens sociais e para o exercício de atividade concorrente com a da sociedade. Note-se, porém, que encontramos linguagem semelhante nos arts. 180.º, n.º 1, e 182.º, n.º 1, do CSC, relativos à personificada SNC. Em segundo lugar, convocam-se os artigos em que aflora a autonomia patrimonial, mormente o art. 1000.º, relativo à compensação[ccxxxvii]. No entanto, tal como se usam para afirmar a simples autonomia patrimonial ou individualidade objetiva do CAP, também poderão eles ver-se como manifestação da mesma autonomia implicada na personalidade ou subjetividade jurídica. Em terceiro lugar, refere-se o art. 995.º, n.º 2, segundo o qual a cessão está, ainda, sujeita à forma exigida para a transmissão dos bens da sociedade. O preceito, inexistente no CC italiano, parece, realmente, refletir a ideia dos sócios como comuneiros do património social. Ainda assim, mostra-se compatível com a subjetividade jurídica; podendo, designadamente, ver-se como um reflexo da ideia de que a cessão de quotas envolve uma alteração (subjetiva) do contrato de sociedade, que estaria sujeita à mesma regra de forma adotada para a sua celebração[ccxxxviii].

O exposto deixa por resolver o problema da extensão da subjetividade jurídica da sociedade ou, se se preferir, da sua capacidade jurídica[ccxxxix]: para além das situações jurídicas legalmente identificadas e correspondentes ao exercício de uma atividade produtiva em benefício dos sócios, que outras podem considerar-se abrangidas? Por ex., a sociedade tem capacidade registal? [ccxl] Havendo uma execução de bens da sociedade, as pessoas próximas dos sócios estão impedidas de exercer o direito de remição regulado nos arts. 842.º e ss. do CPC? [ccxli] Pode beneficiar de apoio judiciário? [ccxlii]

Na verdade, enquanto nas sociedades pessoas jurídicas – ou pessoas jurídicas plenas – pode afirmar-se, com carácter geral, que a sua capacidade abrange todos os atos, direitos e vinculações necessários ou convenientes à realização do seu fim (cfr. o art. 6.º, n.ºs 1 a 3, do CSC) ou, inclusive, por analogia com as pessoas singulares, todos os que não sejam inseparáveis destas, na situação presente, a medida da subjetividade ou capacidade está em aberto, devendo, caso a caso, resolver-se, por analogia, com as sociedades personificadas (cfr., ainda, os arts. 157.º e 160.º do CC)[ccxliii].

8. Sociedades irregulares

O que acaba de observar-se vale também para as sociedades irregulares em sentido lato, compreendendo as sociedades preliminares, as sociedades em formação [ccxliv] e as sociedades irregulares stricto sensu [ccxlv]. Contra, em especial no caso destas últimas, poderia argumentar-se que as mesmas constituem um problema regulatório, não merecendo a subjetividade jurídica; mas, vendo bem, a sanção adequada, para o efeito, é a sua sujeição à dissolução ou a uma ação de nulidade dissolutória.


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Acórdão do BGH de 4.12.2008, V ZB 74/08,BGHZ,179, 2009, pp. 102 e ss.



[i] Dados disponíveis em https://estatisticas.justica.gov.pt/sites/siej/pt-pt/Paginas/Entidades_inscritas_FCPC.aspx . Os dados não são muito diferentes dos de 2016. Salvo se outra coisa resultar do contexto, os artigos citados sem indicação do correspondente diploma legal são do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Para dados de 2004 e uma evolução das formas societárias em Portugal, cfr. Duarte (2008), pp. 479 e ss., 495 e ss.

[ii] Cfr. Costa (2020), p. 398.

[iii] Adiante designada Lei das sociedades profissionais ou LSP.

[iv] Utilizamos a expressão sociedade de direito comercial para aludir às sociedades, voluntária ou legalmente, sujeitas ao disposto no CSC. Cabem nela as sociedades comerciais stricto sensu ou sociedades comerciais puras ( i. e., com objeto mercantil) e as sociedades que, tendo objeto civil, revestem uma forma societária mercantil, tradicionalmente apelidadas sociedades civis sob forma comercial.

[v] Acerca dos procedimentos constitutivos as sociedades de direito comercial, geral e especiais, cfr., por ex., Cunha (2019), pp. 215 e ss., Abreu (2021), pp. 95 e ss., e, enquadrando a matéria na liberdade de iniciativa económica privada (e na liberdade de estabelecimento da União), Ramos (2016), pp. 107 e ss., 122 e ss., 129 e ss.

[vi] Mas cfr. a nota 8.

[vii] Cfr. Mendes (2022), pp. 159, 164, 167, 171, 180 e s., e, sobretudo, 189 e ss., 199 e ss.

[viii] Cfr., por ex., López Sánchez (2013), p. 42. Acerca da associação em participação, no direito nacional, cfr., por ex., Duarte (2010), pp. 144 e ss., com referências na nota 20, e, aprofundando o seu confronto com a sociedade, Duarte (2022), pp. 661 e ss., com ulteriores indicações, doutrinais e jurisprudenciais. No direito francês, acerca da société en participation, cfr. os arts. 1871 e ss. do CC; no CC brasileiro, arts. 991 e ss.; na Itália, por ex., Galgano (2003), pp. 21 e ss.

[ix] Cfr., por ex., os acórdãos do STJ de 7.10.1999, 15.05.2003, 8.11.2005, 31.05.2007 e 7.04.2016, o acórdão do TRP de 21.04.2016 e o do TRC de 9.01.2012. Qualificando como associação em participação uma situação suscetível de ser vista como uma sociedade interna (com participação igualitária não apenas nos resultados da atividade operacional, mas no próprio estabelecimento – ou pelo menos no respetivo valor - criado com contribuições de ambos os intervenientes), cfr. o Ac. do TRL de 18.09.2008; e observação análoga pode fazer-se para o Ac. do STJ de 24.01.2019. Estes dois arestos são também referidos por Duarte (2022), pp. 673 e ss.

[x] Os limites do presente trabalho não nos permitem tratar nele diversos outros problemas, como o dos elementos do próprio conceito de sociedade e o das sociedades com forma comercial – sempre ou quase sempre, SpQ ou SA – que não exercem uma verdadeira atividade produtiva, em que se salientam as sociedades de «simples administração de bens» a que alude o art. 6.º, n.º 4, al. b), do CIRC.

[xi] Cfr. Mendes (2010), pp. 1181 e ss., 1211 e ss., 1221 e ss.

[xii] Cfr., em geral, os arts. 7.º, 9.º, 5.º e 18.º, 36.º e ss. e 172.º do CSC, os citados DL n.º 111/2005 e n.º 125/2006 (relativos à constituição simplificada de SpQ e SA) e os arts. 4.º, 5.º, 19.º, 21.º e 6.º, n.º 2, da LSP, bem como infra, n.ºs 2 e 3. Se a opção for por uma sociedade profissional de direito civil, pode discutir-se se a validade do contrato depende de forma escrita, quando não se aplique o disposto no art. 981.º do CC, mas não há dúvida de que, para completar o processo constitutivo legal, tal forma é necessária.

[xiii] Para os devidos desenvolvimentos, veja-se Mendes (2012), pp. 167 e ss., 186 e ss., 245 e ss., com mais indicações.

[xiv] Cfr. a nota anterior.

[xv] Cfr. o correspondente art. 2247 do CCit, comum a todas as sociedades. No art. 2248, esclarece-se que a comunhão de mero gozo está fora do conceito, regendo-se por disposições distintas.

[xvi] Arts. 981.º e 982.º, correspondentes aos arts. 2251 e 2251 do CCit, relativos à sociedade simples.

[xvii] Acerca deste n.º 2, cfr., no entanto, as observações críticas de Cordeiro (2018), pp. 525.

[xviii] Arts. 2253 a 2290.

[xix] Arts. 983.º e 984.º

[xx] Arts. 985.º a 987.º

[xxi] Art. 988.º Estes direitos são, em grande medida, instrumentais de outros direitos, como o da efetivação da responsabilidade dos administradores a que se refere o art. 987.º, n.º 2, do CC, e o direito ao lucro e à quota de liquidação. Acerca da prestação de contas, cfr. os arts. 941.º e ss. do CPC.

[xxii] Arts. 991.º a 994.º Salientam-se duas regras: a da competência da coletividade dos sócios para a atribuição dos lucros aos sócios e a da proporcionalidade na partilha destes e do risco do negócio.

[xxiii] Art. 989.º Dada a afetação dos bens à atividade de fim comum lucrativo, a lei parte do pressuposto de que a mesma é, em princípio, conflituante e, portanto, incompatível com possíveis utilizações pessoais desses bens. Mas tolera desvios, desde que unanimemente consentidos. A regra respeitante à compropriedade é, de certa forma, a inversa (art. 1406.º do CC).

[xxiv] Art. 990.º Esta obrigação constitui a manifestação mais significativa de um princípio de separação da atividade social e da atividade individual, extrassocial, de cada sócio, que engloba também uma regra de não desvio e aproveitamento privado de oportunidades de negócio sociais. Não consta, porém, do regime da sociedade simples do CC italiano. A norma relaciona-se também com as «naturais» funções de administração dos sócios; devendo considerar-se aplicável aos administradores que não sejam sócios, como acontece nas próprias SpQ e SA.

[xxv] Art. 995.º Cfr. infra, n.º 4.2.

[xxvi] Cfr. infra, n.º 4.2. A estas vicissitudes podem acrescentar-se a insolvência e a execução singular do sócio.

[xxvii] Art. 1021.º Note-se, por um lado, que este artigo é aplicável, não apenas aos casos de morte, exoneração e exclusão nele mencionados, mas, igualmente, quando a liquidação da quota é exigida por um credor do sócio titular, nos termos do art. 999.º; por outro lado, que a regulação dele constante pressupõe que a participação social tenha um valor positivo. Se apresentar um valor negativo, torna-se necessário integrar a lacuna, recorrendo às regras do art. 1016.º, n.º 2, e da participação nas perdas (cfr. os arts. 992.º e 1018.º, n.º 2).

[xxviii] Art. 996.º Está em causa a representação relativa à superstrutura do CAP societário, não à representação institucional respeitante à infraestrutura produtiva (arts. 248.º e ss. do CCom e 115.º, n.º 3, do CTrab), nem à representação voluntária (arts. 258.º e ss. do CC). Cfr. infra, n.º 4.3.

[xxix] Art. 997.º Cfr. infra, n.º 4.4.

[xxx] Art. 998.º; veja-se, ainda, o art. 1020.º Criticando, com razão, a aplicação aqui (como nos arts. 165.º do CC e 6.º, n.º 5, do CSC) do regime de responsabilidade do comitente, uma vez que a sociedade deve responder mesmo que não haja um agente obrigado a indemnizar, cfr. Cordeiro (2018), p. 544, e (2020), pp. 345 e ss. Na verdade, na própria responsabilidade penal é assim (art. 11.º, n.º 7, do CPen).

[xxxi] Art. 999.º, n.º 1, semelhante ao art. 183.º, n.º 1, do CSC, relativo às SNC.

[xxxii] Art. 999.º, n.º 2. Tal como está redigido, o preceito presta-se a críticas. Cfr. o paralelo art. 183.º do CSC.

[xxxiii] Art. 1000.º, 1.ª parte. Cfr. o art. 847.º, de cuja interpretação já poderia retirar-se solução igual à presente.

[xxxiv] Art. 1000.º, 2.ª parte. Cfr. a nota anterior.

[xxxv] Como decorre dos arts. 980.º a 982.º, trata-se também de uma organização de base contratual, fundada num contrato, embora de membros variáveis (arts. 995.º e 1001.º a 1003.º) e podendo subsistir temporariamente com um único sócio (art. 1007.º, al.d)).

[xxxvi] No CSC, cfr. os arts. 9.º e ss. e, a respeito das SNC, os arts. 177.º, 180.º e 192.º, n.º 2.

[xxxvii] Arts. 1240.º a 1297.º

[xxxviii] Cfr. suprae, por ex.,Costa (2020), pp. 395 e ss., e Cordeiro (2020), pp. 308 e ss.

[xxxix] Neste ponto, o direito nacional diverge do direito italiano vertido no CC de 1942 (arts. 2247 e ss.), que, em sintonia com a atual noção e caracterização da sociedade, deslocou a matéria para um livro dedicado ao trabalho (autónomo e não autónomo). No CC brasileiro de 2002, a matéria aparece regulada no livro II, respeitante ao Direito de Empresa, nos arts. 981 e ss., embora também se admitam sociedades não empresárias (ou simples), com personalidade jurídica (registadas) ou sem ela (sociedades em mão comum) e, quanto às sociedades anónimas, se remeta para lei especial.

[xl] Não se aplicando ao caso o procedimento simplificado de constituição de associações em geral, regulado na Lei n.º 40/2007, nos termos do art. 158.º, n.º 1, a aquisição de personalidade jurídica dependerá de dois requisitos: escritura pública e especificação nesta dos elementos constitutivos indicados no art. 167.º, n.º 1 [firma, sede, fim (no caso, fim imediato ou objeto), etc.]. A inscrição no FCPC, a que as associações estão sujeitas (arts. 4.º, n.º 1, al. a), e 6.º do RRNPC) não é exigida, para o efeito. Pode, contudo, perguntar-se se não é de exigir pelo menos alguma forma de publicidade (de promoção obrigatória para o notário), nos termos do art. 168.º Sobre este último aspeto, cfr. Cordeiro (2020a), p. 450 (no sentido da exigência) e p. 486 (com outras indicações).

No sentido do texto, podem ver-se, designadamente, Mendes (1978), pp. 284 e ss., e, no seguimento do ensino de Paulo Cunha, Fernandes (2009), pp. 497 e ss., 503 e ss., e Cordeiro (2020), pp. 322 e s., ambos com mais indicações, este último nas págs. 320 e s.; cfr., ainda, Castelo (2016), p. 289. Cordeiro parece exigir, no entanto, quanto às formalidades pertinentes, além da escritura pública (ou equivalente), a inscrição no RNPC; igual exigência parecendo fazer Sequeira (2015), pp. 460 e s. Cunha (1971/72) exigia, além da escritura, a publicação dos estatutos (p. 223), que, segundo o ensinado em aula, deveria ocorrer no Diário da República. Vasconcelos (2010) exige também, além da devida identificação, forma e registo, sem especificar qual seria este (pp. 208 e s.), mas parece ser o RNPC.

[xli] Esta é independente daquela personalidade, como o são, designadamente, a capacidade processual e insolvencial: cfr. o tít. III.

[xlii] A existência de um regime geral sobre a firma – generalizando a tradicional firma comercial –, incluindo das sociedades civis, remonta a 1983 (cfr. sobretudo o DL n.º 425/83).

[xliii] Cfr., ainda, os arts. 56.º, n.º 1, al. b), e 61.º do RRNPC, bem como, já anteriormente, o art. 6.º do DL n.º 425/83. Faltando o direito em causa, a firma da sociedade beneficia apenas da tutela geral e difusa do direito da concorrência desleal.

[xliv] Lendo literalmente os arts. 4.º e 10.º do RRNPC, as sociedades civis em apreço poderão inscrever-se, mas não estão sujeitas a inscrição no RNPC/FCPC. É certo que a lei comporta diferente interpretação, como se colhe em Cordeiro (2020), p. 322, mas cfr. Cordeiro (2022), p. 21, nota 65.

[xlv] A Lei aplica-se às sociedades profissionais sujeitas a associações públicas profissionais (art. 1.º), regidas pela Lei n.º 2/2013, isto é, às sociedades que têm por objeto o exercício associado de uma profissão liberal regulada ou protegida: advocacia, medicina, etc.

[xlvi] Que o legislador designa sociedade de profissionais, mas impropriamente, porque nem todos os sócios têm de ser profissionais (arts. 8.º e 9.º e art. 27.º da Lei n.º 2/2013), e desviando-se, sem que se veja vantagem nisso, da terminologia comum noutros países, como a Espanha (LSP de 2007).

[xlvii] Arts. 2.º, n.º 1, 3.º, al. d),e 7.º, n.º 1, da LSP.

[xlviii] Art. 4.º da LSP; cfr. também o art. 27.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2013 e o art. 1.º, n.º 4, do CSC.

[xlix] I. e.,pelo menos a título principal, ao exercício de certa atividade profissional (arts. 2.º, n.º 1, e 7.º).

[l] O EOA foi aprovado pela Lei n.º 145/2015. Cfr. o respetivo art. 213.º, nºs 10 e ss., que, se interpretado no sentido da impossibilidade da opção pelas formas societárias mercantis mais comuns, a SpQ e a SA, merece reparo. Favorável também à opção pelas formas mercantis, cfr., Costa (2020), pp. 399 e ss. e nota 32.

[li] Ou seja, aplicam-se os arts. 998.º do CC ou 6.º, n.º 5, do CSC. Cfr supra, n.º 2.1.1.

[lii] Arts. 19.º, n.º 2, e 21.º da LSP. Este controlo de legalidade não parece dispensar o que cabe, em geral, ao conservador do registo, quanto aos requisitos constitutivos da sociedade.

[liii] Art. 19.º da LSP. Embora a sociedade tenha de apresentar à respetiva associação pública um projeto de contrato, naturalmente em forma escrita, e se afigure que, mesmo nas sociedades de direito civil, o contrato de sociedade (numa versão atualizada) deverá constar do registo, se a opção for por uma sociedade de direito civil, em geral, terá aplicação o disposto no art. 981.º do CC. Cfr. também, por ex., o art. 123.º do EOROC, aprovado pela Lei n.º 140/2015.

[liv] Art. 5.º da LSP; cfr. também o art. 22.º. Segundo o primeiro destes preceitos, tratando-se de sociedade de direito civil, a entidade registadora é o RNPC, sendo competente nos demais casos o registo comercial. Mas pode haver especificidades, como acontece com os revisores de contas, cujo Estatuto dispõe que a respetiva Ordem organiza (ainda) um registo público especial dos revisores e sociedades de revisores, cujo teor é comunicado à CMVM, para efeitos de supervisão e divulgação pública (arts. 171.º e ss.).

[lv] Art. 22.º da LSP. Cfr. a nota anterior.

[lvi] Arts. 5.º, n.º 1, e 6.º, n.º 2, da LSP.

[lvii] Acerca do conceito, cfr. infra, n.º 3.2. Exigindo a lei, para o exercício lícito ou regular da atividade social, a prévia inscrição da sociedade na associação profissional competente, dificilmente se concebe uma regular sociedade profissional preliminar, como a que se prevê no art. 36.º, n.º 2, do CSC.

[lviii] Cfr., além do art. 1007.º, al. e), do CC, os arts. 1.º e 2.º, n.º 1, al. d), do CIRE. Este último Código acrescenta as sociedades civis, inter alia, às pessoas singulares ou coletivas em geral [al. a)], a par das «sociedades comerciais e as sociedades civis sob a forma comercial até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem» [al.e)], do EIRL [al. g)] e de outros patrimónios autónomos [al. h)].

[lix] Cfr. o art. 12.º, al. c),e, acerca da capacidade e da representação em juízo, os arts. 15.º e 26.ºComo sucede no CIRE, o CPC acrescenta as sociedades civis - e também as «sociedades comerciais, até à data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem» [al. d)] -, inter alia, às pessoas singulares ou coletivas em geral (art. 11.º, n.º 2).

[lx] Art. 130.º, nºs 2 e 6. Este preceito revela a substancial identidade das sociedades civis gerais e das sociedades do CSC registadas. Sendo estas dotadas de personalidade jurídica, nos termos do art. 5.º deste Código, encontramos aqui um argumento a favor da subjetividade jurídica das primeiras (cfr. infra, III).

[lxi] Art. 6.º do CIRC. Cfr., no entanto, o art. 2.º, n.º 1, al. b), e n.º 2. Acerca do exercício da capacidade, cfr. o art. 16.º, n.º 3, da LGT.

[lxii] Cfr. os arts. 36.º e 37.º do CRPredial. Noutros ordenamentos jurídicos, o panorama é variável. Por ex., na Alemanha, admite-se o registo, com indicação dos sócios [BGH, 4.12.2008, Cordeiro (2022), p. 16, Schäfer (2020), pp. 183 e s.], mas a situação vai mudar quando entrar em vigor a reforma do direito das sociedades de pessoas de 2021 e passar a haver sociedades civis registadas e não registadas (cfr. infra, III, nota 240).

[lxiii] Acerca deste ponto, veja-se supra, n.º 1.

[lxiv] Cfr. o art. 14.º, n.º 1, do DL n.º 307/2007. O diploma foi alterado e republicado pelo DL n.º 75/2016.

[lxv] Agrupamentos de produção agrícola (APA), empresas familiares agrícolas reconhecidas (EFAR) e agrupamentos complementares de exploração agrícola (ACEA).

[lxvi] DL n.º 336/89, alterado pelo DL n.º 339/90, pelo DL n.º 382/93 e pela Lei n.º 2/2020. Acerca do reconhecimento, cfr. o art. 5.º (bem como os arts. 10.º e 11.º) e, quanto aos apoios e benefícios, os arts. 7.º e 8.º, este, no entanto, revogado pela Lei n.º 2/2020. Cfr. também os arts. 93.º e 95.º da CRP.

[lxvii] Aprovado pelo DL n.º 41/2001, alterado e republicado pelo DL n.º 110/2002; cfr. os arts. 4.º e 5.º

[lxviii] Cfr., designadamente, os arts. 15.º e 17.º do Estatuto.

[lxix] Cfr. o art. 12.º do Estatuto.

[lxx] Ou negócio jurídico unilateral, no caso das SuQ e SA unipessoais.

[lxxi] Se a constituição da sociedade envolver a entrada de bens cuja transmissão esteja sujeita a forma mais solene, como imóveis, o contrato de sociedade fica sempre sujeito à mesma exigência de forma (art. 7.º, n.º 1, e art. 981.º, n.º 1, do CC).

[lxxii] Cfr. os arts. 5.º, 19.º e s., 37.º e ss., 111.º e s. e 120.º, e 140.º (quanto à transformação constitutiva), bem como, no CRCom, os arts. 3.º, n.º 1, al. a) [cfr. também a al. r)], 15.º e 17.º, 35.º e s., 53.º-A, 61.º e ss. Vejam-se também, neste Código, acerca das complementares publicações obrigatórias, os arts. 70.º e ss. Note-se que, nos termos daquele art. 5.º, uma sociedade só existe como sociedade de um dos tipos mercantis a partir do registo. No CSC, acerca do controlo de legalidade, cfr., por ex., Labareda (1988), p. 187.

[lxxiii] Cfr., designadamente, quanto à atividade bancária, o RGIC (aprovado pelo DL n.º 298/92), quanto à atividade seguradora, o RJASR (aprovado pela Lei n.º 147/2015), e, ainda, o RGOIC (aprovado pela Lei n.º 16/2015) e o Regime das empresas de investimento, aprovado pelo DL n.º 109-H/2021.

[lxxiv] Cfr. o DL n.º 10/2013, arts. 2.º, 6.º e ss. Para as sociedades desportivas fora do âmbito das competições profissionais, também admitidas, as exigências de capital são menores (art. 8.º).

[lxxv] Cfr., por ex., Labareda (1988), pp. 180 e ss. (com um conceito restrito de sociedade irregular: sociedade com objeto e de tipo comercial, a que só falta escritura ou registo – pp. 184 e ss. e 203), Duarte (1988), pp. 17 e ss. (discutindo a adequação da expressão), Serens (1997), p. 25, Abreu (2021), p. 125, Antunes (2021), pp. 205 e ss., Ascensão (2000a), pp. 96 e ss. (assinalando o carácter particular do termo, no presente contexto), Pita (2004), por ex., pp. 283, 302 e ss., 500 e ss., Castelo (2016), pp. 271 e ss., Gonçalves (2019), p. 36. Veja-se, ainda, o art. 46.º do Projeto de CS de 1983.

[lxxvi] Como resulta do que se referiu acerca das sociedades profissionais ( supra, n.º 2.2), também pode haver uma sociedade irregular, em sentido lato, em face da correspondente LSP.

[lxxvii] Cfr. os arts. 41.º, n.º 1, 42.º, n.º 1, al. e), e 43.º do CSC e o art. 220.º do CC. À causa de nulidade em apreço pode acrescer ainda a que decorre da violação do mencionado princípio da tipicidade das formas societárias mercantis. Acerca das sociedades preliminares, cfr., no entanto, infra, 3.2.2.

[lxxviii] Cfr., por ex., o art. 19.º, n.º 2, do Anteprojeto de LSQ de Coimbra e, na Alemanha, Schmidt (2002), p. 142. Cfr., ainda, substancialmente neste sentido, Abreu (2021), pp. 124 e s., 154 e ss.

[lxxix] Nos termos deste artigo, uma sociedade não pode transformar-se se o respetivo balanço mostrar que o valor do seu património é inferior à soma do capital e reserva legal [n.º 1, al. b)]. Faltando estes (por, excecionalmente, haver apenas sócios de indústria, situação permitida nas sociedades gerais e nas SNC), a situação líquida não pode ser negativa. Note-se, ainda, que, segundo o art. 139.º, n.º 1, a transformação não afeta a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais anteriormente contraídas.

[lxxx] Acerca da figura e das várias questões que suscita, cfr., por ex., Correia (1982), pp. 508 e ss., (1989), 87 e s., 138 e ss., Pita (2004), pp. 283 e ss., 300 e ss. (englobando as sociedades irregulares gerais a que aludimos adiante, mas restringindo o âmbito de aplicação (“literal”) do art. 36.º, n.º 2, quanto aos seus pressupostos), Serens (1997), pp. 23 e ss., 28 e s., Abreu (2021), pp. 124 e ss., Antunes (2021), pp. 207 e ss., Ascensão (2000a), pp. 99, 102 e ss., Ramos (2017), pp. 580 e ss., Júnior (2020), pp. 238 e ss., Castelo (2016), pp. 277 e ss., todos com mais indicações.

[lxxxi] Cfr. também Ascensão (2000a), pp. 99, 103 e s. Como indicação geral, pode considerar-se razoável o prazo de 1 ano, como se colhe no art. 4.º, n.º 1, do CSC e no art. 61.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do RRNPC (cfr. também Pita (2004), pp. 50 e ss., embora a respeito da sociedade já com título constitutivo válido). Na LSC espanhola, cfr. o art. 39. Faltando a forma prescrita para a constituição das sociedades de direito comercial, parte da doutrina considera nulo o contrato por vício de forma (e admite a ação do MP) mesmo quando haja uma simples sociedade preliminar ou sem distinguir esta da sociedade irregular geral: cfr., por ex., Correia (1989), pp. 87 e 138, Serens (1997), pp. 24 e ss., e 31, Abreu (2021), pp. 124 e s. (nulidade especial), Pita (2004), pp. 285 e ss., 300 e ss., 308 e ss. (nulidade sanável, impeditiva do exercício de direitos como o direito à prestação de contas, de conhecimento oficioso, com intervenção do MP pensada, em especial, para as situações de exercício prolongado da atividade, e sendo competente para a regularização o processo de transformação), (2007), pp. 279 e ss., em especial, o n.º 7. No polo oposto, cfr., designadamente, Castelo (2016), pp. 293 e ss., 299 e ss., e o Ac. do STJ de 19.11.1996. Veja-se também infra, n.º 5.

No domínio do CCom, embora o assunto fosse controvertido, Barbosa de Magalhães (1953) reconhecia às sociedades irregulares existência jurídica, até à declaração (judicial) da sua inexistência (pp. 81 e ss.), personalidade jurídica (pp. 85, 87 e ss.; aliás, como às sociedades civis – p. 100) e a qualidade de comerciantes (apesar do disposto no art. 104.º), bem como a sujeição à falência (pp. 96 e s., 103 e ss.). Já Ferrer Correia (1968), quanto às sociedades irregulares por vícios do título constitutivo (não mera falta de registo ou publicações obrigatórias), movido por preocupações análogas de proteção dos interesses envolvidos, mas entendendo inconcebível uma declaração de nulidade com eficáciaex nunc, admitia esta nulidade, suscetível de ser invocada a todo o tempo, por qualquer interessado, tendo, porém, a sua declaração como efeito a dissolução da sociedade (substancialmente equivalente àquela solução da eficácia apenas para o futuro), considerando-a, por conversão legal, uma sociedade civil - sujeita às competentes regras das sociedades civis (e do contrato celebrado) e, como tal, dotada da correspondente autonomia patrimonial (mas sem personalidade jurídica) e podendo comportar sócios de responsabilidade limitada (com exclusão dos administradores ou que agissem em nome da sociedade – por força do art. 107.º do CCom) – e afastava a sua qualificação como comerciante (pp. 270 e ss., com mais indicações). Donde resulta um especial relevo atribuído à vontade hipotética dos sócios e uma limitação do alcance da coordenada de ordenação económica assinalada no texto, embora o autor a considere (cfr, em especial, a pp. 303 e s.). De entre os demais estudos, tem especial interesse o de Pinto Coelho (1947), utilizando um conceito alargado de sociedade irregular (compreensivo da falta de registo), afirmando a existência de uma comunhão de facto (não contratual ou jurídica), contra as teses da personalidade jurídica e da sociedade civil, negando a qualidade de comerciante, etc.

[lxxxii] Cfr. também, qualificando a sociedade como comercial, dado o seu objeto, Abreu (2021), p. 126, com mais indicações. Contra, qualificando a sociedade como civil, porque no CC ela é também a sociedade comum, Ascensão (2000a), pp. 24 e ss. (salvo se já de tipo comercial – p. 105). Para outras posições, cfr., ainda, Antunes, (2021), p. 208, Ramos (2017), pp. 585 e s., Júnior (2020), p. 242.

[lxxxiii] A respetiva capacidade judiciária geral, ativa e passiva, já decorre do art. 996.º, n.º 1, do CC e é confirmada pelos arts. 12.º, al. d), e 15.º do CPC.

[lxxxiv] Aprovado pelo DL n.º 158/2009, alterado e republicado pelo DL n.º 98/2015. Na verdade, o art. 3.º não contempla as sociedades civis, mas, para o efeito, há de entender-se aplicável o n.º 1, al. a).

[lxxxv] Neste sentido, cfr. também Antunes (2021), p. 208, nota 451, com mais indicações. O que acaba de referir-se vale também, pelas mesmas razões, para as sociedades irregulares ( infra, n.º 5).

[lxxxvi] Quanto à capacidade delitual penal, afigura-se que a sociedade deve tratar-se como uma sociedade civil, para os efeitos do art. 11.º, n.ºs 2 e 5, do CPen. Cfr. os arts. 7.º, nºs 1 e 2, do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001), 2.º e 3.º do DL n.º 28/84 (aludindo a pessoas coletivas e a sociedades, ainda que irregularmente constituídas), e 7.º do DL n.º 432/82 (utilizando um conceito amplo de «associações sem personalidade jurídica»).

[lxxxvii] Embora não do tipo (cfr. o art. 5.º e a seguir, no texto). Acerca da aquisição da qualidade de sócio, pelo contrato, cfr., a respeito das SA, o art. 274.º do CSC.

[lxxxviii] Como se observou a respeito da cessão de participações na sociedade civil, a transmissão da participação social não comporta uma dimensão meramente interna. O aspeto aqui presente respeita, em todo o caso, no essencial, às relações intrassocietárias.

[lxxxix] Cfr., designadamente, os arts. 995.º, n.º 1, e 406.º, n.º 1, do CC, e o art. 182.º, n.º 1, do CSC.

[xc] Acerca desta, maioritariamente entendida como compreendendo, além de uma geral capacidade delitual civil, todos os atos, direitos e vinculações necessários ou convenientes à realização do seu fim lucrativo (direto ou, no caso dos agrupamentos societários, possivelmente indireto), ainda que, em concreto, fora do respetivo e contingente objeto, cfr. o art. 6.º do CSC. Acerca da respetiva capacidade delitual penal (e contraordenacional), cfr. a nota 86.

[xci] Acerca da necessidade do registo, cfr., designadamente, além do art. 5.º do CSC, os arts. 3.º, n.º 1, al. a), 13.º, n.º 2, 15.º e 17.º do CRCom. Quanto ao controlo de legalidade do conservador, hoje redobradamente importante, dada a supressão da escritura pública como requisito constitutivo geral, cfr., por ex., o art. 22.º do Anteprojeto de Coimbra de LSQ e a respetiva anotação, pp. 26 e s., bem como Correia (1989), pp. 85 e ss., 155 e ss., e os arts. 47.º e ss. do CRCom.

[xcii] Cfr. o art. 15.º do Anteprojeto de Coimbra de LSQ e a respetiva anotação, pp. 18 e s., em que se indicam três razões para a natureza constitutiva do registo: corresponde à orientação consagrada na generalidade das legislações e defendida pela doutrina; é a solução que possibilita aos terceiros o conhecimento fácil e seguro do momento em que a pessoa coletiva nasce; e é no momento do registo que ocorre o controlo dos requisitos constitutivos, cometido ao conservador, convindo que a personalidade jurídica só nasça após o mesmo. Cfr. também Correia (1989), pp. 137 e s.

[xciii] Cfr. também, por ex., a LSC espanhola (epígrafe do art. 37 e da respetiva secção) e, no direito francês, Merle (2014), pp. 113 e ss. A expressão comporta um sentido mais lato, compreendendo também as sociedades preliminares: cfr., por ex., Antunes (2006), Domingues (2001), e Serens (1997), pp. 23 e s. e 26, que usa as expressões pré-sociedade e sociedade em formação para se referir, em geral, às sociedades ainda sem registo.

[xciv] Arts. 19.º, n.º 1, al. a) e 16.º A falta de especificação implica a impossibilidade de assunção dos negócios em apreço (art. 19.º, n.º 4).

[xcv] Art. 19.º, n.º 1, al. c).No Anteprojeto de LSQ de Coimbra, cfr. o art. 31.º, n.º 3.

[xcvi] Art. 19.º, n.º 1, al. b). No Anteprojeto de LSQ de Coimbra, cfr. o art. 31.º, n.º 1, e, ainda, os arts. 24.º e 27.º

[xcvii] Art. 19.º, n.º 1, al. d).No Anteprojeto de LSQ de Coimbra, cfr. o art. 31.º, n.º 2, admitindo, ainda, uma autorização de todos os sócios posterior à escritura de constituição.

[xcviii] Substancialmente no sentido do texto, cfr. o art. 30.º, n.º 3, do Anteprojeto de Coimbra de LSQ. Contra, Pita (2004), pp. 469 e s., 491 e ss.

[xcix] Tendo existido uma sociedade preliminar, nos termos do art. 36.º, n.º 2, (ou uma sociedade irregular), é possível também uma transferência para a sociedade registada dos negócios e situações jurídicas daquela, no todo ou em parte, mas nos termos gerais, nomeadamente através da liquidação dessa sociedade anterior mediante trespasse. Cfr. também os arts. 37.º a 40.º do CSC e 46.º do ProjCS.

[c] Art. 19.º, n.º 2. Não é possível, no entanto, assumir, por esta via, negócios e situações jurídicas relacionados com a fundação da sociedade, entradas em espécie e aquisição de bens. Quanto a eles, torna-se necessária a sua especificação no contrato de sociedade (n.º 4; cfr. também o art. 9.º, n.º 2); e, ocorrendo esta, em princípio, haverá uma assunção automática, nos termos do n.º 1.

[ci] Note-se, porém, que, dado o efeito liberatório a que se refere o n.º 3 do preceito (cfr. a seguir), os administradores beneficiários estão impedidos de votar, por conflito de interesses, donde pode resultar a necessidade de fazer intervir a coletividade dos sócios.

[cii] Acerca o sentido a atribuir a este segmento, cfr., designadamente, Serens (1997), p. 30 e s., Domingues (2004), pp. 124 e ss., por um lado, e Abreu (2021), pp. 142 e s., por outro lado.

[ciii] Art. 19.º, n.º 3.

[civ] Havendo tal atividade negocial, o normal será o seu exercício ser levado a cabo em nome da sociedade tal como está e não em nome da futura sociedade registada. Por isso mesmo, em rigor, a sociedade deverá revelar às pessoas com quem contrata que se trata de uma SpQ ou SA em formação e fazer constar esta indicação da respetiva documentação externa (interpretando neste sentido o art. 171.º) e, inclusive, fazer constar tal menção da firma, como sucede na hipótese de algum modo simétrica da sociedade em liquidação (cfr. o art. 146.º, n.º 2). Na Alemanha, cfr., neste sentido, por ex., Schmidt (2002), p. 1018.

[cv] No sentido da responsabilidade do património social, além de Correia, supracitado, cfr., por ex.: Labareda (1988), pp. 196 e ss., maxime, 198, Duarte (1988), p. 19, Ascensão (2000a), pp. 110 e ss. e 162, Abreu (2021), pp. 130 e ss., Domingues (2004), pp. 121 e ss., Cunha (2019), pp. 250 e ss. Diferentemente do que dispunha o art. 125.º, n.º 3, do CREFal de 1993 (gerador de grave perplexidade, segundo Ascensão, pp. 112 e s.), o atual art. 2.º, n.º 1, al.e),do CIRE [com um âmbito mais alargado – cfr. Fernandes / Labareda, 2015, p. 80 (notas 8 e 9)] considera as sociedades em causa sujeitas à insolvência. No sentido de que a responsabilidade pessoal das pessoas em causa é exclusiva, cfr. Serens (1997), pp. 29 e s., Pita (2004), pp. 444 e ss., cfr., ainda, 432 e ss., 489 e ss. Para outros quadrantes, cfr., por ex., Angelici (1998), Galgano (2003), pp. 180 e ss. e 193, Campobasso / Campobasso (2011), pp. 164 e ss.

[cvi] A solução está também em sintonia com o regime aplicável às sociedades estrangeiras que, sendo a isso obrigadas, não tenham em Portugal representação permanente registada (art. 4.º, n.º 2). Quanto ao ulterior argumento de maioria de razão fundado no art. 36.º, n.º 2, correntemente invocado, cfr., no entanto, as observações críticas de Serens (1997), pp. 28 e s.

[cvii] Restringindo a responsabilidade da SpQ e SA em formação aos negócios enquadráveis no n.º 1 do art. 19.º, cfr. também Domingues (2004), pp. 121 e ss., 126 (invocando o princípio da exata formação do capital social e argumentando que, se, após o registo, a sociedade apenas assume ope legis as obrigações taxativamente previstas neste preceito, únicas garantidas pelo património social, o mesmo deve suceder na fase anterior ao registo; cfr. também pp. 127 e ss.).

[cviii] Este ponto carece, no entanto, de uma análise mais aprofundada.

[cix] No sentido da subjetividade-capacidade jurídica, cfr., designadamente, Abreu (2021), pp. 131, 168 e s., e infra, III, nota 245. Na Alemanha, cfr., por ex., Schmidt (2002), pp. 299, 789, 1017 e s.

[cx] Note-se que, mesmo tratando-se de uma situação transitória, se a SpQ ou SA é gerida como se fosse dotada de capacidade jurídica plena, sem haver fundamento contratual para isso, em rigor, também teremos uma sociedade irregular, mais precisamente, com funcionamento irregular; já contemplada na exposição precedente.

[cxi] Cfr., por ex., na LSC espanhola, o art. 39 e, sobre ele, Vera Torres (2021), pp. 817 e ss., com mais indicações.

[cxii] Sobre o assunto, cfr., por ex., Abreu (2021), pp. 135 e s. Para maiores desenvolvimentos acerca das sociedades em apreço, cfr., ainda, designadamente, com pontos de vista diversos: neste autor, pp. 127 e ss., Correia (1982), pp. 524 e ss., (1989), pp. 140 e ss., Antunes (2021), pp. 211 e ss., Cunha (2019), pp., 248 e ss., Labareda (1988), pp. 177 e ss. (tratando globalmente das sociedades de tipo comercial sem escritura e sem registo), Ramos / Martins / Costa (2017), pp. 612 e ss., Ramos / Costa (2017), pp. 344 e ss., Pita (2004), pp. 401 e ss., Serens (1997), pp. 26 e ss., Ascensão (2000a), pp. 108 e ss., Júnior (2020), pp. 250 e ss., e 169 e ss.

[cxiii] Acerca deste ponto, veja-se a Introdução e infra, n.º 4.3, onde se refere que o CAP societário pode compreender uma superstrutura social e orgânica e uma infraestrutura produtiva, mais ou menos separada da pessoa dos sócios.

[cxiv] Acerca deste ponto, cfr. Mendes (2010), pp. 1206 e s., 1216 e s., 1221 e ss.

[cxv] Cfr. os arts. 981.º, n.º 1, e 217.º do CC.

[cxvi] Enquanto membros variáveis, cfr. o n.º a seguir.

[cxvii] Cfr., por ex., Cordeiro (2018), pp. 555, 571 e s.

[cxviii] Cfr., em geral, Vela Torres (2021), pp. 783 e ss., López Sánchez (2013), pp. 58 e ss.

[cxix] Acerca do processo analógico (com as pessoas físicas ou pessoas em sentido próprio) como via de compreensão da personalidade coletiva e a consequente possibilidade de falar em graus, maiores ou menores de personalidade ou subjetividade jurídica, cfr. Galgano (2003), pp. 33 e ss., 193 e ss.

[cxx] Cfr. os arts. 1274.º, § único, 1276.º e ss. do CC e o originário art. 120.º, §§ 1.º, 2.º e 5.º, do CCom. Note-se que, quando Moreira (2008/09), apesar do teor do art. 108.º do CCom, negava a personalidade jurídica das próprias SNC, tinha em vista este figurino de sociedade, embora nessa negação também pesasse a falta de autonomia patrimonial perfeita (pp. 33 e ss., maxime, 290 e s.).

[cxxi] Cfr. os arts. 995.º, 1001.º e ss., e, ainda, o art. 1007.º

[cxxii] O sócio único supérstite pode decidir a dissolução imediata; e, quer neste caso, quer no da dissolução legal, pode decidir que todo o património da sociedade passa para si (cfr. o art. 140.º do CSC). No BGB, estabelece-se expressamente no § 712a, resultante da reforma de 2021, que a redução da sociedade a um único sócio determina a sua dissolução, sem liquidação, ficando o sócio supérstite titular do património social.

[cxxiii] Cfr., por ex., Lima / Varela (1997), p. 306. Estes autores apontam, ainda, a favor da sua posição, os arts. 988.º (prestação de contas) e 1000.º (compensação): pp. 300 e 313.

[cxxiv] Cfr. a Introdução, o n.º 2.1 e o que se referiu atrás, neste n.º 4.

[cxxv] Cfr., por ex., Lima & Varela (1997), p. 285 (n.º 4).

[cxxvi] Nos termos dos arts. 11.º e 12.º, al. c), e 15.º do CPC, as sociedades civis, personificadas ou não, têm personalidade e capacidade judiciárias, sendo a sua representação em juízo assegurada pelos respetivos administradores (ou quem eles nomearem) (arts. 25.º e 26.º).

[cxxvii] Cfr. também supra, n.º 2.1 e, quanto à atuação no tráfico jurídico através da infraestrutura empresarial, os arts. 248.º e ss. do CCom, 115.º, n.º 3, do CTrab e 258.º e ss. do CC.

[cxxviii] Acerca da necessidade ou não do registo, cfr. infra.Segundo Lima & Varela (1997), as alusões no Código ao registo têm a ver com as perspetivas, quando da sua feitura, de criação do mesmo, num prazo muito curto, para certas sociedades civis (pp. 289 e s., n.º 2).

[cxxix] Cfr. neste sentido, no direito italiano, por ex., Galgano (2003), pp. 78 e s. e nota 86, (2010), p. 2283.

[cxxx] Vejam-se, supra, as observações acerca da forma do contrato (n.º 4.1).

[cxxxi] A rigidez desta regra (cfr. também o art. 14.º do CRCom) pode, no entanto, ser temperada, admitindo a prova de um conhecimento efetivo por parte de certo terceiro do que consta do pacto social.

[cxxxii] Quanto à dúvida existente acerca das sociedades civis gerais, cfr. supra, n.º 2.1. No caso das sociedades profissionais, como se viu ( supra, n.º 2.2), há lei especial, que elege como entidade registadora o RNPC; mas mesmo neste caso o sistema não é claro. Se o objeto da sociedade é mercantil, deve entender-se que a sociedade está, para este efeito, sujeita a registo; quer se trate de uma sociedade preliminar, quer de uma sociedade irregular.

[cxxxiii] Não é claro que assim seja: a norma é suscetível de ser interpretada no sentido de que o objeto define o âmbito autorizado dos poderes, mas não afeta os poderes jurídico-representativos em si, aferíveis pela capacidade da sociedade (cfr. também o art. 6.º, n.º 4, do CSC).

[cxxxiv] Que, inclusive, estão obrigados a não exercer atividade concorrente (art. 990.º); e, pela mesma razão, devem também abster-se de desviar para si ou aproveitar-se de oportunidades de negócio da sociedade.

[cxxxv] Cfr. os arts. 983.º e s. e o art. 997.º

[cxxxvi] Cfr. os arts. 997.º e ss. e supra, n.º 2.1.

[cxxxvii] Como sucede com o EIRL, relativamente ao seu titular (cfr., designadamente, os arts. 1.º, n.º 2, 3.º, 10.º e s., 14.º e s., e 22.º do DL n.º 248/86).

[cxxxviii] Arts. 997.º, n.º 1, 1.ª parte, e 998.º, n.º 1.

[cxxxix] No CC de 1867, cfr. o art. 1274.º

[cxl] O art. 999.º é uma disposição imperfeita, justificando-se a sua interpretação e integração à luz do art. 183.º do CSC. Cfr. sobre o tema supra, n.º 2.1.2, e, por ex., Cordeiro (2018), pp. 544 e s.

[cxli] A solidariedade – característica das obrigações mercantis – traduz uma comercialização deste aspeto da sociedade civil, por via do CC italiano, que acolheu na matéria a regra existente no CCom de 1882. No direito português, cfr., no direito pretérito, os arts. 1272.º do CC e 153.º do CCom. Note-se que as sociedades são regidas por dois princípios fundamentais: o da separação da atividade social e o da separação patrimonial. Se eles não forem observados, com (potencial) prejuízo para os credores, o benefício da excussão prévia não se justifica (tal como não se justifica, nas sociedades de responsabilidade limitada, e também no EIRL, o benefício desta).

[cxlii] Acerca da autonomia patrimonial nas sociedades personificadas (e não personificadas), cfr., por ex., Correia (1968), pp. 60 e ss., 81 e ss., e (1982), pp. 547 e ss. Usamos a expressão subjetividade jurídica para referir a qualidade ou aptidão da sociedade para ser sujeito de direitos e de vinculações, deixando a expressão personalidade jurídica ou coletiva, preferencialmente, para os casos em que há o reconhecimento formal desta qualidade e uma correspondente equiparação geral às pessoas singulares. Mas também pode usar-se esta última expressão, distinguindo, num conceito amplo de personalidade coletiva, as pessoas coletivas em sentido estrito, ou plenas, com tendencial capacidade jurídica plena (compatível com a sua natureza coletiva e, porventura, com os seus fins), daquelas em que essa equipação não existe, carecendo a sua capacidade jurídica de ser determinada [cfr., substancialmente neste sentido, Cordeiro (2020), pp. 262 e ss., 317 e ss., e (2022), pp. 10 e ss., a respeito do BGB; cfr, também Andrade (1960), pp. 52 e s.]. E seria viável, ainda, utilizar como conceito geral o de capacidade jurídica, como propõe Gonçalves (2015), pp. 550 e ss., (2015a), pp. 121 e ss., e (2019), pp. 25 e ss. [definindo, como na Alemanha - cfr., por ex., Schmidt (2002), p. 181 -, a capacidade jurídica como a «suscetibilidade da titularidade de direitos e obrigações», envolvendo uma dimensão, simultaneamente, qualitativa e quantitativa], mas este tem o inconveniente de ter adquirido na dogmática jurídica nacional um significado essencialmente quantitativo, de medida de direitos e vinculações.

[cxliii] Cfr., neste sentido, designadamente, Moreira (1907-08), pp. 193 e ss., Correia (1989), pp. 134, nota 8, e 139, nota 9 (comunhão de mão comum), Lima / Varela (1997), pp. 287 e s. (n.º 8), citando, nomeadamente, o autor anterior, de que se transcrevem excertos de um trabalho inédito, preparatório do CC, Pinto (2005), pp. 295 e s., Pita (2017), pp. 1209 e s., 1225 e 1229, bem como as indicações constantes de Cordeiro (2020), pp. 318 e ss.

[cxliv] Cfr. Costa (2020), pp. 392 e ss., 422 e ss., Cordeiro (2020), pp. 291, 294 e s., 301 e ss., 322 e s., distinguindo as sociedades civis com personalidade jurídica plena (as formalmente constituídas e registadas) e as dotadas de personalidade rudimentar, Ascensão (2000), pp. 309 e ss. (havendo uma empresa, que o regime legal pressupõe – 2000a, pp. 10 e s.), Gonçalves (2015), pp. 597, 711 e ss., (2019), pp. 46 e s., e, fazendo-a depender de requisitos formais, Cunha (1971/72), Fernandes (2009), Mendes (1978), Vasconcelos (2010), Sequeira (2015), citados supra, n.º 2.1.2. Abreu (2021) elenca as razões pelas quais as sociedades civis simples (mesmo se formalmente constituídas) não constituem pessoas coletivas, pp. 173 e s.; mas depois de salientar o fraco significado normativo do conceito e de admitir entes dotados de subjetividade jurídica não personificados, entre os quais, as sociedades comerciais antes do registo (pp. 163 e ss., 168 e ss.). Ventura (2006), sem tomar aqui posição sobre o assunto, rebate também os argumentos a favor da personalidade jurídica (pp. 25 e ss.). Labareda (1988) não se pronuncia diretamente sobre o tema, mas cfr. a nota 245.

[cxlv] As sociedades civis gerais não estão contempladas no art. 3.º do DL n.º 158/2009, alterado e republicado pelo DL n.º 98/2015, e a LSP também não se ocupa do assunto.

[cxlvi] No caso das sociedades profissionais, cfr., por ex., a respeito das sociedades de advogados, o art. 30.º do anterior RJSAdv (aprovado pelo DL n.º 229/2004). Se todos os sócios forem administradores, bastará a assinatura dos pertinentes documentos pelos mesmos, como, para as SpQ, se dispõe no art. 262.º, n.º 2, do CSC.

[cxlvii] Cfr. os arts. 991.º e s. do CC e os arts. 2.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 6.º do CIRC.

[cxlviii] Em ambos os casos, a solução do CSC é diferente (arts. 67.º e 68.º), mas não substancialmente diferente.

[cxlix] No CSC, cfr. o art. 69.º

[cl] Com uma leitura diferente do Código, de cariz individualista, cfr. Lima e Varela (1997), p. 300, entendendo que as contas devem ser prestadas ao sócio que as solicitar e não à sociedade; que a circunstância de um administrador ter prestado contas a um sócio não o isenta de nova prestação de contas a outro ou outros sócios que a requeiram; e que, mesmo que as contas hajam sido aprovadas pela maioria dos sócios, a aprovação não é vinculativa para o sócio ou os sócios que o não fizeram, conservando estes o seu direito à prestação de contas. Note-se que, em última análise, esta interpretação da lei – se bem que em parte compreensível nas sociedades com apenas dois sócios - significa a negação à coletividade social da competência para deliberar a aprovação das contas, com a comum força vinculativa, para todos os sócios, das deliberações não procedentemente impugnadas. Sobre o tema, cfr. também Pita (2017), p. 1219, observando que, a respeito das sociedades irregulares, o STJ e as Relações têm admitido como forma de tutela dos sócios o processo de inquérito regulado nos arts. 1048.º e ss. do CPC (aquele que é referido nos arts. 67.º e s. do CSC), colocando a prestação de contas das sociedades civis na órbita do CSC, o que, contudo, só poderá acontecer por analogia.

[cli] Cfr. supra, n.º 3.2.2, e Ascensão (2000a), pp. 99, 103 e s.

[clii] Cfr., igualmente, Ascensão (2000a), pp. 25 e s., 99, 103 e s. (aplicação analógica). No sentido de que o art. 36.º, n.º 2, se aplica diretamente, cfr. Pita (2004), pp. 283 e ss., 302 e ss.

[cliii] Cfr. o que se disse acerca das sociedades preliminares ( supra, nº 3.2.2) e em formação (supra, n.º 3.2.3).

[cliv] Cfr. o art. 18.º, 1.º, do CCom.

[clv] Cfr o que se disse a respeito das sociedades civis, supra, n.º 2.1.2 e nota 43.

[clvi] Se, adicionalmente, a firma for indicativa de que se trata de uma SpQ ou SA ou se a sociedade é apresentada no tráfico como tal, para além de haver uma violação da norma de ordenação em apreço, a firma é enganosa (cfr. o art. 32.º do RRNPC) e esta prática também o é, caindo nas malhas do direito da concorrência desleal e das práticas comerciais desleais.

[clvii] Com efeito, o art. 7.º do CSC afasta o art. 981.º do CC. Acerca da nulidade, cfr. o art. 41.º Considerando nulo o contrato sem a forma exigida no CSC na própria sociedade preliminar ( supra, n.º 3.2.2), cfr., por ex., Correia (1989), 87 e 138, Serens (1997), pp. 24, 28 e 31, Abreu (2021), p. 124, Pita (2007), pp. 269 e ss. Contra, sem distinguir sociedades preliminares e irregulares, cfr., por ex., Castelo (2016), pp. 293 e ss., 299 e ss., e o Ac. STJ de 19.11.1996. Cfr., ainda, Antunes (2021), p. 209 e notas 454 e s., e Pita (2004), pp. 283 e ss., com mais indicações.

[clviii] Cfr. os arts. 52.º, para que remete o art. 41.º, n.º 1, e 165.º do CSC, e supra, a respeito das sociedades preliminares, n.º 3.2.2.

[clix] Já assim podia entender-se, substancialmente, na vigência do CCom. A grande novidade do CSC reside na circunstância de ter contemplado duas situações específicas em que o início da atividade social sem estar completo o processo constitutivo de uma sociedade de direito comercial é tolerado, escapando à lógica estrita das sociedades irregulares, designadamente, à sujeição a liquidação, mediante ação direta do MP ou ação de nulidade: a das sociedades preliminares (art. 36.º, n.º 2 do CSC) e a das sociedades em formação (arts. 37.º e ss. e 19.º). Na verdade, tratando-se de situações provisórias, tal sujeição a liquidação mostra-se desprovida de sentido, como se observou no lugar próprio (cfr., sobretudo, supra, n.º 3.2.2).

[clx] Note-se que a jurisprudência tributária também distingue as sociedades «irregulares» das sociedades civis gerais, negando-lhes o regime de transparência fiscal. Cfr. o acórdão do STA de 5.02.2014.

[clxi] Acerca desta oponibilidade, nas sociedades civis, cfr. o que se escreveu supra, n.º 4.3.

[clxii] Arts. 997.º, n.º 1, 1.ª parte, e 998.º

[clxiii] Arts. 997.º e 998.º, n.º 2.

[clxiv] Cfr., a respeito da exoneração e da exclusão, o art. 1006.º, n.º 1, do CC. Cfr. também o art. 1016.º, aplicável, mutatis mutandis, tendo, ainda, em conta a obrigação de quinhoar nas perdas (art. 992.º), quando houver lugar à liquidação da participação social, com potencial valor negativo, em vida da sociedade.

[clxv] À semelhança do que se observou a respeito da vinculação da sociedade: supra, n.º 5.1.1.

[clxvi] Ressalvam-se os casos em que a perda da qualidade de sócio tenha resultado de sentença judicial - situação que ocorrerá, naturalmente, se a exoneração e a exclusão tiverem sido judiciais – ou haja sido posteriormente reconhecida por sentença. Aqui tem especial interesse a eventual exoneração fundada na irregularidade da sociedade, mormente de sócios que se tenham oposto à continuação da atividade de uma originária sociedade preliminar; exoneração essa fundada em justa causa (cfr. o art. 1002.º, n.º 2) e de possível exercício judicial ou possível objeto de sentença destinada a reconhecê-la, se exercida extrajudicialmente.

[clxvii] Isto resulta da interpretação adaptada do art. 1006.º, n.º 2, do CC.

[clxviii] Acerca desta, cfr. infra, n.º 6.

[clxix] Se a sociedade já se encontrar em liquidação, no sentido de que não há lugar para um processo autónomo, cfr. o acórdão do TRC de 9.01.2012.

[clxx] Cfr., por ex., os acórdãos do STJ de 9.11.1996 e 7.1.1999. Na mesma direção, Castelo (2016), p. 294. Considerando que, sendo nulo o contrato, os interessados não podem fazer valer direitos como o presente, tornando-se necessário, para o efeito, requerer a prévia regularização da sociedade ou a sua efetivação no processo de liquidação, cfr. Pita (2004), pp. 318 e ss. No acórdão do TRP de 23.0.3.2006, admitiu-se o inquérito judicial à sociedade irregular para apurar se o requerido devia prestar contas da sua administração.

[clxxi] Cfr. supra, n.º 3.2.1.

[clxxii] Neste caso, pode questionar-se a aplicação do art. 988.º do CC, mas o problema é distinto do da aplicação do processo especial.

[clxxiii] Acresce a dissolução, referida a seguir .

[clxxiv] A coordenada fundamental do sistema pode encontrar-se no art. 4.º, n.º 3. Defendendo, em geral, a aplicação às sociedades em apreço do art. 36.º, n.º 2, cfr. Pita (2004), pp. 520 e ss.

[clxxv] Cfr. supra, n.º 5.1.2.

[clxxvi] Arts. 997.º, n.º 1, 1.ª parte, e 998.º do CC.

[clxxvii] Arts. 997.º e 998.º, n.º 2, do CC.

[clxxviii] Cfr., a respeito da exoneração e da exclusão, o art. 1006.º, n.º 1, do CC. Cfr. também o art. 1016.º, aplicável, mutatis mutandis, tendo também em conta a obrigação e quinhoar nas perdas (art. 992.º), quando houver lugar à liquidação da participação social, com potencial valor negativo, em vida da sociedade.

[clxxix] À semelhança do que se observou a respeito da vinculação da sociedade: supra, n.º 5.1.1.

[clxxx] Cfr. o art. 3.º, n.º 1, al. i), do CRCom.

[clxxxi] Ressalvam-se os casos em que a perda da qualidade de sócio tenha resultado de sentença judicial (cfr. supra, nota 166).

[clxxxii] Isto resulta da interpretação adaptada do art. 1006.º, n.º 2, do CC.

[clxxxiii] Acerca desta, cfr. infra, n.º 6.

[clxxxiv] Cfr. supra, n.º 3.2.1.

[clxxxv] Mais restritivo, Pita (2004), pp. 329 e ss., 353 e ss.

[clxxxvi] Sobre o tema, cfr. também Pita (2004), pp. 497 e ss., 520 e ss., 579 e ss., 592 e s.

[clxxxvii] Cfr. supra, n.ºs 2 e 4.

[clxxxviii] Cfr. supra, n.º 2.2.

[clxxxix] Cfr. o art. 5.º, n.º 1, da LSP e art. 5.º do CSC, bem como supra, n.º 2.2.

[cxc] Cfr. o art. 158.º, n.º 1, do CC (e, ainda, o art. 168.º) e supra, n.º 2.1.2.

[cxci] Cfr. o art. 1.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 129/98 [e também a al.d)] e, ainda, os arts. 6.º e 10.º, 11.º, n.ºs 2 e 4, 42.º e 61.º, e supra, n.º 2.1.

[cxcii] Estas sociedades, embora possam constituir um grupo ou unidade coletiva de ação mais ou menos organizado (funcionalmente estruturado), deter um mais ou menos significativo património voluntária e legalmente afeto à realização do seu fim, e identificar-se através de uma firma distintiva, não confundível com outras firmas (e demais sinais distintivos alheios) existentes, bem como uma sede e outros elementos de referência e localização, geográfica e institucional (no mercado), não se encontrando registadas, não são titulares de um direito de exclusivo sobre a firma, mesmo que esta haja sido certificada (cfr. a nota anterior e supra, n.º 2.1.2).

[cxciii] Esta última situação pode ocorrer, designadamente, quando falece o titular de uma empresa e a atividade é continuada, sem mais, em modo coletivo, pelos sucessores, no quadro da herança indivisa. Havendo em tal caso uma sociedade, cabe notar, ainda, que, se o objeto for comercial, a sociedade será irregular, não uma simples sociedade civil (regular).

[cxciv] Cfr., neste sentido, por ex., Fernandes (2009), pp. 503 e ss., com mais indicações nas pp. 499 e ss., Cordeiro (2020), pp. 322 e s., e as restantes referências constantes da nota 40 (n.º 2.1.2).

[cxcv] Cfr., ainda, o art. 17.º do CCoop, a base IV da Lei n.º 4/73 (relativa aos ACE) e o art. 1.º do DL n.º 148/90 (relativo aos AEIE com sede em Portugal) e supra, n.º 2.1.2. No sentido, mais exigente, de que a sociedade tem personalidade jurídica plena se for observado o procedimento legalmente exigido para a constituição das associações e a mesma for inscrita no RNPC, cfr., designadamente, Cordeiro (2020), pp. 322 e s.

[cxcvi] Dentro delas, ainda podem separar-se as sociedades constituídas mediante contrato escrito, contendo os dados essenciais de identificação e caracterização da sociedade como CAP e uma concomitante manifestação de vontade de participar no tráfico jurídico (cfr. supra, n.º 4.1,in fine).

[cxcvii] Cfr. a nota 144 (n.º 4.4).

[cxcviii] Cfr., por ex., as indicações fornecidas por Vela Torres (2021), pp. 783 e ss., López Sánchez (2013), pp. 58 e ss.

[cxcix] Cfr., designadamente, os §§ 717 a 719. Note-se, porém, que, embora a reforma do direito das obrigações de 2001/2002 não tenha contemplado as sociedades civis, o § 14 BGB passou, então, a incluir as sociedades de pessoas dotadas de capacidade jurídica – isto é, providas de capacidade ou aptidão para adquirir direitos e assumir vinculações – na figura do empresário, a par das pessoas singulares e das pessoas coletivas [cfr., por ex., Schmidt (2016), pp. 107 e ss.]. No regime instituído pela reforma do direito das sociedades de pessoas de 2021, distinguem-se as sociedades dotadas de capacidade ou subjetividade jurídica – aquelas que, segundo a vontade comum dos sócios, se destinem a participar no tráfico jurídico, o que se presume se o objeto social for a exploração de uma empresa sob uma designação comum –, para as quais esse regime é especialmente talhado, das que a não têm (meramente internas): novo § 705. O papel fundamental, na reconstrução da Gesamthand societária neste sentido, coube a Flume (1972), pp. 177 e ss., (1974), pp. 27 e ss. (1977), pp. 1 e ss., 69 e ss., 87 e ss. Cfr., ainda, por ex., Schmidt (2002), pp. 181 e ss., 169 e s., 196 e ss., 206 e ss., 295, 1288 e ss., 1362 e ss., 1695 e ss., 1771 e ss., (2009), pp. 182 e ss. (considerando que Flume, mais que reformular a comunhão de mão comum, retirou dela a sociedade civil), Ulmer (1998), pp. 113 e ss., Mülbert (1999), pp. 38 e ss., Schäfer (2020), pp. 6, 173 e ss., mormente, n.ºs 311 e ss., e, entre outras, as sentenças do BGH de 29.01.2001 e 4.12.2008, bem como, entre nós e com mais indicações, Cordeiro (2022), pp. 10 e ss.

[cc] Cfr., por ex., com mais indicações, Campobasso / Campobasso (2011), pp. 46 e s. Acerca da posição de Galgano, igualmente com referências, cfr. (2003), pp. 33 e ss., 193 e ss., (2010), p. 2267.

[cci] Cfr., por ex., Azéma / Galloux (2006), pp. 803 e ss. No CPI português, cfr., designadamente, os arts. 210.º e ss. e 249.º

[ccii] Cfr. o art. 1842 do CCfr. Note-se, ainda, a exigência de forma escrita, prescrita no art. 1835. Numa linha semelhante à do direito francês, mas admitindo sociedades não registadas patrimonialmente autónomas (em mão comum), cfr. os arts. 985, 986 e ss., 997 e ss. do CC brasileiro.

[cciii] Na Alemanha, é, hoje, corrente a distinção entre sociedades apenas dotadas de capacidade (ou subjetividade) jurídica (sociedades de pessoas, registadas ou não, e sociedades em formação) e sociedades pessoas jurídicas (sociedades de capitais, registadas), embora nem todos os autores assim o entendam: cfr., por ex., Raiser (1999), pp. 104 e ss., 136 e ss., e as indicações fornecidas por Gonçalves (2015a), p. 145. Entre nós, distinguem os conceitos, por ex., Abreu (2021), pp. 161 e ss., 167 e ss., Costa (2020), pp. 422 e ss., maxime, 426 e ss. Outros autores preferem falar em personalidade jurídica plena e pessoas coletivas dotadas de personalidade jurídica plena (ou comuns) e em pessoas coletivas rudimentares, cabendo neste último caso as sociedades civis em apreço: cfr. Cordeiro (2020), pp. 262 e ss., 278 e ss., 293 e ss., 313 e s., 317 e ss., maxime, 322 e s., (2022), pp. 19 e s., com mais indicações, e Andrade (1960), pp. 52 e s. Cfr., ainda, com diversas perspetivas, Moreira (1907-1910), pp. 434 e ss., 449 e ss., 481 e ss., Pinto (2005), pp. 269 e ss., 294 e ss., Fernandes (2009), pp. 128 e ss., 429 e ss., 484 e ss., Ascensão (2000), pp. 215 e ss., 247 e ss., 303 e ss., Gonçalves (2015), maxime, pp. 312 e ss., 353 e ss., 394 e ss., 490 e ss., 534 e ss., 562 e ss., 604 e ss., (2019), pp. 9 e ss., Ribeiro (2016), pp. 55 e ss., Vasconcelos (2010), pp. 127 e ss., 204 e ss., Albuquerque (2017), pp. 568 e ss., 691 e ss., 726 e ss., 780 e ss., 870 e ss., Sequeira (2015), pp. 438 e ss., (2022), pp. 289 e ss.

[cciv] Com o adicional esclarecimento de que a representação também pode ser atribuída a terceiros (cfr. o art. 997.º, n.º 2).

[ccv] Cfr. também Costa (2020), pp. 395 e s., 422 e ss., Cordeiro (2020), pp. 321 e s.

[ccvi] Arts. 990.º e 1019.º, n.º 1.

[ccvii] Art. 985.º

[ccviii] Art. 980.º

[ccix] Arts. 980.º e 991.º; cfr. também, na liquidação, o art. 1018.º

[ccx] Art. 988.º Note-se que esta expressão abrange, simultaneamente, negócios jurídicos específicos, cadeias de negócios e o próprio negócio social (business), com o respetivo património e eventual empresa ou práxis profissional.

[ccxi] Art. 996.º, cfr. também o citado art. 985.º, para que este remete, e os arts. 12.º, al.c),15.º e 26.º do CPC.

[ccxii] Art. 1010.º e arts. 984.º, 989.º, 995.º, n.º 2, e 1016.º, n.º 2.

[ccxiii] Arts. 1000.º e 10003.º, als. a) e c),e, ainda, 990.º e 1016.º, n.º 1.

[ccxiv] Arts. 1000.º, 1016.º, n.º 1, e 1018.º, n.º 1; cfr., ainda, os arts. 991.º e 1021.º e o art. 999.º

[ccxv] Art. 997.º

[ccxvi] Art. 998.º, com alusão aos representantes, agentes ou mandatários da sociedade. Cfr., ainda, o art. 11.º, n.º 5, do Código Penal.

[ccxvii] Art. 997.º, n.ºs 1 (2.ª parte), 2 e 4.

[ccxviii] Art. 997.º, n.º 3.

[ccxix] Art. 2023.º, n.º 2, al. b).

[ccxx] Art. 999.º

[ccxxi] Arts. 1021.º e 1001.º

[ccxxii] Arts. 1001.º, 1007.º e ss. e art. 1020.º

[ccxxiii] Art. 1002.º

[ccxxiv] Art. 1005.º

[ccxxv] Art. 1007.º, al. e), e art. 2.º, n.º 1, al. d), do CIRE.

[ccxxvi] Art. 1021.º, n.º 1.

[ccxxvii] Cfr. os arts. 992.º e 994.º

[ccxxviii] Art. 990.º

[ccxxix] Arts. 42.º, 56.º e 61.º do RRNPC e supra, n.º 2.1.2.

[ccxxx] Art. 130.º, nºs 2 a 4 e 6. Para uma apreciação crítica, cfr. Gonçalves (2015), pp. 700 e ss.

[ccxxxi] Cfr., no entanto, Moreira (1908/09), pp. 193 e ss., e, a respeito das SNC (e SCS), apesar dos arts. 108.º e 13.º, 2.º, do CCom, pp. 3, 19, 33 e ss., 49 e ss., 81 e s., 225 e ss., 241 e ss., 289 e ss. As próprias SpQ teriam esta condição, p. 258.

[ccxxxii] Note-se que o EIRL também é dotado de uma firma, que o identifica como CAP patrimonialmente autónomo (não podendo reduzir-se a um simples património autónomo): cfr. os arts. 1.º e 2.º, n.º 2, al. a),do DL n.º 248/86, o art. 40.º do RRNPC e Mendes (2022), pp. 201 e ss.

[ccxxxiii] Cfr. os arts. 12.º, al. c), e 26.º do CPC, o art. 11.º, n.ºs 2 e 5, do CPen, o art. 7.º, nºs 1 e 2, do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001), os arts. 2.º e 3.º do DL n.º 28/84, o art. 7.º do DL n.º 432/82 (utilizando um conceito amplo de «associações sem personalidade jurídica) e o art. 407.º do CVM, o art. 2.º, n.º 1, al. d), do CIRE (e Fernandes / Labareda (2015), p. 80, nota 7), e o art. 2.º, n.º 2, do CIRC.

[ccxxxiv] Note-se que, embora comece por assinalar, nas sociedades, a autonomia patrimonial perfeita como essencial para a existência de uma pessoa coletiva, Moreira (2008/09), pp. 243, 258 e ss., 290 e s., acaba por reconhecer que as cooperativas de responsabilidade ilimitada também seriam pessoas coletivas, considerando que a nota distintiva de uma sociedade pessoa coletiva (para si, apenas as SA, além das então sociedades cooperativas) e de uma sociedade comunhão de mão comum (em que inclui as próprias SpQ – p. 258) reside na não dependência da primeira da vontade e das contingências relativas aos sócios, o que, segundo o regime então vigente, não sucedia, nem com as sociedades civis, nem com as SNC.

[ccxxxv] Cfr., designadamente, Costa (2020), pp. 422 e ss.

[ccxxxvi] Embora um verdadeiro direito de exclusivo pressuponha o registo da sociedade (cfr. os arts. 42.º, 36.º, n.º 3, para o qual aquele remete, e 61.º, n.º 1, al. a), do RRNPC).

[ccxxxvii] Cfr., por ex., Lima e Varela (1997), indicando, além deste art. 1000.º, p. 313, sobre o qual também pode ver-se Pita (2017), p. 1229, o art. 988.º, p. 300, acerca do qual pode ver-se o que se escreveu no n.º 4.5, e o art. 995º, p. 306 (cfr., também, Pita (2017), p. 1225), que ainda se retoma a seguir.

[ccxxxviii] Cfr., aparentemente neste sentido, Cordeiro (2018), pp. 554 e s., observando, ainda, que, se os interessados tiverem adotado como forma do contrato, designadamente, a escritura pública, conseguindo-se desse modo uma sociedade dotada de personalidade jurídica plena, nesta visão das coisas, a cessão também haverá de revestir tal forma. No direito brasileiro, apesar da personalidade jurídica da sociedade simples (registada), a cessão da participação é vista como uma modificação do contrato de sociedade que requer o consentimento dos demais sócios» (cfr. o art. 1003 do CC) e fica sujeita às formalidades que lhe são próprias – incluindo a apresentação de instrumento autenticado com o pedido do registo (cfr. o art. 999).

[ccxxxix] Contra a ideia de que a personalidade e a subjetividade jurídica são conceitos qualitativos, insuscetíveis de gradações, cfr., por ex., Cordeiro (2020), pp. 276 e ss., 293 e ss., (2020a), pp. 419 e ss., (2022), pp. 19 e ss., e Galgano (2003), pp. 33 e ss., 193 e ss.; e, já Andrade (1960), pp. 52 e s., falava em personalidade coletiva plena e limitadaoufracionária, embora não a reconhecesse às sociedades civis puras(pp. 83 e s.). Preferindo falar em capacidade, relegando a personalidade jurídica para o domínio circunscrito da tutela da personalidade, cfr. Gonçalves (2015), pp. 550 e ss., (2015a), pp. 121 e ss., 140 e ss., Gonçalves (2019), pp. 25 e ss. Cfr., ainda, a respeito das sociedades, Abreu (2021), pp. 163 e ss., e Costa (2020), pp. 422 e ss.

[ccxl] A possibilidade de registar uma sociedade civil (fazendo constar do registo os sócios) foi reconhecida na Alemanha, pelo BGH, mediante sentença de 4.12.2008, e depois legalizada, mas, segundo o novo regime que entrará em vigor em 2024, apenas a sociedade civil registada (cfr. a nova redação do § 707 e os arts. segs.) poderá inscrever-se como tal no registo predial (nova redação do § 47, Abs. 2, da GBO), no registo das ações (nova redação do § 67 da AktG), etc.: cfr. os arts. 40, 61, etc., da MoPeG(Lei de modernização do direito das sociedades de pessoas, de 10.08.2021).

[ccxli] Concordando com uma decisão do TRL que admitiu o exercício de semelhante direito numa SNC, cfr. Moreira (1908/09), pp. 43 e s. Note-se, porém, que a resposta pode ser negativa, sem afirmar a subjetividade da sociedade.

[ccxlii] Cfr., a respeito de uma associação não reconhecida, o acórdão do TRL de 18.01.2000 (negando-o).

[ccxliii] Cfr., por ex., Cordeiro (2020), p. 323, (2022), pp. 19 e s.

[ccxliv] Acerca destas, cfr. também os arts. 4.º, n.º 1, al. c), e 10.º do DL n.º 129/98 e supra, n.º 3.2.3. Note-se, contudo, que, por razões especiais, sobretudo de proteção de quem entra em relação com a sociedade definitiva ( maxime, negociando com ela ou adquirindo nela uma participação), a sociedade apenas terá capacidade geral se os interessados a configurarem como tal, nos termos do art. 19.º, n.º 1, al. d), do CSC.

[ccxlv] Cfr. supra, nºs 3.2.2, 3.2.3, 5 e 6, e, por ex., Abreu (2021), pp. 131, 168 e s. (subjetividade jurídica, apesar da falta de personalidade), Ramos / Martins / Costa (2017), p. 613 (capacidade jurídica, apesar da falta de personalidade), Cordeiro (2020a), p. 422, (2022), p. 19, Ascensão (2000a), pp. 161 e ss., Gonçalves (2015), pp. 604 e ss., (2019), pp. 36 e ss. Considerando que, nas sociedades irregulares lato sensu, há apenas um património autónomo, cfr., por ex., Cunha (2019), pp. 257 e s., e, negando a personalidade jurídica, cfr. também Castelo (2016), p. 289. Labareda (1988) tem uma visão da sociedade e do respetivo regime jurídico capaz de sustentar a sua personalidade ou subjetividade jurídica, ainda que limitada (com capacidade limitada, designadamente quanto ao estatuto ativo do comerciante), mas, sobretudo em face da redação inicial do art. 36.º, n.º 2, acaba por reconduzi-la a um património autónomo (dinâmico), que suporta a atividade social (pp. 188 e ss.), admitindo que, em face da atual redação deste preceito, a posição mereça ser revista (p. 204, nota 3).